Era sexta-feira à noite quando Ayan chegou à casa de Tinn. Gemini os havia convocado para uma reunião, já que as visitas aos monges não os direcionaram para onde queriam. Precisavam estudar outra forma para o retorno de Gemini e Fourth, para isso, organizaram outra reunião da CPI da Capybara. Após a insistência de Ayan, o nome da CPI foi alterado para esse.

Ayan já se sentia em casa, embora nunca tivesse estado na casa de Tinn. Ele tinha a incrível habilidade de se sentir à vontade em qualquer lugar. Tirou o moletom e jogou no sofá, o que fez Gemini lançar-lhe um olhar de desaprovação. Ayan, percebendo a expressão, recolheu o moletom e o pendurou no cabideiro.

A campainha tocou, e Gemini foi atender; era Black e White. Black entrou e cumprimentou brevemente a todos com um aceno de cabeça, enquanto White distribuía beijos no rosto e abraços calorosos em cada um.

— Somos só nós? — Perguntou Black. 

— Sim, hoje sim, decidimos separar por grupo, pra não ficar muito confuso com tanta gente falando ao mesmo tempo — Gemini respondeu. 

— Ótimo. É melhor assim. 

— Que pena — Disse White — É divertido com todos reunidos. 

Gemini pediu pizza para o jantar, aproveitando a ausência dos pais de Tinn, que estavam em uma viagem no exterior. Após saciarem a fome, todos se acomodaram no tapete da sala para discutir o assunto em questão.

Fourth compartilhou os detalhes da viagem com Nueng e Palm às montanhas, onde buscaram conselhos dos monges locais. Lamentavelmente, todas as respostas foram vagas, enfatizando que a solução estava dentro de cada um. Essa abordagem metafórica frustrou Fourth, que esperava orientações mais práticas. White, sempre carinhoso, o abraçou para confortá-lo, enquanto Black, seu irmão menos afetuoso, observava com certo desdém o gesto, considerando White um tanto carente e pegajoso.

— O que vocês acham disso? Acha que a resposta é essa? Se for, como posso encontrar a resposta dentro de mim, ou o meu verdadeiro eu? Isso é muito confuso — Disse Fourth. 

Black ficou pensativo, com uma expressão soturna e a mão no queixo. 

— Eu não acredito em muitas coisas, sou cético, principalmente com coisas místicas e religiosas. Respeito a fé alheia, mas isso não é pra mim. Acredito que a resposta está em ir contra tudo. A vida não está destinada e nem pode alguém dizer como você deve viver. Gemini e Fourth, suas vidas não podem ser um script que precisam seguir, vocês devem ser quem é, e viver como quiserem. Sem medo de julgamentos.

— Talvez isso seja mais pra mim que pro Nat — Disse Gemini — Na minha vida eu sempre escondi o que realmente sou, sempre vivi de acordo com o que meus pais queriam pra mim. Eles nunca perguntaram minha opinião sobre nada, sempre tomaram as decisões por mim. Entendo que quando se é uma criança você não tem que escolher muitas coisas, coisas importantes no caso, mas eu não tinha o direito nem ao menos de escolher o filme que queria ver, ou a comida que queria comer. Não podia escolher um chocolate ou uma batata frita, eu sempre tinha que comer o que meus pais escolhiam pra mim. Isso piorou conforme fui crescendo, eles sempre tomam a decisão por mim. Principalmente referente a minha orientação sexual. Querem que eu seja “normal” segundo os padrões deles. Mas cansei disso, cansei de esconder o que sou e de viver atuando até mesmo quando não estou de frente para as câmeras. Quero ser o Norawit. 

— Requer coragem ser quem você é. E creio que você conseguirá isso, Norawit — Black tocou seu ombro e sorriu, era raro ele sorrir, somente em ocasiões que julgava ser especial — Eu sempre lutei por um mundo melhor. Você não precisa sair por aí explodindo coisas, nem dando uma de espião para descobrir podres dos políticos corruptos, muito menos comprar briga com pessoas perigosas. Sua atitude de ser quem você é, já é uma forma de se rebelar contra esse sistema corrupto e homofobico. Eu também luto por essa causa, um dia o casamento homoafetivo ou igualitário será permitido em nosso país e posteriormente em todo o mundo, porque vamos lutar por isso. 

— Você é uma pessoa incrível. O mundo precisa de mais pessoas como você, Black. 

— Apenas tento fazer o que posso com a força que tenho. Obrigado. 

— Concordo com meu irmão sobre essa questão de ser realmente quem somos, de não esconder nossa essência. Isso é muito importante. É cansativo você ser outra pessoa, posso dizer isso com propriedade quando precisei ficar no lugar do meu irmão, que é uma pessoa totalmente diferente de mim. Agora imagina ter que viver constantemente sendo outra pessoa? Não faz bem pra alma e nem pro coração. Mas tenho uma segunda sugestão sobre isso. Ainda acredito que o que os monges disseram faz sentido, talvez eles não explicaram de forma detalhada e de fácil compreensão, mas eu creio que a resposta para tudo está realmente dentro de nós. Porém, como o Fourth falou, às vezes nos sentimos vazios, perdidos, com a sensação de que não pertencemos a lugar nenhum. Talvez resgatar boas memórias ajuda nesse processo de se preencher com coisas boas. Lembranças de um dia bom, uma viagem, um encontro com amigos, um dia romântico com a pessoa que ama, um pôr do sol. Enfim, se preencher com boas memórias. 

— Isso é muito válido — Disse Gemini — Apesar de Black e White terem uma visão diferente sobre a vida, seus pontos de vista se completam. Isso é incrível.  

— Parando pra pensar — Disse Fourth — o que o monge disse faz mais sentido agora que o White explicou melhor. 

— Isso realmente faz todo sentido — Disse Ayan — Sei que Gemini tem muitas dificuldades com a família. Mas acredito que a família é algo que possa nos ajudar a encontrar quem somos, não em todos os casos, é claro. Mas creio que família não é apenas de sangue, tem amigos que são mais família que a própria família. 

— Isso eu concordo — Disse Gemini — Graças a deus eu nunca fiquei só, tive muitos amigos que foram o que minha família não foi. Me apoiaram e me amaram mesmo sabendo como sou e do que gosto. 

— Talvez você precise se conectar com as pessoas que fazem parte da sua vida, que são como uma família, que te apoiam. Sou uma pessoa que prioriza muito o amor familiar, não só de pai e mãe — Ayan ficou com o semblante triste — Eu tinha um tio que eu amava muito, mas infelizmente tirou a própria vida, e isso ainda dói muito em mim. Queria que não houvesse mais esse tipo de vítima da sociedade, por isso acredito que você deva levar cada opinião que demos aqui em consideração. Não esconder o que são, resgatar boas memórias e se conectarem com pessoas que são importantes em suas vidas. 

— Tudo o que disseram esclarece muitas coisas — Disse Fourth — Eu realmente fico grato por essa conversa. Parece que estamos conseguindo chegar em algum lugar. E… — Fourth tocou o ombro de Ayan e sorriu gentilmente — Realmente lamento sua perda. 

— Obrigado, Fourth. Se existem várias dimensões eu realmente espero não ter perdido nenhum ente querido nas outras. É uma dor devastadora. 

Gemini e Fourth trocaram olhares, cada um refletindo sobre a tristeza que Khao experimentou ao gravar as cenas em que o personagem Gaipa, de Moonlight Chicken, perde a mãe. Contudo, o tempo não permitia que se aprofundassem em considerações sobre outras possíveis dimensões; eles tinham que desvendar os mistérios que envolviam a que estavam vivenciando.