Coração Satélite escrita por Ayelee


Capítulo 30
Capítulo 29


Notas iniciais do capítulo

Conforme prometido, eis aqui [o que seria] a segunda parte do capítulo 28. Por aí vocês têm noção de como ficaria longo!
Estamos na reta final de Coração Satélite. Espero que tenham paciência para que eu escreva o capítulo final com todo o cuidado e carinho que a história merece. :)
Ah! Se repararem, no meio do cap há uma referência a um "conto de fadas" (*). Esse "conto de fadas" será detalhado em um capítulo à parte, ok?
Beijos, boa leitura.
Não esqueçam de deixar seus comentários!
Obs: Escrevi esse capítulo ouvindo "Heaven" e "Please Forgive Me", ambas do Bryan Adams. ;)



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Ally PDV

Passei o restante da noite evitando encontrá-lo e dei graças a Deus por ele ter ido fazer filmagens externas, assim Sarah me pediu que continuasse a auxiliando, já que a equipe de filmagem conseguia se comunicar perfeitamente com Roger.

Não queria ficar por perto por que temia que a minha presença de alguma forma tirasse sua concentração, pois ele parecia ainda estar chateado. Mas, principalmente por que eu não estava certa se conseguiria olhar para ele sem sentir uma vontade incontrolável de chorar. Eu estava decepcionada, mas mesmo assim procurava desculpas para justificar a atitude do Roger diante da minha decisão.

Sentei em um banco afastado do set de filmagens, onde havia pouco movimento de pessoas, mas que permitia que me encontrassem, caso me procurassem. Sarah havia me incumbido de traduzir todos os artigos sobre a passagem de Roger pelo Rio de Janeiro nos sites nacionais. Não era uma tarefa muito prazerosa ter que ler todas as bobagens escritas sobre ele, mas quando eu canalizava no “modo tradutora de texto”, eu sempre me concentrava o suficiente para esquecer os dramas pessoais. Mesmo que todos os textos falassem exatamente sobre o motivo do meu drama.

Tomei um susto quando Patrícia sentou-se do meu lado tagarelando sem ao menos esperar eu dizer “oi” de volta.

– Ah, então você está aí! Você não vai acreditar no que aconteceu a pouco! – Ela disse animada, sem sonhar que eu já sabia muito bem do que ela estava falando.

– O que foi? – Respondi fingindo interesse.

– Me mandaram procurar pelo Roger Peterson para avisar que estavam esperando por ele para começar as filmagens. Quer dizer, eu me ofereci para esse sacrifício! Ha ha ha!

Eu ri mais do jeito dela do que da piadinha em si, mas parece que minha risada foi o suficiente para encorajá-la a continuar tagarelando.

– Quando ele abriu a porta do camarim, adivinha só?

– Ele estava com alguém lá? – Indaguei na tentativa de sondar se ela desconfiou que havia mais alguém no camarim de Roger.

– Não, menina, a Lorena Petrelli estava no camarim dela se preparando, eu estava lá, posso confirmar! – Patrícia afirmou em um tom conspiratório.

– Ué, não falei da Lorena, podia ter outra pessoa com ele, não?

– Mas não tinha. E, francamente, quem aqui está à altura do Roger? Você acha que ele iria olhar para uma simples mortal como eu ou você, por exemplo?

Ai, essa doeu!

– Acho que tem razão... Mas você acha que ele está de paquera com a Lorena?

– Não que eu saiba. Mas a garota é esperta, está investindo pesado nele.

Whoa, agora ela já estava falando demais... Calma aí, filha, o rapaz tem dona! Tem? Nem sei se posso considerá-lo MEU.

– Humm...

– Então, me deixa continuar, você vai morrer de inveja! Quando o Roger abriu a porta, estava SEM CAMISA! Eu suspirei tão alto que acho que ele percebeu. Ah, dane-se, ele deve estar acostumando com mulheres suspirando ao seu redor. Além do mais, não vou mentir, se ele quisesse, eu o pegava ali mesmo no camarim. Você não faria o mesmo?

– Ah sim, claro que sim. – Seria cômico se não fosse trágico Patrícia me fazer justo essa pergunta depois do que acabara de acontecer entre Roger e eu.

– Mas me diz uma coisa, por onde você andava que não consegui lhe achar?

– Bom, eu lanchei com o Roger e depois fui procurar a Sarah. Ela me passou algumas traduções para fazer. Encontrei este lugar tranquilo e aqui estou!

– Ah danadinha, você ainda teve a sorte de lanchar com ele! Bem, eu o vi sem camisa, estou no lucro.

– Ah sim, com certeza!

As gravações terminaram por volta das onze da noite, eu estava exausta e não via a hora de tomar um belo banho cair na cama. Mas cansada como estava, era capaz de pular a parte do banho.

Na volta para o hotel, toda a equipe de Roger voltou reunida em uma Land Rover. Entrei primeiro, sentando no banco da frente ao lado do motorista, onde tinha certeza que não teria contato visual com Roger. Sarah entrou em seguida, sentando-se perto da porta, Roger sentou no meio e seu segurança Dave sentou-se perto da outra porta. Estávamos todos tão cansados que preferimos seguir em silêncio até o hotel.

Chegando ao hotel, despedi-me rapidamente de todos, alegando estar muito cansada e precisando de um banho. Mas não consegui evitar o que eu mais temia: o olhar penetrante de Roger. Era um olhar de remorso e vergonha. Ele parecia arrependido e parecia querer dizer algo mais. Mas eu sabia que ele não era louco o suficiente para me chamar para conversar em particular diante de todos, então me aproveitei dessa vantagem e corri para o elevador antes que ele tivesse a mesma ideia.

Eu não estava exatamente com raiva. Como sempre, meus sentimentos em relação ao Roger eram muito confusos. Eu me empenhava em ser compreensiva, madura e confiante, mas o que é o amor senão o oposto disso? Algo dentro de mim, um instinto de autoproteção não permitia que eu me anulasse completamente em favor dele, como eu costumava fazer com o Davi. De repente foi um instinto de sobrevivência que desenvolvi depois de tudo o que passei com ele.

Partia-me o coração ver o Roger contrariado, especialmente sabendo que tínhamos tão pouco tempo para nos conhecer e curtir um ao outro, explorar nossos sentimentos. Parecia um tremendo desperdício gastar esse tempo com desavenças. Mas como qualquer outro relacionamento, tínhamos nossas diferenças, que poderiam resultar em desentendimentos. Como o que havia acontecido esta tarde no camarim.

Precisávamos entrar em sintonia e descobrir uma maneira de dialogar o mais rápido possível, antes que fosse tarde demais. Mas eu estava cansada demais para dar o primeiro passo. Minha autoestima foi abalada quando ele me fez sentir como mais uma garota que se joga em seus braços em busca de sexo.

Mesmo esgotada físico e mentalmente, não tive coragem de ir para a cama sem tomar um belo banho. E esta noite, mais do que nunca, eu desejei um banho relaxante na banheira. Só tinha um problema: eu não usava banheiras de hotéis. Morria de nojo. Mas logo resolvi o problema escaldando toda a banheira com água quente e espuma de banho.

Fiquei uns bons vinte minutos de molho na banheira, de olhos fechados, relaxando meu corpo sob a água morna que me envolvia como em um abraço. Não era a mesma coisa que um abraço do Roger, mas eu teria que me contentar com aquilo. Lavei os cabelos, massageando lentamente o couro cabeludo, onde se concentrava grande parte da tensão quando estava estressada.

Eu tinha acabado de sair da banheira e enrolado o cabelo na toalha quando ouvi uma batida na porta. Senti um frio descer pela garganta até o estômago. Era o Roger. Não poderia ser outra pessoa, àquela hora da noite. Eu tinha quase certeza que a batida era na porta da suíte anexa.

Vesti o roupão e saí do banheiro, esperando as próximas batidas para saber a que porta me dirigir. Então ouvi a voz de Roger, confirmando minha suspeita:

– Ally, sou eu. Por favor, abre a porta, vamos conversar.

– Só um minuto. – Respondi apressada.

Sem chances eu falar com ele estando completamente nua sob aquele roupão! Corri até o armário, vesti um conjunto de sutiã e calcinha branco com azul, joguei minha camisola de seda branca sobre ele e vesti novamente o roupão. Pronto, estava suficientemente vestida para enfrentá-lo.

Quando abri a porta, Roger segurava uma sacola de papel reciclado, pintada com uma variação de tons pastéis lilás, rosa, azul e branco. Sua expressão ainda demonstrava tristeza, mas o cansaço estava estampado sob seus olhos, em forma de olheiras profundas. Ele continuava lindo, claro, e só Deus sabe como conseguiu tomar banho tão rápido e chegar aqui antes de eu terminar meu banho.

– Obrigado por me receber. Posso entrar? Se não quiser que eu entre, vou entender. Depois do que eu disse hoje...

Eu não aguentava vê-lo daquele jeito, então o interrompi. Segurando sua mão livre, o conduzi para dentro da minha suíte e o sentei na borda da cama, sentando diante dele em seguida.

– Acho que precisamos conversar. – Comecei, mas dessa vez ele me interrompeu.

– Antes de dizer qualquer coisa, eu preciso me desculpar por ter agido como um perfeito idiota. Não acredito que em um dia eu estava recriminando o Larry por ter forçado a barra com você, e no dia seguinte eu estava fazendo a mesma coisa. Pior ainda. Me desculpa, Ally?

– Desculpas aceitas. Eu, eu não deveria ter deixado as coisas chegarem àquele ponto, se não estava preparada para seguir adiante.

– Não tente levar a culpa pelo meu erro. O que eu fiz foi ridículo, grosseiro, imaturo. Mas se você quer uma explicação, eu estava meio estressado com todo o lance das fotos e filmagens.

– Por que, você não gosta desse tipo de trabalho?

– Eu não diria que é o meu trabalho favorito, mas também não detesto. Só que aquela garota estava me dando nos nervos. Ela estava descaradamente se oferecendo para mim.

Esperei ele concluir, mas ele pareceu esperar algum comentário da minha parte. Eu não sabia exatamente o que dizer, então o incentivei a continuar falando.

– E...?

– E... bem, ela é bonita, eu sou homem...

Pensei que o pior já tinha passado, mas pelo visto uma bomba estava prestes a explodir em minhas mãos e eu não estava preparada para aquilo. Mudei de posição, desconfortável com a proximidade entre nós.

– Por favor, não continue. Por favor, eu não quero ouvir. Por favor! – Implorei.

– Calma, Ally. Não é nada do que você deve estar pensando. Eu não fiquei com ela. Mas ela falou coisas que me deixaram excitado. Desculpa ser tão direto, mas tenho que explicar. Enquanto ela fazia insinuações e propostas indecentes, eu só conseguia pensar em você. Pouco depois nos encontramos e fomos para o camarim... e o resto você já sabe. Não justifica minha grosseria, mas pelo menos explica de onde veio a frustração e minha reação exagerada.

– Tudo bem. A modelo bonitona deu em cima de você, você ficou excitado e correu para os meus braços para ‘apagar seu fogo’? E quando eu não estiver por perto para apagar o fogo, Roger? Você em algum momento considerou como me senti? O que você fez com minha autoestima, considerando a posição que eu estou nessa história toda?

Roger aproximou-se mais de mim, visivelmente exausto, mas reunindo todas suas forças para manter a calma. Ele falou as palavras seguintes pausadamente, pensativo.

– Eu já me desculpei. Na hora eu não estava pensando claramente. Sinto muito por minha atitude ter abalado tanto sua autoestima. Não foi minha intenção. Eu gosto de você, Ally. De verdade. Se você acha que meu único interesse em você é sexo, está muito enganada. Nem todo homem é assim. Mas a essa altura, acho que você já deveria saber como me sinto em relação a você.

– Sexo sempre é o objetivo de todo homem. A diferença é como cada um age para conquistar esse objetivo. E é isso também que determina seu caráter. – Afirmei determinada.

– Boa observação. Quanto a isso não tenho o que argumentar, mas espero que não pense que sou o tipo de cara que tem sexo como único objetivo. Para mim é uma consequência e envolve vários sentimentos, entre eles compromisso e confiança. Mas tudo depende da vontade da parceira. E foi aí onde errei com você. Interpretei mal seus sinais e não aceitei quando você disse que não era o momento certo.

Uma das coisas mais admiráveis sobre o Roger era que ele era um cara extremamente aberto para o diálogo. Ele não fugia de conversas, por mais desagradáveis que fossem, e sabia se fazer entender. Esse era um dos motivos pelos quais eu o adorava tanto e não conseguia ficar com raiva dele por muito tempo. Ele me desarmava. Um olhar penetrante daquelas duas joias turquesa, e eu estava completamente vencida.

– Concordo com você. E fico feliz em saber que pensa assim. – Concluí.

A essa altura eu já tinha mandando a raiva passear no calçadão, ele estava perdoado desde a hora em que cruzou o vão da minha porta.

– Estamos entendidos, agora? - Sua expressão de alívio era tão adorável, eu só queria abraçá-lo e adormecer em seus braços.

– Sim, estamos entendidos. – Apertei sua mão suavemente, e ele levou minha mão à boca, beijando-a com reverência.

– Pois bem, eu trouxe uma coisa para você. É de quando fui a Cannes, antes de vir para cá. Só agora tive oportunidade de trazer. Espero que goste.

Ele então me entregou a sacola, que estava tão perfumada que eu senti o cheirinho de flores antes mesmo de abrir a embalagem. Era uma caixinha linda, toda rústica, com quatro divisões internas. Em cada parte havia um punhado de pétalas feitas de sabonete. Muito lindo e muito cheiroso. Do jeitinho que eu gosto.

– Que lindo! Obrigada. Você acertou em cheio no meu gosto. Sou fascinada por fragrâncias. E a caixinha é tão delicada... linda. Amei!

– Achei que combinava com você. Linda, delicada e perfumada.

Inclinei-me em sua direção e beijei-lhe levemente nos lábios, em um olho, depois no outro.

– Não vamos mais brigar, certo? Temos tão pouco tempo...

– Certo. Então vamos comemorar termos sobrevivido à nossa primeira briga?

– Engraçadinha.

Roger então me puxou para si, me envolvendo gentilmente em seus braços, como um cobertor. E me beijou. Lentamente, explorando minha boca de modo a causar as melhores sensações, determinado a me agradar, como uma forma de compensar o sofrimento que me causara mais cedo. Ele se doou completamente naquele beijo, me fazendo sentir como se estivesse ali exclusivamente para me satisfazer. E eu senti como se sua boca tivesse sido desenhada para encaixar perfeitamente na minha. Era como se nos conhecêssemos a vida inteira, eu estava em casa. Roger era minha casa. Senti-me segura de que meu lugar era ali ao seu lado, como se os astros tivessem se alinhado no cosmos, culminando naquele momento. Era um sentimento reconfortante, mas ao mesmo tempo assustador, pois a partir daquele momento, eu não conseguia mais imaginar minha vida sem Roger.

Não pude evitar comparar com os beijos do Davi. Urgentes, dominadores, ansiosos para satisfazer seus desejos primitivos, nem um pouco preocupados em me satisfazer. Com Roger era tão diferente. E pensar que eu achava que o sentira por Davi era amor! Como pude estar tão enganada?

E eu não teria descoberto isso se não fosse o Roger.

– Ally, está tarde. Preciso subir. Você deve estar exausta, eu também estou cansado. Não vou mais me demorar aqui. – Roger levantou-se da cama e ficou de pé, diante de mim.

O quê? Logo agora que eu descobri que meu lugar é ao seu lado? Não!

– Já? Mas você acabou de chegar! – Insisti.

– Eu sei, mas não quero passar dos limites novamente e fazer você se chatear.

– Isso não vai acontecer. Você aprendeu a lição.

– Aprendi, sim. – Roger acariciou meus cabelos, roçando minha bochecha com as pontas dos dedos. – Aquilo nunca mais vai se repetir, prometo.

– Então, por favor, fica? Dorme comigo, não quero ficar sozinha.

Seus olhos iluminaram-se e ele me puxou para si, me envolvendo em outro beijo carinhoso, lento, quase casto.

– Nem acredito que você está me pedindo isso. Ok, eu aceito. Mas que fique claro uma coisa: nada de sexo. Nem provocações.

– Combinado!

– Então pode começar indo vestir uma roupa, não aguento mais ver você vestida nesse roupão. Minha imaginação está tirando o melhor de mim!

Roger prendeu a respiração quando comecei a tirar o roupão na sua frente, quase horrorizado com minha audácia, depois de toda aquela discussão.

– O que eu falei sobre fazer provocações, garotinha? A propósito, bela camisola. Se eu não estivesse tão cansado...

– Quem está provocando é você! – Protestei. – A propósito, você vai dormir todo arrumado assim? Não acha melhor ir buscar um pijama?

– Não preciso de pijama, baby.

Roger tirou a camisa de botões revelando a regata branca que vestia sob ela, tirou os sapatos, em seguida começou a tirar a calça. Virei-me por puro pudor, mas a curiosidade para saber o que ele vestia sob a calça jeans preta me consumiu.

– Pronto! Estou preparado para a noite de sono mais extraordinária da minha vida!

Quanto entusiasmo para quem pretende apenas dormir!

­ Para o bem da minha sanidade mental, ele estava vestindo uma cueca samba canção, e não aquelas boxers mega sexy tipo as das propagandas da Calvin Klein. Senão, eu não responderia por meus atos.

Escovamos os dentes juntos, Roger com a escova de dente descartável do hotel, como jovens em uma colônia de férias, fazendo provocações bobas, rindo um do outro, descobrindo pequenas coisas, pequenos gestos e detalhes um do outro, desfrutando cada segundo da simplicidade de uma intimidade tão mais profunda e relevante que a intimidade física.

Roger deitou-se no lado direito da cama, próximo à janela, aconchegou-se debaixo dos cobertores e deu uma tapinha no espaço ao seu lado, me convidando para juntar-me a ele, o que eu obedeci de bom grado. Deitei-me de lado, descansando o rosto sobre seu peito e envolvendo sua cintura com o braço.

Eu estava no paraíso. Fechei os olhos e inalei profundamente, reconhecendo o aroma fresco da roupa de Roger, o cheiro natural de sua pele, seu hálito mentolado. Roger acariciava meus cabelos lentamente, deslizando os dedos da minha cabeça até as pontas do cabelo. Minha mão deslizava em sincronia sobre seu tórax, subindo e descendo do peito até o abdômen em um gesto de carinho. Não havia nenhuma conotação sexual, apenas o conforto de estar na companhia de alguém tão especial.

Roger quebrou o silêncio primeiro, falando com a voz rouca, preguiçosa:

– Obrigado por me deixar ficar e confiar em mim.

E então beijou o topo da minha cabeça.

– Obrigada me surpreender a cada dia. Eu estava preparada para me decepcionar ao lhe conhecer pessoalmente. Você sabe, artistas nunca são tão formidáveis quanto esperamos que sejam. Mas você conseguiu superar essa expectativa.

Roger me encarou comovido e satisfeito.

– Obrigado. É um grande alívio saber disso. Não me importa a opinião de ninguém mais nesse mundo. Agora feche esses olhinhos, vou contar uma história para você dormir.

Eu ri baixinho, pressionando seu corpo contra o meu.

– Sou toda ouvidos. Qual o nome da história?

– “Alicia na Cidade Maravilhosa”*.

– Hum, título interessante... alguém toma chá de cogumelo nessa história?

– Não, não, é um conto de fadas.

– Quero ver como esse conto de fadas vai acabar. – Bocejei e fiquei atenta ao que Roger inventaria nesse suposto ‘conto de fadas’.

– Era uma vez uma linda garota chamada Alicia...

Roger começou a contar sua historia sussurrando no meu ouvido, sua voz rouca era como uma carícia irresistível. Eu suavemente deslizei em um sono profundo, tranquilo e relaxado, antes mesmo de ouvir a segunda frase do conto de fadas. Ele teria que contar tudo de novo em um momento que eu estivesse menos cansada e sonolenta.

A noite passou mais rápido do que eu desejava. Eu nunca tinha dormido tão bem em toda minha vida, aconchegada nos braços do Roger, sem medos, sem preocupações, sem inseguranças, apenas feliz e relaxada.

Eu tinha esperanças de podermos passar a manhã juntos, já que teoricamente Roger deveria estar descansando a manhã inteira. Quem sabe ele me conte o restante do conto de fadas que começou na noite passada. Ou podemos pedir café da manhã na suíte, trocar confidências, ou apenas nos beijarmos e desfrutarmos a companhia um do outro, são tantas as possibilidades!

Meu devaneio foi interrompido com o toque do celular do Roger, em cima da cabeceira do meu lado da cama. Era cedo ainda, por volta das oito da manhã. Ele se curvou sobre mim para pegar o aparelho, inclinando-se para me beijar de leve antes de atender a ligação. Sorri desconcertada, preocupada de estar com mau hálito matinal. Enquanto Roger sentava-se na cama, recostado na cabeceira e falava ao telefone, chequei discretamente meu hálito, fazendo uma concha com as mãos em torno da boca e soprando. Aparentemente estava ok. Alívio!

Virei-me de lado para observar a maravilha que era Roger recém-acordado. Mesmo com o cabelo desalinhado e os olhos levemente inchados, ele não deixava de ser lindo. Havia uma graciosidade no modo como se movia que era simplesmente apaixonante. Roger não era o tipo de homem que carregava aquela postura de macho alfa, o cara gostosão, autoconfiante e dominador. Mas era exatamente essa delicadeza nos seus gestos e no trato com as pessoas que lhe atribuíam charme. Ele era um perfeito cavalheiro. Um pouco desajeitado, mas ainda assim elegante. Roger era seguro de sua masculinidade e isso transparecia para qualquer um, apesar de toda delicadeza.

Enquanto eu o observava e analisava cada linha de seu rosto, cada sinal e cicatriz em sua pele, praticamente decorando seu DNA, Roger me encarou e piscou para mim, lançando um daqueles sorrisos tortos arrasadores. Sorri de volta, mas não pude deixar de perceber uma ponta de preocupação em sua expressão. Peguei meu celular para disfarçar e passei a prestar mais atenção na conversa.

– Tá, tudo bem. Já que não tem como evitar, vou sim. Ei, Sarah... relaxa, eu deveria estar descansando esta manhã. Você não tem por que se aborrecer comigo se apareceu algo novo para resolver, certo? Fica fria. Quando chegar aí eu explico. Até já.

Roger bufou e me lançou um olhar dramático, como se estivesse muito aborrecido. Ele não parecia estar muito satisfeito com o que quer que a Sarah tenha lhe dito ao telefone. Mas tentou amenizar para eu não ficar preocupada.

– Algum problema? Você está em apuros por ter passado a noite aqui?

– Não. É só a Sarah com seu dom de arruinar meus raros momentos de diversão.

– Não fica assim, Grumpy Cat, ela está zelando por seus interesses.

– Sim, sempre.

Ele me puxou para junto de si, deslizando a mão por minha camisola de seda, percorrendo minhas costas subindo e descendo. Beijou meu ombro, depois foi subindo, cobrindo meu pescoço com beijos tão suaves que pareciam uma pluma acariciando minha pele.

– Eu adoro o cheiro do seu cabelo. – Roger disse entre um beijo e outro.

Ficamos nos encarando alguns segundos, eu deslizava as pontas dos dedos contornando os traços de seu rosto, a linha da testa até a ponta do nariz, a boca, percorrendo sua mandíbula até chegar às suas orelhas.

– Eu adoro você. – Respondi sussurrando.

– Okay, não vamos competir aqui. Sei que eu vou ganhar.

– Roger. Você tem que ir.

– Não tenho não.

– Vai dizer isso pra sua agente nervosinha.

Sentindo-me um pouco decepcionada, tentei disfarçar a tristeza, pois não queria fazer Roger se sentir culpado. Cutuquei as laterais de seu abdômen para ele sair de cima de mim e começar a se arrumar para sair.

– Vou tentar ser o mais breve possível lá em cima. Prometo.

Fiquei deitada observando Roger vestir-se apressadamente. Ele tirou a camiseta regata branca e a jogo para mim. Estava impregnada com seu perfume e o cheiro de sua pele. Eu imediatamente a vesti por cima da camisola. Roger deu uma gargalhada e se dirigiu para sair pela porta da suíte anexa.

Eu estava tão feliz, tão tão contente, parecia que estava vivendo um sonho. Ou talvez o conto de fadas maluco do Roger. Quando ele estava pronto para sair, todo lindo, desarrumado, pulei da cama e corri para seus braços. Apertei meu rosto contra seu peito, inalei o aroma de seu perfume, que estava quase sumindo de sua roupa e pedi:

– Volta logo pra mim?

As horas se arrastaram, mas dei um jeito de me manter ocupada para não pirar de saudade. Sim, eu acabara de fazer uma grande descoberta: o conceito de saudade era muito relativo. Algumas pessoas, na ausência dos seus seres amados, demoram mais tempo para sentir saudades do que outras que, como eu, já estava em crise de abstinência, meras duas horas após Roger ter me deixado.

Fiquei na cama, sem ao menos trocar de roupa, para não perder o cheirinho do Roger que ainda estava em mim, na minha camisola, em sua camiseta e nos lençóis. Se eu estava me sentindo tão completa, tão apegada a ele após uma noite dormindo juntos, como eu ficaria se tivéssemos deixar rolar algo mais? Sexo, quando duas pessoas se gostam, se admiram, se respeitam é quase como uma união de almas, é o clímax da intimidade. Eu queria muito chegar a esse estágio com Roger, mas precisava me sentir mais segura de nossa relação.

A cada dia, a cada gesto vindo do Roger, eu me certificava de que o que eu estava vivendo era sim muito real. Eu via em seus olhos a confirmação de suas palavras e, por mais absurdo que parecesse, ele gostava mesmo de mim, se importava e queria ficar comigo.

Com essa certeza acalmando meu coração, peguei meu notebook para checar emails, ver algumas notícias e, de repente tentar me comunicar com minha mãe ou pelo menos minhas amigas pela internet. Respondi os emails dos clientes, mas quando chequei o Skype, não tinha ninguém online. Decidi que era melhor tentar o bom e velho telefone.

Minha mãe atendeu no primeiro toque.

– Oi querida, como você está? Estava aguardando você me ligar. Não sabia seus horários, preferi não atrapalhar. Tudo bem?

Ouvir a voz da minha mãe depois de dois dias longe de todas as pessoas com quem estou familiarizada foi como voltar pra casa. E também foi como acordar de um sonho.

– Oi mãe, tudo bem? Estou bem sim. Desculpa não ter ligado antes, o cronograma aqui é bem puxado, os horários não são regulares, tenho que estar sempre à disposição.

– Entendo. E você teve alguma oportunidade de desfrutar um pouco do Rio de Janeiro?

Suspirei. Eu realmente tinha esperanças de poder curtir um pouco a cidade. Na verdade a primeira folga em que poderia fazer isso, resolvi ficar trancada esperando por Roger.

– Para falar a verdade, não. Quer dizer, se você considerar estúdios, hotéis e apartamentos de luxo como parte do Rio, acho que posso dizer que conheci até uma boa cota.

– Está se divertindo? Fui procurar na internet sobre esse tal Roger Peterson que você está acompanhando, ele é bem bonito.

Sorri para o telefone, sem caber em mim de felicidade.

–Sim, ele é muito lindo. E gentil, e simpático e... – Depois me dei conta de que estava falando com minha mãe e parei de tagarelar. Ouvi sua risadinha do outro lado da linha e fiquei sem graça. Não sabia se era a hora certa de abrir o jogo e contar tudo para ela. Preferia fazer isso pessoalmente, depois que eu e Roger definíssemos nossa situação.

– Você parece que está apaixonadinha por ele. – Ísis provocou.

– Ah, quem não estaria, ele é realmente um cara bem legal, considerando que é famoso e tal.

– É verdade, a fama sobe à cabeça das pessoas, especialmente quando são novinhas como ele. Mas não vai se apaixonar muito, a concorrência é grande!

– Mãe!

– Estou brincando, Ally, cadê seu senso de humor?

– Tá, desculpa. – Resolvi mudar de assunto, meus sentimentos por Roger estavam muito à flor da pele, ainda não conseguia falar sobre ele sem me exaltar. - E então, como estão as coisas por aí?

– Ah, esqueci de falar! Tenho uma novidade sim. Mas acho que vou esperar você chegar para contar pessoalmente. – Ísis falou em tom de mistério.

Ai meu Deus, será que ela arrumou um namorado? Como lidar?

– Ah não mãe, você não vai fazer isso comigo! Não vou ficar mais dois dias me consumindo de curiosidade. Isso não se faz! – Protestei.

– É que não é uma novidade minha, entende? Não tenho o direito de contar. Deixe que o Max e a Gabi lhe contam quando você chegar.

– Ai meu Deus, é o que eu estou pensando?

– Não, a Gabi não está grávida!

– Credo mãe, vira essa boca pra lá. O Max não está preparado para ser pai. Ele não conseguiria dividir aquele vídeo game nem com o próprio filho.

– Não diga isso, minha filha.

– Ok. Mas eu já saquei o que é. Max e Gabi estão noivos, é isso?

– Sim. Estou tão feliz, mas ao mesmo tempo triste. A casa vai ficar tão vazia sem ele. Seremos agora apenas nós duas.

– Mãe, ele não vai se mudar para a Groenlândia, relaxa. Do jeito que a Gabi cozinha mal, não duvido ele aparecer todo dia para almoçar e jantar lá em casa!

Soltei a piadinha na intenção de animar minha mãe, mas na verdade, essa preocupação dela se agravou um pouco na minha cabeça, já que eu não tinha desistido dos meus planos de ir morar em Londres. Será que ela aguentaria ficar sozinha naquele apartamento sem os dois filhos? De repente a ideia de Ísis arrumar um namorado não pareceu tão ruim assim.

Alicia, deixe de ser egoísta!

Pelo menos consegui arrancar umas risadas de minha mãe.

– É, acho que você tem razão.

Olhei para o relógio, já era quase onze da manhã e Roger não havia aparecido ainda. Me bateu um nervoso. Será que Sarah descobriu sobre nós e o proibiu de me ver? Não, não, Roger não aceitaria isso. Mas o que terá acontecido então? Provavelmente o que ele pensou ser uma bobagem, na verdade era alguma reunião importante com alguém importante. Eu precisava aproveitar o que restava da minha manhã antes que tivesse que voltar ao trabalho novamente.

Desculpei-me com Ísis, explicando que precisava sair para curtir o pouco tempo que ainda tinha de folga.

– Tudo bem querida. Cuide-se, e não deixe de dar notícias.

– Certo. Ah, e não se preocupe, prometo fazer cara de surpresa quando Max e Gabi me contarem a grande novidade!

– Um beijo.

– Beijo, mãe. Tchau.

Desliguei o notebook e fui me arrumar, com pena de ter que tirar a camiseta de Roger. Mas eu sabia que em poucas horas nos encontraríamos novamente, então relaxei. Enquanto escovava os dentes e arrumava o cabelo, tive a ideia de ir tomar sorvete na orla. Era uma boa oportunidade de caminhas pelo famoso calçadão de Copacabana e curtir um pouco a vista.

Escolhi um vestido estampado de tecido leve, mas por via das dúvidas, levei um casaquinho curto também de tecido leve. Estava quente lá fora, mas às vezes caía uma garoa inesperada e esfriava um pouco.

Encontrei Larry no saguão, quando estava passando pela recepção, em direção à porta de saída. Fui cumprimentá-lo e na hora me deu vontade de convidá-lo para me fazer companhia. Ele certamente estava de folga esta manhã também. Mas ele estava tão distraído, que não insisti muito.

– Nossa, você está mais linda do que nunca hoje. – Larry disparou, me conferindo dos pés à cabeça. – Pô Ally, to super ocupado agora, não vou poder te acompanhar. A gente se vê mais tarde.

No calçadão de frente para o hotel havia uma aglomeração de fãs de alguns artistas e as fãs do Roger estavam entre elas. Desde que chegamos ao Rio, algumas delas estão acampadas ali e o número só aumenta a cada dia. Para minha sorte, ninguém me reconheceu. Algumas delas tentaram se aproximar e falar com Roger, quando voltávamos do almoço ontem, ele as atendeu gentilmente, mas Dave não dava chance para uma aproximação maior. Elas tentaram chamar minha atenção, mas passei apressada junto com a equipe para não causar nenhum problema.

Agora eu estava tranquila. Sem Roger por perto, ninguém se importava em falar comigo. Atravessei a rua e desci até a praia, tirei as sandálias e caminhei descalça pela areia da praia, apreciando a vista de tirar o fôlego, os morros imponentes de encontro ao mar, aquela imensidão de praia. Em Fortaleza temos muitas praias, mas não há nada mais lindo do que as montanhas avançando sobre a imensidão do mar. É como um duelo de gigantes. Na volta, quando estava me aproximando do hotel, avistei uma sorveteria bacana e bem lotada. Era sinal de que era das boas. Comprei meu sorvete e na hora tive a ideia de levar um sorvete para Roger. Escolhi um sabor de fruta tropical, algo que ele provavelmente nunca tinha provado e pedi para embalar para viagem.

Quando atravessei a rua em direção ao hotel, a multidão havia duplicado, e estavam muito mais eufóricos do que quando eu saí. Fiquei curiosa para saber qual artista tinha chegado, então me aproximei de uma grupo de meninas que estavam um pouco mais afastadas da multidão para perguntar do que se tratava.

– Roger Peterson! Ele está na sacada do hotel com a Cathy Seymour!

Mal consegui agradecer, balbuciei qualquer coisa para as garotas e procurei um lugar onde pudesse ver com meus próprios olhos. Senti um frio na barriga, como se algo terrível estivesse prestes a acontecer. Eu finalmente avistei a figura de Roger apoiada na balaustrada da sua suíte no último andar. Ele vestia uma camiseta de malha cinza e estava de óculos escuros. Roger sorria e acenava timidamente para a multidão, eventualmente olhando e sorrindo para a loira que se pendurava em seu pescoço e acenava efusivamente para os fãs lá embaixo. Era Cathy Seymour. A ex, quer dizer, pelo que parecia, atual namorada de Roger.

Fiquei sem chão, minhas pernas ficaram fracas, eu precisava de algo em que me apoiar. Estava tão atordoada que deixei a caixinha com sorvete de Roger cair no chão. Parecia um pesadelo.

Não era possível. Roger estava comigo de manhã, prometeu voltar para mim depois da reunião com Sarah. Ele até deixou sua camisa comigo. Ele não podia ser tão cafajeste assim. Depois de ter jurado que gostava de mim e queria ficar comigo. Por que ele mentiu? Por que não foi honesto em suas intenções? Eu teria compreendido, afinal é o que todo cara famoso faz. Se diverte com garotas deslumbradas com sua beleza, fama e promessas de amor eterno.

As lágrimas jorravam pelo meu rosto como um rio, e eu nem me importava de demonstrar meus sentimentos ali no meio daquela multidão. Ironicamente, grande parte daquelas pessoas estava ali celebrando, chorando de felicidade por ver o ‘casal de ouro’ reunido. E eu poderia ser confundida com uma delas. Cômico se não fosse trágico.

Por que, por que Roger me deu a noite mais feliz da minha vida, preencheu o vazio do meu coração só para depois arrancá-lo do meu peito? Não fazia sentido. Se ele queria se divertir, por que não aceitou a proposta indecente da Lorena Petrelli ontem? Ela estava lá, linda, perfeita, totalmente disponível para ele. Mas não Roger preferiu primeiro me pressionar para transar com ele, depois se fez de arrependido e me envolveu naquela conversa doce de sempre, com direito a presentinho e conto de fadas. E eu tão apaixonada, tão irremediavelmente envolvida a ponte de ficar cega para suas intenções. Mas Roger era um ator, afinal. Fazer as pessoas acreditarem nele era sua profissão.

Cada vez que eu me lembrava de suas palavras, suas ações ontem à noite e hoje de manhã, eu sentia mais nojo dele, quanta desonestidade, quanto mau caráter e frieza! As memórias que a poucas horas eram doces e enchiam meu coração de felicidade, agora eram amargas, pareciam lanças atravessando minha alma. O amor dói. A decepção queima. Arde. Dilacera.

Precisei de muito autocontrole para conter o choro, por que mesmo estando em meio a fãs escandalosas que choravam e se descabelavam, meus prantos já estavam se sobressaindo aos da mais escandalosa de todas. Minha vista estava embaçada, mas ainda pude ver os cartazes com dizeres celebrando o casal: “I Love Catsey + RPeter”.

Como pude ser tão ingênua? Aquilo era tão previsível? Como justo eu, que sou tão boa em julgar o caráter das pessoas, pude me deixar enganar desse jeito? Talvez por que eu já estava predisposta a isso. Talvez eu já estivesse apaixonada desde o começo e me recusei a admitir para mim mesma o que sentia. A culpa era minha. Sim, a culpa era toda minha por ter deixado as coisas chegarem àquele ponto. Meu único consolo era a consciência de que não me entreguei completamente para ele. Caso contrário, o que restaria de mim?

Mesmo estando devastada por dentro, decidi acabar com aquela palhaçada ali mesmo. A minha presença no Rio de Janeiro não passava de uma desculpa para Roger me encontrar. Ele não precisava dos meus serviços de verdade. Muito menos agora que sua verdadeira namorada estava aqui. Ele não precisava de mim para nada.

Tirei o iphone que ele me deu de presente da bolsa e escrevi uma curta mensagem para ele no whatsapp:

“Estou indo embora. Acabou.”

Fiquei observando mais um pouco o espetáculo de Roger e Cathy na sacada do hotel, quando algo estranho aconteceu. Durou poucos segundos, talvez as fãs descabeladas não tivessem percebido, mas eu percebi. O momento que Roger recebeu minha mensagem no whatsapp.

Primeiro ele olhou para baixo, em direção ao bolso de sua calça. Seu braço mexeu como se ele tivesse tirando algo do bolso, depois ele parou olhando para baixo alguns segundos, impassível. Então Roger balançou a cabeça negativamente e ficou encarando o chão com uma expressão séria, muito séria. Era difícil enxergar detalhes do seu rosto, pois ele estava usando óculos escuros. E, por mais que eu enxergasse perfeitamente bem, não era possível ver com clareza as expressões faciais de alguém no oitavo andar de um prédio.

Cathy pareceu perceber algo estranho com Roger, e falou com ele, alisando seu rosto, como se estivesse questionando algo. Roger endireitou-se, afastou o rosto das mãos de Cathy, mas permaneceu lá, imóvel.

Eu não aguentava mais ver aquele espetáculo. Corri para dentro do hotel e fui barrada pela segurança. No meu desespero, esqueci de mostrar minha identificação e chave da suíte. Eu só queria me trancar em meu quarto e desaparecer. Estava doendo muito. O pior de tudo era estar ali sozinha. Não havia ninguém que eu amava e que se importasse comigo de verdade para me fazer companhia. Ali eu era ninguém. Eu precisava voltar para casa, para meu porto seguro.

Fui ao banheiro, lavei meu rosto com água fria, bebi um pouco de água e me deitei na cama. Minha cabeça estava explodindo de enxaqueca, um turbilhão de pensamentos e sentimentos me atormentando. Mas eu precisava tomar uma atitude, eu precisava sair daquele ambiente opressor, que só me fazia mal.

Primeiro liguei para a companhia aérea e alterei a reserva do meu voo de volta para Fortaleza para as três da tarde daquele mesmo dia. Três horas era tempo suficiente para arrumar minhas coisas, pegar um táxi e chegar ao aeroporto Santos Dumont, que era ali perto.

Pensei em uma desculpa que justificasse minha urgência em ir embora, e a que melhor poderia convencer Sarah seria algo envolvendo a saúde de um membro da família. Ou namorado. Decidi que seria melhor inventar que algo tinha acontecido com meu namorado, assim a mentira não seria tão terrível, já que não tenho um namorado de verdade.

Reuni toda a coragem que tinha, respirei fundo para estabilizar minha voz, e liguei para Sarah.

– Alô, Sarah? Você pode falar?

– Oi Ally! Estou um pouco ocupada agora, mas pode falar. De todo modo, nos encontraremos daqui a pouco no almoço.

– Sarah, não sei como dizer isso... Sinto muito, mas não poderei comparecer al almoço. Tenho que voltar para minha cidade imediatamente. – Minha voz falhou, respirei fundo novamente, mas não consegui conter um soluço.

– Meu Deus, Ally, está tudo bem? Aconteceu algo?

– É meu namorado. Ele sofreu um acidente de carro, está muito mal no hospital. Preciso voltar para casa, preciso vê-lo!

– Claro, claro.

– Espero não causar muito transtorno para vocês. Ainda tem o restante da equipe que pode lhe auxiliar, não é mesmo? Sinto muito, muitíssimo. Foi um prazer trabalhar com vocês, mas preciso ir.

– Tudo bem, Ally. Eu entendo perfeitamente. Vou mandar Larry descer até aí para lhe ajudar a providenciar seu retorno e lhe ajudar com o que precisar, você parece muito transtornada. É bom ter alguém por perto para ajudar.

– Não, por favor. Eu insisto, já estou causando trabalho demais desfalcando sua equipe. Não há muito o que providenciar.

– Se você insiste... De todo modo, você não quer vir se despedir do Roger e de todos nós? Quero que saiba que estou muito satisfeita com seu serviço, você é uma profissional de mão cheia. Faço questão de recomendá-la a todos os meus conhecidos que vierem ao Brasil.

As palavras inesperadas de gentileza de Sarah me desfizeram. Eu não conseguia mais controlar o choro, tinha que parar de falar para recuperar o fôlego.

– Obrigada, Sarah. Foi um prazer e uma honra. Mas preciso ir ao aeroporto o mais rápido possível. Já alterei o horário do meu voo. Não tenho tempo a perder. E também não quero arruinar seu dia com meus problemas. Por favor, mande meus cumprimentos a todos. E diga a Roger que agradeço do fundo do coração a confiança e oportunidade.

Sim, por que mesmo no meu maior momento de dor, eu reconhecia que aqueles poucos dias haviam me proporcionado uma experiência inesquecível. Por mais que o final não tenha sido exatamente como eu havia imaginado, valeu o aprendizado. E mesmo que suas intenções não tenham sido das mais honestas, Roger me permitiu viver um conto de fadas. Um com final trágico, mas ainda assim, um conto de fadas.

Antes de o avião fechar as portas e a tripulação se preparar para a decolagem, peguei meu celular para enviar uma mensagem para Helena pedindo que ela me buscasse no aeroporto. Não queria chegar em casa no estado em que eu estava. Precisava de um tempo para me recompor antes de enfrentar minha mãe e ter que abrir meu coração e contar tudo o que vinha escondendo dela sobre Roger.

Quando abri o whatsapp para escrever para Helena, havia uma mensagem do Roger. Respirei fundo, as lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto antes mesmo de eu ler a mensagem.

Peter:

Ally, por favor, não faz isso. Você precisa entender o que está acontecendo antes que tire conclusões precipitadas. Estou preso aqui nessa confusão. Fui pego de surpresa. Não posso te ligar, não posso descer para ir falar com você. Por favor, Ally, não jogue tudo fora. Eu te adoro. Nunca senti o que sinto por você por nenhuma outra pessoa. Preciso ir agora. Mas por favor me espera, vou te explicar tudo.

A comissária de bordo aproximou-se preocupada, pois meus soluços estavam começando a deixar os outros passageiros assustados.

– Senhora, posso ajudar? Você está bem?

– Estou bem sim, obrigada. Desculpa fazer essa cena.

– Sem problemas, a senhora deseja alguma coisa?

– Só um copo d’água, por favor.

Engoli o remédio com um gole generoso de água e fiquei quietinha, enrolada no cobertor que a aeromoça havia trazido para mim, esperando o remédio fazer efeito.

O sono veio como uma bofetada e, antes que eu conseguisse lembrar por que estava chorando, adormeci.


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Notas finais do capítulo

Entenderam o por que das músicas do Bryan Adams? Hahaha!
Comeeeentem!
Beijos