Capítulo 10: Segredos Ocultos

A espera estava dando cabo da paciência de Alicia. "Porque é que diabos, Will tinha de aparecer sempre de noite?", perguntava a si mesma. Os habitantes da pequena vila costeira de Madagáscar olhavam aquela rapariga estranha que desde que voltara com aquele pequeno homem, não parava de andar de um lado para o outro, ora fixando o Pearl ora fixando o horizonte.

- Assim vai gastar o chão da ilha, Alicia. – Grace aproximou-se preocupando-se com o estado desta. – Sabe que o senhor Will só vem de noite.

- Pois mas eu precisava de falar urgentemente com ele. – Alicia disse roendo a unha do polegar direito. – Será que ele já partiu para… "aquela tarefa"? – Alicia falou baixo ao ver dois piratas se aproximarem e mirando-a de alto a baixo.

- Se querem brincadeira é só dizer! – Grace mostrou o seu punho cerrado com ar ameaçador e os dois homens ficaram estáticos piscando os olhos e caminhando para longe aos trambolhões.

Alicia sorriu e cruzou os braços. Os seus olhos pousaram em Jack. Mesmo à distância dava para notar que este examinava atentamente algo em suas mãos.

- Tentando roubar alguma coisa de valor? – Alicia sussurrou ao ouvido deste, fazendo-o dar um salto e quase deixar cair a pequena jóia que anteriormente admirava.

- Claro que não! – Jack exclamou vendo o ar de bravo do comerciante e pousando a jóia logo em seguida. – Eu sou um homem honesto, darling!

- Mas é justamente com os honestos que se deve abrir o olho. – Alicia disse. – Nunca se sabe quando vão fazer algo estúpido!

- Essas palavras são minhas. – Jack amuou.

- Eu sei. – Alicia parou de rir. – Preciso falar contigo e é urgente.

- O que é que se passa? O navio do seu maridinho teve uma inundação e quer utilizar o meu navio para levar os azarados marinheiros! – Jack exclamou rindo com o seu jeito típico, mas Alicia fechou a cara.

-É sobre a Lara. – Alicia disse. – E sobre "ele". – Alicia carregou na última palavra e indicou com a cabeça Darius, que se encontrava do lado contrário.

- Aquele canalha não fez algo…

- Não. Acontece que eu descobri algumas coisas sobre a dita viagem dele à Ilha de Páscoa. – Alicia explicou. – Segundo alguns registos comerciais, o navio da expedição do Roggeven passou por cá… mas só no regresso.

- E…? – Jack coçou a cabeça. – Indica que realmente essa expedição existiu.

-Sim, mas parece que traziam a bordo do navio principal, alguém ferido. – Alicia fez cara de mistério mas desanimou logo ao ver a cara de parvo de Jack. – Não achas isso estranho?

- Honestamente? – Jack colocou-se atrás de Alicia. – Se era uma expedição é normal que alguém se tenha ferido. Não foi o tubarão cheio de dentes que disse que existem nativos na ilha? Podiam ter acertado em algum!

- O problema é que esse homem tinha sido recolhido na Ilha de Páscoa. – Alicia colocou um dedo no ar. – Porque é que eles iriam recolher alguém de lá e ainda por cima doente?

- Como é que conseguiu tantas informações? – Jack coçou a cabeça.

- Digamos que andei a vasculhar por aqui. Agora a sério. O Darius é bem suspeito. Tem ar exótico, diz que é grego mas fala muito bem inglês, ninguém sabe o seu passado e tem uma adoração enorme por essa ilha! – Alicia exclamou e viu Jack abriu a boca como se entendesse.

- É uma explicação. Mas sinceramente o que é que ele ganharia com isso? Se foi ferido para quê voltar a essa maldita ilha?

- Maldita mas quem tem um tesouro inimaginável, certo? – Alicia perguntou. – Seja como for temos de encostá-lo à parede, saber mais sobre ele.

- Oh, esqueceste que nós não simpatizamos com ele? Ele não é tão burro de cair nessa de "amigos" de uma hora para a outra. – Jack disse fazendo cara de gozo e olhando Darius de soslaio.

- Então utilizamos quem ele mais estima. – Alicia propôs. – Alguém tão importante que já deu literalmente a sua vida por ela.

Jack não entendeu ao princípio mas depois arregalou os olhos em pânico. – Nem penses! Já não basta ele andar que nem um cachorrinho atrás da Lara, não vou colocar a minha MULHER como espiã! – Jack berrou a alto e bom som, deixando os demais presentes com cara de surpresa.

- Fala baixo. – Alicia agarrou no braço deste e puxou-o para um canto. – Não precisamos de pedir isso. Basta comentarmos com ela sobre o passado dele. De certeza que a Lara vai ficar desconfiada e pergunta-lhe discretamente. Da maneira que ele está apanhado por ela… - Alicia parou quando viu Jack mudar de cor. - … será um livro aberto. Acredita Jack, eu sou boa no que faço.

- Ao contrário do seu marido! – Jack exclamou deixando Alicia irritada. Esta preparava-se para virar costas quando voltou com uma pergunta.

- O Norrington… ele morreu certo? – Alicia perguntou, deixando Jack de olhos arregalados.

- Porquê a pergunta? Você nunca falou nele antes. – Jack semicerrou os olhos desconfiado.

- Por nada. Lembrei-me assim, sem mais nem menos. – Alicia fez um sorriso amarelo. – Mas ele morreu mesmo certo?

- Sim. A Elizabeth sugou a vida do palerma e o seu sogro, que também já foi sogro dela, acabou com ele. – Jack sorriu irónico, antes de caminhar na direcção do bar existente.

Alicia ficou coçando a cabeça. Aquele era sem dúvida James Norrington e só uma pessoa poderia esclarecê-la.

A noite tinha caído sobre a pequena vila de Madagáscar. O céu polvilhado de estrelas e tendo a companhia da lua gigante, iluminava as encostas íngremes até ao mar. Do Pearl, Alicia notou que pequenas luzes verdes andavam de um lado para o outro no meio das árvores. Tinha voltado de novo para o navio, visto que Will não podia pisar terra. Acabou por trazer Mary que já não aguentava de tanto cansaço, dormindo quase de imediato. Depois de deixar a afilhada no quarto apoiou-se no parapeito do navio, escutando o silêncio do mar e o burburinho típico de uma vila cheia de piratas.

Suspirou. Tinha passado tanto tempo que quase não se lembrava da sua vida anterior. Era como se sempre vivesse ali, na companhia de piratas bizarros. O mundo era demasiado confuso. É certo que viver num navio, com condições mínimas de higiene e ainda por cima com um mandado de busca por parte das autoridades marítimas, não era nada agradável. Mas Alicia sentia que no passado, não nesta vida, mas noutra, já tinha passado por muito pior e no entanto, nunca deixou de sorrir.

- Olhando a paisagem nocturna ou as estrelas? – Um abraço quente e frio ao mesmo tempo, envolveu Alicia que se derreteu.

- Tentando antes desvendar uma dúvida. – Alicia virou-se para Will e beijou-o suavemente.

- Conseguiste saber algo sobre o Darius? – Will perguntou.

- Muito pouco. Mas pelo menos tenho a certeza absoluta que ele esconde algo sobre o seu passado. E por falar nisso… - Alicia passou os braços pelo pescoço deste. - … posso fazer um pergunta?

- Todas. – Will sorriu, não sabendo o que por aí vinha.

- Lembras-te do primeiro noivo da Lizzie? O Norrie? – Alicia disse, vendo Will ficando ainda mais pálido.

- O quem? – Will mostrou-se desentendido.

- O James Norrington. O Comodoro apaixonado pela Lizzie e que lerpou como o cão do vizinho. – Alicia revirou os olhos. – Vais-me dizer que não sabes quem é?

- Ah, o James. – Will afastou-se e Alicia sorriu de canto. Pelo menos já sabia que o assunto o incomodava. "O pai dele supostamente matou-o. Espera aí, e se ele tiver assim por causa da Elizabeth? Será que ainda tem ciúmes?", pensou Alicia cravando as unhas na madeira do navio.

- Ele morreu, não foi? O Bill matou-o depois da Elizabeth lhe ter dado o beijo da morte…

- Não penses que ela não sofreu com isso. – Will disse, olhando o ambiente da vila.

- Ele não aceitou entrar para a tripulação do Jones, por isso foi directo para o outro mundo, certo? – Alicia perguntou e Will fixou o seu olhar na mulher.

- Porque é que queres saber tanto do Norrington? – Will arqueou uma sobrancelha.

Alicia caminhou sorrateiramente até Will, ficando com o rosto a milímetros do deste. – Eu acho que ele está vivo! – Exclamou, deixando o marido estático ainda mais estático.

- Isso não é possível. – Will olhou nervosamente para a vila e depois para Alicia.

- Ai, isso é que é. A não ser que ele tivesse um irmão gémeo chamado John Lawrence que trabalha como funcionário da marinha mercante em Madagáscar. – Alicia atirou sorrindo sempre.

- Tens a certeza? – Will perguntou a medo.

- Absoluto. – Alicia cruzou os braços. – O que é que se passou realmente, Will?

Will mirou Alicia pelo canto do olho e virou costas, apoiando as mãos no parapeito e respirando fundo.

- Eu nunca gostei do Norrington. Ele foi noivo da Elizabeth e sempre gostou dela. Além do mais acabou sendo um traidor que trocou o coração de Davy Jones pelo cargo. – Will explicou.

- Mas ele acabou salvando a vida da Elizabeth indo contra as ordens do Beckett. – Alicia afirmou.

-Sim. E por isso morreu. O meu pai feriu-o de morte, sem querer. Ele não estava em si. – Will desculpou-se e Alicia fez sinal de compreensão.

- Isso aconteceu antes de seres capitão, Will. – Alicia falou mas Will pediu-lhe para continuar.

- Quando me transformei em capitão do Holandês apanhei o seu corpo a boiar na água. – Will acrescentou, olhando para o seu velho conhecido. – Restava apenas um fio de vida em si, mas não tive coragem de o abandonar à morte. Ele salvou a vida de Elizabeth.

- E como é que ele conseguiu sobreviver ferido assim? – Alicia perguntou.

- Nós tentamos curá-lo, mas ao mesmo tempo não podíamos navegar à superfície. Era demasiado perigoso. – Will disse. – Por isso fiz uma votação. A maioria da tripulação quis o golpe de misericórdia. Mas eu e o Bootstrap não quisemos. Como capitão, a ordem era minha. Assim, levámos o Norrington moribundo para uma vila costeira. Se morresse ao menos teria uma sepultura em terra.

- Oh Will.- Alicia abraçou-o por trás, sentindo uma lágrima escorrer pela face. – Não podias ter feito mais.

- Não sei o que foi feito dele. Se morreu, se ficou bom. Mas isso também não interessa. Ele nunca gostou de mim e eu dele. – Will constatou.

- Mas salvaste-o. E é por isso que não me canso de dizer que casei com o pirata mais justo e corajoso do Mundo! – Alicia riu e Will rolou os olhos.

- Não o digas à frente do Jack. – Will sorriu. – Se o James sobreviveu, não duvido que fosse ele Alicia. Só estranho não estar de novo no seu cargo. E ainda por cima usa um nome falso.

- Ele pareceu-me confuso. – Alicia colocou um dedo na testa. – Eu chamei-o pelo nome e ele ficou surpreso. Sinceramente… não me pareceu que estivesse a mentir.

- Talvez esteja a tentar esquecer a sua antiga vida. – Will encolheu os ombros.

Alicia desviou o assunto e pendurou-se de novo no pescoço deste.

- Bem que podemos aproveitar este momento. – Alicia ronronou como um gato.

- Ah… não estamos no Holandês. Aliás, ele nem sequer está perto por causa deles. – Will apontou para a vila.

- Will, amanhã vais partir e eu quero uma noite de despedida em condições. Além do mais o Pearl está vazio. – Alicia sorriu com malícia. – O Jack, a Lara, o Barbossa e o resto da tripulação estão em terra.

- O navio está sozinho? – Will interrogou-se.

- Não. Mas os dois que estão de vigia são o Pintel e o Raguetti. – Alicia piscou o olho e Will riu. – A Mary já está a dormir e a Grace não incomoda ninguém!

Will beijou Alicia puxando-a conta si. Enquanto a intensidade do beijo aumentava, caminharam ao calhas até chocar contra a parede da cabine. Porém, o estrondo que fez, assustou ambos.

- O que foi isto? – Alicia perguntou, completamente baralhada. Ambos olharam para a parede. – Será que estou assim tão gorda?

- Não. – Will falou secamente e deixou Alicia irritada. Porém a sua boca abriu-se num horror quando viu um clarão formar-se na vila e um barulho mais forte encher o céu.

Do lado contrário ao Black Pearl, um navio bombardeava a pequena vila, dando outra cor à noite estrelada.

- Piratas atacando piratas? – Alicia perguntou escandalizada.

- É por isso que odeio a pirataria. – Will subiu para o timão. – PINTEL, RAGUETTI ONDE SE METERAM? – Berrou. Os dois piratas saíram do porão aos tropeções.

- O que é que se passa? – Pintel perguntou. – Ei, tu não és o nosso capitão!

- Será que morremos e fazemos parte da tripulação amaldiçoada dele? – Raguetti perguntou a medo.

- Um navio está atacando a vila. A tripulação e os capitães estão lá. Preciso que me ajudem. – Will ordenou.

- Eu vou a terra. – Alicia preparou-se para descer o bote, mas Will barrou-a.

- És maluca? A vila a ser atacada e queres-te meter no meio? Eles sabem se cuidar.

- Não. Eles precisam de ajuda e eu sei me cuidar. Tu não podes ir a terra por isso ficas por aqui. – Alicia falou num tom autoritário, desarmando Will.

Continua…