House of The Rising Sun escrita por Alexis Rodrigues


Capítulo 3
Ilusão




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O som da respiração dele fez com que despertasse.

Ela se assustou ao perceber que Arthur estava deitado ao seu lado, o braço sobre sua barriga e o rosto em seus cabelos, e depois, ao se dar conta de que a noite passada não havia sido um sonho, havia a alegria de saber que ele realmente estava ali e que não havia desaparecido durante a noite. O calor em seu peito era bom, reconfortante. Fazia muito tempo que não o sentia.

Arthur moveu-se ao seu lado e sua barba roçou sobre o rosto dela, provocando-lhe cócegas. Olivia virou-se, observando seu rosto sereno enquanto ele dormia, e logo seus dedos se entrelaçaram aos seus cabelos. Ele despertara algum tempo depois, sorrindo, abraçando-a mais um pouco. A claridade além das cortinas azuis denunciavam que o sol já havia nascido e ela ficou agradecida pela quinta-feira ser seu dia de folga no emprego da tarde. Teria o dia todo para passar com ele, ou assim esperava.

Olivia se levantou para se espreguiçar um pouco, olhando ao redor para localizar seu celular. Pegou-o de dentro de sua jaqueta preta sobre escrivaninha e percebeu uma quantidade absurda de mensagens em seu celular. Arqueou as sobrancelhas, encarando as dezenas de mensagens, tanto de Joe, tanto de Aimee, que havia batido um recorde de 30 mensagens enviadas em uma única noite acerca de um único tópico: Arthur.

— O que houve? – ele perguntou, virando-se para ela.

— Joe perguntou por você. Disse que seu pai está te procurando.

— Que horas são? – ele se sentou sobre a cama.

— Cinco e doze. O que eu respondo? – mordeu o lábio inferior.

— Diga a eles que estou com você – ele sorriu. – Que meu pai não precisa se preocupar, pois não vou a lugar algum.

Olivia mordeu ainda mais o lábio, sorrindo e se entusiasmando com a declaração. Rapidamente informou a Joe sobre o paradeiro de Arthur e respondeu a Aimee que os dois haviam se encontrado. Pai e filha responderam juntos, para a surpresa de Olivia, em uma ligação.

— Pode tirar o dia todo pra você, minha querida! – disse Joe. – Não se preocupe com nada! Eu passo mais tarde para jantarmos juntos! – disse Aimee.

Arthur ergueu os olhos assustados para ela, e não demorou muito para que começasse a rir quando ela encerrou a ligação.

— Dois fofoqueiros – ela o acompanhou na risada.

Como forma de provocação, Olivia começou a se despir para o banho ali mesmo, no quarto, na frente dele, que observou tudo com o sorriso maroto de quem estava pensando em todas as possibilidades que eles teriam para se divertir mais tarde. No fim, os dois se vestiram e desceram para a cozinha aos risinhos, dando de cara com o pai de Olivia, que os observou com o rosto mais pálido possível.

Ela se enrolara explicando o motivo de Arthur estar ali, com ela, depois de anos sumido, e o próprio Arthur chegou a quase gaguejar, sentindo o olhar desconfiado de Mike Teller sobre ele.

— Coisa feia ter ido embora e ter deixado a minha Olivia triste daquele jeito, viu? – o velho Mike empurrou sua cadeira de rodas na direção da sala de estar. – Você merecia um belo de um soco, Curry, mas não o darei em consideração ao seu pai, e porque está de volta. Faça um favor a todos nós e não suma do nada.

Arthur não sumira do nada daquela vez, é claro. Já que haviam se resolvido, e que ela havia deixado claro que ele precisava de ajuda profissional para que se aceitasse e se compreendesse melhor, era como se estivessem no colegial novamente, correndo de um lado para o outro aos risos, de mãos dadas, escapando vez ou outra durante a noite para nadar e ver as estrelas.

E durante cinco meses, tudo parecia andar às mil maravilhas.

Olivia enviava currículos para diferentes empresas fora do estado do Maine, na esperança de conseguir um emprego que pagasse mais, para que pudesse dar uma vida melhor ao pai e, quem sabe, investir em uma vida para si e Arthur.

Ela estava guardando algum dinheiro, cogitando cursar uma faculdade comunitária e instigando Arthur a fazer a mesma coisa. Ele, inclusive, começara a trabalhar no bar de Joe, o Galeão Afundado, e ambos voltavam para casa juntos no fim do dia, ora dormindo na casa de Thomas, ora dormindo na casa de Mike.

Mike, para o alívio de Olivia, estava interagindo muito mais entre família e amigos, e já não se isolava completamente como costumava fazer desde pequeno. Passou a visitar os amigos com mais frequência, e por vezes os Teller e os Curry se reuniam com Joe, June e Aimee para almoços em família ou jantares.

A vida parecia melhor e mais feliz.

Para todos, exceto Arthur.

Olivia, quando se dera conta da tristeza que ele começava a sufocar com sorrisos e gargalhadas, percebeu o que estava acontecendo com ele.

Desde que retornara a Amnesty Bay, ele nunca mais havia viajado mar adentro. Não tinha mais suas aventuras, não salvava marinheiros em apuros ou animais presos em redes na mesma frequência de antes, e toda vez que se deparava com notícias envolvendo o mar, suas feições mudavam drasticamente. Estava adoecendo lentamente, como um animal selvagem preso como doméstico.

Sem contar das vezes em que ele se metia em brigas no bar com outros homens pelos motivos mais fúteis possíveis e ela tinha que apartar as brigas junto de Aimee e Joe. Houve uma briga particularmente violenta entre Arthur e um bêbado que havia apalpado o traseiro de Olivia. Ela estava, infelizmente, acostumada à aquele tipo de imbecilidade, e geralmente resolvia o problema expulsando o idiota do bar, mas Arthur simplesmente não pôde deixar passar e avançou contra o desconhecido com toda a raiva que tinha guardado.

Aos gritos ela teve de implorar a ele que parasse antes que acabasse ferindo o bêbado seriamente, mas de nada adiantou.

No fim, vários homens foram necessários para parar Arthur, e a polícia foi chamada. O bêbado não quis prestar queixa, com medo de represálias de Curry, mas o delegado ainda assim manteve Arthur preso por um mês, só por garantia.

Olivia teve certeza, na noite em que a polícia o levou preso, de que aquilo não estava certo. Doía nela saber que ele, no fundo, jamais poderia permanecer ali com ela, mas era muito mais doloroso vê-lo definhar de saudades do mar em nome de permanecer em terra com ela, e mais ainda vê-lo descontar suas frustrações no rosto de outra pessoa. A fome dele de viver era maior e mais intensa que a dela, e uma vida pacata em casa, casado e com filhos, não parecia ser do tipo que lhe traria felicidade.

Ao menos não com ela. Para o bem dela, também.

Em uma difícil decisão, chamou-o para conversar quando ele foi solto, sentando-se na beira do caís guardado por Thomas.

Arthur não era bobo. Sabia que algo estava acontecendo quando ela o chamara daquela forma e a vozinha em sua consciência o alertava sobre o que poderia ser, o avisando de que, independente do que fosse, era culpa dele.

— O que houve? – ele perguntou baixinho, se sentando ao lado dela e temendo a resposta que ela daria.

— Nós precisamos terminar.

O queixo dele caiu de imediato.

— Se foi por causa da agressão...

— Não – o surpreendeu. – Aquilo foi só... A última gota d’água. Eu apenas percebi… Que não podemos ficar juntos.

— Do que tá falando? – franziu o cenho.

— Sabe do que tô falando – ela suspirou. – A gente cresceu juntos, Arthur, mas você parece surpreso com o fato de eu te conhecer bem e saber exatamente quando tem algo errado.

— Não tem nada errado, Olivia, tá tudo bem comigo.

— Eu tenho olhos, Arthur – ela tomou as mãos dele entre as suas. – Todo esse ódio que tem por si mesmo, toda essa raiva acumulada e frustração... Sem contar que eu vejo seu coração suspirar toda vez que olha pro mar. A saudade que sente é quase palpável e me dói pensar que tá se mantendo aqui por minha causa.

— Eu não estou me forçando a ficar aqui. Tô feliz aqui com você.

— Mas não tá tão feliz quanto estaria se estivesse nadando em outras águas. Você é um homem do mar e eu sou uma mulher da terra. Eu tenho a necessidade constante de sentir meus pés no chão, de contar com a certeza, da previsibilidade das coisas. Algumas vezes preciso me adaptar – deu de ombros. – Um punhado de terra pode se transformar em alicerce de uma casa. E a água? – o encarou. – Pode matar sua sede ou te matar afogado. Não se pode segurar a água por tanto tempo. Você é água, Arthur. Alguma hora precisará escapar dessa represa. Eu não quero me machucar e não quero que você se machuque, entende? – fitou-o.

Arthur fechou os olhos por um momento, absorvendo o peso de suas palavras enquanto lutava contra as próprias emoções. Olivia sabia que ele não queria admitir sua razão naquele ponto. Ele sentia, sim, falta do mar, sentia falta de se aventurar entre tubarões e baleias, de nadar em mares quentes, de sentir o sol em seu rosto quando emergia em um paraíso desconhecido.

Era quem ele era e ele não poderia negar isso.

Olivia e Arthur caminharam um tempo pela praia, até o cair da noite. Em uma área mais deserta se sentaram na areia, observando as ondas se quebrando na areia. Ela conseguia sentir a agonia dele, podia ver em seus olhos o desejo de tentar remediar a situação, mas também sabia que ele não tentaria nada de fato.

Fizeram amor uma última vez, de forma intensa e apaixonada. Cada beijo parecia o último, e o ápice foi postergado ao máximo, nenhum deles se importando se seriam ou não pegos no flagra por alguém. Um fim tão súbito não seria fácil de aceitar, mas ele compreendera o que ela dissera, ou ao menos foi o que pareceu.

O sol estava prestes a se pôr no horizonte.

Então, depois de beijar-lhe a fronte, ele partira, acompanhando o sol no horizonte. A ela não restara nada além da inevitável saudade que já sentia, uma jaqueta que ele havia lhe deixado, e um álbum cheio de fotos de dias memoráveis em casa. Dizia a si mesma que aquilo em seu peito não era um vazio.

Pensou em todas as vezes que dançaram juntos a luz da lua, os dias em que acordaram ao lado um do outro, e as vezes em que ela cantou enquanto ele tocava sua guitarra, ambos desafinados pela falta de prática.

Pensou em todos os abraços, todos os beijos e olhares trocados, todos os sussurros de juras de amor, todas as vezes em que suas mãos se entrelaçaram depois de uma noite quente. Pensou em todos os momentos felizes que partilharam e os sentiu por completo enquanto o via desaparecer.

 

There is a house in Amnesty Bay

They call the Rising Sun

And it’s been the ruin of many a poor girl

And me, oh God, I’m one

 

If I had listened to my mama

Where would I be today?

I know I was young and foolish

Handsome wanderer led me astray

 

Oh, mother, tell your children

Not to do what I’ve done

To shun of the house in Amnesty Bay

They call the Rising Sun

 

My father, he’s a wailer

He sold my new blue jeans

My sweetheart, he’s a wanderer

He sails the old seas

 

Now the only thing this wanderer needs

It’s his trident and the sun

The only time he’s satisfied

Is when he’s on the run

 

He fills his throat up with beer

And takes his pain to town

Only pleasure he gets out of life

Is bringing another man down

 

And me, I wait in Amnesty Bay

The game my love has won

I’m staying here to end my life

Down in the Rising Sun

 

Seis meses haviam se passado desde que Arthur fora embora.

Mike Teller passava mais tempo com seus amigos, em especial com Thomas, jogando cartas no farol. Olivia havia se desiludido novamente, depois de tanto tempo enviando currículos para diversas empresas dentro e fora do Maine sem receber nenhuma proposta de emprego novo.

Aproveitara a folga do trabalho no fast food naquele dia para comprar alguns mimos. Estava virando a esquina da rua de sua casa quando um estranho parado em frente ao que ela deduzia ser seu próprio carro sinalizou para que ela parasse.

— Com licença, moça – ele se aproximou da janela da picape, sorrindo sem graça. – Desculpe incomodar, mas você saberia me informar como faço para chegar nessa rua? – apontou para um endereço mostrado em um pedaço de papel.

— Você já está nessa rua, senhor – ela respondeu, e logo franziu o cenho ao ler o endereço com atenção. – O lugar que você está procurando é a minha casa – semicerrou o olhar. – Do que se trata?

— Você é Olivia Dolores Teller?

— Sim, eu sou – franziu os lábios, irritando-se ao ouvir seu nome do meio, do qual não era grande fã. – Do que se trata? – insistiu.

— Sou o Bruce, estou aqui em nome das Empresas Wayne. Você nos enviou um currículo para a vaga de atendente de um de nossos restaurantes e estou aqui para conduzir uma entrevista.

Olivia recostou-se no banco do motorista e analisou o estranho de cima a baixo. Em torno de trinta e poucos anos, cabelos cujo corte era possivelmente curto, mas que requeria um novo aparo, barba por fazer. Um rosto que parecia a ela quadrado e de feições severas, apesar de ele sorrir para ela. Óculos que tornavam os olhos azuis mais discretos. Roupas simples, assim como o carro.

Ela estava crente de que havia coisas naquela situação que simplesmente não faziam sentido algum, mas estava curiosa demais para simplesmente ignorar aquele estranho que se apresentara com uma conversa tão estranha quanto.

— Eu não sabia que as Empresas Wayne enviavam gente dos Recursos Humanos para fazer entrevistas pessoalmente, especialmente em outros estados.

— Não é uma prática comum, mas acontece, conforme a vontade do chefe.

— Sei…

— Falo sério, estou com seu currículo – apontou para uma pasta sobre o banco do carona dentro do próprio carro. – Há a possibilidade de a entrevista ocorrer agora ou devemos marcar para outra data?

— Bem, hoje é meu dia de folga de um dos meus empregos, então eu posso fazer a entrevista agora. Me siga, por favor.

— Certo – ele sorriu e voltou para seu carro.

— Qual é o seu nome mesmo, hein?

— Bruce Wayne.

Olivia soltou uma sonora gargalhada.

— Não, cara, falo sério, qual é o seu nome?

— Também estou falando sério. Meu nome é Bruce Wayne.

— Não gosto de brincadeiras, cara. Seu nome de verdade, agora.

— Bruce Wayne – pôs a mão na jaqueta marrom que vestia, abrindo a carteira e de lá tirando a identidade, mostrando a mesma a Olivia.

Olivia respirou fundo e o encarou por um longo tempo, não se dando por convencida. Disse a ele que a seguisse até sua casa, tateando o celular no bolso e digitando rapidamente o número do pai, continuando o trajeto até sua residência.

— Um tal de Bruce Wayne veio atrás de mim pra uma entrevista de emprego.

Que?! Bruce Wayne?! O Bruce Wayne?!

— Não creio que seja o caso. Esse é o nome que está na identidade dele, disse que está aqui para me entrevistar pessoalmente para um emprego.

É? Você enviou seu currículo pras Empresas Wayne?

— Há uns meses, sim. O que eu faço? Deixo ele entrar na nossa casa ou levo ele pra outro lugar? Se for mesmo o tal engomadinho, um lugar público seria um desastre, mas pai, ele não parece nada com o Wayne que aparece na TV.

E você ainda pensa duas vezes? Leve ele pra casa, Liv, eu estou a caminho, não se preocupe! Se algo der errado e ele tentar alguma gracinha, a pistola está dentro da caixa de cereal no armário da cozinha. Estou indo!

— Tá bem – ela suspirou e desligou.

‘‘Quais são as chances de uma porra dessas acontecer?’’, indagou conforme estacionava a picape e descia com as compras em mãos. ‘‘Bruce Wayne vir pessoalmente me entrevistar para uma vaga em um fast food não faz sentido’’.

O carro era alugado, de certeza. O verdadeiro Bruce Wayne iria à padaria em um Porsche ou uma Ferrari, provavelmente, e também não usava óculos. Ao menos não que ela soubesse. As roupas simplistas também parecia estranho.

Estava disfarçado? Tudo isso para uma entrevista? Por que ele se daria ao trabalho se viajar até um fim de mundo como Amnesty Bay para entrevistar uma garçonete ou balconista em potencial? Só poderia ser um golpe.

Ela o conduziu até a entrada da casa, destrancando a porta e gesticulando para que ele entrasse, ao que ele agradeceu e pediu permissão para ficar no sofá.

— Posso te oferecer um café? – ela perguntou da cozinha, abrindo um dos armários para apanhar a caixa de cereal e deixá-la ao seu alcance. – Café irlandês, com creme batido e uísque. Aceita?

— Um pouco cedo para álcool, não acha?

— Nunca é cedo demais para uma boa bebida – ela voltou-se para encará-lo, sentado de forma comportada, com um sorriso aparentemente inocente. – Então?

— Acho que um pouco de uísque não fará mal – ele sorriu. – Aceito sim, obrigado. Enquanto prepara o café, se importa se eu começar com algumas perguntas?

— Manda ver – virou-se para o balcão da cozinha, alinhando os itens necessários para o café e colocando uma chaleira no fogo.

— Há quanto tempo trabalha no ramo alimentício?

— Desde os dezesseis anos, então… Uns cinco anos – virou-se para encará-lo.

— Onde trabalha atualmente?

— Em um fast food no centro da cidade, no turno da tarde, e em restaurante e bar, perto das docas, no turno da noite.

— Por que trabalha em dois empregos distintos em vez de trabalhar em apenas um em dois turnos?

Olivia quis socá-lo pela pergunta cretina, mas não seria justo, visto que ele não entenderia o motivo de ser uma pergunta cretina. Suspirou, recostando-se ao balcão e cruzando os braços.

— Meu primeiro emprego foi nesse bar. Os donos já são idosos e sempre foram muito gentis comigo, eu aprendi muito com eles. Além de mim, a única outra pessoa que trabalha com eles e os ajuda é a filha mais nova deles. Eu consegui o segundo emprego há pouco tempo. Não tem benefícios significativos, mas paga um pouco melhor, o que é essencial pra mim nesta casa. Eu prefiro trabalhar em dois lugares diferentes que largar meus melhores chefes. O bar tende a ficar cheio no fim de semana, e muitas pessoas de passagem pela cidade geralmente comem lá, interessados na comida local, então… – deu de ombros. – Toda a ajuda que eles precisarem eu darei.

— Me parece justo – ele fez um biquinho enquanto anotava alguma coisa em uma das folhas em seu colo. – Disse que um bom pagamento é essencial. Quantas pessoas moram com você?

— Só meu pai – deu de ombros novamente. – Mas… Ele tem a saúde delicada, e não está trabalhando atualmente, então… Gastos – pigarreou desconfortável.

— Certo – continuou rabiscando no papel. – Trabalha como atendente e garçonete nos dois empregos ou possui funções distintas neles?

— Faço de tudo um pouco no trabalho da noite. No trabalho da manhã eu trabalho como atendente, mas tendo a passar muito tempo no estoque.

— Por quê?

— Porque aparentemente eu sou a única funcionária que mantém o estoque de comida devidamente organizado – rolou os olhos, lembrando-se dos colegas mais novos. – Nada me deixa mais nervosa que coisas fora do lugar.

— Entendo… – rabiscou mais um pouco e então retirou os óculos. – Agora me fale de você. Vimos que tem excelentes notas, digna de boas universidades. O que aconteceu para que você não cursasse uma faculdade?

— Coisas aconteceram no meio do caminho – fez uma careta. – Então basicamente ou eu deixava o Maine ou eu fazia o que tinha de ser feito.

— Ainda tem interesse em cursar faculdade?

— Eu tinha – respondeu melancólica, voltando-se para o balcão, organizando o filtro de café em um bule e o preenchendo com algumas colheradas do pó. – Psicologia ou medicina, para me especializar em patologia forense ou criminologia.

— Uau! – arqueou as sobrancelhas. – Eu não conseguiria imaginar isso. Por que patologia forense?

— Meu pai era policial, então eu sempre fui muito curiosa em relação a todo e qualquer caso criminal que ele mencionasse. Assistia a documentários sobre crimes, estudava um pouco de psicologia, apanhava alguns livros de medicina na biblioteca pública na esperança de entender como os crimes aconteciam e como funcionava a cabeça de um criminoso. Bem, tudo se resume a curiosidade, acho. Não passa de um sonho distante agora – ela riu, sem graça, dando-lhe as costas para desligar o fogão e apanhar a chaleira com água fervente, derramando-a sobre o pó de café em movimentos circulares. – Não tenho tempo e nem dinheiro para uma faculdade de medicina agora. Duvido que me aceitariam, de qualquer forma.

— Ainda cursaria medicina, se possível?

— Não. Acho que já não teria tanta paciência para a coisa. Psicologia também não. Gastronomia me parece bem mais interessante agora – riu. – Cozinhar me parece bem menos estressante que lidar diretamente com pessoas.

— Mas lida com pessoas diariamente – franziu o cenho, sorrindo em confusão.

— Olha… – ela suspirou, voltando-se para ele. – Seres humanos são complicados. Alguns clientes tendem a ser Lúcifer na Terra. Algumas vezes nós só queremos sentar e chorar. O mundo está cada vez mais louco. Não é um lugar muito bom para pessoas sensíveis.

— Certo – ele rabiscou mais um pouco no papel. – E você, se considera uma pessoa sensível?

— Todos nós somos sensíveis em algum nível – abriu a geladeira para apanhar o creme batido. Pegou dois grandes canecos do armário e os pôs no balcão.

Ela cuidadosamente misturou os ingredientes do café irlandês e então as levou para a sala de estar, deixando-as sobre a mesa de centro.

— Cuidado, o café estava borbulhando – disse-lhe. – Mais alguma pergunta?

— Por que deveríamos contratá-la? – cruzou uma perna sobre a outra, as mãos sobre o papel em seu colo e um sorriso discreto.

— Não deveriam – ela cruzou os braços, recostando-se ao sofá, e Bruce franziu o cenho, confuso. – Não posso deixar meu pai sozinho, nem meus outros patrões. Não posso sair do Maine. Eu sou muito tolerante, mas tenho limites. Não hesitaria em dar um belo soco em algum atrevido que fizesse alguma gracinha comigo, então eu não tenho o temperamento certo para trabalhar em uma grande empresa. Aí está. Satisfeito?

— Muito – ele abriu um largo sorriso. – Isso é tudo o que eu precisava saber. Está contratada, senhorita Teller.


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