Saga Sillentya: as Sete Tristezas escrita por Sunshine girl


Capítulo 6
V - Beco sem saída


Notas iniciais do capítulo

hello my people!!
voltei mais uma vez, trazendo um capítulo bem grande e recheado de surpresas!!

acho que foi efeito retardado da prova de matemática e física!!

mas enfim...
boa leitura!



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Capítulo V – Beco sem saída

 

 

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A quinta-feira passou-me com uma certa lentidão, o tempo voltando a ser monótono, tedioso para mim. Naquele dia eu não vi novamente - embora raramente o tenha feito de fato – e ele simplesmente desapareceu, como uma nuvem de fumaça.

 

Aquilo era estranho para mim, mesmo que ele tivesse dito no dia anterior que algo o manteria ocupado, eu não sabia que o levaria também a faltar nas aulas, claramente mais um de seus mistérios e segredos tão envolventes.

 

Eu perguntava-me o que ele deveria estar fazendo nesse exato momento, o que exatamente se passava em sua cabeça, o que ele estava pensando sempre que me encarava com aquele olhar indecifrável.

 

E cada linha composta em sua expressão rígida, os lábios apertados naquela reta, os olhos castanhos semicerrados, as sobrancelhas lançando sombras em seus orbes, os cabelos negros e lisos contrastando com sua pele, e a mesma posição de sempre, as mãos cruzadas, o queixo apoiado sobre elas.

 

Havia uma aura misteriosa sobre ele, cobrindo-o inteiramente, impedindo que alguém se aproximasse, assim como eu, mas sua aura não era negra e medonha como a minha, não, sua aura se tivesse uma cor, eu a definiria como dourada, cintilante, magnífica, algo que atraía a atenção de todos, despertava a curiosidade de quem a olhasse, e também a admiração.

 

Sim, era exatamente assim que a definia. Uma aura tão bela e tão cercada por segredos ao mesmo tempo.

 

Eu sabia que estava mergulhando em um mistério inimaginável, algo que minha mente jamais poderia ter concebido sozinha, algo que conseguia arrancar-me de minha realidade sombria e lançar-me em um outro mundo totalmente novo, algo totalmente diferente do que eu estava acostumada a ver e vivenciar.

 

E eu estava tão encantada, tão disposta a resolver aquele mistério, que mal me importavam as conseqüências, eu não tinha nada a perder de qualquer forma. Se eu tivesse a chance de escapar desse meu mundo vazio e fútil, apenas por alguns segundos fugir dessa realidade obscura, que seja, eu o faria de bom grado.

 

Eu estava no corredor extenso a essa hora, guardando meus livros em meu armário, logo o sinal tocaria novamente, para que todos os alunos retornassem a sala de aula. Minha mente estava tão distante daquele local, que quando fechei a porta de meu armário e dei de cara com Max encarando-me com um sorrisinho malicioso nos lábios, eu saltei para trás, assustada.

 

- Max! – exclamei, com a mão em meu seio, sentindo a palpitação acelerada, tentando acalmá-la – por Deus, você me assustou!

 

Ele riu de minha reação, postando-se a minha frente, eu conhecia claramente aquele olhar. Lancei-lhe um olhar frio como gelo, reprovando sua atitude que quase me custara uma parada cardíaca.

 

- E então? – perguntou-me ele, erguendo uma de suas sobrancelhas.

 

- E então o quê? – eu perguntei confusa.

 

- Conte-me tudo sobre ontem.

 

Agora era a minha vez de arquear a minha sobrancelha.

 

- Por que está interessado nisso?

 

- Ah, pare com isso! Eu sei perfeitamente o que está havendo aqui.

 

- E o que está havendo? – eu o incitei.

 

Max disfarçou com uma risadinha, deu alguns passos a mais em minha direção, o sorriso em seus lábios ainda era de malícia.

 

- Ora, Agatha, não se faça de desentendida comigo!

 

- Eu não estou me fazendo de nada! – deixei isso bem claro.

 

- Claro. – assentiu ele.

 

- O que você está querendo dizer com isso? – eu perguntei a ele.

 

E então ele me lançou aquele olhar de acusação, porém, divertindo-se claramente as minhas custas.

 

- Você está caidinha pelo garoto novo! – soltou ele.

 

Lancei-me em sua direção, batendo em sua cabeça com o livro que estava em minhas mãos, devo ter exagerado na força, pois Max curvou-se, colocando as mãos no exato local onde eu tinha batido.

 

- Shhhhhh! Você ficou maluco? De onde tirou essa idéia estapafúrdia?

 

Olhei para os lados, certificando-me de que ninguém havia ouvido sobre essa loucura. Por sorte todos agiam normalmente, ignorando a nós dois no corredor.

 

- Ai! – queixou-se Max – por que me bateu?

 

Olhei com frieza novamente, mordendo meus lábios com muita fúria.

 

- Para que você pare de falar baboseiras e também de fazer suposições absurdas!

 

- Mas, quem disse que isso é besteira? – perguntou ele, ainda meio agachado. Levantei meu livro, claramente com a intenção de lhe bater novamente, mas o sinal tocou e Max correu para a sala, e eu me contive para não arremessá-lo em sua cabeça oca, mas minhas chances de acertá-lo não eram muito boas.

 

Então desisti da idéia de espancar Max, pelo menos por enquanto e também corri para a sala, embora não estivesse pronta para agüentar mais três aulas.

 

O período passou rápido diante de meus olhos desta vez, talvez porque eu quase tenha cochilado na aula de história, ou talvez porque tivesse ficado a aula inteira de cálculo pensando no que Max havia me falado. Ele estava enganado, eu não estava caindo de amores por Aidan! Eu apenas estava envolvida demais com o seu jeito misterioso de agir, não havia mais nada do que isso.

 

Apenas um encantamento passageiro, algo que passaria assim que eu esclarece os seus tão profundos segredos. Eu tinha a certeza de que isso seria só por algum tempo, e também quem sabe isso não passasse assim que ele fosse embora no final do semestre?

 

Eu logo o esqueceria completamente, apagando de minha mente a sua expressão indecifrável, o seu olhar impenetrável, e o seu jeito silencioso e solitário. Disso eu tinha certeza.

 

Assim que o sinal tocou, eu pulei da carteira, depois de perceber que durante toda a aula eu havia pensado nele e em seu estranho jeito de agir. Sacudi minha cabeça a fim de dissipar aqueles pensamentos, eu não devia pensar nele com tanta freqüência e intensidade, aquilo não era certo.

 

Eu imagino o que todas as meninas iriam fazer comigo se soubessem o quanto o objeto mais desejável da escola mexia comigo. Eu podia até mesmo ser alvo de um linchamento, considerando o quanto elas já gostavam de mim.

 

Eu andava distraída pelo corredor, enquanto alguns imbecis faziam questão de esbarrar em mim, sem ao menos se desculpar.

 

Caminhei até meu armário, destranquei-o com a combinação correta e joguei sem misericórdia alguma o meu livro de cálculo. Fechei-o novamente e como da primeira vez, Max esperava por mim, mas sua expressão agora não era de divertimento, mas sim de cautela, acho que ele queria certificar-se de que eu não tentaria matá-lo, pelo menos não naquele dia.

 

Ele levantou as mãos, claramente aquele era um sinal de paz, imaginei-o até mesmo com uma bandeira branca nas mãos. Fiz uma careta para ele, mostrando-lhe que ele ainda não estava totalmente perdoado pelo comentário abusivo.

 

- Ora, vamos, A.G., não fique brava comigo! Você sabe tão bem quanto eu o quão nebulosos os seus dias seriam sem a minha presença! – murmurou ele, um tom engraçado na voz.

 

Fitei-o, meio desconfiada, mas ele sorria para mim, claramente desculpando-se.

 

- Tudo bem, você está perdoado. – eu disse, mas depois o alertei, a ameaça presente em minha voz – mas, se você fizer outros comentários como esse, eu farei muita questão de lhe bater com um taco de beisebol, ou talvez um de hóquei. Então, estamos combinados?

 

Max no instante seguinte saltou em minha direção, apertando-me em um abraço constrangedor.

 

Pigarreei para lhe chamar a atenção e lembrá-lo de onde estávamos exatamente.

 

- Er, Max, pode me soltar? – eu perguntei meio temerosa.

 

Max afastou-se de mim, o rosto vibrante de felicidade, eu sabia que ele tinha algo para me falar, eu podia ler isso em seus olhos eufóricos.

 

- Eu sabia que você não ia resistir muito tempo sem a minha companhia!

 

- Rá, rá, engraçadinho!

 

Vi que o corredor já estava quase vazio, a maioria dos alunos era impaciente demais quando o assunto era o retorno para a casa, mas eu não tinha muita pressa, ia ajudar minha mãe em sua loja de qualquer forma.

 

- E então, o que você quer? – perguntei a ele, e vi em sua expressão a expectativa misturada à excitação, ele claramente estava tramando algo.

 

Max esfregou as palmas das mãos uma nas outra, e então seu sorriso tornou-se algo sinistro.

 

- Hei, eu e alguns amigos estamos programando algo para esse sábado à noite.

 

- E o que exatamente seria? – perguntei curiosa.

 

Max virou seu rosto para trás, certificando-se de que ninguém estava ouvindo a nossa conversa, eu podia sentir o cheiro de algo proibido no ar. Aliás, proibido e perigoso.

 

- No sábado à noite nós iremos até a antiga casa dos Hamilton.

 

- O quê? – eu repeti, incrédula. – Você enlouqueceu? Não pode ir até lá! Seria invasão de propriedade!

 

Max fez uma cara de zombaria para mim, claramente fazendo pouco caso de meu alerta.

 

- Ah! A casa está vazia desde 1950, ninguém vai lá a mais de cinqüenta anos!

 

- E você sabe por que, cabeça oca? – eu o questionei.

 

- É claro! Todos têm medo do que aconteceu lá! – ele explicou-me calmamente.

 

- É normal que pessoas evitem locais onde crimes cruéis e sanguinários foram cometidos! – eu retruquei.

 

- Ah, isso não é nada para mim!

 

Arquei uma de minhas sobrancelhas, questionando-o sobre toda essa sua coragem.

 

- Ah, e é claro que você veio me convidar para essa loucura. – eu supus ironicamente.

 

Max sorriu em resposta, então era um “sim”. Fechei minha expressão, estava em dúvida do que deveria dizer a ele. Depois de conseguir passar seis meses inteiros sem aprontar nenhuma, ou não dar nenhuma dor de cabeça para a minha mãe, eu havia me acostumado a não ficar de castigo, não ter minha mesada cortada, e principalmente não ter de ficar horas e horas suportando um sermão.

 

- Eu não sei, Max.

 

Sua expressão desmanchou-se na mesma hora, ele estava decepcionado comigo e não disfarçava isso.

 

- Ora e por que? Não me diga que está enferrujando já? Para onde foi toda a sua coragem?

 

- Ela tirou férias prolongadas depois dos últimos dois meses inteiros de castigo. – expliquei-lhe calmamente.

 

Max bufou, mas eu me mantive séria em minha decisão. Vi quando ele se aproximou de mim, pegou gentilmente em meus braços, a voz estava... suplicante, doce demais, ai, estava deixando-me enjoada.

 

- Por favor, A.G., eu prometo que você não irá se arrepender! Vamos, por mim!

 

Minha desconfiança ainda me impedia de ceder a aquele seu convite, talvez porque no fundo eu soubesse que havia algo por trás disso, algo que estava tirando as noites de sono de Max.

 

- E o que é que tem de tão interessante naquela casa velha e empoeirada? – eu perguntei a ele, mal percebendo que eu já estava começando a ceder ao seu convite. Max notou isso e abriu-me um grande sorriso.

 

- Dizem que estão realizando rituais de ocultismo lá, pensei que talvez nós pudéssemos pregar algumas peças nos otários.

 

A idéia de aprontar alguma, pregar peças em alguém, acendeu em mim uma centelha de esperança de que talvez meu final de semana não fosse tão monótono o quanto eu estive planejando. Podia ser empolgante, proibido e o principal de tudo, perigoso, minhas três palavras favoritas.

 

Sorri um pouco diante da idéia, somente de me imaginar à noite, em uma floresta sombria, espiando um ritual proibido que estaria ocorrendo em uma casa velha e que dizem ser mal assombrada, pregando alguns sustos nos otários.

 

- Estou dentro. – disse-lhe, estendendo-lhe minha mão, Max a pegou eufórico, meu sim o havia deixado completamente enlouquecido.

 

Porém, logo eu me dei conta de que horas eram e lembrei-me de que tinha de correr até a loja de minha mãe, caso contrário, já estaria de castigo muito antes que pudesse aprontar.

 

Assim, deixei meu amigo eufórico, correndo como uma louca desvairada pelas ruas da cidade, a fim de chegar até o centro.

 

 

 

A sexta-feira chegou para o meu alívio, e para a minha ansiedade, eu não via a hora de estar no meio daquela floresta fria e silenciosa. Claro que eu expliquei a minha mãe sobre o motivo de eu não vir trabalhar na sexta novamente – porque estaria ocupada terminando meu trabalho com um estranho – e ela assentiu, ainda que eu pudesse ver aquela pequena desconfiança consumindo-a por dentro.

 

Mas ela não se opôs, e isso era tudo o que eu queria, que eu não tivesse mais problemas com minha mãe, embora estivesse embarcando em uma aventura perigosa com meu amigo louco e obcecado por coisas sobrenaturais. E que por sorte, permaneceria acobertada pelo silêncio e pelas sombras medonhas da noite.

 

O período na escola passou como um estalar de dedos novamente, e eu me vi ansiosa outra vez por ter de passar algum tempo na companhia de Aidan. Ainda mais agora que havia decidido desvendar seus mistérios, um por um.

 

O sinal havia acabado de tocar e eu caminhava com uma certa lentidão pelo corredor, temerosa de que estivesse de mau humor novamente, que me tratasse da forma rude como o fez há dois dias.

 

Encontrei-o no mesmo local, e lá estava a mesma expressão indecifrável no rosto, os olhos insondáveis, os lábios apertados na mesma linha rígida.

 

Senti uma apunhalada ao ver que seria exatamente como na quarta, o silêncio que se instauraria entre nós dois, enquanto fazíamos aqueles maldito trabalho de inglês. Por sorte faltava pouco, e em pouco tempo nós o acabaríamos.

 

Aproximei-me dele, ficando absolutamente muda diante daquela estátua severa que sua figura parecia. Não me atrevi como da outra vez a lhe dizer um oi, ao que parecia seu humor ainda estava azedo.

 

Porém, como sempre, eu me enganara a respeito dele, e foi ele que acabou por me surpreender quando deu alguns passos na minha direção, os lábios desfazendo lentamente aquela linha rígida.

 

- Oi. – disse-me ele, simpaticamente.

 

Apenas uma parte de mim havia permanecido presente naquele corredor meio abarrotado, a outra havia se perdido em um oceano de confusão. Eu estava imaginando ou ele estava sendo perfeitamente educado comigo outra vez? Como da primeira vez que nos falamos.

 

Travei uma verdadeira batalha para reaver a minha parte perdida e lembrar-me de que Aidan estava parado bem diante de mim, ali, esperando por minha resposta. Sacudi minha cabeça, fazendo com que a razão retornasse.

 

- Oi. – eu lhe respondi, ainda com um pé atrás. Eu não o entendia mesmo.

 

Ele abriu um meio sorriso, e se antes eu havia perdido uma parte de mim no mar da incredulidade, desta vez eu havia me afogado nele. Ele acenou para que eu o acompanhasse até a biblioteca, e eu não o contrariei, segui-o até a porta estreita, quando mais uma vez ele esperou por mim, deixando que eu passasse primeiro.

 

Assim como na quarta, eu recebi os olhares ameaçadores da Senhora Alisson, sentamos-nos na mesma mesa comprida branca, um de frente para o outro. Deixei que minha mochila despencasse de meu ombro, caindo no chão de piso de cor clara da biblioteca.

 

Porém, antes que sequer eu pudesse abri-la para apanhar meu material, notei um par de olhos castanhos sobre mim, fitando-me intensamente, até mesmo de forma constrangedora. Peguei minhas coisas, um tanto constrangida, e as depositei sobre a mesa comprida, esperando que seus olhos me deixassem, mas isso não acontecia de forma alguma.

 

Eu contava os segundos, encarando fixamente minhas mãos sobre a mesa, meus dedos brincando uns com os outros, aquilo era claramente um sinal de meu nervosismo. Suspirei alto demais e ele notou meu desconforto, seus olhos me deixaram, passando a entreter-se com o que suas mãos escreviam na folha em branco.

 

Levei uma de minhas mãos até minha nuca, disfarçando enquanto meus olhos pousavam sobre sua figura absorta no que escrevia. Eu não sabia explicar o que era, só sabia que tinha algo no seu jeito de olhar para mim, como se ele estivesse olhando não para o meu exterior, mas como se olhasse para dentro de mim, como se tentasse adivinhar todos os meus pensamentos. Era uma sensação estranha, mas eu podia jurar que quando ele olhava para mim daquela forma, era para a minha alma que ele olhava.

 

Afastei esses pensamentos de minha mente, focando-a somente no trabalho que tinha de ser terminado, eu não queria ter de repetir aquela experiência mais uma vez.

 

O tempo mais uma vez pareceu congelar ali dentro, como se não mais avançasse. Vi-me diversas vezes, fitando-o com o rabo do olho, e assim que percebia que minha mente não estava mais focada em meu trabalho, eu os desviava de sua figura quase imóvel a voltava a folha de papel próxima a mim.

 

Quando Aidan terminou o dele, eu também já havia quase terminado o meu, mas o silêncio ainda estava lá, incomodando a nós dois, constrangendo-me.

 

Eu não resisti em olhá-lo mais uma vez, mas dessa vez foi diferente, porque ele já me fitava, e pelo menor dos segundos nossos olhares cruzaram-se. Claro que os desviei na mesma hora, eu não conseguia olhar diretamente em seus orbes sem ter aquela sensação estranha e incômoda.

 

Vi quando ele mudou a posição de seus braços sobre a mesa, baixando-os de perto de seu rosto, depositando-os, próximo ao seu trabalho acabado. Tornei minha atenção ao meu trabalho, eu não poderia me distrair a cada movimento que ele faria, assim jamais acabaria aquele questionário.

 

Porém, ele exigiu minha atenção, pigarreando, fazendo-me olhá-lo instantaneamente, seus olhos estavam gentis dessa vez, como eu nunca havia visto. Tinham até mesmo um certo brilho diferente, e sua voz acabou por quebrar o silêncio que havia se instaurado entre nós.

 

- Bom, eu queria... – vi que ele lutava contra as palavras, tentando encontrar as certas – queria te pedir desculpas pelo meu comportamento... rude, anteontem.

 

Eu deveria ter deixado que minha boca despencasse sobre aquela mesa, como assim ele estava se desculpando comigo? E por seu comportamento... rude?

 

Agora foi a minha vez de pigarrear, mas para encontrar minha voz, que estava um pouco perdida.

 

- O que você disse? – eu perguntei, incrédula, de que realmente tivesse ouvido proferir tais palavras e naquela ordem exata.

 

Aidan juntou um pouco suas sobrancelhas, ele estava confuso, isso eu podia ler em sua expressão. Mas, ele lutou contra as palavras para encaixá-las na frase novamente.

 

- Eu queria te pedir desculpas por meu temperamento. Eu sei que às vezes posso parecer anti-sociável, mas eu jamais quis magoá-la.

 

- Ah, você não... me magoou. – soltei, exasperada, e em resposta ele me deu um singelo sorriso.

 

- Você não precisa mentir. Eu sei que não me comportei muito bem na quarta-feira e queria ter a chance de me explicar.

 

Deixei que minhas mãos tombassem na mesa, eu jamais iria imaginar que isso aconteceria.

 

- Você não me deve nenhuma explicação, todos temos dias ruins. – eu murmurei, enquanto cruzava meus dedos.

 

Aidan soltou uma leve risada, desviando seus olhos de minha face por alguns segundos.

 

- É, eu sei disso, mas isso não justifica o modo como eu a tratei, espero que aceite minhas desculpas.

 

Ergui uma de minhas mãos, claramente demonstrando que eu não guardava nenhum ressentimento dele.

 

- Desculpado.

 

Então, ele sorriu novamente, mas eu não ia perder essa oportunidade de parecer-lhe sarcástica. Aquilo era um hábito meu desde criança.

 

- Deixe-me fazer apenas uma pergunta. – eu lhe disse calmamente.

 

- Pode fazer. – ele assentiu.

 

Arquei uma de minhas sobrancelhas, deixando que a ironia falasse por mim, enquanto moldava um meio sorriso nos lábios.

 

- Você tem distúrbio de personalidade?

 

Aidan riu novamente, dessa vez um pouco mais alto, e um silvo ecoou da frente da biblioteca, alguém estava zangado conosco. Eu tive de rir com ele desta vez.

 

- Não, eu não tenho. – ele me respondeu calmamente.

 

- Ótimo. – eu murmurei.

 

E então ele inclinou-se na minha direção, na mesa, claramente querendo dar continuidade a nossa conversa descontraída.

 

- Mas, você não me pareceu surpresa quanto a isso. Por quê?

 

- Por quê o quê? – eu o questionei.

 

- Por que não pareceu surpresa quanto ao meu mau comportamento?

 

Desviei meus olhos dos seus, mordendo meus lábios, eu não sabia se devia lhe dizer a verdade.

 

- Agatha? – ele me chamou e eu sustentei meu olhar novamente, suspirando vagarosamente.

 

- Não é nenhuma novidade para mim. – eu soltei por fim.

 

- O que não é novidade para você? – ele me questionou, mas não havia curiosidade em sua voz, talvez ele já soubesse e quisesse apenas confirmar suas próprias suposições.

 

- Esse tipo de tratamento. – confessei-lhe.

 

Aidan inclinou-se mais na minha direção, nossas mãos quase se tocavam em cima da mesa.

 

- E a que tipo de tratamento você está acostumada.

 

Inspirei profundamente, tentando reunir forças para falar sobre esse assunto tão doloroso para mim, a minha própria solidão.

 

- Ser... ignorada. – eu sussurrei.

 

Depois disso ele voltou a sua posição normal no banco da mesa, afastando-se de mim, e isso me deixou um pouco confusa. Fitei seu rosto novamente, notando que tipos de sentimentos estavam evidentes ali, talvez compaixão, eu não sabia.

 

- E você não sente falta de ter vários amigos, de estar em uma roda, cercada por eles? – ele me perguntou, a voz abafada.

 

Cerrei meus olhos, inspirando novamente, o vazio dentro de mim estava desperto, e remoendo-me lentamente.

 

- Eu nunca tive isso. Muitos amigos.

 

- Você não merece esse tipo de tratamento, sabia?

 

Abri meus olhos, encontrando sua face novamente, gentil, compadecida de mim. Aquela era outra de suas faces que eu não havia visto ainda, uma face sua acobertada por sua máscara rígida e silenciosa.

 

- E por que não? – eu o questionei, desejando saber o que ele pensava de mim, o que ele via em mim.

 

- Porque você, Agatha, é uma das pessoas mais interessantes e complexas que já conheci.

 

Eu ri de leve, de quem ele estava falando?

 

- Claro. – eu assenti sarcasticamente.

 

- Não acredita em mim? – ele me perguntou claramente ofendido.

 

- Não, não é isso. – eu tratei de me explicar a ele. – É só que você é a primeira pessoa que diz isso para mim.

 

Aidan inclinou-se novamente na minha direção, aproximando-se de minha figura confusa e meio aborrecida.

 

- Digamos então que eu julgue as pessoas, não pelo seu exterior, mas pelo que há dentro delas – ele tentava me explicar – que eu as julgue pelas suas almas.

 

- Almas? – eu repeti, a confusão tingindo o tom de minha voz.

 

- Sim, - prosseguiu ele – digamos que a alma tenha uma beleza própria, algo envolvente, encantador. Que cada alma seja diferente uma da outra, que cada pessoa tenha uma alma diferente dentro de si. E a sua alma, Agatha, é uma das belas que eu já vi. – confessou-me ele tranqüilamente.

 

- Você diz isso quase como se... se pudesse vê-las... – minha voz falhou no final, e eu estremeci ao lembrar de como seu olhar era penetrante e profundo. Meu fôlego tomou o mesmo caminho de minha voz, desaparecendo.

 

E então eu me dei conta de que estava olhando fixamente para ele novamente, e ele devolvia meu olhar com a mesma intensidade. Algo completamente arrebatador. Indescritível.

 

Seus olhos baixaram rapidamente, olhando curiosamente o modo como minhas mãos apertavam umas às outras, outra mania minha, mas essa se aplicava apenas quando eu estava muito, muito confusa.

 

Desviei meus olhos de sua face também deixando que o silêncio me dominasse, porém, Aidan o quebrou outra vez, sussurrando para mim.

 

- Você é mais forte do que pensa, Agatha.

 

Primeiro as palavras não vieram, eu não sabia o que dizer a ele, muito menos se algo deveria ser dito ali. Mas, o que raios eu deveria fazer? Dizer o quanto estava enganado sobre mim? Que eu não era tão corajosa quanto aparentava? Que eu escondia e guardava dentro de mim as mais obscuras e assustadoras sensações, trancando-as dentro de meu coração solitário?

 

- Por que você diz isso? – eu consegui dizer, forçando minha voz a sair por minha garganta, a confusão ainda estava tirando toda a minha capacidade de raciocinar.

 

Aidan inclinou-se ainda mais na minha direção e então o cheiro que chegou até minhas narinas, tirou-me o pouco de razão que ainda sobrava, mexeu com todos os meus sentidos, e deixou-me ainda mais desnorteada. Era um perfume maravilhoso, como algo que eu jamais pôde ser sentido por nenhum mortal. Era algo divino, surreal, completamente encantador...

 

- Sabe o que eu vejo quando olho para você, Agatha? – ele me questionou a meia voz.

 

- Não. – eu sussurrei, meus olhos ainda fitando minhas mãos depositadas sobre a mesa branca, mas agora elas não mais se agitavam, apenas permaneciam imóveis, enquanto eu tentava processar lentamente, palavra por palavra, tudo o que conversávamos.

 

- Eu vejo alguém assustado, alguém solitário, que tenta se esconder atrás de seus próprios medos e de sua tristeza imensa, apenas para não causar dor a aqueles que estão ao seu redor. Você suporta tudo sozinha, Agatha, e não permite jamais que ninguém conheça esse seu mundo solitário.  – respondeu-me ele calmamente.

 

Como ele poderia saber? Como ele poderia olhar para mim e... e simplesmente enxergar tão fundo, enxergar todos os meus segredos obscuros, tudo o que eu venho guardando dentro de mim mesma ao longo desses anos. Como ele pode simplesmente olhar para mim e ver com tanta clareza o que por quase duas décadas eu escondi de todos?

 

Eu não entendia, achava que sempre manteria essa parte minha adormecida, imersa em um lago negro e profundo, totalmente inconsciente. Que eu sempre poderia mantê-la nesse estado, sem jamais despertá-la, e com ela todas as minhas feridas abertas que sangravam, tudo o que arrancava minhas forças e deixava-me completamente vulnerável.

 

Eu sempre acreditei que poderia permanecer incólume a toda essa dor, que sempre algum dia ela passaria, que eu poderia sobreviver a ela, mas eu apenas me iludi em todo esse tempo. Eu apenas menti para mim mesma.

 

Eu podia ouvir meus batimentos acelerando, tudo devido a aquela sensação estranha. A sensação de que algo faltava em mim, algo desesperador, desolador. A sensação de que não estava completa, que um pedaço de mim estava faltando, um pedaço mui distante de onde eu estava, muito distante de onde eu me encontrava.

 

Cerrei meus olhos, inspirando lentamente pelos lábios, eu só queria encontrar uma saída daquele beco, eu não queria ter a verdade esfregada e exposta bem diante de meus olhos, eu não queria enfrentá-la, eu só queria fugir, fugir para bem longe dali.

 

Meus olhos abriram-se novamente, enquanto a sensação desaparecia lentamente, mas deixando em seu lugar a dor, o vazio, a tristeza. Encarei Aidan a minha frente, ele não parecia perturbado por minha estranha reação, ele sabia que havia cutucado minha ferida mais dolorosa, dentre tantas que eu adquiri nesses anos.

 

Controlei a mim mesma, refreando aquelas sensações doloridas. Eu ficaria bem. Pelo menos, por enquanto.

 

Disfarcei meu comportamento estranho, soltando uma estranha gargalhada, baixa, mas não havia nenhum vestígio de humor nelas, pelo contrário, havia dor.

 

Aidan apertou as sobrancelhas, ele estava confuso sobre meu comportamento. Na verdade nem mesmo eu o entendia. E então as palavras saíram como um jato de minha boca, pondo fim de uma vez por todas a aquela conversa estranha e desconfortável.

 

- Você tem mesmo que ser de outro continente para dizer isso.

 

- E por quê? – ele me perguntou, a confusão ainda estava estampada em seu belo rosto.

 

Disfarcei novamente, moldando meus lábios em um estranho sorriso. Depois, juntei minhas coisas, jogando-as de qualquer forma dentro de minha bolsa. Levantei-me do banco, colocando-a em meu ombro.

 

- Bom, acho que isso encerra nosso trabalho. – disse, ainda tendo todo o cuidado para não deixar que minha voz me denunciasse.

 

Aidan acompanhou meus movimentos, levantou-se também, e sua expressão ainda estava compadecida de mim e de minha tristeza.

 

- Eu tenho que ir. – disse-lhe, ele assentiu e eu complementei – Te vejo na segunda.

 

- Até segunda, então. – concordou ele.

 

Acenei para ele e depois disparei na direção da porta, não me importando com o fato de estar andando rápido demais. Também não fiz questão de cumprimentar a Senhora Alisson e simplesmente passei por ela, como se não houvesse ninguém ali.

 

Para eu nada mais importava, nada mais fazia sentido. Eu só queria chegar logo a minha casa e entreter minha mente com algo que pudesse arrancar esses pensamentos sombrios de minha cabeça, ou pelo menos afastá-los de mim.

 

Eu queria que o céu desabasse sobre mim nesse momento, queria que houvesse algo suficientemente poderoso na terra que pudesse arrancar toda essa dor de meu peito. Livrar-me desse vazio, ou então algo que pudesse preenchê-lo. Porque eu estava desmoronando, tudo estava vindo a baixo, e isso não seria nada bom para mim.

 

Apressei meus passos, quando percebi que uma fina garoa começava a despencar naquele fim de tarde. Não houve pôr do sol, não houve luz, e as trevas apenas dominavam com eficácia os últimos pontos luminosos.

 

O vento era gelado, ardia em minha pele já fria, chocando-se com violência contra meu rosto, mas eu não me importei em buscar algum abrigo, eu só queria minha casa naquele momento. Queria ter quatro paredes sólidas ao meu redor, a fim de pensar com maior clareza, e evitar que uma crise me atingisse.

 

Mas minha razão já sumia no horizonte, e os alicerces firmes de meu bom-senso ruíam, desabando um por um, causando uma destruição devastadora dentro de mim. Trazendo uma grossa nuvem de poeira consigo, agitando todo o meu interior.

 

Eu podia muito bem estar sendo demolida naquele momento. Meu desespero vencia todos os meus medos, e tudo o que eu queria naquele momento era ter um ombro para poder chorar, alguém para desabafar.

 

Embora eu jamais soubesse como era exatamente isso, chorar. Não, eu sempre reprimi todas as espécies e sortes de sensações negativas, alimentando com elas o meu vazio assustador.

 

Somente meu corpo estava presente naquelas ruas, andando apressadamente sob a chuva fria que aumentava mais a cada segundo. Eu já podia sentir meu cabelo pingando, minhas roupas encharcando, mas não me importava. Porque minha cabeça estava longe dali, todo o meu ser estava distante de meu corpo.

 

Só despertei quando ouvi o som da freada, pneus derrapando no asfalto, e então eu voltei para o meu corpo, dando-me conta de que havia atravessado a rua sem olhar para os lados antes. O motorista ainda me xingava, mostrando toda a sua irritação por minha falta de atenção.

 

O carro estava parado a poucos metros de mim, ergui minhas mãos, contornando o veículo.

 

- Desculpe-me... – sussurrei para o homem nervoso.

 

Olhei por reflexo para o outro lado da rua e lá estava ele, Aidan, parado como uma estátua novamente, olhando para mim daquela forma estranha.

 

Ele não se movia, não dizia nada, apenas continuava a me fitar com seus olhos impenetráveis e insondáveis. Virei-me, dando-lhe as costas e segui viagem debaixo da chuva gelada daquele fim de tarde, rumando na direção de meu lar. Mais um dia aproximava-se de seu término em South Hooksett, mais um dia em meu inferno particular, mais um dia imersa no oceano interminável de minha tristeza.

 

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

ahhh finalmente uma interação entre esses dois!!

e eu queria dizer q finalmente, finalmente, o terror dará as caras por aqui!!
*arregaça as manguinhas e esfrega as mãos*

preparem-se pq eu serei uma garota muito má!! MUAHAHAHAHA

até o próximo e horripilante capítulo!!

beijoss!!