Shou ficou sem reação por alguns momentos, olhando os pais os fitando não menos surpresos. Ainda estava deitado, com Saga ajoelhado entre suas pernas, não podia nem mesmo disfarçar a cena e, quando percebeu isso, pôs-se sentado como se adiantasse alguma coisa. Saga também mantinha o olhar fixo nas duas apavoradas pessoas na sua frente, e Shou só quis que ele fosse embora. Pensou em dizer para Saga correr e ir embora pela porta dos fundos, mas já era tarde novamente: seu pai, com a expressão de mais enfurecido ódio que Shou já vira em seu rosto, andou vagarosa e firmemente até Saga, que mesmo parecendo muito apavorado não deu nenhum passo para trás. Chegou a centímetros de Saga, com faíscas nos olhos:

 - Vá embora. – falou com calma, mas todos na sala puderam sentir o perigo em suas palavras. Poderia ficar violento. Provavelmente ficaria violento. E Saga não queria deixar Shou sozinho nesse momento, ele não tinha culpa de nada, ninguém tinha.

 Saga olhou hesitante para Shou, que fez sinal positivo com a cabeça, a expressão muito contraída. Estava apavorado. Mais até que Saga. Este o olhou mantendo o ar sóbrio, não ia o deixar sozinho num momento destes, mas Shou insistiu com o olhar para que fosse embora. Saga já estava pronto para dar um discurso sobre o quão preconceituosos seriam se não dessem liberdade para Shou sair com quem quisesse quando sentiu um puxão forte em seu braço esquerdo: o pai de Shou e segurara com força e o lançara porta afora, o fazendo cair pesadamente sobre os joelhos na calçada dura. Com muita dor se levantou, mas antes que pudesse se virar ouviu a porta bater com força. Correu mancamente até o telefone público do outro lado da rua e esperou. Qualquer ruído ou voz alterada, qualquer um mesmo, e chamaria a polícia.

 Mas não ouve nenhum ruído nem voz alterada por uns 15 minutos. E isso assustava Saga mais ainda. Já havia pego o telefone na sua frente quando a porta da casa se abriu. Saga deu um passo para trás, esperando ver o pai de Shou sair com algum tipo de bazuca nuclear nas mãos, mas quem saiu foi o próprio Shou, mochila nas costas e rosto abaixado. Deu o primeiro passo na calçada e a porta atrás de si bateu com um estrondo alto. Parou e ficou encarando a porta, extremamente perdido.

 - Shou! – Saga mancara até o outro, seus joelhos doíam muito.

 Shou o olhou, parecendo completamente abalado, mas não falou nada. Seus olhos estavam cheios de lágrimas, mas ele não chorava. Saga se sentiu culpado por tudo isso, mas podia fazer mais nada além de apoiar Shou no momento. Se tentasse insistir em falar com seus pais com certeza seria pior.

 - O que ele te falou? Pra onde você vai? – falou, prestando mais atenção na mochila nas costas de Shou.

 - Ele... nem olhou pra mim. Só disse que eu não sou mais seu filho. E que eu tinha que ir embora. – Shou falara contraindo com força os lábios, mas não pôde evitar algumas lágrimas – E eu não sei pra onde vou agora. Não posso ir pra casa do Hiroto, meu pai com certeza vai falar com os pais dele pra não me deixarem ficar lá. – olhou sem esperanças para a casa do amigo, silenciosa do outro lado da rua, e voltou a olhar Saga. Já não chorava mais, agora sentia raiva.

 - Você pode ficar lá em casa se quiser. – mas não era uma pergunta. Saga não deixaria de jeito nenhum Shou ficar em qualquer lugar sem segurança nenhuma. Sabia que mais cedo ou mais tarde os pais de Shou (ou pelo menos sua mãe) o entenderiam e o fariam voltar pra casa, mas enquanto ainda estavam em choque era melhor que ficassem longe mesmo.

 - Tudo bem. Está machucado? – Shou observava Saga se abaixar, esfregando os joelhos machucados.

 - Vou sobreviver. – Sorriu, mas sem nenhuma resposta positiva de Shou, que apenas devolveu-lhe um sorriso falso e triste. Saga o abraçou e os dois seguiram para sua casa, ignorando os gritos que vinham da discussão de dentro da casa de Shou.