Destinos Improváveis escrita por Nara


Capítulo 61
Futuro - Mais que um sonho




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—Shara me passe a geleia – o professor Snape havia dito de forma despretensiosa enquanto virava uma página do jornal, e aquilo podia ter sido algo extremamente corriqueiro se não fosse pelo fato de ser o professor Snape pedindo para ela, passar a geleia, e isso sem nenhuma formalidade, usando o seu primeiro nome enquanto eles tomavam café da manhã juntos em seus aposentos privativos num sábado qualquer. Shara olhou para o pote de geleia uma última vez apenas para ter certeza disso, antes de entregá-lo.

—Professor, eu estive pensando – ela fez uma pausa, era evidente que ela estava escolhendo as palavras ali, já que a ideia era formular aquilo da melhor forma possível, pois as expectativas eram de ter algum sucesso com aquele pedido – e bem, eu já me sinto muito melhor agora, então eu gostaria de fazer algo em que eu pudesse me sentir um pouco mais útil – ela finalizou, achando que havia se saído muito bem até ali.

—Uhummm – ele havia balbuciado, ele estava mesmo ouvindo? Ele parecia completamente distante naquela manhã, sem dizer absolutamente nenhuma palavra desde que havia acordado, será que havia acontecido alguma coisa? Esse era o tipo de coisa que ela não se sentia bem em questionar, afinal ela não tinha tanta liberdade assim, ela resolveu continuar.

—Bom... então eu pensei, que talvez o senhor pudesse me emprestar alguns livros sobre poções – ela começou, duvidando que ele estivesse mesmo ouvindo – sabe... eu gostaria de fazer uma pesquisa particular – ela informou sorrindo, mesmo sabendo que ele não estava olhando, sorrir fazia com que as palavras saíssem de forma mais harmoniosa, é claro, ela havia treinado no banheiro antes de pedir.

—Da última vez que decidiu fazer uma pesquisa particular – ele disse de forma arrastada – acabou sangrando por todo o salão comunal da Sonserina – certo então ele estava mesmo ouvindo, e bem não havia sido exatamente por aquele motivo que ela tinha parado lá e estava sangrando, ele sabia disso – e só por que tem passado parte do seu tempo nos meus aposentos privativos, não significa que tenha que ler sobre os assuntos dos quais tenho interesse e leciono, saiba aqui que eu não ficarei nem mais e nem menos impressionado por isso – ele disse fazendo com que ela parecesse ser uma bajuladora fajuta ali - não me importo com a forma que ocupe o seu tempo mesmo que seja com seus gostos infantis – ele concluiu, sem sequer olhar para ela, tornando ainda mais evidente o seu mal humor e caramba por que ele tinha sempre que ser tão babaca? afinal quem disse que ela queria impressiona-lo? Alguém tinha que alerta-lo que o mundo não girava em torno dele, como ele parecia achar, na verdade Shara precisava de respostas e ela achava que já havia perdido tempo demais, ela precisava correr com algumas questões sobre o colar, a lenda e a quebra da maldição, até por que ela acordou angustiada naquela manhã, um sentimento que a estava incomodando e servia de alerta, ela precisava se mexer.

—Na verdade senhor – ela tentou soar educada – não estou tentando impressionar ninguém, saiba que eu gostaria muito de poder gastar o meu precioso tempo lendo coisas do meu gosto infantil, sei lá a Bela e a Fera por exemplo... mas não é o caso aqui, quando tem sei lá quantos lunáticos lá fora, atrás do meu sangue, simplesmente por que querem dominar o mundo sendo o que mesmo? Imortais? ... Na verdade eu só estou me movimentando, já que faço parte da seleta família real de desprovidos por uma maldição milenar que... – ela fez uma pausa para parecer mais dramática – é esperado de mim, nada mais, nada menos que eu a quebre – ela sorriu, não por que estivesse querendo parecer harmoniosa agora, mas sim por que queria soar de forma sarcástica mesmo, ele baixou o jornal, então quer dizer que agora ele podia olhar para ela? Interessante... ela olhou para o pote de geleia aberto na sua frente imaginando como seria divertido derrubar todo aquele conteúdo sobre a cabeça dele e ver aquela gosma vermelha escorrer pelo seu rosto.

—Que tipo de pesquisa? - Ele perguntou sem qualquer emoção, estava sério e frio, ela estranhou o fato dele não ter feito nenhuma objeção ou criticado o seu péssimo comportamento, o que havia de errado com ele afinal? enfim… aproveitando a circunstância e com a certeza de que ele agora estava mesmo prestando atenção nela, ela continuou.

—Preciso descobrir sobre a finalidade da poção, a poção que está dentro da cápsula desse colar - Shara disse enquanto tirava o colar de dentro da blusa, o deixando amostra ali… - como eu vi a coloração, o aspecto e a consistência final dessa poção, naquela visão aquele dia, isso antes de Poseidon depositar as lágrimas e misturar os elementos... mudando completamente a característica original dela, eu pensei... porque não pesquisar pelo inverso - ela explicou.

—Inverso? - Agora ele parecia interessado, bom então ela não era tão idiota assim, e embora não tenha dito, ele parecia considerar aquilo e pensando bem até que não era tão ruim assim impressiona-lo um pouquinho, apenas de vez em quando, ela sorriu, satisfeita.

—Sim, afinal cada poção tem uma característica única… - ela o olhou e ele arqueou a sobrancelha ali, era engraçado palestrar sobre poções, para ele… e ele parecia pensar o mesmo, ainda assim ele não a deteve, carta branca até ali - e como eu disse, eu vi o aspecto final da poção, coloração, consistência... quem sabe eu posso eliminar grupos de poções, ao descartar os ingredientes que não proporcionariam esse tipo de resultado, até que sobre apenas os grupos dos quais ela se enquadre - ele apoio o jornal na mesa, cruzando os braços.

—O que ainda assim pode ser um grupo bastante grande, já que sabemos... – ele fez uma pausa para analisa-la era desconcertante – de que não são apenas os ingredientes que interferem no resultado final de uma poção, bem como o tempo de preparo, o tipo de infusão, o método de execução, entre tantos outros… - ela corou.

—Bom estou tentando começar algo… já seria algum tipo de triagem, não seria? - ela pediu, agora já não mais com tanta convicção assim.

—Um pequeno começo – ele ironizou, é obvio que ela estava longe de uma solução eficaz... ela sabia, baixando a cabeça e se sentindo frustrada – contudo, ainda é um começo e talvez você não seja tão cabeça oca como pensei - ele apontou, ela não entendeu? Ele estava considerando aquilo? Era difícil saber – e como pretende fazer isso? – ele perguntou.

—Livros… eu pensei em começar pelos livros, pesquisando os grupos de poções… e os separando, mas não exatamente os livros disponíveis na escola, é meio óbvio que essa não seja uma poção tão... digamos assim, comum, eu pensei em pesquisar poções avançadas, restritas, algo um pouco mais escuro - ela disse agora com um sorriso amarelo, essa certamente era a parte mais difícil, conseguir convence-lo a disponibilizar algum material, e como imaginado, a expressão dele mudou instantaneamente ao entender o que ela estava dizendo, ela conseguia ler aquilo muito bem.

—Deixe me ver se entendi corretamente - ele riu pelo nariz a fazendo se sentir desconfortável - está me pedindo, acesso livre a livros com poções de nível avançado, vulgo livros proibidos, com poções que são além da sua idade, também são letais, além de ilegais, por serem poções das trevas – dito daquela forma, parecia mesmo muito ruim – é isso que está me pedindo Epson? – ele perguntou, a fazendo enrijecer, ele havia mudado o tom de voz.

—Eu sei que dito assim, parece ruim... mas – ele a cortou.

—A resposta para a sua pergunta é bastante óbvia, não acha mesmo? – ele a encarou e ela viu uma mudança expressiva ali - agora vamos recapitular alguns pontos importantes aqui já que me parece não ter entendido – ela engoliu em seco, por qual motivo ela achou que aquilo poderia dar certo – dado ao meu passado sombrio – ele disse soando ainda mais intimidante – e dado ao fato de que sou atualmente o mestre de poções dessa escola, e logicamente possuo o tipo de material escuro, como você mesmo pontuou, isso não te dá a liberdade de achar que permitirei que infrinja as regras da escola e tenha acesso a informações desse tipo, talvez o fato de estar frequentando esse espaço e o dividindo comigo te dê a falsa impressão que tem esse direito – ele fez uma pausa  – mas quero lembra-la que eu ainda sou o seu professor Epson e o chefe da sua casa, não se iluda ao achar que algo tenha mudado aqui – ele a fuzilou.

—Certo professor – ela se sentiu ofendida - eu não quis... – novamente ele havia entendido errado aquilo, mas ciente de que não valia a pena discutir com ele naquele estado, ela desistiu - enfim, um não também teria servido – ela disse se levantando da mesa, enquanto digeria aquelas últimas palavras... afinal nada havia mudado, não é mesmo?

—Você não levanta da mesa, ou sai do recinto enquanto eu ainda estiver falando – ele disse de forma hostil.

—Eu... apenas, já terminei senhor – ela gaguejou tentando justificar aquilo, ela nunca sabia o que fazer e como fazer exatamente, ela não queria problemas...  – eu apenas...

—Não se justifique – ele também se levantou, visivelmente irritado, empurrando a cadeira onde estava sentado para trás com certa força e batendo na mesa, derrubando alguns itens que estavam ali por cima, e aquilo a assustou, como aquilo havia ficado tão ruim? Ela deu dois passos para trás em auto defesa, ela só queria alguns livros... ele a encarou furioso e eles tiveram uma longa troca de olhares ali, ela não sabia se devia dizer algo ou como se portar naquele momento, qualquer movimento poderia piorar ainda mais as coisas, seu instinto gritava internamente a mandando sair correndo enquanto pudesse... mas havia algo de errado com ele, aquilo não era com ela, alguma coisa havia acontecido e o estava incomodando, ela respirou fundo tentando não demonstrar o medo que estava sentindo e se aproximou da mesa outra vez, arrumando um pouco aquela bagunça, ela sabia que ele a estava analisando agora, mas ela não iria fugir, não dessa vez, ela se lembrou de Beta... de quando ela explicou sobre como determinadas situações poderiam afetar comportamentos e era evidente que toda aquela agressividade espontânea, não podia ser por causa de uns míseros livros, por mais que aquilo não tivesse soado bem... – Epson – ele a chamou, ela estacionou.

—Tudo bem – ela disse sem encara-lo, ela não queria que ele visse que ela estava acuada – eu... posso fazer isso, talvez o senhor só precise... de um tempo – ela disse enquanto juntava os pratos e as xicaras, e ele saiu, ela sentiu o vento das vestes negras dele enquanto ele entrava naquele que parecia ser uma espécie de escritório particular ela ouviu a porta bater e então ela soltou a respiração.

Por mais estranho que pudesse parecer, e por mais desconfortável que toda aquela situação tinha sido para ela, Shara sentia que estava começando a lê-lo melhor, os sinais, e não que ela validasse aquele comportamento troglodita, já que ele era mesmo uma pessoa bastante difícil de lidar e a assustava na maioria das vezes, mas ainda assim... Ela podia entende-lo, aquela explosão, algo havia acontecido na noite anterior, aquilo tudo não era com ela.

—___

Aquela havia sido uma das piores noites, dos últimos tempos, pesadelos de uma noite tempestuosa, raios verdes que cortavam o ceu, o olhar desesperado de Maeva “por favor Severo a encontre...” ela dizia, mas ele não havia feito, ele não havia chego a tempo, a criança estava chorando... Noah entrando no quarto dela no meio daquela noite, ele estava simplesmente revivendo todas aquelas malditas lembranças, Elza Lowell, ele sabia que precisava encontrar aquela velhinha e manda-la diretamente para o inferno, mas antes ele precisava descobrir quais eram as insanas motivações por trás de tudo aquilo.

Ele se sentou para tomar o café da manhã, numa tentativa de soar informal ele havia pedido a geleia, fingindo se concentrar naquele jornal inútil, ela passou a geleia de morango, quando na verdade deveria ter sido a de damasco, ele não havia dito, mas ela devia ter perguntado, ele estava de péssimo mal humor naquela manhã, ele mal havia dito uma palavra, enquanto ela não parava de tagarelar, isso jamais daria certo. Além do mais ele estava com uma enxaqueca terrível, maldita Maeva, ela que o incumbiu daquela tarefa, ele teve que ter muito domínio próprio coisa que era evidente que ela não tinha algum, para não azarra-la ali mesmo, já que Shara havia sido completamente insolente o respondendo daquela maneira, ainda que houvesse algum sentido em tudo aquilo que foi dito ali, aquele era o peso que ela carregava consigo e isso o fez pesar aquelas palavras, afinal ela ainda era apenas uma criança, que não podia ser e nem viver como tal, e o que compensou trazendo algum equilíbrio momentâneo era que ela era esperta, muito esperta e aquilo da pesquisa, fazia mesmo muito sentido, era um começo, honestamente um começo não tão ruim assim, como ele havia dado a entender que seria, mas tudo piorou, quando ela falou dos livros, óbvio que por ser uma pesquisa, envolveria livros, mas não aquele tipo de livros… aquilo era alguma espécie de teste? Então ele explodiu, perdendo assim todo o autocontrole que estava mantendo até ali, talvez ele tivesse exagerado, já que ele a havia assustado, mas ele precisava deixar claro para ela que nada havia mudado, quando na verdade tudo mudou, absolutamente tudo, e esse era justamente o motivo daquele ataque de fúria repentino, ele bateu a porta do escritório com força “talvez o senhor só precise... de um tempo” ela disse, como ela ousa tentar entendê-lo?

Severo lançou um feitiço de privacidade sobre o lugar, trancado a porta, quando ele em apenas um impulso, arremessou tudo aquilo que estava em cima da sua mesa no chão, ele não podia fazer isso, ele não poderia cuidar dela... nem antes, nem agora e nem nunca. O que Maeva estava pensando? Ele se lembrou do sorriso inocente daquele bebê tentando alcançar a borboleta, ainda era o mesmo sorriso e aquilo era algo inacessível para ele… Maeva pedindo para que ele a procurasse… "por favor Ton Ton" a voz dela ecoou em sua mente, um pedido desesperado para que a ave o encontrasse e entregasse as lembranças para ele… ele não podia, aquelas eram as consequências das escolhas que ele havia feito no passado, ele não podia se permitir desejar algo assim, ele não merecia.

—___

O professor estava demorando para retornar, e ela já havia organizado tudo que podia, da maneira convencional, sem magia, ela não se importava, ela até gostava, e não havia muito mais para ser feito ali e bem já que não haviam livros para começar a trabalhar, quem sabe ela devesse mesmo se entregar aos desejos infantis, e fazer algo do qual ela gostasse, como ela havia feito no dia anterior, aquele pequeno momento do dia com Antony havia sido o auge em semanas, ela não tinha dúvidas do quanto ela amava cantar.

E sem falar que algo também a incomodava naquela manhã, e não era apenas o mal humor repentino dele, ela havia acordado com uma sensação estranha, algo difícil de explicar, quase como um pressentimento ruim, e ela sentiu um aperto no peito só de lembrar… ela sabia que estava atrasada, ela não podia se dar ao luxo de relaxar, aquela maldição era real, o perigo que ela corria era real, era impressionante como ela havia conseguido externar aquilo mais cedo para ele essa manhã, vomitando sobre ele o peso do que estava sentindo, ela precisava se mover, fazer algo, pesquisar, e aquele sentimento apenas serviu para lembra-la do quanto ela era vulnerável.

Decidida de que ela não ficaria ali parada esperando o humor do professor melhorar, já que aparentemente ele também tinha algo para resolver, sozinho, ela saiu…  caminhando pelos corredores das masmorras, ela sentiu um calafrio, mas aquilo não dizia respeito as questões físicas, não, ela estava bem, que sensação era aquela? Ela se lembrou da sala precisa, e foi para lá que ela foi, dessa vez foi fácil, a sala parecia estar lá apenas a esperando, e ela se questionou o quanto ela realmente precisava daquilo, certamente muito, ela entrou, se parecia com um teatro e havia um piano no palco, bem no centro do espaço, o lugar estava lindo… ela circulou o piano, apreciando aquele instrumento, antes de se sentar e passar as primeiras notas, aquilo deveria ajudar, normalmente costumava  ser muito melhor que remédio, ela fechou os olhos, imaginando uma plateia enorme, ela se sentia à vontade ali, mas ainda assim… por que ela estava tão angustiada?

—____

Severo saiu do escritório, notando que Shara já não estava mais ali, ele passou os olhos pelo relógio e pelas suas contas ele ficou recluso por um pouco mais que uma hora, e aquilo era algo que ele não podia discutir e muito menos exigir dela, afinal ela podia ir e vir, aquilo não era uma espécie de prisão e sem falar que ele não podia esperar, que ela simplesmente ficasse ali parada esperando por ele o dia todo. Ela havia se dado ao trabalho de organizar todas as coisas, o fazendo da maneira trouxa já que as louças estavam limpas, porém secavam sobre a pia, ela parecia não gostar de usar magia para as coisas simples do dia a dia, ela também havia dobrado cuidadosamente o jornal sobre a mesa… ela se importava com os pequenos detalhes e ele apreciava isso.

Severo estava se sentindo um pouco melhor, já que havia tomado uma poção para enxaqueca e feito uma dura análise de consciência, ele sabia que havia exagerado ali, com ela… ele passou o dedo pelo anel, ela estava na sala precisa, aquilo era bastante curioso, por qual motivo ela voltaria lá? mas o que ele estranhou mesmo, foram as emoções, ela não parecia muito bem, ela estava angustiada, certamente devido a discussão que eles haviam tido mais cedo, embora algo naquela discussão havia sido diferente, ela não havia fugido, não dessa vez, muito pelo contrário, chamou sua atenção o fato dela se manter firme e decidir permanecer, será que havia outra coisa acontecendo e que ele não tenha percebido? Ele que estava tão envolvido com suas próprias mazelas a ponto de não prestar atenção suficiente nela? Ele sentiu uma ponta de culpa, ele vinha sentido isso com certa frequência ultimamente, mas ainda assim ele não era do tipo que ia atrás de alguém, ele não faria... mas e se houvesse algum problema? Talvez uma recaída já que ela ainda estava se recuperando daquela doença que a havia acometido...  Mas ainda assim ele não... Merlin, ele iria, ele queria ir e pela primeira vez ele foi.

Era curioso pensar que em outras épocas, ele costumava usar os finais de semana para espairecer, coisa que desde que aquele ano letivo começou, ele não sabia mais o que era, ele chegou naquele corredor escuro e a sala precisa estava lá, aberta para ele, talvez ele realmente precisasse estar ali também, ao entrar ele se deparou com a cena dela, tocando piano… e cantando, havia uma certa emoção, ele passou o dedo sobre o anel novamente, apenas para ter certeza sobre aquelas emoções contraditórias, afinal ela parecia bem e tão à vontade naquele território... mas ainda havia angustia, muita angústia, ele não entendia,  a melodia tocada ali, era muito mais harmoniosa do que aquele monte de barulho que ela e a ave havia feito no dia anterior, e aquilo o agradava, então ele não quis interrompê-la, não ainda, mas ela se virou como se pudesse sentir sua presença. E naquele momento ele se deu conta de que ele não tinha como justificar o por que estava ali, e nem como ele a havia encontrado de forma tão assertiva.

—Professor – ela disse surpresa, ele notou que ela estava segurando a moeda que ele havia dado, o que ela iria fazer, ela iria aciona-lo? – como isso é possível... eu não cheguei a pressionar – ela olhou para a moeda na sua mão – isso pode ser possível?

—Não – ele respondeu vagamente – Epson, enquanto estiver se recuperando, não gostaria que saísse dos meus aposentos sem o meu consentimento - ele disse, tentando dar algum corpo a trama que ele estava tentando elaborar ali - sorte que o senhor Filch a viu acessando esse corredor e então me alertou - ele soava sério mas estava mentindo descaradamente, ele não se importava, desde que servisse – Não quero ter problemas com Madame Pomfrey por sua causa, você está sob a minha responsabilidade e costumo levar minhas responsabilidades muito a sério  – aquilo fazia bastante sentido, ele concluiu satisfeito.

—Eu posso ver isso senhor… eu sinto muito - ela disse guardando a moeda no bolso e o encarando, ele notou que os olhos dela começaram a marejar, o que significava isso? Alguma coisa estava acontecendo, ele se aproximou segurando o seu queixo como sempre fazia, apenas para poder analisá-la melhor.

—Está chorando - ele apontou o óbvio - Epson… quanto aos livros…

—Não é isso… professor - ela o corrigiu - algo ruim vai acontecer – ela disse como se estivesse segurando uma bomba – eu não sei... se será comigo, ou talvez com o senhor, ou até mesmo com alguma outra pessoa que eu me importe... eu só sei que... algo ruim vai acontecer – ela colocou a mão no peito, provando se sentir angustiada, aquilo que o anel já havia lhe alertado, ela não estava encenando, ele sabia que aquilo era mesmo real, e aquilo não podia ser bom, já que guardiãs podiam pressentir certas coisas, como Maeva mesmo havia pressentido a anos atrás, mas Shara ainda não sabia sobre isso, ele a encarou, obviamente preocupado… ela nem havia percebido que tinha acabado de dizer que se importava com ele ali - algo ruim vai acontecer - ela sussurrou repetindo mais uma vez e deixando cair as primeiras lágrimas, ele já havia perdido a conta de quantas vezes ele a viu chorar, mas sempre podia ser impactante.

—Seja o que for - ele sustentou o olhar - vamos lidar com isso - ele validou aquele sentimento, não adiantaria em nada ludibriá-la quanto a isso, afinal era bom que ela soubesse identificar esses sinais, e se posicionasse, coisa que Maeva sabia mas infelizmente não fez.

—O senhor já teve algo assim? - ela perguntou vagamente - eu não sei como explicar, é um pressentimento  ruim… - ela disse tentando soar um pouco mais racional - é difícil colocar isso em palavras e eu não consigo… simplesmente deixar de sentir, está aqui… nem a música… - ela passou a mão no piano - foi capaz de me distrair dessa vez… nem a  música - ela colocou as duas mãos no coração - eu quero que isso vá embora - ela chorou

—Existem algumas técnicas - ele se sentiu na obrigação de ajudá-la, também era difícil para ele assisti-la naquele estado - pressentimentos podem ser muito voláteis… mas você precisa se concentrar no que está sentindo, e então precisa se regular  não deixar que esse sentimento te domine, pois se precisar agir ou tomar algum tipo de decisão, precisará ser racional e a maneira como está se sentindo pode interferir consideravelmente na forma como irá lidar com isso - ele palestrou, em outras palavras ele não queria que ela deixasse que aquela emoção a dominasse e a tornasse ainda mais vulnerável, como obviamente havia acontecido no passado, se Maeva tivesse sido mais racional, certamente teria percebido que estava prestes a cair em uma armadilha  - agora, feche os olhos - ele pediu, o que ele estava fazendo? Ele queria proporcionar alguma ferramenta para ela - vamos trabalhar com algo que costuma funcionar, esse é um exercício de auto regulagem - ele explicou - tente se concentrar em uma paisagem que gosta e então se imagine neste lugar, sinta os barulhos, os cheiros, as sensações - ele pediu, sim ele estava ensinando técnicas de controle da mente.

—Eu não consigo - ela respondeu depois de um certo tempo, ainda com os olhos fechados - me desculpe professor… estou um caos, tem tanta coisa acontecendo aqui… - ela novamente colocou a mão no peito.

—Precisa se concentrar Epson - ele ordenou, mas ele sabia que não era algo tão simples assim, ele mesmo levou algum bom tempo até conseguir na primeira vez, mas era difícil vê-la angustiada daquela maneira, e não conseguir ajudá-la, se ele pudesse, ele tomaria para si, tudo aquilo que ela estava sentindo - vamos tentar outra técnica, pense em algo que te deixe segura - ele pediu, ela abriu os olhos o encarando, ele estava quase pedindo para que ela os fechasse novamente, quando ela respondeu.

—Eu não consigo pensar em algo, quando fica mais fácil olhar já que está na minha frente - ela disse aquilo com bastante naturalidade, e ele entendeu, entendeu perfeitamente o que ela queria dizer ali - o senhor… professor, me deixa segura - ela respondeu e ele sentiu o impacto daquelas palavras, era muito diferente quando elas eram ditas em voz alta, ela se lançou em seus braços, passando os braços em torno da sua cintura, por dentro das suas vestes e repousando a cabeça em seu peito, ele a recebeu, ela estava respirando irregularmente, estava fria e tremendo, ele devolveu o abraço,  a sustentando com força  contra o seu corpo, aquela era a sala precisa, e então o cenário do lugar mudou, ele contemplou aquilo que ela havia feito, era uma praia, ela havia criado tudo aquilo com o poder da sua mente, ele podia ouvir o som das ondas, o sol… a arei, quase como se fosse real – eu gosto daqui – ela disse sem se mover, e eu trago as pessoas que eu... – ela respirou fundo – gosto, para cá – ele também entendeu aquilo.

—Então, este é o lugar que você idealiza e vai quando… - ele não conseguiu terminar… era difícil até mesmo para ele, e ele estava pensando sobre aquilo, se lembrando de quando ela ficou em coma na ala hospitalar por dias, de quando ela havia desistido de voltar, então era ali que ela estava... agora ele estava enxergando com os seus próprios olhos as barreiras que ela havia levantado em sua mente, tão firmes e tão sólidas, que ela havia conseguido externa-las ali, com ajuda da sala precisa, barreira mentais são quase indestrutíveis, e a única coisa forte o suficiente para tirá-la dali, foi quando ela ouviu a sua voz, e ele sabia o que aquilo significava e sim foi a partir dali que as coisas começaram a mudar de forma mais expressiva para ele também… era ali o lugar onde ela ia quando buscava alguma segurança - não sabia que gostava de praia – foi apenas o que ele conseguiu dizer, a abraçando com ainda mais força.

—Eu nunca fui a uma na verdade - ela disse sem se mover - mas eu acho lindo, quando eu era menor, eu ficava imaginando em como seria ir a um lugar assim, com… - ela começou a soluçar… - eu não entendo, mas tem algo especial aqui então eu sempre volto, e sem falar que eu acho o mar algo fascinante - ela concluiu.

—Entendo – ele estava impressionado com a riqueza dos detalhes de tudo aquilo que ele estava vendo ali.

—Me desculpe professor… eu sei que para o senhor nada mudou - ela disse aquilo com alguma dificuldade, chamando sua atenção, ela estava repetindo o que ele havia dito mais cedo para ela.

—Não… - ele a cortou, ele precisava dizer, ele não era bom em consertar esse tipo de coisa, pelo contrário, ele era bom mesmo em destruir… mas ele precisava dizer - um equívoco… eu quero que entenda que nada mudou, sobre o fato de ser seu superior, professor e chefe de casa e portanto sou e sempre serei exigente quanto às regras e seu desempenho aqui, mas até mesmo uma garotinha estúpida como você - ele tentou trazer um pouco de leveza, usando da sua habitual ironia o que também o deixava mais à vontade ali - pode perceber que muita coisa mudou, quando eu abro os meus aposentos pessoais a deixando ficar, onde nenhum outro aluno antes acessou e talvez isso não seja algo relacionado apenas aos meus aposentos privativos, mas...- ele pigarreou, como era difícil –  também esteja relacionado a outros espaços na minha vida - certo, talvez aquela não fosse a forma mais afetuosa de dizer que ela o havia mudado, mas ainda assim era aquilo que ele conseguia dizer, ela se aconchegou ainda mais contra o seu peito, ela havia entendido, eles ficaram em silencio por um tempo.

—Eu sonho com esse lugar… várias e várias vezes… até mesmo nos dias ruins, mas daí o mar costuma ficar bastante agitado, vem a tempestade e tudo é muito assustador aqui – Ele estranhou, quase pedindo para que ela repetisse, mas não era necessário... ele havia entendido bem, se aquilo fosse mesmo uma barreira, o que já era suficientemente impressionante para uma criança na idade dela criar, não seria assim, uma barreira mental não permitia mudanças, não como aquelas, quaisquer que fossem as situações adversas, elas devem e são bloqueadas, já que barreiras funcionam justamente para isso, para bloquear e blindar os medos, os traumas e tudo que machuque… do lado de fora, é por isso também que é difícil querer voltar de um lugar assim, havia uma inconstância ali, se aquilo era como ela havia dito, talvez aquela não fosse apenas um barreira, a mente de uma pessoa podia ser muito complexa, mas aquele era um assunto que ele entendia o suficientemente bem para dizer que algo não estava fechando ali.

—Tempestade - ele repetiu, agora ele entendia o pânico que ela tinha com tempestades, ela foi abandonada em um dia com uma tempestade violenta, ela era apenas um bebê, ela podia fazer tal associação? Talvez... afinal de alguma forma aquilo podia ficar intrínseco nela ao se misturar com outras sensações, essa era uma das hipóteses, a outra, e algo lhe dizia para prestar mais atenção nessa dali, era que isso pudesse ter sido incutido nela, por algum motivo, acendendo um sinal de alerta, Dumbledore havia falado sobre Elsa Lowell uma vez, muito pouco, mas havia, Severo se lembrou de que uma das coisas ditas por ele e que chamou sua atenção na época, era que além de poder viajar no tempo, ela manipulava sonhos, ele enrijeceu... ela sonhava com aquilo, repetidas vezes, ela disse... aquela não era uma barreira mental, aquilo era algo imposto… imposto por Elza, ela havia ficado um tempo a sós com a menina, já que foi ela que a  deixou no lar, aquele lugar que foi escolhido por ele… sim ela estava por trás disso. Shara não havia criado uma barreira sozinha como ele e Alvo acreditaram, e isso não a desmerecia, mas aquele era um sonho imposto ali. Tudo fazia muito sentido agora… Elza parecia colocar cada peça em seu lugar e agora mais do que nunca ele precisava encontrá-la.

—Eu tenho medo de tempestade - ela disse sem graça, ele sabia, ela havia falado sobre isso abertamente no dia que havia se machucado na enfermaria, tempestade era um gatilho e aquilo merecia um pouco mais de atenção, ele fez uma nota mental, para retomar aquele assunto mais tarde, por hora, ele notou que a respiração dela havia começado a normalizar isso sem que ele aplicasse qualquer técnica ali, ela estava conseguindo se regular, pelo simples fato de estar ali com ele – Me sinto um pouco melhor... obrigada professor – ela disse confirmando aquilo que ele estava pensando – obrigada por tudo... bom, quero o senhor já esteve aqui antes, algumas outra vezes na verdade, mas antes não era real... e agora é quase como se fosse, e bem, eu prefiro que seja assim – ela concluiu, ela não podia ver, mas ele sorriu, um sorriso singelo, ele também... ele preferia que fosse assim. 


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Notas finais do capítulo

_Shara me passe a geleia ..... - eles são uma família ou não são? kkkk

Esse é mais um capitulo com algumas respostas, respostas que vocês nem achavam que existiam e que precisavam, mas tudo nessa trama tem um motivo, TUDO haha... esse sonho, fofo, talvez não seja tão inofensivo assim... enfim, Severo e Antony precisam encontrar essa bruxa logo, Elza tem contas para prestar.

PS: o capítulo onde Alvo fala sobre Elza, é o 29 :) caso queiram rever!

E bem... Severo, não sai muito do papel... mas rolou meio que uma declaração tanto dele como dela dessa vez, em passos lentos, eles vão chegar lá... a sala precisa é vida, dá pra elevar a história em outro patamar, quando tipo eles estão abraçados numa praia, simplesmente emocionante! Obrigada sala precisa e Shara por nos proporcionarem esse momento.

E temos o pressentimento :( poxa!
O que será que nos espera agora?

Espero que tenham gostado. :)



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