A Outra Face escrita por Taigo Leão


Capítulo 1
Capítulo 1




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Prefácio. 

  

Relatarei aqui tudo que me aconteceu, desejando que talvez alguém venha a acreditar em mim um dia, ou leve isso como uma pobre ficção. Eu gostaria que você lesse isso até o fim, e digo que se você me abandonar antes disso, então você é como todos os outros, aqueles que nos julgam sem saber o que realmente somos. Independente de tudo que fiz durante o tempo que relatarei aqui, quero que saiba que eu só estava atrás de algo que talvez você mesmo esteja agora. Sei que muitos estão atrás disso – em condições menos extremas do que eu -, eu apenas gostaria de saber quem eu sou. 

Eu deveria começar do início dos fatos que irei relatar. Seria mais fácil dessa forma, mas entenda que eu mesmo não sei bem como aconteceu. Contarei sobre o dia em que ocorreu, e como ocorreu, do meu ponto de vista. Se você se sentir confuso, saiba que me senti da mesma forma, e lamento por isso. 

 

 

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Caminho entre um mar de pessoas, sem saber ao certo para onde estão me levando. 

Apenas sigo, na companhia delas, pois não quero em hipótese alguma ficar sozinho. Em qualquer canto da cidade - Não importa onde esteja -, quase sempre somos sufocados pela presença dos outros, que até mesmo ofuscam a nós mesmos e nos forçam, passivamente, a querer ser assim como eles. 

Todos são iguais, caminham com pressa, sem saber para onde estão indo. Essa é a sociedade. Tudo diferente disso é errado, não é? Mas, quem eles são de verdade? O que pensam e não contam para ninguém? O que eles querem do fundo de suas almas? Eu gostaria de saber... 

  

Estava caminhando pelas ruas, como costumava fazer no horário de almoço, pois já trabalho sentado o dia inteiro, então aproveito todo o tempo livre para caminhar. 

Trabalho em uma grande corporação, na área financeira. Sou um agente dessa empresa, um dos mais eficientes, mas isso não significa que dou tudo de mim neste lugar. 

Estava meio cansado e nervoso, pois embora não tenha deixado com que isso me afetasse no almoço, tive uma pequena discussão com meu superior antes de sair. O céu estava claro, e embora eu prefira períodos noturnos, também sei apreciar dias bonitos como esse. 

Tenho o costume de observar as pessoas pelas ruas, e tento adivinhar sobre a vida delas. Esse é o meu passatempo favorito. O rosto de uma pessoa mostra bem como ela tem vivido, agora sei bem como isso é verdade. 

No centro da cidade, a maioria das pessoas usam roupas chiques e elegantes, e caminham com pressa. Todos vivem apressados, como se estivessem a um passo de perder algo. Talvez seja a própria vida. 

O resto do dia passou tranquilamente. Meu superior não me dirigiu a palavra sobre o assunto de antes, o que era uma coisa boa, então trabalhei tranquilamente até a hora de ir embora. 

  

O céu estava bonito de noite, da mesma forma que estava durante o dia, e eu preferia dessa forma. Não estava calor o bastante para me fazer tirar o paletó, mas também não estava frio para que eu o fechasse. Estava um clima agradável, e os bares e restaurantes estavam cheios de pessoas. Era sexta-feira, então esses lugares sempre estão cheios. 

Peguei o trem para casa e, como de costume, ele estava lotado de pessoas. Em momentos assim me sinto nervoso e ansioso, e preciso me concentrar para não ficar tonto, pois posso até mesmo ser levado por esse mar de pessoas sem nem me dar conta de que estou indo para o lugar errado. 

Ao sair da estação e seguir meu caminho, andando, mais um mar de pessoas me esperava. Me pergunto de onde sai tantas pessoas, e como todas são diferentes, mas possuem a mesma pressa. 

Hoje me desviei um pouco do caminho que faço até minha casa, pois havia visto um anúncio no jornal. Alguns pequenos apartamentos próximos de uma estação estavam a locação, então fui até lá para dar uma olhada. Toh Apartamentos, era o nome que estava no anúncio, mas não havia nenhuma placa ou algo do tipo na entrada do lugar em que cheguei. 

Embora Toh Apartamentos ficasse um pouco longe de onde eu morava, era em uma rua próxima de uma estação. Uma rua deserta. Não avistei um único comércio aberto naquele lugar, embora fosse uma sexta-feira à noite. 

Era um único condomínio, que possuía cerca de uns quatro andares. Na entrada do mesmo, estavam duas crianças brincando. Quando me aproximei, tirei meu chapéu para que me vissem bem, mas elas ficaram um pouco assustadas, pois não escutaram os barulhos de meus passos. Perguntei a elas se aquele era o lugar certo, mas antes de ter uma resposta, uma mulher apareceu: 

— Quem é você?  

A mulher usava rolos na cabeça e roupas casuais, que estavam até mesmo um pouco gastas. Ela me olhou de cima a baixo, esperando por uma resposta, mas não deixou de me analisar nem por um minuto: 

— Eu fiz uma pergunta. Quem é você? E por que estava tão próximo das crianças? 

— Não. Eu não estava. Acabei de chegar, na verdade, e perguntei para elas se aqui é o lugar certo, pois não conheço muito bem essa região. 

— Se não sabe onde está, então não devia estar aqui. 

— Vi um anúncio no jornal. Toh Apartamentos? 

— Sim. Sou a dona. Mas é uma pena, o anúncio já expirou. Paguei por duas semanas, mas em poucos dias, consegui dois inquilinos, então não tem lugar para você aqui. 

— Entendo... caminhei até aqui para nada, então. 

— Se ao menos soubesse para onde estava indo, não teria demorado tanto. Venham crianças, entrem. 

A mulher entrou com as crianças sem se despedir, me deixando ali sozinho. Caminhei a toa, mas ao menos essa era uma bela noite. 

Respirei fundo e continuei ali mais um tempo, observando o pequeno apartamento, que parecia ser aconchegante. Devia ser umas 19h da noite, e havia luz em muitos quartos ali, mas não em todos, inclusive um no primeiro andar do apartamento. Após ter a certeza de que a mulher não sairia novamente, subi as escadas, e fui até o apartamento 102, que estava com as luzes apagadas. 

Me coloquei na ponta dos pés e olhei para dentro, forçando a visão um pouco. Como a janela estava aberta, senti um forte cheiro de tinta fresca. Havia alguns móveis, sim, mas o guarda-roupa estava aberto e não havia nada dentro dele. Ninguém estava morando naquele quarto. 

— O que está fazendo? 

Era a síndica do condomínio novamente. 

— Eu subi para tentar ver como são os quartos. Você disse que todos estão alugados, mas futuramente, quem sabe, eu possa alugar algo aqui. Apenas queria saber se o quarto é tudo isso mesmo, ou se seria um erro esperar. 

— Você ter subido aqui já foi um erro. Se eu disse que todos estão ocupados, então estão. Saia daqui agora, ou chamarei a polícia. 

Saí dali rapidamente, com medo de ficar encrencado, mas não conseguia compreender o que fez com que a mulher não quisesse alugar aquele quarto para mim, visto que possuo dinheiro para pagar por ele. 

Coloquei novamente o chapéu e fui para casa, frustrado. 

— Estou em casa. 

Minha irmã, Alice, estava assistindo a um filme na televisão. 

— Por que demorou tanto? 

— Tive um contratempo. Estou cansado. 

Fui para o banheiro tomar banho. No quarto, após me trocar, comecei a me olhar no espelho. Queria que meu cabelo crescesse rápido, e também gostaria que ele não fosse falhado. Cortar tinha sido uma péssima decisão, que Alice tomou por mim. Mesmo com as falhas, gosto do cabelo grande, pois assim disfarço um pouco a cicatriz que tenho no rosto. É uma grande cicatriz, que tenho a um bom tempo, resultado de um pequeno acidente que poderia ter acabado com minha vida. Ela é grossa e vem de minha testa até a lateral do meu rosto, cortando minha sobrancelha e quase passando por cima de meu olho. Minha irmã diz que eu ter sobrevivido é uma grande coisa, até mesmo um presente dos céus, mas eu penso que não. Eu devia ter morrido. 

Gostaria ao menos de me lembrar sobre esse acidente. 

“Será que a cicatriz fez com que a mulher não tenha alugado o apartamento para mim?”, foi o que pensei. 

Gostava de viver com minha irmã, mas gostaria de saber como deve ser viver sozinho. 

Enquanto jantava, minha irmã ainda assistia ao filme. Não entendi muita coisa, pois vi apenas um trecho, mas era sobre guerra. Jantei em silêncio, para não atrapalhar a sessão, e logo fui dormir. 

  

Às vezes, quando durmo, tento sonhar com o acidente, pois li em algum lugar que, embora possamos esquecer certas coisas, nosso subconsciente ainda se lembra, mas guarda isso muito bem e fundo o bastante para nossa consciência conseguir se lembrar. A lembrança está lá, só precisamos encontrar um jeito de alcançá-la. Mas não sei se é verdade. Quando sonho, sonho com muitos acidentes diferentes. Muitas formas de ganhar uma cicatriz como essa, mas não sei se uma delas é a certa. 

No sábado não fiz nada de especial. Ajudei minha irmã, fiz compras e caminhei como costumo fazer, até anoitecer. 

A cicatriz seria um ótimo motivo para não sair de casa - e por um tempo até mesmo foi -, mas usar o chapéu me ajuda a disfarçar um pouco, e voltar a ser eu mesmo. Não que eu não tenha acostumado com ela. Já me conformei, mas gosto de evitar ao máximo ser observado por todos os outros ou até mesmo fazer uma criança chorar. 

A primeira parte importante de meu relato começa exatamente neste sábado à noite. 

Depois de caminhar por algum tempo – eu poderia andar por vários quilômetros -, parei em um bar que costumava frequentar para beber e jogar um pouco, assim como várias outras pessoas. 

Eu poderia dizer que havia bebido muito – muito mesmo -, mas não foi o caso. 

Quando saí do bar já era noite, e algumas ruas eram muito menos movimentadas do que outras. Essas eram as que costumava caminhar, para evitar ser visto. Eu as conhecia bem, mas, pelo visto, outras pessoas também conheciam. 

Enquanto caminhava por uma dessas, um barulho chamou minha atenção. O barulho vinha de uma pequena viela que passei, o que me fez dar passos para trás para ver o que estava acontecendo. 

Não foi um barulho alto o suficiente para que as outras pessoas na rua escutassem, mas foi o bastante para eu ouvir. 

Quando voltei e olhei, vi um homem correndo para o outro lado da viela, e vi outro, caído. 

Eu havia presenciado um assassinato. 

Corri para tentar socorrer a vítima, mas já era tarde demais. O homem havia levado algumas facadas no estômago, e até mesmo saía sangue de sua boca. 

Quando disse que iria ligar para a emergência, ele pegou em minha mão e tentou dizer algo, mas não pude entender. 

Talvez você não acredite em mim, mas quando aquele homem apertou minha mão, vi um grande clarão de luz, que quase me deixou cego. Até mesmo caí para trás, na hora, assustado, mas quando recobrei a consciência, ele já estava morto. 

Ligar para a emergência seria inútil. E temi que até mesmo me culpassem pelo crime, pois agora havia sangue daquele homem em minhas mãos. Eu nem mesmo sabia quem ele era, e não havia mais como ajudá-lo. Ele havia morrido. 

Coloquei as mãos no bolso e saí rapidamente dali, indo direto para casa. Eu estava muito assustado, e até mesmo tremia. Era tarde, não sei por quanto tempo desmaiei, mas não tempo o bastante para que me encontrassem ali, com o morto. 

Quando cheguei em casa, minha irmã já estava dormindo. Corri para limpar aquele sangue de minhas mãos, tomando cuidado para não fazer barulho, mas eu estava desesperado. Por conta de meu estado de bêbado, vi algo de estranho em meus olhos, no reflexo do espelho, mas desconsiderei aquilo na hora, pois me sentia muito desesperado para estar em sã consciência do que fazia ou pensava. Eu só queria me livrar daquilo. 

Quando minhas mãos estavam limpas, me joguei na cama e logo adormeci, pois estava muito tonto. 


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