Nightfall escrita por Lieh


Capítulo 1
Parte I - Perda


Notas iniciais do capítulo

Músicas:

→ Everything - LifeHouse (http://www.youtube.com/watch?v=fjDojEOiMcE)

→ Hallelujah - Jeff Buckley (http://www.youtube.com/watch?v=N3-_DbEYe7A&ob=av2n)

Que pena que o Nyah não tem formatação html para colocar links ¬¬'

Espero que gostem!



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Parte I

Perda

Chicago, 1918

Não sei qual era o conceito de felicidade, mas eu poderia dizer com todas as letras de que eu era muito feliz com minha família. Não éramos ricos, mas tínhamos o suficiente para viver.

Chicago era realmente o que se chamaria de cidade, localizada no estado de Illinóis às margens do Lago Michigan. Se não fosse por Nova Iorque seria a maior cidade do país.

Porém a vila em que eu cresci e vive boa parte de minha vida não tinha nada a ver com os arranha-céus de Chicago: La Grange era um lugarzinho pequeno, onde todo mundo se conhecia. As ruas apesar de largas, sempre estavam meio úmidas, pois o inverno era muito rigoroso por lá, e alguns meses de verão não era o suficiente para manter tudo seco.

Eu morava na rua mais deserta de La Grange junto com minha mãe, Elizabeth, meu pai Edward e minha irão Lucy Masen.

Minha mãe era linda: Tinha os cabelos meio aloirados e os olhos verdes, alta e magra, com as feições faciais finas e delicadas em contraste com seus lábios carnudos e vermelhos. Quem olhava pensava que era uma modelo do que uma simples mãe de família.

Meu pai, Edward Masen, porém não chegava a tanto, mas tinha uma beleza própria. Ele era de estatura mediana, esguio, cabelos negros e rebeldes, olhos meio miúdos, com uma barba mal feita, mas mesmo assim era um homem bonito e atraente.

Minha irmã, Lucy, mais velha do que eu dois anos, herdou muitas coisas de meu pai, ao começar pelos cabelos longos lisos e negros; não era atlética, nem gorda e nem magra, era dois palmos mais baixa do que eu. Tinha os olhos cor de avelã e apertadinhos parecendo uma japonesinha. Ora quem diga que minha irmã era muito graciosa como uma bailarina.

Eu, Edward, no entanto, herdei praticamente tudo de minha mãe: Os olhos verdes, o cabelo meio loiro meio castanhos às vezes, a altura, as feições finas do rosto; somente os lábios herdaram de meu pai.

Nossa casa não era muito grande, era toda feita de madeira, onde em baixo havia a pequena cozinha, separada por uma parede, a sala e a varanda. Em cima havia três quartos. 

Estávamos por volta de 1918, eu tinha 17 anos na época, e as coisas para nós não ia o mar de rosas: Papai, com suas habilidades e conhecimentos incríveis de mecânico havia sido despedido da concessionária onde trabalhava, e minha mãe com o salário que ganhava trabalhando em uma fábrica de remédios como operária, não era o suficiente para sustentar todos, então, eu tinha que estudar e trabalhar. Mas não era ruim, eu trabalhava na lojinha de artigos para presentes, onde fiquei muito amigo do filho dos donos, Terry Crewell. 

Terry e eu tínhamos a mesma idade e estudávamos na mesma escola, então nós passávamos o dia juntos, pra se dizer ele era o meu melhor amigo e a quem eu sempre confiava.

Porém o problema financeiro da minha casa estava me obrigando a trabalhar o dobro. Terry estranhou a minha atitude por ficar até mais tarde na loja e recusar a ir uma festinha na casa de um amigo dele, o que é normal, eu não gostava muito de festas, principalmente em um lugar onde eu não conhecia ninguém, como aquela festa que seria no bairro vizinho, Lincolwood, eu recusei, mesmo ele dizendo que o Sr. Crewell iria nos levar e trazer de carro. Eu tinha outras preocupações.

Quando saí da loja já estava totalmente escuro. Só as luzes de algumas casas iluminavam as ruas, os lampiões viviam quebrados. O inverno aquele ano estava mais rigoroso, e eu só estava com o meu casaquinho risca de giz, com uma blusa branca manga fina por baixo, e a bermuda até a canela.

Não era tarde, mas quando cheguei a casa estranhei que só as luzes da cozinha estivessem acesas, fui até a varanda e espiei pela janela e vi minha mãe e meu pai conversando. Pareciam estar discutindo algo sério, pois meu pai estava sentado na mesa com as mãos em forma de punhos, falando rápido, enquanto minha mãe estava no fogão, onde mexia a panela com mais força que o habitual.

Abri a porta, tomando o cuidado de não range – lá, e fiquei parado, segurando a maçaneta, ainda sem entrar totalmente. Fiquei grato pelas luzes da sala estar apagadas, assim meus pais não me veriam ali, onde eu conseguia escutar a conversa deles.

- Onde você estava com a cabeça quando fez isso, Edward? E a sua família? Não pensa em nós?

- Mas é claro que eu penso em vocês, foi por isso que eu me alistei, para dar o melhor para vocês!

- E quem garante que você vai voltar vivo de lá? Oh céus! – Minha mãe deixou a panela e segurou o rosto com as mãos. Estava soluçando. Meu pai levantou-se e a abraçou, murmurando em seu ouvido. O que o meu pai fez que deixou minha mãe tão alarmada? Será que...

E então a compreensão invadiu minha mente. Não! Não, meu pai não fez isso, eu não queria acreditar naquilo. Não tive tempo de se mexer quando meu pai virou-se e me viu ali, parado como uma estátua, com os ossos congelados. Minha mãe me encarou com os olhos aflitos e cheios de tristeza.

Não havia nada o que dizer, eu já sabia de tudo.

Subi correndo as escadas, mas quase caí de tão perplexo que eu estava e também por alguma coisa em que eu tropecei.

Quando cheguei ao meu quarto fechei a porta com violência, mas não escutei o barulho dela batendo, porque Lucy a segurou.

- Vai embora, Lucy! – rosnei, eu não queria que minha irmã viesse me chatear justo naquele momento de loucura.

- Eu quero saber do que mamãe e papai estavam falando. Eu não entendi...

Eu a encarei, raivoso: meu pai não precisava ter feito aquilo, mas ele fez e não ia mudar de idéia, e isso só aumentou minha raiva. Papai era muito teimoso.

- Papai se alistou no exército para ir à guerra...

Nunca passou pela minha cabeça que o meu pai, meu próprio pai iria fazer uma loucura dessas. Em todo o lugar em que você ia havia um cartaz que dizia sobre recrutamento de homens para o exército, pois depois que o navio Lusitânia foi atacado, os Estados Unidos estava entrando na Primeira Guerra Mundial, ao lado da Inglaterra, e França lutando contra a Alemanha, Império Turco-Otamano e o império Autro-Húngaro.

Sei que meu pai fez isso porque foi num momento de desespero, pois a situação já estava crítica, e ele não gostava de me ver morto de tanto trabalhar, ele pensava que essa era sua responsabilidade. Mas... Guerra?! O que um pai não faz por sua família...

Nesses pensamentos, esqueci que Lucy estava ali, tão chocada quanto eu. Quando olhei para ela novamente, estava chorando.

Lucy não era de demonstrar seus sentimentos publicamente. Ela era firme e durona e vivia no meu pé como toda irmã mais velha, e quando papai e nem mamãe estivessem, eu teria que obedecer-lha sem resmungos. Mas era a primeira vez que a via tão frágil. Sem saber o que fazer simplesmente a abracei, dando palmadinhas em suas costas.

Minha mãe Lucy e eu passamos dias tentando convencer meu pai a desistir daquela idéia maluca, mas tudo foi em vão. Dias depois, ele partiu.

Daí em diante, tudo não passou de um borrão para mim. Eu agora tinha que cuidar de minha mãe e minha irmã, até quem sabe lá quando meu pai voltar. Bom... Se é que ele voltaria.

Aqueles pensamentos me deixavam em pânico. Eu não sabia o que fazer para consolar Lucy e mamãe, principalmente.

O que alegrou um pouco o ambiente foi a primeira carta que papai enviou para nós um mês depois de sua partida. Na carta dizia que tudo estava bem, que ele estava no campo de treinamento e que ele tinha jeito com a coisa, e dizia que provavelmente ele não seria escolhido para fazer parte do exército, mas com o dinheiro que havia ganhado já daria para nos sustentar por um tempo, até ele conseguir outro emprego. Graças a esta carta, o clima em casa melhorou bastante. Lucy voltou a ser a garota de sempre, antipática e mandona, e mamãe voltou a sorrir novamente.

Passaram-se dois meses, e papai ainda não havia enviado nenhuma carta.

Mamãe sempre ia ao quartel de alistamento perguntar se havia chegado alguma carta de Edward Masen, mas a resposta era sempre que, se tivesse chegado, estaria na nossa caixa de correio. E a preocupação voltou a dominar o ambiente.

Eu já estava triste demais para ficar olhando para os olhos de minha mãe e para a carranca e impaciência de Lucy, e então, resolvi passar um tempo a mais com Terry.

Ele sabia do sofrimento de minha família, e se lamentava por isso, mas ele estava disposto a me animar, e então me convidou para outra festa, que seria ali mesmo na vila na casa de um colega de escola. Eu não estava a fim de passar outra noite em claro, olhando pra janela, para ver se por milagre, meu pai estivesse voltando para casa, e então aceitei.

Era óbvio que eu estava me sentindo um peixe fora do aquário naquela festa: a casa era enorme, havia quase cem pessoas ali, todas bem vestidas com roupas de marca, e me senti estúpido com o meu traje simples.  “Relaxa!” Terry me dizia várias vezes, mas como relaxar sendo que eu tava com problemas em casa e ainda por cima me sentindo ridículo?

Terry era muito popular. Praticamente ele conhecia todo mundo ali, e ficamos no canto mais apinhado de gente numa roda enorme de amigos dele que eu nunca vi na vida. Eu não era muito sociável, e praticamente fiquei quieto, me sentindo extremamente desconfortável.

Resolvi então sair um pouco para tomar um ar fresco, pois eu já estava me sentindo sufocado.

Só olhei para trás para ver que Terry estava conversando aos cochichos com uma garota. Não sei por que, mas senti inveja dele.

A noite estava fria, mas com o céu cheio de estrelas, o jardim da casa não estava tão cheio, só um grupinho ria alto num canto perto de uma árvore, então me sentei num banco e deixei minha mente vagar.

Pensei no meu pai, na minha mãe e minha irmã, o meu futuro, o que eu faria na vida...

Senti que alguém se sentou ao meu lado, mas eu não tava a fim de abrir os olhos. Continuei pensando.

- Oi... – a voz era feminina, baixa e abafada, demonstrando um pouco de insegurança. Abri os olhos e vi que era a garota com quem Terry estava cochichando quando saí, ela era bonita, isso eu tinha que admitir, tinha os cabelos encaracolados, bem loiros, usava um vestidinho rosa com pequenas mangas e luvinhas brancas, e tinha o rosto meio infantil.

- Oi... – murmurei para ela, me sentindo mais idiota ainda. Eu não tinha jeito com garotas, nem se quer me lembro de ter tido uma namorada.

- Meu nome é Samanta, e o seu deve ser Edward, não é?

Como ela sabia meu nome?

- È... Err... Muito prazer.

Ela estendeu sua pequena mão e a beijei como era de costume.

- Então, o que faz aqui sozinho Sr. Edward?

- Estava só pensando...

Claro, era só isso que eu sabia fazer quando nada estava ocupando-me. Minha mãe até brincava comigo, dizendo que eu pensava tanto que ela via fumaças saindo da minha cabeça. Eu ri com essa lembrança.

- O que foi?

- Não, nada...

- Você parece preocupado...

- È... Estou com uns problemas em casa...

Não sei por que, mas aquela garota desconhecida me inspirava confiança, e então contei tudo o que estava acontecendo em minha casa e ela ouvia com atenção.

- Nossa, eu sinto muito, mas não se preocupe, seu pai vai voltar para casa...

- Deus te ouça!

Nisso ela se inclinou para mais perto de mim, quase me abraçando, e sussurrou no meu ouvido:

- Sabe que poderá contar comigo...

Eu não vi mais nada depois disso, só senti os lábios dela tocarem os meus doce e levemente, agarrando o meu pescoço. Ela teria continuado se não fosse a voz de Terry me chamando. Levantei-me num salto me sentindo envergonhado e corando furiosamente, e pedindo desculpas, mas ela estava sorrindo para mim, e disse que foi um prazer.

Na volta para casa eu estava mudo. Foi como se as cordas vocais estivessem sido arrancadas de minha garganta. Porém, bem lá no fundo, eu senti uma lasquinha de felicidade. Terry olhava-me de esgueira toda hora, era óbvio que ele queria saber os detalhes da cena que ele presenciou, e eu sabia que ele esteve por trás daquilo tudo.

Assim que entrei na minha rua eu me despedi dele, Terry fez uma carranca quando eu lhe dei as costas para entrar em casa e como por intuição, imaginei que ele pensava “Amanhã você não escapa, eu quero saber de tudo!”

Pois, infelizmente, eu não ia escapar mesmo.

Acordei no dia seguinte me sentindo melhor depois de tantos dias de angústia.

Infelizmente a minha pontadinha de felicidade foi apagada, como uma vela ao vento, assim que cheguei à cozinha: Minha mãe estava com os olhos inchados e minha irmã tomava o café da manhã em silêncio, balançando os pés e suspirando.

Assim que eu me sentei na cadeira, Lucy me passou um papel, um pouco amassado, suspirando. Mamãe olhou incrédula para ela, e agora eu entendi por que.

Era uma carta de papai, eu reconheci a letra. Fiquei contente que ele estivesse dando notícias, entretanto minha alegria esvaziou-se quando li o conteúdo.

Parecia que o meu mundo havia desabado em cima de mim, eu não senti o chão nos meus pés, minhas mãos começaram a tremer, olhei suplicantemente para minha mãe, que já tinha lágrimas transbordando por seu lindo rosto, Lucy se levantou e a abraçou, enquanto eu fui me juntar às duas. O que eu temia aconteceu.

Meu pai foi para a guerra definitivamente.

Não me lembro de estar me sentindo tão vazio como naqueles dias que se passaram. A cada novo anoitecer era como uma nova sentença de morte para meu pai, pois quem sabe não aconteceria alguma coisa e ele fosse morto?

A comunicação naquela época era horrível. Tínhamos apenas um rádio à pilha e os jornais, que por sinal eu passei a comprar todos os dias para saber como andava a guerra.

Os Estados Unidos estavam em vantagem com os inimigos, e isso significava que a guerra iria acabar logo e meu pai voltaria para casa sem precisar ser chamado para a Europa.

O ano foi passando e no decorrer de que a guerra ainda não tinha um fim definitivo fazia com que os nervos em minha casa estivessem à flor da pele, minha mãe, de tão angustiada, proibiu Lucy e eu de ouvir qualquer coisa sobre a guerra, mas não agüentávamos de curiosidade, então, antes de ela chegar do trabalho, eu e minha irmã ouvíamos um pouco o rádio. Foi em uma das vezes que ouvíamos que ficamos sabendo do novo problema no país que estava aterrorizando a população: A epidemia de Gripe Espanhola.

De acordo com os jornais da época, em algum lugar do estado do Kansas foi detectada a doença que se espalhou pelo mundo, chegando a Europa, onde militares e soldados da guerra estavam morrendo. E a epidemia estava se arrastando por todo o país.

È claro que não demoraria muito para minha mãe saber, e para a minha surpresa ela não fez um escândalo como eu e Lucy pensávamos. Isso me fez raciocinar que eu conhecia muito pouco minha mãe. Ela nunca foi de ficar histérica ou em pânico, ela sempre foi calma e serena e guardava o seu sofrimento para si.

Só que havia uma falha em sua armadura: ela não sabia fingir. Só de olhar em seus lindos olhos já entendíamos que estava sofrendo. Magoava-me muito vê-la daquele jeito, e o pior eu não sabia o que fazer para reconfortá-la. Eu era horrível em termos de consolar alguém, não que eu não tentasse e não fosse sensível a isso, mas eu não tinha jeito e não sabia expressar minhas emoções abertamente, e isso fazia com que eu ficasse mais irritado comigo mesmo. Eu gostaria muito de ser mais espontâneo e jogar minha falta de tato e timidez na lata de lixo.

Os dias foram se passando mais do que depressa. Era como se os ponteiros do relógio estivessem sido acelerados de propósito, tudo simplesmente para deixar um clima obscuro e sem vida em meu lar.

Era completamente desconfortável a minha casa. É estranho, pois sua casa deveria ser um lugar aconchegante para quem morava. Não para mim, era como um martírio ficar vendo a amargura de minha mãe, os suspiros de tristeza de Lucy e as lembranças vivas de meu pai espalhadas por todos os cômodos. Aquele clima melancólico estava me enlouquecendo, por isso eu passava os fins de tarde, depois que chegava do trabalho, sempre sentado na varanda observando o céu, era ótimo, pois eu entrava em casa com muito sono de tanto olhar para o nada, me jogava na cama e acordava só no dia seguinte. Mas infelizmente essa rotinha estranha não impedia de eu ter pesadelos à noite.

Não me lembro como eram os meus terríveis sonhos, porque simplesmente assim que eu me acordava apagava da minha mente, algo que ela faz muito bem quando eu quero realmente esquecer alguma coisa.

Em um fim de tarde, quase anoitecendo, o carteiro abriu a caixa de correio da minha casa, depositou uma carta e saiu. Eu não perdi tempo, corri até a caixa e tirei a carta. Continha o selo do exército, e eu já deduzi que era uma carta de papai.

Fiquei a observar a carta, com as mãos trêmulas tendo uma luta interna se eu abria agora ou esperava minha mãe chegar e abrir junto com ela, mas como minha curiosidade sempre falava mais alta, eu não agüentei e abri ali mesmo.

Eu li cada palavra contida na carta como se eu fosse um garotinho que estava ainda aprendendo a juntar as sílabas.

Não era uma carta de papai, pois estava datilografada, era do capitão do exército. Daí em diante eu já não conseguia ler e nem enxergar mais nada no papel elegante por causa das lágrimas não bem-vindas que começaram a transbordar dos meus olhos, meus pulmões começaram a ter um ofegar de quem acabou de completar uma corrida, e em seguida só senti o peso do meu corpo caindo no asfalto.

Acordei deitado no sofá, com as costas doendo. Olhei em volta e vi um pequeno bilhete de mamãe. Não perdi tempo, disparei porta afora.

O céu estava e um azul acinzentado, com um vento violentamente forte, levantando as folhas no chão e a relva dos meus cabelos, deixando um clima úmido e frio. Não prestei atenção nisso, pois minhas pernas estavam tirando forças para correr o mais rápido que podiam, mas eu já sentia a dor latejante por causa da baixa temperatura, as calças que eu estava não esquentavam muito. Nem me importei, o que eu mais queria era chegar logo, mas parecia que as ruas não tinham fim e quanto mais eu pensava estar próximo ao local aonde eu queria estar, mas longe eu estava.  Misturado a desespero, pânico e aflição, eu corria, tropeçando, esbarrando em quem estivesse na minha frente, derrubando coisas no meu caminho. Eu não sabia nem o que estava fazendo, eu só queria chegar lá.

O prédio era de um branco meio sujo e desbotado, enorme com janelas gradeadas.

Entrei e como que pura sorte a recepcionista não me viu e subi para a ala dos pacientes recém-chegados. Eu conhecia muito bem aquele hospital, pois Lucy quando era criança foi internada por causa de um furúnculo que se arrastou por sua mão quase provocando câncer e ela teve operar.

A ala era enorme onde se estendida por vários leitos. Não demorei a avistar minha mãe e minha irmã ao pé de um leito que me fez estremecer:

O leito de meu pai.

Corri até lá e acabei esbarrando em um dos médicos que me segurou para eu não cair, e fiquei chocado com sua juventude: parecia ter uns vinte e poucos anos, tinha o rosto angelical, os cabelos loiros penteados com gel, com a pele branca. Porém não foi só isso que me surpreendeu: ao me segurar pelos meus braços cobertos por uma fina camisa, senti que suas mãos eram frias.

Frias, como gelo.

Encontrei os seus olhos cor de caramelo e vi que ele me fitava profundamente, não sei se foi porque eu estava cansado e estressado, ou foi o que realmente eu vi, mas seus olhos brilhavam para mim, como de admiração, de carinho, como... Como de um pai olhando para um filho que acabou de nascer.

- Desculpe... – murmurei, me sentindo mais que envergonhado, fascinado por aquele estranho médico.

- Tudo bem... – sua voz era doce e suave, com um tom amoroso.

Andei para o leito de papai como se o chão estivesse cheio de agulhas e eu estivesse descalço. A carta que eu li há poucas horas dizia que Edward Masen estava no hospital de La Grange infectado gravemente de Gripe Espanhola.

Quando olhei para ele estava pálido como um lençol branco, sua testa estava suada e de longe senti que a temperatura de seu corpo estava queimando como brasa. Ele gemia com as dores no corpo e tentava respirar, mas o esforço que fazia o deixava mais fraco.

Aquela imagem me fez estremecer por dentro. Meu pai era um homem forte, determinado e nada o abalava, sempre encarava as situações de cabeça erguida, porém vê-lo daquela maneira, fraco, doente e vulnerável era deprimente, onde melancolia, o sofrimento e a tristeza pairavam no ar. Olhei para minha mãe e Lucy, o rosto delas sem expressão, sem vida, mortos.

Eu sabia muito bem: não havia esperanças para o meu pai, ele já estava entrando em agonia...

Você não sabe o que fazer o que pensar naqueles dois dias angustiantes naquele hospital lotado de doentes. O mesmo médico, Dr. Carlisle Cullen que eu trombei no caminho estava cuidando de papai, e por mais estranho que pareça, senti que ele tinha um carinho especial por minha família, e eu sabia que ele se esforçava para manter o meu pai vivo por mais tempo, mas eu já cogitava que os seus dias estavam contados, e ainda sim ele não desistia. Tentava animar minha mãe, confortando-a e olhava para mim da mesma forma quando nos encontramos pela primeira vez: profundamente e cheios de carinho.

Aquele olhar não me incomodava, pelo contrário, era reconfortante e tranqüilizador.

Sabe quando você realmente quer esquecer lembranças desagradáveis? Que você quer esquecer coisas que lhe perturbam e não deixam você dormir em paz? Pois é, eu bem que tentei, mas minha mente insistia em relembrar os dias que se seguiram.

Por passarmos tanto tempo naquele hospital, minha mãe, Lucy e eu acabamos infectados também, mas Elizabeth Masen fazia pouco caso que estava doente, além de meu pai, cuidou de mim e Lucy, que acabamos internados.

O Dr. Cullen ficou preocupado não só com a atitude de minha mãe de não querer ser cuidada, como também do meu estado de saúde e de minha pobre e infeliz irmã.

Meu corpo inteiro doía, meus ossos estavam fracos, minha boca estava seca, minha febre era tão alta que eu suava sem parar, não conseguia enfiar nada no estômago, a tosse era asfixiante, e a irritação nos meus olhos e deixavam um pouco cego.

Daí em diante eu não me lembro de muita coisa. A dor era tão incapacitante que eu praticamente não tinha muita consciência das coisas ao meu redor, só o que eu sentia era as suaves e febris mãos de minha mãe acariciando minha testa. Eu queria abrir os olhos, ver seu belo rosto como se fosse a última vez, queria gritar, queria-me libertar daquela inconsciência aterrorizante, mas meu corpo não tinha forças.

Eu estava morrendo.


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