Segredos Submersos escrita por lovegood


Capítulo 30
O aniversário e o anoitecer




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/115076/chapter/30

Não soube como, mas de alguma forma meus amigos improvisaram para mim um bolo de aniversário.

Harry, Ron, Percy, Annabeth, Nico, Thalia e também Grover, com a ajuda de algumas das ninfas e dríades que auxiliavam na administração da casa de repouso, fizeram-me sentar em uma mesa e, poucos minutos mais tarde, havia um generoso bolo de morango a minha frente.

Bolo de morango sempre foi o meu preferido.

– Os morangos foram colhidos nos campos do Acampamento Meio-Sangue – disse uma das dríades, ao ver a surpresa em meu rosto. Sorrir e agradecer foi a única coisa que consegui propriamente fazer.

Depois de todo o sofrimento, machucados e lágrimas despejadas nos últimos dias, sentir o gosto do bolo descendo por minha garganta foi a melhor coisa que pôde me acontecer.

Estávamos todos nós sentados na mesa de madeira, em volta da sobremesa, agora quase inteira devorada. Sorríamos, contávamos piadas e, de forma geral, eu estava incrivelmente satisfeita em ser capaz de tê-los encontrado novamente, mas ainda assim, às vezes, os sorrisos pareciam forçados. Por trás das risadas e tentativas de acalmar o clima com uma festa de aniversário, dava para notar que havia um sentimento a mais ali presente, que todos pareciam tentar esconder.

Talvez fosse medo, ou preocupação, ou cansaço. Ou os três.

Não dava para culpá-los de tal coisa, quando eu mesma também me sentia assim. Perguntei-me o que poderia ter acontecido com o grupo, enquanto eu estivera ausente.

– Dezenove anos, hein, Hermione? – disse Thalia. – O tempo passa.

– Pois é – limitei-me a concordar. – Pois é.

Parecia que repetir tal afirmação faria aquele estranho e desconhecido peso em meus ombros ir embora.


O resto do dia correu normalmente, sem surpresas. Permaneci o máximo possível em repouso, ora na cama, ora nos sofás. Uma vez ou outra, cheguei a observar a paisagem natural e calma por fora das grandes janelas de vidro do local.

As dríades eram gentis ao cuidarem de mim e do resto do grupo, e finalmente pude descansar. Passei a tarde alternando entre dormir, trocar curativos e ler.

As horas passaram mais rápidas do que eu imaginei e logo já era noite. Permaneceríamos na casa de repouso por essa madrugada e talvez na próxima, dependendo de como eu acordasse no próximo dia. Por mais que eu quisesse ficar neste local para sempre, não precisando me importar com nada que acontecesse lá fora, eu sabia que deveríamos sair amanhã. A estabilidade do mundo dependeria disso.

Pensei em quanto tempo levaria para Pallas começar de fato a arruinar o mundo, libertando os outros titãs e vindo atrás de nós. Pensei em quanto tempo levaria até a superfície terrestre ser destruída, pela ausência de Poiseidon. Pensei em quanto tempo levaria até o encontrarmos e convencermos os deuses a colocá-lo de volta no Olimpo, bem como quanto tempo levaria até a Suprema Corte dos Bruxos se envolver com todo este assunto.

Pensei em tudo isso e a única coisa decente que consegui fazer no momento foi suspirar.

Esfreguei os olhos com as costas das mãos, entrando novamente no quarto. Já havíamos jantado e eu estava cansada, outra vez. Sentei-me na cama e senti a brisa calma do anoitecer bater em minhas costas, vinda da janela aberta. Tornei a olhar a paisagem escurecida por trás dela, com um certo ar de nostalgia.

Permaneci na mesma posição por um longo tempo, sem realmente perceber o que estava acontecendo. Foi uma leve batida na porta que me sobressaltou e me fez sair daquele transe.

A porta se abriu e uma silhueta apareceu por trás, fechando-a logo atrás de si e entrando quietamente no cômodo. O quarto estava em penumbra, iluminado apenas pela luz do anoitecer lá de fora, portanto levou alguns segundos até eu perceber que a pessoa era Percy.

– Oi – murmurou ele, um tanto tímido. Sorri sem abrir os lábios, mas acho que ele não percebeu. – Tudo bem com você?

Assenti. Quase não havíamos nos falado desde a pequena festa de aniversário, e, quando nos falamos, havíamos trocado apenas poucas palavras.

– Tudo – respondi, enquanto Percy avançava em passos calmos pelo quarto e sentava-se na cadeira ao lado de minha cama, a mesma que Grover estivera sentado ontem. – Aconteceu alguma coisa?

Percy deu de ombros.

– Depende o que você define como “coisa” – franzi as sobrancelhas. – Nos últimos dias têm acontecido muitas “coisas”.

Permiti-me a rir, mesmo que levemente.

– Pois é – repeti o que eu antes dissera à Thalia. Aquietamos-nos por um breve instante, antes que eu interrompesse com um pigarro. – Percy... o que aconteceu com vocês enquanto estive ausente?

Por um segundo senti uma onda familiar varrer a situação em que eu e Percy estávamos no momento, como um déjà vu – minha mente voltou a lembranças de poucos dias atrás, na conversa na varanda do hotel, na primeira noite de nossa missão. Parecia ter acontecido há uma eternidade.

Ele suspirou e esfregou as mãos uma na outra. Seu olhar se desviou para o chão.

– Muitas “coisas”, Hermione.

– Mas... vocês tiveram algum progresso na missão? Em questão de descobrir novas informações, quero dizer.

– Não muito. Até que tentamos, sabe como é, mas aquele homem-lobo – William Wilson, minha mente gritou e simultaneamente sufocou o pensamento – no cemitério desviou totalmente o rumo da missão, não é? Hermione... nós... quer dizer, você não tem ideia do quão desesperados ficamos.

– Eu até que entendo – falei. Agora, era meu olhar que se dirigia aos pés.

– A gente não tinha a mínima ideia do que fazer, nem como poderíamos começar a fazer o que tínhamos que fazer para achá-la. – Percy aquietou-se momentaneamente. – E, depois de toda aquela luta com o lobo e os quintípedes, um monte de monstros começaram a ir atrás de nós.

– Por quê?

– Provavelmente pelo rastro mágico que deixamos, por todo o uso de feitiços – Percy notou o tom que meu rosto possivelmente assumiu, que eu sentia-me já culpada por tal coisa ter acontecido. – Não, Hermione. Não pense em dizer que foi culpa sua.

– Mas...

– Você, Harry e Ron usaram mágica porque era absolutamente necessário. Não teria como encarar aquele membro dos titãs e as aranhas peludas sem que vocês usassem suas varinhas, ok?

Meus lábios franziram automaticamente e minha visão já voltava a ficar turva. Concordei com a cabeça, sem olhar para Percy, fungando.

– Desculpe – murmurei, esfregando o nariz. Respirei fundo e tentei controlar as lágrimas, com raiva de mim mesma. Eu estava chorando demais ultimamente e isso me irritava, mas às vezes eu não parecia ser capaz de me controlar. Falei isso a Percy e ele pareceu soltar um riso baixo. Peguei as mãos dele.

– Não, eu me desculpo – ele disse de repente, dando de ombros, em um tom casual. Franzi o cenho. – Eu sei que é difícil não se culpar depois de tanta porcaria acontecer. Mas você não é culpada de nada, Hermione, saiba disso.

Ficamos em silêncio por alguns segundos. O vento batendo nas árvores ainda era o único ruído audível.

– É... sonhei com Poseidon há algumas noites, a propósito – comentou Percy. Olhei-o logo, alarmada e erguendo as sobrancelhas. – Enquanto a procurávamos. Já comentei que nenhum de nós tinha ideia do que fazer... assim que conseguimos escapar de todos os monstros lá em Filadélfia, fomos para um hotel. Sabíamos que teríamos que bolar um plano para conseguir achá-la, Hermione, e que teríamos que deixar nossas cabeças falarem antes dos instintos. E, bem, na situação em que a gente estava, ser racional e não deixar o desespero tomar conta de nós foi bem difícil. Fomos a um hotel, portanto. E foi nessa noite que tive o sonho com nosso pai.

A palavra nosso nunca soou tão estranha aos meus ouvidos.

– Conversou com ele? – Percy assentiu. – Ele ainda está em Siracusa?

– Na Itália, sim. Ainda exilado e cada vez mais fraco, Hermione. Algumas criaturas do oceano estão se aliando com os titãs, e parecem querer atacar Poseidon. Ele disse que nunca vira um número tão grande parecer começar a voltar do Tártaro.

– É por causa de Pallas – falei, e Percy pareceu confuso. Lembrei-me que até então eu não comentara nada sobre o que havia acontecido comigo. – Depois eu explico melhor. Continue.

Percy continuou. A conversa entre ele e Poseidon fora breve, este dissera a ele quase os mesmos avisos que foram dados a mim, em meu sonho. O deus dos mares só queria relembrá-lo que estava bem, apesar de tudo, e que não poderíamos desistir de nossa busca para falar com os outros deuses. Não faltava muito tempo até o planeta começar a perceber as consequências de sua ausência e dos ataques dos titãs.

Ao acordar, Percy estabeleceu sua conexão mental com Grover, para avisá-lo sobre mim para começar a realizar buscas. Grover então contatara os membros do Conselho do Casco Fendido e várias criaturas espalhadas pelos estados ao redor da Pensilvânia. O grupo, portanto, ao mesmo tempo passou a me procurar e procurar os deuses que havíamos planejado outrora.

– Tudo isso enquanto fugíamos de uma jorrada de monstros – complementou Percy. – Mas infelizmente, não conseguimos achar Atena nem qualquer outro deus. Dá a impressão que os deuses estão aos poucos se distanciando. Seria por causa de Poseidon? Ou do mundo bruxo colidindo com o olimpiano?

– Ou os dois – falei, suspirei e esfreguei o rosto com as mãos. Parecia tudo uma bola de neve; três situações já caóticas em si que resolveram se juntar, criando um caos maior ainda. – Até porque, acho que não era Atena quem primeiramente deveríamos procurar.

– Como assim? Hermione, você sabe que a ordem em que encontramos os deuses não realmente nos importa, né?

– É, eu sei. Mas lá no museu de Edgar Allan Poe, Annabeth e eu havíamos pensado que a pista se dirigia à Atena, por causa do poema “O Corvo”. Esse texto menciona um busto da deusa, referindo-se a ela como Pallas, mas a pista para nós não se referia a Pallas Atena.

Os olhos azuis de Percy se iluminaram.

– Referia-se ao titã. Pallas, o titã – continuei. – É ele quem está por trás da conspiração contra os Olimpianos. Pallas está se aproveitando do declínio do Olimpo, com a saída de Poseidon, para formar um exército de criaturas saídas do Tártaro e bruxos conspiradores.

– Mas para quê?

– Provavelmente vingar os titãs caídos, não sei. Mas Pallas fará de tudo para vencer. A Morte Vermelha, diz ele. Trevas e Dissolução para nós, triunfo para eles.

Comecei então a explicar para Percy os detalhes dos últimos dias em minha vida, não só sobre Pallas mas também sobre o local o qual fiquei instalada, a casa quase abandonada. Como fora meu aprisionamento e o modo o qual fui tratada, sobre as pessoas lá presentes. Sobre a desastrosa e dolorosa fuga, e como posteriormente fui encontrada por Grover, quase morta em um parque no centro de Baltimore.

A princípio foi difícil para eu começar a falar sobre tais acontecimentos, mas assim que as primeiras sílabas saíram de minha boca, todo o restante pareceu sair como uma enxurrada. Percy permanecia em silêncio, ouvindo-me atenciosamente e sem me interromper. Eu o agradecia por isso.

– Mas – falei, quase no fim de meu monólogo –, por mais desastroso que tudo pareça estar, talvez não estejamos sozinhos.

Contei a ele sobre os três bruxos infiltrados como espiões no círculo de seguidores de Pallas e a improvável aliança nascida entre nós dentre os três dias que fiquei presa – Annabel Lee, Auguste Dupin e Marie Roget. Falei do modo em que a lança do titã atravessou o tórax de Annabel e como seu corpo, sangrento e sem vida, foi lançado para o fogo nas escadas. Sobre como todos os outros súditos de Pallas possuíam nomes de personagens de Edgar Allan Poe e sobre como tudo aquilo me frustrava.

– Sinceramente, Percy? Nunca me senti tão burra e impotente assim na minha vida.

– Você não é burra, Hermione, e você sabe muito bem. Nós... só precisamos pensar sobre isso, você nem ao menos contou essas coisas aos outros. Foi mal dizer isso, mas por pior que tenha sido os últimos dias, se eles não houvessem acontecido, não teríamos metade das informações que temos agora.

– Pior que eu sei.

Percy soltou outro daqueles risos baixos.

– Ah, que bom. Quer dizer que eu não soei tão insensível quanto pensei que soaria.

Teatralmente abri a boca, fingindo estar indignada. Ele riu e revirei os olhos, dando um tapa fingido em seu ombro, mas não resistindo e acabando por sorrir também.

Rimos de modo idiota por alguns minutos, mas conforme o tempo passou, ficamos em silêncio. Era até confortável, de qualquer forma.

O ar fresco noturno balançava as cortinas e faziam-nas parecer vivas, como braços agitando-se sob a luz do luar. O frescor fez os pelos de minha nuca se arrepiarem, balançando as árvores do lado de fora por outra vez. O farfalhar das folhas às vezes parecia interminável e fazia-me querer ficar presa àquele momento.

Percy levantou-se da cadeira e sentou-se desta vez na cama, ao meu lado. Senti a necessidade de outro abraço – a carência era algo que parecia crescer gradativamente dentro de mim – e então enlacei meus braços ao redor de seus ombros.

– Sabe, eu não tenho muito o costume de abraçar os outros – murmurou ele –, mas sei lá. Ultimamente tem parecido muito bom.

Eu ri, com o queixo apoiado na curva de seu pescoço.

– Você pode não ter esse costume, mas eu tenho, então é melhor ir se acostumando.

Desapoiei a cabeça e nós dois nos encaramos, minhas mãos em seus ombros, as mãos dele em minha cintura. As respirações pareciam estar em sincronia e nossos rostos estavam incrivelmente próximos, até demais. Lembrei-me da última – e única – vez em que isso havia ocorrido; ainda em Hogwarts, logo após de Percy ter me retirado do Lago Negro mas segundos antes de eu ser reconhecida como filha de Poseidon.

A familiaridade de tudo aquilo me arrebatou e me fez piscar com força. Percy não pareceu perceber, e se percebeu, não teceu comentários.

– Honestamente, Hermione... acho que eu consigo me acostumar – foi o que ele disse, quase em um sussurro, segundos antes de nossos lábios se encontrarem.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E os anjos cantam aleluia...
O finalzinho do capítulo pode ter me deixado mais inspirada, então é provável que o próximo capítulo saia mais cedo. A cena não vai parar por aqui, acreditem! hehe