Lacuna Sangria escrita por Jacqueline Sampaio


Capítulo 42
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O passado se sobrepuja na mente da rainha. Lacuna, ante a face de Edward, lembrou-se de um passado que preferiria enterrar, mas que precisava lembrar. Seu passado era a única coisa que a mantinha viva.

 

Séculos atrás em algum lugar da Europa...

 

Lacuna sentia dor dilacerante que o fogo provocava em seu corpo. Enquanto gritava por socorro, a população a olhava com desprezo chamando-a de bruxa. Ela fechou os olhos maldizendo a todos que estavam ao seu redor.

 

“MALDITOS! ME PAGARÃO! TODOS ME PAGARÃO!” –E a escuridão lhe tomou.

 

E permaneceu alheia a tudo por um bom tempo, dias, semanas, anos talvez.

 

—Lacuna? –Era uma voz conhecida que lhe chamava. –Acorde! Pode me ouvir? –Ela abriu os olhos e viu James, seu companheiro. Ele sorriu ao vê-la desperta.

 

Lacuna: James? –Ela olhou debilmente para o aposento, não reconhecia o local. –Onde estamos? –Reparou estar deitada em algo macio, estava em um quarto.

 

James: Estamos em uma estalaria abandonada. Como está se sentindo?

 

Lacuna notou gosto de sangue em sua boca.

 

Lacuna: Você me alimentou... Com sangue? –James emudeceu. Lacuna levantou-se e sentiu no ar o cheiro de sangue. Por algum motivo sentia-se mais forte, seus sentidos mais apurados. –Os moradores dessa casa em que estamos... Você os matou, não é? Usou o sangue deles para nos sustentar.

 

James: Sim. Está brava comigo pelo que fiz Lacuna? Pelo seu estado, se eu não tivesse dado sangue, não sei o que teria acontecido a você. Você estava horrível.  

 

Lacuna ficou calada.

 

Lacuna: Não importa. Que todos aqueles imundos pereçam. Eu me sacrifiquei para ajudá-los e fui recompensada dessa forma. Vão pagar, todos...

 

Em pouco tempo o vírus criado por Lacuna que corria em sua corrente sanguínea e na de James, o vírus do vampirismo, assolou a Europa mais do que a própria tuberculose.

 

E o tempo foi passando...

 

Lacuna estava sentada em uma confortável poltrona na grande sacada do castelo em que vivia. Bebericava de uma taça de sangue. A noite estava mais fria do que o habitual. Dificilmente Lacuna saia de seu castelo, tinha tudo o que queria graças a seus servos. Ainda sim se sentia vazia. O que poderia estar faltando em sua vida? Ela tinha todo o sangue disponível que queria, todos os vampiros que transformou eram seus seguidores. Deixou a taça com sangue em cima de uma pequena mesa ao lado da poltrona e pulou para fora do castelo, em pouco tempo cruzou o imenso jardim e saiu para a cidade. O longo vestido de cetim vermelho que usava chamava a atenção pelas ruas, mas não se importou.

Claro que Lacuna percebeu quando estava sendo seguida por quatro homens, eram humanos. Ela entrou em um beco escuro e sentiu que os homens faziam o mesmo percurso.

 

—Olha o que temos aqui!

 

—Olá minha senhorita, está perdida?

 

—Como é bela!

 

Ela sabia o que aqueles imundos queriam, sorriu.O sangue que consumia em geral era trazido por seus seguidores, mas não havia prazer maior do que o da caça, ainda mais quando se tratava de humanos desprezíveis como aqueles. Continuou a caminhar para um ponto mais escuro sendo seguida pelos quatro homens.

 

“Tolos! Farei questão de lhes dar uma morte dolorosa. Implorarão pela morte antes que acabe!” –Pensou com um meio sorriso nos lábios brancos.

 

Parou.

Os passos atrás de si tornaram-se mais rápidos, Lacuna retesou os músculos do corpo pronta para dar o bote, mas antes que os atacasse, uma voz soou.

 

—HEI!

 

Olhou para o lado e viu um jovem com expressão apavorada. Ele estava próximo a uma porta de ferro entreaberta, a única porta de um vasto muro de pedra. Correu e num átimo capturou a mão feminina puxando-a consigo. Deixou-se levar enquanto os homens atrás de si berravam pela intervenção. Passaram pela porta que logo foi fechada pelo rapaz. Os algozes esmurraram a porta de ferro, mas nada poderiam fazer.

 

Lacuna observou o jovem diante de si. O mesmo suspirou, claramente alivio, e virou-se ansioso demais para ela.

 

—Senhorita, a machucaram? –Uma mão quente tocou a fronte de Lacuna enquanto olhos verdes perscrutavam cada parte de seu corpo, não com lascívia, mas com evidente preocupação.  

 

Pela primeira vez um humano preocupou-se com Lacuna e pela primeira vez ela não soube como proceder. Antes que pudesse pensar em seus atos, perguntou:

 

Lacuna:Qual o seu nome, cavalheiro?

 

O jovem a olhou confuso. Na certa esperava que Lacuna, após uma situação traumatizante como a que passou, sendo perseguida por homens desconhecidos, chorasse copiosamente em seus braços agradecendo-o pelo feito. Lá estava Lacuna, impassível.

 

Edmund: Edmund, senhorita. –Murmurou. Lacuna sorriu.

 

Lacuna: Obrigada por sua gentileza, mas não há com que se preocupar. Nada me fizeram e nada iriam fazer. –Aproximou-se de Edmund sentindo a garganta arder pela sede. O beijou na bochecha, algo que, para aquela época, era impróprio para uma mulher. Edmund, evidentemente mexido com o ato de Lacuna, não notou que a mesma desaparecera, provavelmente saindo por qualquer outra saída disponível. Não pensou em segui-la. Com uma mão tocou o local beijado, a temperatura da bochecha estava incomumente fria.

 

...

 

Não sabia por que havia voltado para o beco, mas ali estava. As vestes agora eram bem mais comportadas, quase se passava por uma senhorita qualquer caminhando pelas ruas.

Utilizando-se de sua grande força, quebrou as trancas da porta de ferro adentrando o espaço. Não demorou a notar que a porta era um acesso a um espaço masculino, onde homens se reuniam para ouvir a boa música, bebericarem alguma bebida alcoólica cara e falarem sobre política e economia.Também notou, enquanto caminhava, que haviam mulheres lá.

 

“Um cabaré.” –Pensou certa de suas suspeitas. Conseguiu adentrar o local e sentar em uma das cadeiras de mogno sem ser notada, a semi-escuridão do ambiente quase segava os humanos do lugar, não a ela.

 

O que esperava encontrar? Lacuna se indagou embora soubesse a resposta: Edmund. O jovem de olhos verdes, cabelos num tom estranho, um louro escuro tendendo a cor acobreada, de pele alva e macia, como constatou ao ter sua fronte tocada pelo mesmo.

 

Os humanos em geral sentiam, embora não soubesse o que Lacuna era, o perigo quando viam a figura feminina anormalmente pálida. Aquele foi o primeiro humano, desde sua transformação, que ousou tocá-la. Lacuna era geniosa, isto poderia causar a ruína de qualquer um, humano ou vampiro, com o simples atrevimento de tocá-la, mas não conseguiu atacar o jovem.

 

Um barulho a despertou e seus olhos vagaram rapidamente para o pequeno palco no cabaré. Uma apresentação musical se iniciara. Um jovem estava ao piano tocando, ninguém parecia dar atenção a ele. Os outros homens estavam ocupados demais se aproveitando da luxuria servida pelas meritrizes do local. Lacuna, no entanto, estava atenta a música e não havia duvidas de que o humano tocava bem, incrivelmente afinado e o repertorio era impressionante. Edmund tocou seis musicas e então se encerrou a apresentação. Alguns, poucos, bateram palmas com expressões desinteressadas no rosto. Pareciam fazer isso mais pela gentileza do que pela apreciação. Lacuna continuou imóvel vendo Edmund sair do pequeno palco.

 

Edmund estava alheio a tudo. A face da jovem que salvara estava incrustada em sua mente. Quatro dias se passaram desde que a salvou e a bochecha beijada pela mesma ainda tinha resquícios da frieza dos lábios que a tocaram. Saiu pela porta lateral, à mesma em que encontrou a jovem acuada por quaro homens. Estacou ao ver uma figura feminina trajando negro com vestes bem comportadas, mas que ainda indicavam pertencer a alguém poderoso.Não pode ver o rosto, um belo chapéu de cetim com um véu negro preso a ele cobria a face. A jovem afastou o véu e olhou para Edmund. Sorriu ao ver a expressão apavorada do mesmo.

 

Lacuna:Boa noite, Edmund. –Disse. Edmund procurou se recompor. Curvou-se levemente.

 

Edmund: Senhorita? O que faz aqui? É perigoso! –Seus olhos vagaram pela escuridão do beco procurando por algum elemento que pudesse representar perigo. Instintivamente se aproximou mais de Lacuna como que para protegê-la caso algum perigo surgisse.

 

Lacuna: Não há perigo aqui meu jovem. –Lacuna disse. –“A não ser eu.” –Completou em pensamento.

 

Edmund: Ainda sim devemos sair deste lugar. Acompanhe-me. –Caminhou à frente e Lacuna o acompanhou sem hesitar. Num movimento rápido segurou a mão de Edmund, surpreendendo-o.

 

Lacuna: É deselegante uma jovem donzela caminhar sozinha pelas ruas. Aparente ser meu acompanhante por hora. –Falou lançando um sorriso a Edmund que ficou embasbacado com o ato.

 

Edmund: Como quiser. –Apertou mais a mão feminina que era coberta por luvas de veludo preto. Enquanto caminhavam, os olhos de Edmund, de esguelha, fitavam Lacuna. Era bela, inumanamente bela, fazendo o coração do rapaz palpitar audivelmente. O barulho do coração pulsante fora captado por Lacuna. A velha sede a atacou, mas procurou ignorar. Ao fim do beco, um carro elegante, preto, com motorista, claro.

 

Diga-me Edmund, acompanhar-me-ia a um jantar em minha residência, como forma de lhe mostrar minha gratidão por seu feito há dias atrás?

 

E Edmund não conseguiu se negar, não diante de tal beleza, não diante daquela negritude nos olhos femininos. Assentiu desorientado e Lacuna alargou um sorriso. O motorista, que tinha uma feição estranha, pálida, similar a de Lacuna, abriu a porta do veiculo. Os dois entraram seguindo para o único lugar onde um humano não poderia pisar: o elegante covil da rainha dos condenados, de Lacuna. Edmund estava alheio a este fato.

 

Edmund: Então... –Murmurou quando o carro deu partida. Inevitavelmente seus olhos percorreram o luxuoso interior do veiculo. –Qual seu nome, senhorita?

 

Lacuna: Lacuna. –Disse com os olhos fixos no rapaz.

 

Edmund: Lacuna? É um nome bem incomum, mas é muito bonito. Imponente. –Sorriu. Algo em seu sorriso angelical desestabilizou Lacuna.

 

O humano era diferente. Tão acostumada que estava com os rostos humanos desfigurados de pavor, a muito não sabia que humanos tinham capacidade de sorrir. Em pouco tempo estavam diante de uma mansão gigantesca, de arquitetura gótica. Edmund olhou a tudo abobado, sua realidade, de um humilde músico que tocava em cabarés, era muito diferente dessa nova realidade apresentada por ele.

 

...

 

James estava atordoado. Não era do feitio de Lacuna caçar, não nas ultimas décadas. E agora lá estava ela, na imensa sala de jantar, acompanhada do humano que comia uma refeição opulenta preparada pelos seus serviçais. À surdina, observou aos dois.

 

Lacuna: Espero que a refeição esteja de seu agrado, Edmund.

 

Edmund: Ah, sim. Está saborosíssima! –Falou com empolgação degustando de uma taça de vinho. Lacuna nada comia e isso não passou despercebido por Edmund. –Não irá comer senhorita Lacuna? –Perguntou. Lacuna sorriu largamente.

 

Lacuna:Depois. Este não é o momento para me alimentar. –Disse tentando conter o riso. Claro que se alimentar implicaria na morte do único humano presente no recinto, mas estava achando a companhia de Edmund interessante demais até o momento para se desfazer dele.

 

“Esperarei até o termino do jantar.” –Pensou sabendo que logo iria provar do sangue daquele humano tentador em todas as formas.

 

Uma hora depois...

 

Edmund: Agradeço a refeição oferecida. Foi muito gentil de sua parte. –Disse Edmund a Lacuna. A mesma parecia alheia a tudo, recostada na parede olhando para a noite. –Senhorita Lacuna?

 

Lacuna o olhou e o viu ficar embasbacado. Caminhou lentamente para Edmund.

 

Lacuna: Agora está na hora de minha alimentação. –Disse. Edmund enrijeceu vendo-a se aproximar, incapaz de fazer algo. Lacuna sabia o que viria a seguir: entreteve o humano, agora ele pagaria com a vida pelo feito. Queria sentir o sangue daquele humano. Edmund interpretou de forma errônea a aproximação de Lacuna. Imaginou que sua aproximação era um claro sinal não de que iria atacá-lo, mas que iria ser beijado. Precipitou-se e a beijou. Lacuna ficou perplexa com o ato do jovem, não teria imaginado algo assim. Ela queria morde-lo, secá-lo.

Mesmo não entendendo o porquê do beijo, por que Edmund o fez, correspondeu a ele avidamente. Algo estava brotando no peito de Lacuna. Algo desconhecido, mas bom, muito bom.

 

...

 

 


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