Jovens Afortunados escrita por Taigo Leão


Capítulo 10
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Notas iniciais do capítulo

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Alego,


Meu amigo. O que quis dizer com o fim de sua última carta? Não me diga que está com algum problema de saúde que coloque em risco a sua vida! E também, amigo, não me diga que pensas em... Oh, não consigo nem ao menos escrever sobre… Não me diga que pensa em dar fim a sua vida, meu amigo. Tempos bons virão, você não acredita nisso?
Me diga, Alego, do que sentes saudades? Me diga o que atormenta a tua alma. Se for um emprego, procure por outro. Tu tens sua vida, seus objetivos. E além disso possui o dinheiro para viver confortavelmente, não é verdade?
Então me diga o motivo de sua solidão e vazio. Esclareça para mim imediatamente, pois não é justo, meu amigo, que me torture desse jeito, fazendo com que eu me preocupe com você o tempo todo sem me revelar a verdade. Sabes que você passa pela minha cabeça eventualmente, mas, desta forma, não acho que seja uma coisa boa!
Se parar a sua vida, então consequentemente pararei a minha. Pois não consigo nem ao menos pincelar, quando me preocupo com você.
Sobre o café, que alegria senti ao ler isso! Finalmente poderei lhe ver sem ser um encontro do qual não estamos preparados, como aquele da praça. Apenas temo que, assim como daquela vez, sucubiremos a timidez e não vamos falar nada, fazendo desta uma experiência ruim. Mas antes que lhe dê esperanças, lamento dizer que, pelo menos agora, você chegou tarde. Na verdade, peço que espere mais um pouco.
Estou com muito trabalho, como bem sabe.
Não ando tendo muita inspiração nos últimos dias, o que está me atrasando, pois o prazo para o término dos quadros não é generoso. E além disso, tenho por estar a ver Clara muitas vezes. Não estou lhe trocando por ela, tão pouco prefiro um de vocês, mas ela vem me visitar constantemente e não consigo pintar quando ela está aqui, então a distraio com outras coisas e acabo me distraindo também. Além disso, me sinto muito mais cansada do que o normal. Mas sei que logo ficarei bem. O que preciso agora é de tempo para entregar os quadros.
Sinto muito, Alego. Sei como deve ser difícil para ti tomar essa coragem de me convidar, mas, por hora, não poderemos nos ver. Então espere mais um pouco, meu amigo, pois assim que houver inspiração, então irei pintar e me livrarei do trabalho. Então, poderemos nos ver sem preocupações. Você terá minha mente toda para ti.


Com amor,
Natasha.


P.S. quero muito saber sobre tuas aptidões, então me escreva logo, meu amigo. Me mostre o que tem escrito.

 

 

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Natasha,


Como lhe odeio! Odeio, odeio tanto! És repugnante! Grosseira! Indiferente a mim!
Sabes que me tens na palma da mão, por isso me trata com demasiada indiferença. Sabes que, para ti, são alguns dias, enquanto para mim é uma eternidade! Sabes como me tortura quando mentes para mim! Sabes como me enganas e pensa que sou um cego, mas no fim, acabo descobrindo as coisas, pois as vejo com meus próprios olhos!
Eu sinto, e sinto muito, mas agora lhe encaminho essa, e lhe desejo, com palavras amarguradas, que morra!
Tu me deixa amargurado, e mesmo assim ousa seguir por este caminho, do qual sinto tanta ênfase em morrer! Sabes que, se pedir, tirarei a minha própria vida! Sabes que morreria por ti, mesmo sabendo que não viveria por mim nem por um minuto sequer. Sabes que minha mente lhe pertence. Sabes que a ti está destinado tudo de bom que há em mim. Sabes bem, por isso me trata desta forma, pois não há uma forma de me perder. Mas eu, tolo, também sei que de nada adianta lhe falar essas coisas, pois minha dor lhe é indiferente.
De ti só recebo indiferença e penso que é minha culpa!
Me martirizo e questiono a mim mesmo sobre minha insegurança, sobre o quanto valho, e chego a decisão de que não sou o suficiente e posso passar minha vida inteira tentando, que ainda assim não serei. E bem sei que, mesmo que fosse o único homem no mundo, ainda lhe seria indiferente! Oh, como és vil e cruel! Como tem a coragem de partir meu coração desse jeito? Ao menos me diga a verdade, e cessarei com as importunações...
Como tens a coragem, meu anjinho, de mentir para mim, quando prometemos nada mais que a sinceridade mútua?
Tu me matas cada dia mais. Assim como quando você foi embora, a cada dia sem uma carta, sinto minha alma se despedaçar, mas também sei que, ao seu lado, nada seria melhor. Se sinto tua frieza a uma carta de distância, a sentiria estando no mesmo ambiente, decerto de uma forma ainda mais vil e cruel, pois olharia no fundo de teus olhos e escutaria as palavras vazias que destinaria a mim. Como tenho me martirizado, e por tua culpa! Por isso lhe odeio! Odeio do fundo do coração! E perdido nesses pensamentos, que me vem nesse momento, desejo do fundo da minha alma nunca ter te conhecido!
Como pode ser tão cruel? O que devo fazer por alguém que não quer o meu coração? O que devo fazer por alguém que desejo que me dê tudo, mas na realidade – uma decepcionante e triste realidade –, não me dirige nada além do mais alto requinte de indiferença e frieza? O que devo fazer por alguém que, mesmo me tratando desta forma e me matando por dentro, ainda é alguém que não consigo deixar de pensar? Eu ainda sou teu escravo, um escravo do teu amor, e me odeio – talvez sempre me odiarei – por isso.
Amaldiçoo o dia em que lhe conheci. E também, acima disso, me amaldiçoo, por toda a influência que tem sobre mim.
Lhe odeio, e odeio com todas as forças. Mas você sabe bem que isso é indiferente, pois, na mesma precisão, também me odeio.


A.

 

 

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Natasha,


Meu anjinho, que tristeza sinto apenas de recordar vagamente a noite de ontem e as palavras vazias que enviei a ti. Mas como lhe prometi em minha primeira carta, minha total sinceridade, então contarei para ti, minha confidente.
Palavras vazias nunca poderão transmitir um sentimento verdadeiro, e não há nada neste mundo que dilua a cor do que sinto quando penso em ti. Fatalmente não há nada que amenize a dor que devo ter lhe causado.
A verdade é que ontem eu caí.
Estava amargurado – na realidade sempre estou! –, e tive um motivo para me afundar. Alguns dias são bem piores do que outros. E ontem, meu anjinho, foi o dia do meu colapso.
Não quero que culpe o homem da praça ou qualquer outra pessoa, como o próprio demônio que me envenenou. Na realidade, culpe a mim mesmo, pois foi com minhas próprias forças que entrei no próprio inferno, onde me deparei com um suicídio amargo e silencioso no fim de cada copo.
Não sei quantos foram, mas sei bem o que me custaram. Foi uma ruína total. Esta foi, sem dúvida, a pior das minhas quedas. O que me conforta, meu anjinho, é saber que não foi a definitiva.
O que me envergonho em dizer é que me senti bem com aquilo. Enquanto engoli aquele veneno, olhava ao redor e via pessoas distintas e, ao mesmo tempo, tão iguais. Eram apenas pessoas. Pessoas vazias. Tão vazias quanto eu.
Neste ponto acredito que exista certa comunhão no álcool. Ali há uma certa ambiguidade, onde todos somos iguais. Pobres de alma.
Como Marlowe disse: "É confortador, na miséria, ter companheiros de dor."
Alguns dizem que ele se referia ao inferno, mas estes são tolos, pois penso que ele se referia aos bares e boates. Estes lugares noturnos possuem tanta história para contar... Esses lugares onde recebemos o castigo, a punição, mas também o martírio de nossas fraquezas, pois muitos preferem se embebedar e esquecer as lamúrias do que encarar a realidade, que tende a ser muito cruel para os que não possuem sorte e muito dura para os que não conseguem lidar.
Muitos precisam desse gáudio no fim do dia; precisam desta maldição, que diminui as dores da vida, mas lentamente ceifa essas mesmas vidas.
Neste inferno também vemos algo que não é de todo ruim, pois ali, um homem de negócios e um comerciante são a mesma coisa. Ambos possuem seus bens e suas tristezas, e também, ambos buscam a mesma solução, no fundo de um copo ou de uma garrafa. No fim, ambos não são nada.
Confesso que me sentia confortável, em meio aos outros condenados. Em meio os outros que me compreendem. Pois ali ninguém é julgado. Ali não há riquezas. Há apenas o desamparo e a solidão, que são rapidamente substituídos por álcool, ópio barato e músicas repetidas, reunidos em uma vertigem transitória de felicidade e comunhão.
Quando minha alma se sentiu saciada por este maldito sentimento ilusório e decidi sair dali, neste momento, senti uma grande cólera.
Quando saí daquele lugar maldito, de onde recebia um veneno amargo que queimava minha garganta e remoía meu âmago, então foi quando os vi.
Vi tu, meu anjinho, com aquele rapaz.
Sei que não estava totalmente pleno em minhas faculdades mentais, mas meu ser entrou em consenso sobre o ódio que senti. Foi um sentimento de ciúmes, uma raiva incessante. Como podes tu, meu anjinho, agir de tal forma comigo? Em tuas cartas sinceras me diz que não pode sair de casa e não tens tempo para mais nada, mas ao cair da noite, quando as ruas estão mais vazias, então tu caminhas com este homem? O que quer que eu diga sobre isso, meu anjinho? Como podes ser tão fria em relação ao que sinto?
Sei que somos amigos, mas gostaria que você pudesse ver. Você é a única garota que eu sempre sonhei. Não digo que precisas aceitar meu coração, apenas seja sincera comigo.

Alego.

 

 

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Natasha,

Meu anjinho. Entendo sua chateação, mas continuarei lhe escrevendo, pois me questiono se está completamente cansada de minha pessoa ou apenas não quer me responder.
Não sei se irá ler o que escrevo, mas quero imaginar que sim.
Acho que arrumei um novo emprego. Na realidade, é baseado em uma aptidão. Escreverei uma crônica para um jornal, e então receberei por isso. Acredite se quiser, recebi essa proposta enquanto estava na praça. Pois, inacreditavelmente, o homem da praça conhece alguém no jornal, e este veio a mim, me questionando sobre meus escritos. O homem viu algo em meu caderno que lhe chamou a atenção, então me trouxe a proposta.
"Tens uma semana para me trazer uma crônica pequena. E então, após avaliar o conteúdo, lhe pagarei por isso."
Oh, meu anjinho, que coisa, não é mesmo? Acho que a vida está sorrindo para mim...
Não sei sobre o que escreverei, mas tenho pouco tempo para isso.
Me perdoe por esta carta, já que está chateada comigo, mas quero compartilhar essa notícia o mais breve possível, e se não for para ti, então não faz sentido.


Com amor,
Alego.

 

 

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Jonathan,


Meu amigo, sou um tolo. Além disso, sou uma vítima.
Uma vítima dos mais tenros e pobres sentimentos que um homem pode sentir. Sou uma vítima do ciúmes amargo, da amargura inquieta e da própria mente humana, em todos os seus males.
Sou uma vítima da insegurança inefável e dos pormenores desta. Uma vítima das letras miúdas, sou uma vítima da escravidão amorosa; de uma sensação inquietante, e de minha própria mente. Eu pertenço a alguém que renuncia meu coração, embora não haja ninguém no mundo que poderia tê-lo.
Sei que sou estranho, e a dois dias devo ter dado um fim a tudo.
Eu estava na praça como costumo fazer. As pessoas dizem coisas ruins, mas ali também há coisas boas. Sempre temos que ver além do concreto cinza e da sujeira, meu amigo, pois pode haver flores até mesmo neste tipo de lugar.
Quando estava saindo daquele lugar, vi a mãe de Natasha e, tomado por coragem e iniciativa, caminhei até ela. Eu a cumprimentei, mas, este simples gesto, meu amigo, foi o meu erro.
"Sei bem da troca de correspondências com minha filha. Espero que não tenha expectativas de levar isso adiante, pois vocês não são mais crianças. Agora ela é uma artista de verdade, enquanto não passas de um homem pobre que nunca poderá fazê-la feliz.", foi o que ela me disse antes de partir, me abandonando ali.
Curta e grossa, esta foi a única frase que me foi dita, lançada para mim junto de um olhar repugnante. Aquela mulher, que me conhece desde novo, me dizendo algo tão asqueroso e vil como isso. Oh, meu amigo, o que eu deveria pensar? O que devia fazer?
Não sei qual a resposta correta para minhas indagações, mas bem sei qual é a errada, pois foi essa que levei em consideração.
Me entreguei ao pior dos males e me senti bem com isso. Me embebedei, meu amigo, e até agora sinto as consequências desta maldição, que percorreu meu corpo, queimando minha garganta, como se vinhesse do inferno.
Entrei em um bar e bebi um pouco de álcool. Digo um pouco, mas foi o bastante para me deixar completamente bêbado. Ali vi pessoas que decerto são julgadas como estranhas, mas não me senti indiferente junto a elas. Até mesmo posso dizer que fui bem recebido.
Cada copo era como um martírio para meus pecados. Era a condenação de minha situação. Era a realidade caindo como o martelo da justiça sobre mim.
Esta foi a verdade caindo sobre mim.
O que me chateou não foi a frase em si, meu amigo, pois não levo em consideração o que aquela mulher diz. O que me atormentou profundamente foi o fato de que aquela frase dita já havia passado pela minha cabeça milhares de vezes, corroendo até mesmo minhas fantasias.
Para completar minha noite, quando saí daquele lugar, refletindo sobre aquela maldita frase, que não deixou de me assombrar nem por um minuto, foi quando os vi.
Vi Natasha, minha amada, com um homem. Oh, meu amigo, que cena horrível!
Estava vermelho de bêbado, mas creio que também fiquei vermelho de raiva e vergonha. Só sei que corri dali, aos prantos, o mais rápido possível. Tropeçando e cambaleando, mas logo cheguei em casa.
Meu amigo, como poderei fazê-la feliz, se ela nem ao menos olha para mim da mesma maneira com que olho para ela? Como posso viver se ela não consegue ser sincera comigo? Em tuas cartas me diz que não possui mais tempo para nada, pois está muito atarefada com sua exposição, mas ao cair da noite, sai com este homem.
Passei os últimos oito anos sonhando com ela. Mas temo dizer que nunca serei correspondido. Minhas juras de amor lhe são indiferentes.
Agora ela nem ao menos me escreve. Me dói pensar que talvez ela me odeie pelo resto de sua vida. Não sei se suportaria isso. Na realidade, preferia mil vezes uma carta dando fim a tudo. Diferente da recusa, no silêncio tudo que reina é a incerteza, e a incerteza sempre está disposta a derrubar uma mente sã ou um coração apertado. Não há homem apaixonado que sobreviva ao inerente silêncio. Não há um amante que não tenha pesadelos com o medo de ser largado neste limbo. Não há homem que não tenha medo de ser esquecido.
Torço para que ela não me esqueça. Espero que ela leia minha última carta, pois lhe informei sobre a crônica que escreverei e fui franco com ela em relação aos acontecimentos que me levaram a escrever uma carta tão vazia e infeliz.
Não vou culpar o álcool, mas quando estou são, posso escrever o que realmente sinto. Acredito que não basta apenas abrir a boca para dizer a verdade, mas sim, abrir nosso peito. Agora já consigo fazer isso, mas temo que seja tarde. Talvez ela nunca mais me escreva.


Preocupado,
Alego.


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