Destinos Improváveis escrita por Nara


Capítulo 39
Futuro - Infeliz aniversário


Notas iniciais do capítulo

Alerta de lencinho e gatilho.
Se você tem problemas com cenas fortes (crise de ansiedade, gatilhos psicólogos e tentativas de suicídio) não leia esse capítulo, ele pode trazer coisas bem ruins a tona.
Esse foi o capítulo mais difícil que escrevi nessa história. Em alguns momentos eu os escrevi com lágrimas...



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06/11/1991 – (Um ano atrás)

Shara acordou assustada com as chacoalhadas insistentes da amiga, o que poderia estar acontecendo de diferente essa manhã para que ela estivesse se comportando daquela forma completamente extravagante tão cedo em uma quarta-feira? Shara abriu os olhos lentamente enquanto Catie estava prestes a chacoalha-la outra vez de forma impaciente.

—Ei... – Shara reclamou – o que está fazendo? E que horas são? – ela perguntou enquanto puxava as cobertas e tentava se ajeitar um pouco melhor na cama, ela queria poder dormir um pouco mais antes de sair e ir pra escola.

—FELIZ ANIVERSÁRIO – Catie gritou animada, pulando em cima dela e bagunçando seu cabelo, ah sim havia isso, Shara não gostava de comemorar essa data, era algo pessoal e bem ela só não ligava para essas coisas… Catie sabia  –  eu tenho algo para você e queria te entregar antes de sair essa manhã e antes de você ir para a escola também – Catie disse enquanto deixava a mostra um pacote dourado, que ela segurava em uma das mãos, Shara olhou para o pacote de presente, ela suspirou, sim, ela apreciava muito o esforço da amiga, mas Shara sabia que Catie não ganhava muito com o estágio que havia conseguido na biblioteca, e que ela estava guardando aqueles poucos recursos para uma faculdade daqui a alguns anos no futuro, portanto gastar com futilidades era algo que não estava nos planos da amiga, e bem Shara havia deixado bem claro para ela não se preocupar com essas coisas, já que Shara não se importava, mas é obvio que Catie não iria ouvi-la, ela nunca ouvia.

—Catie... não... eu disse – Shara tentou mas a amiga a interropeu enquanto fazia cócegas nela.

—Eu sei, eu sei... mas não é exatamente algo que eu comprei ok?... na verdade é algo que eu fiz para você – Catie disse sorrindo – será que assim a senhorita poderá abrir uma exceção e aceitar esse humilde presente? – ela perguntou fingindo estar magoada, Shara sorriu, Catie definitivamente era uma das únicas coisas boas que haviam acontecido na sua vida até ali, ela estava sempre lá para ela, desde o dia que Shara chegou no lar quando ainda era um bebê, Catie era mais velha e se doou por ela, ela cuidava e a protegia como uma irmã mais velha faria e Shara prometeu que um dia elas sairiam de lá juntas, Shara faria de tudo para tirar a amiga daquele lugar horrível e então elas iriam morar juntas em algum lugar e poderiam ser felizes cada qual seguindo sua vida, porém estariam juntas como tanto almejavam, Shara pensava muito nisso, ela queria poder fugir, e ela já tinha feito tantos planos nesse sentido, tantos que ela não poderia mensurar, ela olhou para a amiga que mantinha um sorriso largo no rosto, Shara não entendia como ela poderia sorrir com tudo que estava acontecendo com ela naqueles últimos dias, e por mais que ela não falasse e muito menos reclamasse, demonstrando qualquer insatisfação, Shara sabia, e ela podia sentir a dor da amiga, e então Shara retribuiu o sorriso de forma singela, pegando o pacote que a amiga segurava com tanta empolgação.

—De qualquer forma você não deveria perder seu... – Shara ia dizer tempo, mas ela parou no instante em que desembrulhou aquele pacote, era tão lindo, era um caderno muito bem decorado, a amiga havia tido o cuidado de enfeitar a capa com uma foto das duas, uma foto que elas haviam tirado na escola de Shara, a apenas algumas semanas atrás quando Shara havia ganho o festival de musica daquele ano, elas estavam tão felizes ali, e abrindo as páginas a amiga havia se dado o trabalho de colar  alguns recortes com imagens de praias, praias paradisíacas de diversos lugares diferentes do mundo, e ao lado de cada colagem, ela havia escrito palavras de ânimo e motivação, a lembrando do quanto Shara amava aqueles lugares, aquilo era uma forma sutil para lhe incentivar a correr atrás do seu sonho de um dia conhecer um daqueles lugares de verdade pessoalmente, Shara sentiu as lagrimas descendo pelo seu rosto, aquilo significava tanto e aquele era o presente mais incrível e mais valioso que alguém poderia lhe dar – Catie, isso é tão... lindo, obrigada! – Shara disse enquanto abraçava a amiga com bastante intensidade – eu não sei o que seria da minha vida sem você - era verdadeiro, tão verdadeiro - obrigada por existir - Shara notou que a amiga também estava enxugando algumas lágrimas naquele momento.

—Shara, é simples, mas eu quero que você olhe para esse caderno, todas as vezes que se sentir triste, sozinha ou achar que não pode suportar algo... eu realmente quero que você saiba que você consegue, que sua vida é tão valiosa, que voce é forte e incrível, e que eu estou aqui e te amo muito – Catie disse com dificuldade cada uma daquelas palavras – eu simplesmente não posso imaginar aquilo outra vez, sabe... – Catie disse começando a chorar – eu não iria conseguir… – Shara sabia exatamente ao oque ela estava se referindo ali, foi Catie uma das únicas pessoa a vê-la naquele estado, quando ela foi levada pela ambulância até o hospital infantil naquela tarde, foi Catie que havia conversado com a assistente social sobre quais os cuidados a serem tomados com ela, mas logo depois Shara havia feito uma promessa e ela havia prometido aquilo justamente por que não queria mais ver aquela expressão de dor no rosto da amiga, nunca mais, então ela prometeu que não iria fazer nada parecido, jamais.

—Eu prometi, eu não farei nada assim... nunca mais, lembra? – Shara disse, eram lembranças difíceis para elas – você precisa acreditar em mim - Shara pediu mais uma vez.

—Eu acredito – Catie disse a abraçando com ainda mais força – eu só quero que você saiba o quanto você é importante pra mim.

—Eu sei – Shara sorriu para a amiga.

—Ei vamos esquecer isso, que tal tomarmos um café juntas? – Catie pediu animada, tentando desconstruir aquele clima ruim e pesado que havia se formado ali e Shara concordou, Shara guardou o caderno embaixo do moletom que ela estava usando e elas desceram as escadas velhas daquele lugar que todos chamavam de lar, mas que na verdade era tudo menos um lar de verdade, elas caminharam até a cozinha, havia uma televisão velha ligada, e o tempo parecia estar muito ruim lá fora, Shara tinha medo, na verdade pânico de temporais daquele tipo, por algum motivo que ela mesmo desconhecia, e o noticiário estava anunciando a chegada de um furacão com ventos recordes para aquela região, Shara passou os olhos pela janela e realmente estava ventando muito lá fora, um trovão forte fez Shara saltar assustada e segurar a mão de Catie, enquanto a energia oscilava ali, desligando a televisão.

—Alerta de furação, ninguém sai de casa hoje - Sra. Manchester disse entrando na cozinha atrás delas – teremos uma tempestade bastante violenta durante o dia – ela sorriu para Shara, todos ali no lar sabiam do seu histórico de pânico em situações assim, já que aquilo era algo que Shara não conseguia esconder e nem disfarçar muito bem – só tente não fazer xixi nas calças outra vez – ela gargalhou saindo, lembrando Shara de um episódio isolado que aconteceu quando ela tinha apenas 5 anos de idade, isso não era justo, ela era tão pequena naquela época e não podia controlar o medo que sentia, não que hoje ela pudesse, mas xixi nas calças definitivamente era algo que ela não faria mais.

—Não ligue para a Mancha, você sabe que ela só quer te provocar – Catie disse a cutucando – e pense na parte boa disso tudo, é seu aniversário, e você ganhou um dia todo de folga, sem escola... e bem já que não posso ir trabalhar também, passarei o dia todo com você aqui te incomodando, Shara sorriu para aquilo, se existia alguém que podia sempre ver o lado bom das coisas, esse alguém era Catie com toda certeza.

—Falando assim soa até bem – Shara disse se encolhendo ao ver o clarão na janele e outro trovão barulhento estourar perto dali.

—Ei vou colocar uns biscoitos para assar – Catie disse tentando a animar – e olha só a nossa sorte, tem aqueles de canela que você tanto ama – ela disse ao abrir e analisar  um dos armários da cozinha.

Elas ficaram ali sentadas na bancada da cozinha por um tempo, conversando, enquanto esperavam os biscoitos assar, o cheiro era muito agradável, as outras crianças ainda estavam dormindo, e isso era bom já que elas podiam ficar mais a vontade assim, Shara amava ouvir Catie contar as coisas que aconteciam no seu dia, lá na biblioteca, o dia da amiga sempre parecia infinitamente mais animado e alegre do que o dela. Lá fora a tempestade parecia ganhar ainda mais corpo e Shara estava se esforçando para tentar realmente ignorar aquilo, embora suas mãos suassem muito e aquilo era algo involuntário, assim que os biscoitos ficaram prontos, Shara se levantou para tira-los do forno, pareciam ótimos e com a bandeja na mão, Shara viu um relâmpago, com uma luz verde muito intensa passar do lado de fora da janela, aquilo era tão assustadoramente familiar, mas não era bom, era muito ruim, ela não sabia explicar aquilo, ela sentiu seu coração disparar naquele momento, seu estômago estava embrulhando, agora ela não sabia se poderia mesmo comer os biscoitos, e o estrondo seguinte foi tão alto que parecia acontecer dentro da sua própria cabeça, Shara se assustou, deixando a forma com a fornada de biscoitos cair e se esparramar no chão... por que ela era tão desastrada?

—Está tudo bem Shara... eu ajunto – ela ouviu Catie dizer com ternura, seguido pela voz que ela mais temia na terra… Shara congelou.

—Não encoste nisso – Noah mandou, dirigindo aquela ordem para Catie e atravessando a cozinha, indo diretamente para a sua direção – sua garota imunda será que não se cansa de ser um estorvo pra mim? – ele perguntou com certa estupidez enquanto segurava o seu braço com força.

—Noah, por favor – Catie interveio imediatamente – ela apenas se assustou com a tempestade, nos vamos ajuntar…– ela estava tentando ajudar.

—Se assustou? – ele estava sorrindo com malícia, Shara detestava aquele sorriso, ele parecia estar pensando em algo – hummm hoje é o seu aniversário não é mesmo? – ele perguntou com aquela voz suja – bem digamos apenas que eu não havia planejado isso, mas tenho algo especial para você – ele disse a arrastando para a porta dos fundos da cozinha.

—Oque vai fazer Noah? – Catie pediu assustada – por favor, você sabe do medo dela – Catie tentou segura-lo - me diz o que quer que eu faça, eu farei, mas não a machuque… - Catie estava implorando - Noah por favor….

—Se tentar defende-la mais uma única vez, eu juro que posso lhe proporcionar uma noite ainda menos agradável que as anteriores – ele sorriu de forma nojenta para a amiga, Shara sentiu as lagrimas descerem pelo seu rosto, ela queria ajudar Catie, ela queria dizer para a amiga fugir, quando ela mesma não conseguia, ela estava congelada ali, aquilo era o pânico que percoria todo o seu corpo, e Shara sabia que ele a estava  levando para fora, ele não iria deixa-la lá? ... sim ele faria, ele era a pior pessoa do mundo, Shara não tinha a menor dúvida sobre isso.

—Não – ela pediu – por favor – ela implorou chorando... mas ela sabia que não havia nada que pudesse ser feito ali, ele não costumava voltar atrás em nada.

—Você deveria me agradecer sua garotinha medrosa – ele disse enquanto abria a porta e a empurrava para fora da casa a trancando lá – assim você pode aprender a lutar contra os seus medos – ela o ouviu gritar lá de dentro – esse é o presente – ele disse – faça bom proveito dele.

Shara sabia que ia vomitar, e ela fez, mais de uma vez, a chuva havia encorpado e não dava a menor trégua, os raios e trovões pareciam ainda mais intensos vistos dali de fora, Shara havia se encolhido, e aquela altura ela já havia cansado de bater na porta pedindo por ajuda, ele não abriria e não deixaria ninguém intervir, Catie certamente teria tentado algo e Shara sabia que ela deveria estar sofrendo algum tipo de penitência lá dentro por isso, ela estava exausta e agora completamente ensopada, quando ela se lembrou do caderno que estava embaixo do seu moletom, ela não precisava olhar para saber que estava completamente arruinado, mas ela fez mesmo assim, vendo as folhas se dissolverem na sua mão, ela sentiu as lágrimas que queimava seus olhos descerem, ela estava com tanto medo lá fora, aquela situação era tão humilhante, ela tinha acabado de perder o presente mais incrível que ela já havia ganhado e aquilo era tudo sua culpa, ela odiava aniversários… aquele era o pior dia da sua vida.

06/11/1992 

Shara acordou assustada, ela abriu os olhos lentamente e o relógio gigante da ala hospital confirmava que ainda era cedo, eram perto das 5:00 da manhã de uma sexta feira e o ambiente ainda estava suficientemente escuro, ninguém estava acordado nesse horário, até mesmo o escritório de Madame Pomfrey ainda estava com as luzes apagadas, como prova de que nem ela que costumava acordar mais cedo que os demais havia levantado ainda, tudo estava tão escuro, exceto pelo clarão lá fora, e de onde Shara estava deitada ela conseguia ver com nitidez as janelas grandes que ornamentavam aquela parte do castelo, o barulho alto do trovão a fez despertar repentinamente daquela maneira, fazendo com que ela se encolhesse ainda mais na cama, ela puxou as cobertas por cima da sua cabeça, tentando se esconder ali, ela tinha medo de tempestades, desde pequena, mas não era apenas um medo comum ou algo simples, não, aquilo era algo que ela não conseguia controlar e que já havia lhe trazido inúmeros problemas e constrangimentos no passado, ela simplesmente não entendia por que agia assim, era completamente involuntário, mas era desesperador, como se aquilo pudesse tirar a sua vida ou algo assim a qualquer momento, então se havia algo que a pudesse desestabilizar, isso certamente era uma tempestade violenta, como aquela que estava se formando lá fora.

Shara espiou pelas cobertas, embora estivesse escuro era possível ver as nuvens de chuva grossa que estavam se formando rapidamente, já que os raios mantinham uma claridade predominante no céu, e aquilo era o que mais a assustava, os feixes de luz pareciam trazer à tona algo muito ruim, e aquilo era outra coisa que ela não conseguia entender, o tempo havia mudado e com a mesma velocidade que os ventos balançam as árvores com violência lá fora, ela sentiu suas emoções sendo reviradas e chacoalhadas naquele momento, não como algo que ela pudesse controlar também, ela fechou os olhos com força, já que isso também não era bom.

Eram terríveis e péssimas lembranças que aquela sensação trazia, e certamente ela poderia apontar alguns dos inúmeros episódios bastante ruins que ela já havia enfrentado no passado em situações semelhantes a aquela, mas definitivamente, nenhuma deles poderia se comparar ou até mesmo superar ao dia do seu aniversário do ano passado,  já havia mais do que motivos suficientes para ela não gostar de comemorar aquela data e então depois daquele dia específico, ela passou a detestar ainda mais aquela data, sim ela odiava seu aniversário, e a simples menção a isso trazia sentimentos ruins, não havia nada de bom para ser comemorado naquele dia e quem sabe talvez, se aquela data não existisse no calendário, teria sido melhor para todo mundo, Shara sente seu coração disparar ao reviver aquilo outra vez, e o destino não podia ser mais infeliz, já que justamente hoje, no seu aniversário de 11 anos, ela estava sendo acordada com uma forte e violenta tempestade lá fora que era extremamente parecida com a que devastou Londres há exatamente um ano atrás, mas hoje diferente daquele dia, não havia Catie para segurar a sua mão, Shara se encolheu outra vez lembrando o quão terrível Noah tinha sido, ele sabia do seu medo, mas ele era sádico demais e a havia a trancado do lado de fora mesmo assim, transformando aquele dia num dos piores dias da sua vida.

Aquelas sensações voltaram com tudo essa manhã, e estavam embrulhando seu estômago e antes que ela pudesse vomitar na cama e causar ainda mais transtorno, Shara se levantou e caminhou lentamente até o banheiro completamente encolhida, ela não queria acordar Madame Pomfrey tão cedo, ela não queria que ninguém se incomodasse com uma criancinha assustada como ela, Shara sentiu as lágrimas escorrendo pelo seu rosto, ao se lembrar de forma tão viva das páginas do caderno sendo dissolvidas na sua mão, era como se ela pudesse reviver tudo aquilo novamente, e aquilo era tão assustador, ela quase podia sentir o cheiro dos biscoitos de canela que ela nunca comeu, Catie não estava ali para ela e isso era tão injusto e ela se sentiu tão sozinha, havia tanta dor, ela escutou um trovão distante, mas ela era a própria tempestade naquele momento, ela não queria mas ela precisava vomitar, assim como havia vomitado naquele dia, então ela caminha até o banheiro e ela vomita uma, duas, três vezes, seu estômago doida.

Shara se levanta daquele chão duro e frio, e caminha até a pia, parando para se olhar no espelho, reflexo embaçado de uma menina que às vezes nem ela conhecia, quem ela era afinal de contas? Qual era a sua verdadeira história? Por que seus pais a abandonaram assim? Por que tudo em torno de si era um segredo? Qual era seu verdadeiro sobrenome?... ela não sabia nada, absolutamente nada, Shara achou que Hogwarts seria um novo começo, mas não era... e por vezes era tão ruim quanto antes, ela não tinha amigos... quer dizer não mais, Beta havia visto o pior dela e logo os demais também veriam, e ela estava tão convicta de que chegaria nas respostas com aquela poção, mas ela era tão estupida como o professor Snape havia dito, que ela simplesmente havia feito tudo errado, era como derrubar a bandeja de biscoitos outra vez e ser colocada para fora durante uma tempestade novamente.

O professor Snape era o único adulto que havia conseguido chegar mais perto dela e o único que havia persistido, mas Beta havia dito que ela estava enganada sobre ele, mas a sua mãe, ela  confiava nele, havia aquilo tudo com o colar, mas era tão confuso agora, de qualquer forma Shara vivia o decepcionando… ela olhou outra vez para o reflexo no espelho, aquela garota… ela não queria fazer 11 anos e nem 12, nem 15 nem 20... ela não queria estar ali... e num impulso involuntário mas bastante violento Shara cerra o punho e bate com força contra o espelho a sua frente, espelho que não resiste e que com toda a fragilidade se estilhaça, quebrando em mil pedaços, espalhados pelo chão, ela sentiu a dor do corte, ela havia cortado a mão em alguns pontos distintos com aquela ação, ela observa o sangue escorrer com vigor dos cortes pingando e sujando toda a pia, o piso e sua roupa, era uma dor relativamente boa, mas ainda assim ela não podia substituir toda a outra dor, aquela que ela sentia na alma, ela se apoia na parede próxima, se deixando escorregar e sentar no chão, ela olha para a bagunça que ela havia acabado de fazer ali, e sem a sua varinha ela nem podia concertar aquilo, ela olha os cacos espalhados a sua volta, ela já tinha feito isso antes, ela sabia  muito bem o que precisava fazer, ela sabia como acabar com aquela dor na alma de uma vez por todas, embora ela havia prometido para Catie que nunca mais tentaria algo assim... mas aquilo soava tão distante agora e bem, Shara era muito de cumprir suas promessas mesmo, ela simplesmente não atendia as expectativas de ninguém e afinal quem se importava? ela segura o maior caco que encontra na mão fechada e com bastante força, ela sente o caco cortar sua pele ali e mais sangue jorrar, agora ela nem conseguia sentir a dor que poderia emanar daquilo, já que ela estava completamente amortecida tanto física como emocionalmente ela só precisava de um pouco mais de coragem, em meio as lagrimas, ela ouve mais um trovão.

Então com as mãos tremendo ela aproxima o caco do pulso, ela fecha os olhos, se lembrando do abraço de Catie no seu aniversário do ano passado, e Shara pede desculpas mentalmente para a amiga, mas seria melhor assim, para todos... outro trovão, ela se lembra da praia, das ondas do mar... ela se lembra da sua mãe, aquela sim era uma sensação tão boa... “estou voltando para casa mãe” ela sussurra baixinho... enquanto pressiona com um pouco mais de força o caco contra a sua pele branca, e ela sorri ao perceber que havia conseguido... sentindo uma paz de espirito tomar conta de si... Ela estava prestes a empregar mais força naquilo quando...

Então ela escuta a porta se abrindo, ela não havia trancado. Madame Pomfrey olha assustada para ela e para toda aquela bagunça, olha para aquela cena, era sempre tão estranho ver a reação das pessoas, de como elas ficavam horrorizadas diante de algo assim, já havia sido assim nas vezes anteriores, mas ninguém pode imaginar o que leva alguém a algo tão extremo, Shara sim, ela podia… Madame Pomfrey se abaixa, se aproximando o máximo possível ali, mas aquilo estava errado, ela não deveria estar ali, ainda era cedo... muito cedo, será que ela a havia acordado com todo aquele barulho? Certamente.

— Vamos querida, deixe isso no chão – ela diz com bastante ternura, tirando o caco de espelho que ela segurava na mão - você não quer fazer isso, não de verdade – Shara percebe ela estancar o corte com um feitiço, e então ela faz algo surpreendente, ela a abraça, Shara não consegue resistir e ela retribui, Shara a abraça com bastante força, soluçando ali, tudo que Shara queria era poder dormir pra sempre e nunca mais acordar, outro trovão alto lá fora a traz novamente para aquela realidade, ela não havia conseguido finalizar o que havia começado ali, ela queria pelo menos saber o que fazer para voltar para aquele estado de coma... ela queria a praia, as ondas… sua mãe.

—Eu só quero que a dor vá embora – Shara sussurou

—Eu sei querida, nós vamos te ajudar – ela disse a abraçando com bastante força, enquanto sacava sua varinha.

Shara não entendeu muito bem as palavras, mas Madame Pomfrey havia sussurrado algo, era um feitiço, e um animal prateado saiu da sua varinha, saltitando, aquela mágica era tão linda. Será que um dia ela poderia fazer algo assim? Ela pensou... mas ela não queria viver para tentar.

— Eu estou com dor – Shara disse.

—Na mão meu anjo? eu já vou enfaixar você - ela disse apreensiva.

—Não... não na mão – Shara apontou para o peito, onde deveria estar o colar da sua mãe, mas nem isso ela tinha ali, Shara sabia que seu estado era deplorável, seu pijama estava completamente manchado de sangue, quem visse aquela cena com certeza se assustaria, Madame Pomfrey era a prova disso e agora ela a estava abraçando com ainda mais força, será que era assim que uma mãe abraçaria seu filho? Shara nunca saberia. Mais lágrimas, mais um trovão, mais medo e dor.

Shara não sabia dizer quanto tempo elas passaram assim, naquele estado, mas parecia uma eternidade pra ela, quando de repente ela nota a porta se abrir outra vez, ela estava se sentindo tão exposta agora e totalmente constrangida, ela não queria ser vista assim por mais ninguém, ela enterra o rosto nas vestes da Madame Pomfrey, como se pudesse se esconder ali pra sempre, mas na verdade ela queria uma coberta, então ela ouve Madame Pomfrey dizendo baixinho.

—Severo, desculpe – uma longa pausa - mas como você pode ver, precisamos de sua ajuda – então ela havia chamado o professor Snape, como ela havia feito isso? Shara queria tanto sumir, ela se arrependeu de não ter pressionado com muito mais força aqueles cacos de vidro contra o seu pulso, por que ela nunca conseguia ir até o final com aquilo? Por que ela era tão fraca? 

Com alguns gestos da varinha Shara nota que todos os cacos haviam sumido do chão, só havia o sangue, o sangue dela. Ela nota que ele se abaixa também ficando à altura delas.

—Shara? – ele a chamou pelo primeiro nome, ela nunca tinha ouvido ele a chamar com aquela entonação de voz, era diferente de todas as outras vezes, ela o olha de relance, aquilo não era nada confortável. Ela percebe que ele estende uma das mãos para ela, ela hesita, Shara ainda estava sangrando e ela iria suja-lo, e ele ficaria muito bravo com isso, e quem sabe ele a deixasse do lado de fora da tempestade também. Ela escuta mais um trovão, ela se encolhe.

—Querida o professor Snape quer ajudar, você consegue ir com ele? –  Shara nota que a voz de Madame Pomfrey estava diferente, meio embargada agora, ela estava chorando? Chorando por causa dela? Talvez porque ela tinha sujado o banheiro, mas ela poderia limpar depois. Madame Pomfrey levantou, e sim haviam lágrimas marcando o rosto dela, as mesmas lágrimas de dor que Shara havia visto no rosto de Catie aquela vez, Shara havia prometido, mas ela havia feito outra vez – Vou buscar alguns medicamentos - Pomfrey disse se retirando.

— Shara – ele disse novamente com muita cautela e a mão dele permanecia estendida – venha até mim, já fizemos isso antes lembra? - sim como ela poderia se esquecer daqueles abraços - eu não vou te machucar - ele disse, mas ela sabia disso, ela só estava tão envergonhada agora, então ela percebe que ele também se senta no chão, o chão que estava todo sujo, ele estava ocupando o lugar que era de Madame Pomfrey a alguns minutos atrás, bem ao seu lado.

Shara estava uma bagunça completa e ela se encolhe, começando a chorar novamente, o que ela tinha feito? O que ele iria pensar dela agora? a última vez que ela teve um surto parecido e feito algo assim também tinha sido em um banheiro, no banheiro feminino da escola onde ela frequentava, mas lá ela havia conseguido se cortar um pouco mais, ela ainda tinha as cicatrizes, mas ainda assim não havia sido o suficiente para causar algum dano irreversível. Ela tinha jurado para a terapeuta do Hospital infantil que nunca mais faria nada parecido, ela tinha prometido para Catie, mas ela fez, ela não queria perder a vida, mas ela fez, ela sabia que precisava de ajuda. Mais um trovão, ela se encolhe novamente.

—Você tem medo de tempestade Shara? – ela o escuta perguntando, ela sinaliza que sim com a cabeça, ela olha para a mão dele que continuava estendida para ela, será que ele não iria desistir? Ele não iria cansar? Ela se aproxima devagar, e antes mesmo dela alcança-lo ele se antecipa e a segura a puxando contra si, ela ouve mais um trovão, ela se encolhe ali, e ele a cobre com sua manta, para esconde-la e protege-la, ele havia entendido o quanto aquele gesto de se cobrir podia significar para ela.

— Vai ficar tudo bem - ele sussurra  - eu prometo - será que era assim que um pai abraçava sua filha? Ela nunca saberia. 

Aquele gesto foi demais pra ela, por que ele se importava tanto assim? ela não merecia, ela era tão estupida, ele deveria estar trancando ela do lado de fora para que ela lidasse com seu próprio medo sozinha, afinal não era isso algo que um comensal da morte faria? Como Beta mesmo havia dito, mas ele era tão diferente, outro trovão, e então ela se entrega completamente nos braços dele outra vez, ele era tudo que havia testado ali, a estava  soluçando, e ele a ampara com ainda mais força, mostrando que ele não iria deixá-la.

—Eu vou te levar até sua cama tudo bem? – ele pergunta.

Ela a abraça com mais força, ela não queria sair dali ela não queria encarar a realidade, ela queria ficar ali pra sempre, sentindo o cheiro de ingredientes de poções e ouvindo o batimento cardíaco dele tão de perto, encolhida como uma criança de 5 anos embaixo de suas vestes, ela se sentia tão segura naquele lugar, era semelhante a uma praia de areia fofinha, quem sabe ele pudesse estar lá um dia, naquele lugar, junto com a sua mãe. Ela era a tempestade ali e ele era a calmaria. Ele parecia entender aquilo.

—Tudo bem, podemos ficar aqui então – ele disse sem se mover, com ela praticamente no seu colo.

Madame Pomfrey retorna, Shara percebe que ela estava totalmente recomposta agora, e ela havia trazido alguns medicamentos também, faixas e duas poções. Ela limpa os cortes da sua mão, passando aquela pomada que Shara conhecia bem e as enfaixa devagar, Shara nem se mexe e ninguém troca nenhuma palavra, Shara toma as poções, ela estava se sentindo tão cansada agora e com tanto sono, afinal era cedo ainda, então ela se ajusta nos braços dele, ficando ainda mais confortável ali e fechando os olhos, só um pouquinho, ela ouve bem distante um trovão dando lugar a um dia melhor, agora havia sol, areia fofinha, as ondas do mar… sua mãe e o professor Snape, aquele era um sonho bom 


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Notas finais do capítulo

Está entregue... Honestamente não tem muito mais o que dizer aqui, esse foi difícil, bem difícil... E completamente intragável a parte do Noah, acho que está em momento do Snape fazer uma visitinha para ele não acham?
Por favor me deixem saber o que vocês acharam... Obrigada a quem tem acompanhado!



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