Inner Outer Space escrita por matt


Capítulo 16
Dualidade


Notas iniciais do capítulo

"Ela já me recomendou 'seguir meu coração', mas não adiantaria de nada agora, pois ele está completamente dividido."



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            Não acredito que eu vim pra escola.

            Como se eu tivesse alguma preocupação com minhas notas nesse momento. Os acontecimentos de ontem latejam na minha mente. E como se já não bastasse a Ana sem memória, Joana morta e a aniquilação da Terra confirmada, Kasumi ainda criou um novo dilema na minha vida.

            Depois que ela confirmou seu amor por mim, fiquei mais confuso do que nunca. A sensação de ser amado por uma alienígena não deveria ser tão confortável, mas estava muito mais do que o esperado. Meu cérebro quer ignorá-la, mas meu corpo quer ignorar meu cérebro. Ela já me recomendou “seguir meu coração”, mas não adiantaria de nada agora, pois ele está completamente dividido.

            Passamos a noite em claro. Ela, em pranto. Eu, confuso.

            E eu nem pensei mais em descobrir o que ela sabe sobre o fim do mundo.

            - Matt! – Joey veio me cumprimentar. Então eu lembrei:

            “Droga, o trabalho”!!

            - Ah, Joey, desculpa aí. Eu continuei mal a noite toda, então...

            - Como assim, mal? Esse é o melhor trabalho que eu já li!

            - Hã?!

            - Cara, você se superou, sério mesmo. Se o professor nos der uma nota acima da máxima, não será surpresa!

            Fitei o rosto dele, pasmo. Estava falando sério.

            - Parabéns, Matt! – continuou – Se esse é o seu “mal”, quero que você fique péssimo pra sempre!

            - Ah, muito obrigado... – respondi irônico e, ao mesmo tempo, incrédulo. Eu realmente não fiz o trabalho, o que...?

            Kasumi?

            Olhei para ela, que estava perfeitamente normal, graças ao SPIPA. Ela retribuiu com uma piscadela. Ok, agora está explicado.

            Envergonhado, desviei o olhar, que recaiu sobre a segunda parte do meu conflito existencial: Ana. Na mesma cadeira, conversando com as mesmas pessoas, com o mesmo sorriso que me animava tanto. A diferença é que nenhum desses sorrisos se aplicava a mim. É como se voltássemos à época em que estávamos brigados sem motivo, só que ela realmente não tinha motivo dessa vez. Eu não me levantava para pedir pra voltar tudo ao normal por motivos óbvios, mas gostaria muito de fazê-lo.

            E Kasumi surge de novo na minha mente.

            Como eu consigo agüentar isso?

            Agüentei. Ao fim da aula, estava explodindo por dentro com tanta tragédia, mas tentava segurar as pontas. Saí da sala, cabisbaixo, quando alguém me abordou no corredor.

            - Uhm... Matt?

            Levantei a cabeça. Era a Ana.

            - Ah... é... oi – disse, me esforçando para fingir que não a conhecia.

            - Foi você quem me ligou ontem, não foi?

            Eu temia que ela me perguntasse isso. Provavelmente, tinha reconhecido minha voz. Felizmente, uma desculpa surgiu logo em minha mente:

            - Ah, foi pra você? Desculpa, é que eu queria ligar pra uma conhecida minha, mas devo ter discado algum número errado.

            - Ah, ok. E você já sabe como ela está?

            - Ela?

            - Você agradeceu no telefone porque a outra Ana estaria bem. O que aconteceu com ela?

            - ...Algo muito ruim... – me segurei para não dizer tudo de uma vez, abraçá-la, olhar fundo nos seus olhos. Ainda assim, uma lágrima escorreu em meu rosto.

            - Oh... Tudo bem, se você não quiser falar sobre o assunto – um breve silêncio se deu, enquanto eu estava cabisbaixo, envolto em vontades impossíveis – Ela é sua namorada?

            - Já foi, mas o incidente não permite...

            - Não, eu tô falando dessa aí do seu lado.

            Reparei que Kasumi estava bem ali. Levei um susto, o que me fez engasgar. Eu não ia saber o que falar, então tentei encarar isso como uma salvação. Ela me viu tossindo desesperado e seguiu a tendência, ficando sem graça. Após algumas risadas, disse:

            - Hihi... Não, nós somos só amigos.

            - Han... Sei... – disse Ana, enquanto meu acesso de tosse passava – Bom, se cuidem aí! E Matt?

            - Hm?

            - Gostei de você. Acho que podíamos ser amigos – falou, sorrindo.

            Ela não faz idéia de como isso me afetou.

            - Até segunda-feira! E melhoras pra Ana! – ela acenou e se foi.

            - É – disse Kasumi. Olhei para ela e vi um sorriso triste estampado em seu rosto e uma lágrima escorrendo do seu olho esquerdo – Algumas coisas nunca mudam.

            - Não, mesmo.

            De repente, ela se assustou. Parecia ter ouvido alguma coisa e prestava atenção. O corredor estava vazio quando ela começou:

            - Sim? Chegou ao nosso conhecimento que você descobriu nossos planos. – a cada pausa, ela mudava bruscamente de expressão. Estava, outra vez, se comunicando com o C.E.M., e a visão disso era tão incômoda quanto ouvir o monólogo confuso.

            - Não exatamente – continuou – mas entendi boa parte dele, graças à outra funcionária. Correção: “A” funcionária, pois a outra é você. Sim, eu entendi isso também. Então, você deve saber que já foi descartada. Eu desconfiava... Pois bem, sugerimos que fuja para algum planeta inabitado, ou então aguarde, junto a esse ser inferior por quem você desenvolveu afeto, pela inevitável destruição da Terra. ...”Inevitável”, é? ... Sim, o Raio D já está em 11,2%, desde a ativação feita por JNN-606060K. Joana... Ela era uma das nossas melhores. Ah, é? Por forçá-la a se extinguir, não permitiremos seu regresso à base, sob pena de desmaterialização. Bom, não posso argumentar com vocês. Certo. KZM-8230147J, dispensada. E ao terráqueo que nos escuta, não se preocupe, sua morte será instantânea.

            Silêncio.

            Olhei perplexo para Kasumi, que mantinha uma expressão indiferente.

            - Você vai mesmo se conformar com isso? – perguntei, indignado.

            - Claro que não – ela segurou minha mão e me levou até a janela. Sorriu – Eu tenho um plano.

            Barulho de turbina. E saímos voando.

           

            Aterrissamos em meu quintal.

            Kasumi, normal.

            Eu, tonto, descabelado e a ponto de cair no chão.

            Quanto me recuperei, o senso comum humano me veio à cabeça:

            - Por que a gente não veio a pé?

            - Porque precisamos ser rápidos. E discretos.

            - Discretos? Acho que duas pessoas voando pelo céu atraem alguns olhares curiosos, sabe?

            - Calma, a turbina tem um dispositivo de invencibilidade.

            - ...?

            - Ah! Invisibilidade!

            - Afe, o SPIPA não melhora nunca essa tradução.

            - Pois é.

            - ...Mas esse dispositivo funciona em mim, também?

            - Não. Mas uma pessoa voando chama menos atenção.

            - Quê?!!

            - Vem, não temos tempo! – ela se dirigiu à sua cápsula, que emergira do chão.

            - As pessoas me viram voando?! O que eu vou dizer?!

            - Isso não importa! Por que você se preocupa com as manchetes de amanhã, quando pode nem haver um amanhã para a Terra?!

            - É... Tem razão... O que você quer? – perguntei, notando que ela estava procurando alguma coisa.

            - Isso! – ela ergueu no ar uma caixinha preta.

            - E isso é...?

            - O dispositivo D. Até a análise de Joana, eu não sabia do que se tratava, mas foi isso que, junto ao da outra cápsula, ativou o raio que deve destruir o planeta.

            - Hm. Acho que eu entendi. Você vai tentar encontrar o segundo e destruir os dois, aí o raio vai ser desativado?

            - Claro que não! Destruí-los vai fazer com que eles energizem o raio ainda mais rápido!

            - Ah...

            - Mas você acertou em parte. Precisamos ir atrás do segundo.

            - Pra reconfigurar o sinal que ele transmite e reverter o carregamento do raio?

            - Me-kun, você realmente tá lendo muito livro de fricção...

            - ...

            - Ah!...

            - Caramba, o SPIPA consegue errar duas vezes seguidas, sendo que uma já tinha sido errada antes. Por que eles não fazem uma atualização pra corrigir isso?

            - Deixa isso pra lá. Vamos – mais uma vez, ela segurou minha mão. Antes que eu pudesse reclamar sobre voar de novo, não estávamos mais no meu quintal. E para minha surpresa, nem no ar.

            Aparecemos no portão da casa da Ana.

            - Como chegamos aqui tão rápido? – perguntei.

            - Teleporte. Ontem mesmo, nós fizemos isso, não lembra?

            - É verdade... Então por que você não fez isso desde o começo?

            - Eu queria ver sua reação ao voar – ela sorriu, sádica.

            Eu ia responder “Você é louca”, porém, ao abrir a boca, me bateu uma pequena sensação de arrependimento. Agora que eu sabia o que Kasumi sentia por mim, não ficava muito à vontade para dizer coisas que poderiam ofendê-la. Ainda que ela fosse uma alienígena...

            - Pode falar.

            - Hã?

            - Eu sei que você ia dizer que eu sou doida.

            - Você lê pensamentos?

            - Eu só observo reações. Você já sabe disso – ela sorriu. Virei a cabeça, corando em seguida. Ela pareceu se reprimir por um tempo, mas se aproximou e beijou minha bochecha – Não se segure porque eu te amo. Eu já disse, não é pra você me amar.

            - ... – ela fala como se fosse fácil.

            - De qualquer forma – continuou, recuperando a seriedade instantaneamente – a cápsula de Joana está aí dentro – ela caminhou até a entrada.

            - Ei! Não podemos entrar aí!

            - Não se preocupe, ninguém vai me ver.

            - Tá, mas e eu?

            - Você fica aqui, já que tem tanto medo de aparecer.

            - Espera, você ainda nem me disse qual é... o plano... – ela já tinha desaparecido. Legal...

            Sentei-me no meio-fio e comecei a pensar. Ou era isso que eu pretendia, mas já tinha feito tanto isso à noite que não estava mais agüentando.

            Adormeci.

 

 


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Notas finais do capítulo

Capítulo grande *o*
E a vida do Matt continua tão complicada quanto antes =x