Olhei para o deus a minha frente.

   -Definitivamente não. - respondi, carrancuda. A dois passos de mim estava ninguém mais que o deus dos deuses. Zeus.

    -Oh, que pena. - ele disse sarcástico. Acendi a luz e perguntei rudemente:

    -O que quer, Zeus? 

    -Se você fosse qualquer outra pessoa te tostava. Cuidado com os nomes menina. Para você, pode ser papai. -  ele disse com um sorriso tosco. Revirei os olhos.

    -Não ficou sabendo, Zeus? Eu não tenho pai. - respondi. 

    -Ah, já sei o que acontece. Ainda ressentida? Ora, Corinne, já fazem quatro anos. E eu nunca disse nada que não fosse verdade.

     -Qual é a sua Zeus? Por que veio aqui? - perguntei, irritada. 

     -É assim que você fala com seu pai? - ele perguntou, um leve raio acendendo-se em seus olhos.

     -Pelos deuses, como você me irrita! - gritei. - Vai logo, fala porque veio. Ou... - eu disse apontando para a porta. - ...vai embora. 

      Zeus suspirou, irritando-se por um breve segundo. Então sentou em minha cama, seus cabelos voando com o vento que vinha da janela - e que eu não havia aberto.

      -Vi coisas... que me desagradaram. - ele disse, pausadamente.

      -E isso lá é da minha conta? Olha, Zeus, já vou nessa missãozinha para proteger o seu querido Olimpo, o que mais você quer de mim? Larga do meu pé! Foi bem fácil para você fazer isso antes. É só repetir agora. - eu disse, sentindo as lágrimas se juntarem em meus olhos, as lembranças afogando minha mente. Eu não iria chorar. Não por causa daquilo. Já havia chorado muito antes... 

      -Cori...

      -PARA! - gritei. Não haviam mais lágrimas. Apenas raiva. Eu podia sentir os pequenos raios despontando de meus olhos, igual acontecia com Zeus quando ele estava bravo. 

      -Corinne, acalme-se! - ele pediu. - Eu é que sou o nervoso aqui. Principalmente depois da cena que presenciei. Corinne Alina Backer, o que você pensou que estava fazendo na praia com meu irmão?!

      -Ora, acho que você sabe muito bem. - respondi, para provocá-lo. Funcionou. Seus olhos começaram a faiscar como acontecera com os meus, só que em um ritmo muito mais frenético. 

      -Seria melhor não saber... - ele resmungou. - Olha, Corinne, que fique bem claro para você que eu não quero em hipótese alguma te ver com Poseidon ou com qualquer outro homem novamente, entendeu bem?

      -E por que razão eu te obedeceria? - perguntei, fazendo descaso.

     -Porque eu sou seu pai! - ele gritou.

     -Eu acho que não. - respondi calma. - Eu sou um tremendo de um erro de merda, esqueceu? Você não é meu pai, não quer ser. 

      Pela primeira vez ele ficou sem palavras. E eu não pudi impedir as lembranças de voltarem...

      A menina parecia tão pequena e frágil... tinha cabelos dourados com as pontas cacheadas, curtinhos, e olhos de um azul cinzento, com um céu nublado. E ela parecia assustada. Estava no Olimpo, eu reconheceria facilmente. Os deuses a encaravam, com expressões diferentes. Apenas uma a marcou: a de raiva. A expressão de Zeus. Uma expressão de muita raiva.

     -O que está acontecendo? - a menina perguntou. Estava confusa demais. Informações demais rondavam sua mente, ela havia acabado de descobrir que tinha um pai e que ele não era humano, se mudado para um acampamento sinistro e conhecido um Sátiro. Era coisa demais para uma menina de doze anos, pelo menos ela achava isso.

     Alguns deuses riram. Outros permaneceram quietos, a avaliando. Ela estava assustada. Olhou para o lado onde estava sua primeira amiga no universo: Trisha. Ela fora a primeira menina que fizera amizade com ela, e ela gostava de Trish. Trish sorria para ela docemente, a encorajando. Também estava ali por causa de sua mãe, Afrodite. 

     -Esta é sua nova cria, Zeus? - perguntou um deus musculoso, Ares, com deboche. 

     -Ares, realmente... - Atena suspirou. 

    -Trish... - a menina sussurrou para que só a amiga ouvisse. Trisha mandou um beijo para ela e mexeu os lábios em um "vai ficar tudo bem". 

     -Creio que Quíron já tenha lhe explicado a situação. - disse Zeus sem emoção.

      -Si-Sim... - disse a menina. - Ele me disse que eu era filha de... um deus.

      -Pois bem... - Zeus suspirou. - Você é milha filha.

     -Para variar um pouco, não é, Zeus? - perguntou Hera, irritada. 

     -Ela é apenas um erro, querida. - Zeus disse. E então se virou para a menina. - Um erro. Algo que não deveria ter existido. Eu praticamente não sou o pai dela. Nem quero ser. 

       Os olhos da menina se encheram de lágrimas que caíram suavemente, enquanto ela corria para longe dali. Aquela menina... era eu.