E foi assim que aconteceu escrita por ixkalopsia, Indignado Secreto de Natal


Capítulo 1
Parte 1: sobre desapontamentos e ruínas


Notas iniciais do capítulo

Oi! O meu presente é para Stormy! Não sei bem se ficou exatamente o que queria. Baseado no pedido, e nas respostas das perguntas, voltei a ler mais sobre a família Black e, quando li sobre Cedrella e Septimus pensei “porque não?” e acho que acabei me empolgando um pouco ;)

Para não ficar um único capítulo gigante, dividi o texto por partes e cortei algumas coisas.

Espero que goste!



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| 1917 |

O nascimento de Cedrella Black havia sido um desapontamento para o pai.

Era um desafio nascer na ilustre família Black e, pior que isso, era terrível ser uma filha na família Black. Especialmente quando deveria ter nascido homem, para realizar o desejo do pai em ter um filho varão.

Assim que Arcturus Black II entrou de rompante no quarto proibido, onde a esposa tinha estado confinada naquele último mês de gravidez, o rosto encovado e pálido olhou ansioso para a parteira da família, cuja idade ninguém sabia, e, antes de sequer olhar para a mulher, adormecida, numa cama de sangue, a primeira pessoa para quem olhou foi a velha. E, a primeira pergunta que fez, foi:

— O que é? — Os olhos negros cintilavam em antecipação. A parteira pensou que aquele homem, de quase trinta e três anos, parecia uma criança mimada, à espera de mais um presente que não precisava mas queria só porque sim, porque os outros também tinham.

A velha senhora suspirou de forma imperceptível e olhou para a criança adormecida nos seus braços ainda fortes, envolta num belo tecido branco. 

Tadinha, pensou.

— Parabéns, senhor Black. É uma linda menina. — Sorriu com um sorriso sem dentes, estendendo a criança na direção do pai.

Este, no entanto, não moveu sequer um músculo do seu lugar à porta. Do exterior, vinham os sons ansiosos do restante da família, impacientes para conhecer o mais novo membro que iria enfeitar a casa dos Black e trazer orgulho ao seu nome.

O que Arcturus fez foi bater o pé no soalho de madeira preta.

Tal e qual uma criança, infeliz porque o presente não o agradou, foi o pensamento que passou pela cabeça da parteira, trazendo a bebê para mais junto de si já que, claramente, não era antecipada em outro par de braços.

— Era para ser um homem dessa vez. — Arcturus cruzou os braços e, por fim, voltou o olhar desgostoso para a fraca esposa, como se a culpa fosse dela. 

Homens são todos iguais mesmo, lamentou a velha senhora.

— Até inventarem um feitiço que permita escolher o sexo da criança, suponho que tenha de se contentar com o que Merlin lhe deu, senhor Black. — A mulher já estava velha demais para aquilo e, consequentemente, a sua paciência para aquele tipo de pessoa era muito pouca. Virou as costas e colocou a criança com cuidado no berço.

Aquele pequeno desprezo havia sido demais para Arcturus Black II. Saiu pela porta a fora, esquecendo de a fechar em seguida. Do corredor, olhavam com um misto de curiosidade e confusão as mulheres da família, que não perderam tempo em entrar no quarto para conhecer a criança. Enquanto isso, do andar de baixo, foi possível escutar o som de vidro e as palavras consoladoras dos homens, como se o facto de a mais nova Black ser uma menina fosse a maior fatalidade do mundo bruxo.

— Obrigada por o tirar daqui Agatha. — A voz baixa da senhora Lysandra Black, nascida Yaxley, foi ouvida no quarto, momentos antes de ser rodeada pela sogra, mãe, cunhadas e outras senhoras. 

Todas elas tiveram a sua vez com a pequena, admirando as bochechas rosadas e os finos fios de cabelo negro, tocando com cuidado as mãozinhas delicadas como se fossem feitas de vidro.

— Desculpem, minhas senhoras, mas acho que a dona Lysandra precisa de descansar agora. — A velha Agatha botou ordem no quarto quando todas as mulheres estavam, por fim, satisfeitas. Afinal, era muito importante confirmar que a criança era normal, perfeita como todos os Black deveriam ser.

No silêncio da noite, deitada em lençóis limpos e com cheiro de jasmim, respirando o ar frio da noite, Lysandra Black, deitada com a bebê no colo e, com o outro braço em volta da filha mais velha, de quase dois anos, olhava para as feições da pequena e buscava pelo nome perfeito para ela. Não demorou muito até o achar.

— Cedrella Dorea Black.

| 1926 |

Arcturus Black II era também ele o filho do meio entre cinco irmãos. Claro que, na tapeçaria da família, só se contavam quatro. O quinto não tinha mais um nome. A sua memória há muito havia sido apagada da família. Num piscar de olhos, era como se o segundo filho de Phineas Nigellus Black nunca tivesse existido. 

A família Black era muito eficiente quando se tratava de eliminar os ramos podres.

Antes que eles contaminem a reputação da família, o nosso sangue puro, intocado, poderoso e repleto de verdadeira magia, foi o que a sua graciosa mãe lhe havia respondido quando se atreveu a perguntar o porquê daqueles feios borrões na tapeçaria.

Cedrella, aos nove anos de idade, era inteligente o suficiente para saber que nunca seria o que a mãe e o pai almejavam que ela fosse segundo os patamares elevados da sua linhagem. Nunca havia tido uma chance desde o início. 

A irmã mais velha, Callidora, aos onze anos, era a neta mais adorada de Phineas e Ursula e, por isso, era a menina dos olhos dos pais. Representava tudo o que uma mulher da família Black deveria ser: calma, educada, com a aparência de uma boneca de porcelana, nunca falava alto e fazia tudo o que os adultos comandavam. E, claro, havia sido uma criança precoce, quando teve o seu primeiro momento de magia involuntária com apenas três anos de idade. A cereja no topo do bolo havia sido em setembro daquele mesmo ano, quando Callidora foi para o seu primeiro ano em Hogwarts, para a mesma casa verde e prata a que todos os Black deveriam pertencer. 

Era perfeita, portanto. E, por essa razão, não carregava o peso do desapontamento por não ter nascido o filho que Arcturus queria.

Então, todas as expectativas foram depositadas na segunda gravidez de Lysandra, o que provou ser um grande fracasso.

Curiosamente, na terceira tentativa, a criança que deveria ser o próximo Arcturus, não fora alvo do mesmo escrutínio que a filha do meio. Quando Charis Black nasceu, toda a família ficou derretida de amores pela pequena menina, tão angelical no seu berço de mogno onde quase todas as filhas da família haviam dormido.

Cedrella não sabia o porquê de só ela ser a grande desilusão dos pais quando ambas as irmãs haviam nascido mulheres também. Era um dos muitos mistérios da família Black que não entendia. 

O outro era Phineas Black, seu tio. O segundo filho do patriarca da família tinha voltado a ser motivo de conversa nos dias de Yule daquele ano, ao fim de mais de duas décadas sem menção.

Pelo que ela sabia, o irmão mais velho do pai era a maior vergonha da família Black e o seu nome nunca era mencionado dentro daquelas paredes. Cedrella sabia que ele tinha sido expulso e deserdado da família muitos anos antes dela nascer. O motivo, segundo a mãe, era que o tio tinha confraternizando com as raças inferiores. E tal era um comportamento vergonhoso e condenável, que nunca, mas nunca, deveria ser repetido. 

Cedrella, já conformada que, por mais que fizesse, nunca atingiria as expectativas dos pais, havia desenvolvido o péssimo hábito de escutar atrás das portas.

Sabia que já passava muito da sua hora de dormir, mas o frio da mansão incomodava e os elfos sempre lhe faziam um leite quente quando ela pedia. Por isso, silenciosa, foi até à cozinha mas, antes de lá chegar, parou quando escutou o nome proibido ser proferido dentro da casa ancestral da família.

Para sua sorte, a porta da sala de estar estava entreaberta. E ela era pequena o suficiente para se esconder na sombra que fazia entre a parede e a porta de madeira e vidro. Do interior, conseguiu escutar as vozes alteradas dos familiares.

— Que vergonha, meu Merlin! — O som dos saltos de Ursula Black era ouvido por todo o cômodo, num ritmo agitado. — Como fui capaz de ter um filho assim! Que vergonha, que vergonha, que ver…

A avó continuou o falatório sozinha enquanto os demais discutiam nos sofás.

— A informação está correta, Sirius? — Phineas questionou o filho mais velho. A sua voz era fria e completamente sem emoção.

— Está sim. A notícia veio de um conhecido que trabalha no Departamento de Acidentes e Catástrofes Mágicas, mais especificamente na Secção de Ligação com os… — Engoliu em seco, como se aquela mera palavra fosse infecciosa. — Enfim! Inacios recebeu a informação de um casamento entre espécies. O casamento de Phineas Black e uma tal Helena Lewis.

Ursula saiu da sala em prantos, derrubando um elfo no caminho.

— Merlin, que decadência. — Cedrella reconheceu a voz aborrecida da tia Belvina.

— Não importa. Esse problema está tratado. Agradeço a informação, Sirius, mas nunca mais iremos mencionar essa figura nesta casa. — Dictou Phineas Nigellus Black, pousando o copo de cristal vazio com força desnecessária na mesa das bebidas.

Cedrella pensou que era hora de pegar o seu copo de leite e voltar para a cama quando o silêncio perdurou na sala de estar. Porém, o assunto que se seguiu, trazido pela própria mãe, despertou o interesse da jovem bruxa.

— Não irão acreditar no que Euphegenia Parkinson me escreveu esta tarde. — Lysandra começou, orgulhosa por possuir uma informação valiosa em primeira mão. — Os Weasley estão acabados, na completa ruína.

Várias exclamações foram escutadas.

— Como assim na ruína? Falidos? — A tia Hesper, esposa do tio Sirius, perguntou com a voz coberta de curiosidade.

— Pois claro. Euphegenia disse que Ambrose Weasley estava coberto de dívidas até ao último fio de cabelo. Os seus negócios estavam todos falidos. Muita má gestão. Enfim, não sei muitos detalhes. Porém, a senhora Parkinson sabe de boa fonte que funcionários do ministério tomaram todos os bens que restavam da família para tentar quitar um pouco de tais dívidas. Incluindo todos os terrenos, restantes negócios e casas. Até tomaram a casa da família em Berkshire!

— Não creio! A sociedade bruxa está mesmo podre. — Aquela voz desdenhosa pertencia ao primo mais velho, Arcturus Black III, filho do tio Sirius que, supostamente, já tinha idade suficiente para se sentar com os adultos.

— Deveras. E não é tudo. Ao que parece, assim que soube que estava sem um galeão, a esposa do Weasley fugiu e está desaparecida até então, ninguém sabe nada do seu paradeiro. E, tanto quanto sei, Ambrose e o filho, o jovem Septimus, foram morar para o meio do mato! — A mãe terminou de expor a desgraça alheia.

— Que escândalo.

— O horror.

— Mais uma família sangue-puro na lama.

Os comentários eram imensos, todos eles jocosos e sem nenhuma empatia para com a família Weasley. Aquela havia sido a primeira vez que Cedrella se lembrava de não concordar com as visões dos familiares. Por um momento, pensou que era ela naquela posição: de repente sem a mãe, sem os confortos do dia a dia, sem a casa repleta de cômodos para explorar. E o que sentiu foi tristeza, não querendo mais sequer imaginar como estariam Ambrose e Septimus Weasley naquele momento.

Decidiu que era hora de ir e apressou-se em subir as escadas de volta para o quarto, não se lembrando mais do porquê de ter ido até ali. Entrou no espaço que partilhava com a irmã mais nova. Callidora, segundo a mãe, precisava de mais espaço agora que estava mais velha e, portanto, ela era forçada a dividir o espaço com a irmã mais nova de sete anos.

Tentou não fazer barulho ao fechar a porta e se deitar mas, claro, que Charis acordou quando ela entrou.

— A mamãe diz que é feio desobedecer às regras.

— Feia é você.

Cedrella retrucou e virou de costas para a mais nova, ainda se perguntando o porquê de todos adorarem aquela criatura chata com cara de enjoada. Mais um mistério.


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