Após o confronto contra a mutante Testament, na casa noturna Mascarade, a caminhada de Nevoeiro parecia estar rodeada de perigos. Sentia-se solitário, sem perspectivas de mudanças e com dificuldades de se enturmar. Não conseguia se encaixar em lugar algum. A bem da verdade, sentia falta das amizades que fez, enquanto integrante dos Novos Mutantes. Até mesmo do Limbo, Basco vez por outra, era saudosista, porém, não tinha mais acesso àquela dimensão. Testament, Jihad e Brahma foram os primeiros mutantes, de fato, que cruzaram o seu caminho no Brasil. Apesar dos anos 1990 estarem mais abertos aos mutantes brasileiros, eram raros os que falavam publicamente sobre sua mutação. Isso se devia ao fato de que ainda havia muita perseguição, ódio e preconceito contra a comunidade mutante brasileira, como em outras partes do mundo, e aqueles que ousavam assumir sua mutandade publicamente eram logo excluídos ou difamados socialmente. O atentado provocado por um mutante ao então Presidente da República - acusado de corrupções, fraudes e confiscos financeiros, não ajudou em nada a situação já tão delicada. Após o confisco do dinheiro da população, cerca de 80% dos valores investidos em poupanças e contas correntes, bem como em investimentos financeiros, o país afundou em um verdadeiro caos econômico que afetou todos os segmentos da sociedade. Sem a circulação de grande parte do dinheiro, houve um desemprego em massa. Milhares de empresas fecharam as portas, houve casos de suicídios e mortes precoces. Grupos de mutantes que se sentiram prejudicados começaram a se organizar em movimentos sociais e protestarem junto a grupos humanos, porém, um terrorista mutante tentou assassinar o presidente que estava sendo acusado de ser o causador do caos financeiro. Após a tentativa de assassinato, o cerco contra os mutantes no país se tornou insustentável. As ordens do Governo Federal eram claras: prender todo e qualquer indivíduo mutante que, publicamente, manifestasse os seus poderes. Apoiadores do presidente também se tornaram “vigilantes patriotas comunitários”. Não pensavam duas vezes ao denunciarem vizinhos, amigos ou familiares. Claro que alguns mutantes juntamente com apoiadores humanos deram início a diversos movimentos pelo país denunciando os abusos sofridos e reivindicando direitos sociais, mas a luta estava longe de acabar. Infelizmente grupos como a Gangue Fantasma de Testament não ajuda em nada a causa da mutandade.

 Tudo o que Basco fazia era treinar constantemente dia após dia, noite após noite, fosse no Parque do Ibirapuera ou em uma academia perto de sua casa. Era a sua maneira de manter mente e corpo em alerta. No parque, costumava treinar o uso de seus poderes e suas variantes climáticas durante a madrugada para não chamar a atenção. As vezes ia para longe, no interior ou mata fechada e longe dos olhares curiosos. Tentava manter uma rotina que contribuísse para um melhor condicionamento físico e mental. Basco sabia, porém, que o corpo precisava de reforços em conhecimento. Às vezes também ia até a biblioteca do Mosteiro de São Bento para estudar sobre a História de São Paulo nos pergaminhos e tomos antigos! Mas a pergunta que vinha à sua mente era sempre a mesma: - por quanto tempo àquela situação de busca existencial iria perdurar? Viver sem um propósito, sem uma perspectiva, parecia, em sua visão, uma existência sem sentido. Nada que o levasse a um caminho extremo, mas há algum tempo a palavra felicidade não fazia parte do seu viver.

Na biblioteca do mosteiro acabou fazendo amizade com um dos futuros monges beneditinos. Um jovem noviço de nome Lucius. Com apenas 18 anos, o aspirante a clérigo nascido na capital paulista, sempre estava disposto a fornecer ao novo amigo, diversos livros históricos e poéticos que Basco adorava ler. Mesmo tão jovem, era um dos responsáveis pela vasta biblioteca eclesiástica e conhecia à risca vários títulos e autores. Lucius tinha estatura mediana para a sua idade. Magro, de pele clara e cabelos curtos e lisos. Seus olhos castanhos pareciam esconder grandes segredos, há anos enclausurados em sua alma.

Inverno de 1997.

Khassan visitava o mosteiro pelo menos três vezes por semana. Mesmo o frio congelante que houve naquele inverno em São Paulo, não o afugentou das visitas ao clero. Era o seu refúgio frente a tudo o que vivia diariamente e sua amizade com Lucius, suas conversas e laços amistosos cresciam a medida em que via no jovem alguém em quem podia confiar! Por diversas vezes caminhavam pelos jardins do interior do pátio do São Bento conversando sobre os mais diversos assuntos, porém, Basco mantinha seus dons e suas experiências mutantes em segredo. Não queria envolver o novo amigo em seus lamentos ou ainda correr o risco de que Lucius se afastasse por saber que ele era um mutante. Khassan queria apenas passar a ideia de ser um “humano normal”.

Basco havia perdido completamente o contato com todos nos Estados Unidos e as coisas em São Paulo não iam muito bem. Sozinho e sem muitos amigos, isolado em um mundo que temia tudo o que era diferente. Em contrapartida a população mutante do planeta já não se escondia mais como antigamente enquanto o preconceito e a hostilidade apenas aumentavam. Basco temia pelo pior! Ele conseguiu alugar uma quitinete em Osasco e estudava em uma escola pública comum tentando manter em segredo de todos quem ele era de verdade enquanto terminava o último ano do Ensino Médio. Apesar de sua rebeldia em excesso, o jovem tinha consciência que a leitura e os estudos lhe trariam algum benefício no futuro, mas vivia um mundo de fachada esperando encontrar a morte em cada esquina. Foi neste período que a moeda virou um pouco a seu favor!

Aquela era uma tarde quente e ensolarada, de um belo feriado, mas nem todos os paulistas usufruíam um dia de descanso. Basco deliciava-se com um milk-shake, sentado em um pequeno banco no estoque de uma loja do Shopping Osasco Plaza. Ele conseguiu preencher uma vaga como vendedor em uma loja de roupas no shopping há poucas semanas, porém, como não dava tempo de ir para casa e almoçar, vivia beliscando aqui e ali durante todo o dia. Subitamente uma explosão em um dos restaurantes levou o pânico e medo aos visitantes fazendo grande parte do prédio tremer! A parte lateral do Shopping onde ficava uma churrascaria veio abaixo. Muita fumaça, gritos e correria tomaram conta do local. Apesar de a loja onde Basco trabalhava ficar em um local afastado da explosão, o jovem também sentiu o impacto dos tremores como todos os demais visitantes do shopping. O rapaz correu para fora da loja. Haviam dezenas de feridos pelos corredores, pessoas já sem vida e uma densa névoa de poeira e entulhos, mas ninguém poderia imaginar o que causou aquela destruição. Em meio à confusão uma forte gargalhada ecoava pelos corredores. Basco reconheceu a responsável assim que seus olhos cruzaram os escombros e a poeira. Era ninguém menos que Testament!

A bruxa mutante retornou e queria vingança pela morte de Brahma e Jihad. Testament, usa seu poder e sugestiona dois vigilantes a sacarem suas armas contra Basco! Um deles, saca de uma pistola e dispara várias vezes contra Basco! Dois tiros acertam o rapaz que é pego de surpresa e é lançado violentamente contra um dos pilares de mármore branco, tingindo-o com seu sangue! É quando um disparo de um raio vermelho-rubro, vindo do meio da fumaça quase acerta Testament mortalmente. Quando a vilã se preparava para um segundo ataque, uma corrente flamejante corta o ar em sua direção acorrentando seu pulso direito e fazendo-a soltar a arma que tinha em mão.  Testament esbraveja um grito agudo de dor como uma acuada ave de rapina. Rapidamente a bruxa consegue se desvencilhar das correntes e abandona seu objetivo principal, escapando por uma das saídas de emergência e se misturando à multidão enquanto os vigilantes que estavam sob seu controle recobram a consciência! O responsável pelo disparo do raio apoia Basco em seu ombro e o retira dali por uma entrada de serviço que os levam até o estacionamento lateral do shopping onde um Vectra preto quatro portas os aguardava.

Basco perdera muito sangue e precisava de uma transfusão imediata. O rapaz acabou desmaiando com os dois tiros que levou a queima roupa de Testament. Quando recobrou os sentidos se viu em um pequeno quarto sem janelas. Estava recebendo uma transfusão de sangue e cercado por aparelhos médicos. Aparentemente estava em um quarto de hospital, mas notou que aquilo parecia mais um bunker subterrâneo do que uma ala hospitalar além de não ser o único no recinto. Um dos seus salvadores se encontrava sentado em uma cadeira recostada à parede. Seu nome era Ivan, mas pediu a Khassan que o chamasse apenas de Tornado! O rapaz ruivo, de 19 anos, vindo da cidade de Anápolis, interior de Goiás, foi o responsável pelas correntes com chamas psiônicas (chamas criadas psiquicamente, canalizadas pelas correntes e capazes de induzir as pessoas a dores intensas), que atacaram Testament e defenderam Basco, como o mesmo saberia mais tarde! Ivan chama dois companheiros por um comunicador avisando que o visitante havia despertado!

Outro jovem logo adentra o quarto. Basco tem uma surpresa ao ver seu rosto. Fora ele quem disparara aquele raio vermelho que saia de seu olho direito contra Testament. Ivan o chamava de Inquisidor, porém, Basco o conhecia como Lucius, seu amigo e aspirante a monge do Mosteiro de São Bento! O raio produzido pelo poder mutante de Lucius podia atravessar até mesmo o metal mais resistente. Para o jovem clérigo também fora uma surpresa ao saber que a vítima de Testament era seu amigo de leituras! Basco perguntou sobre o tumulto e as testemunhas que presenciaram o ataque no shopping. Tornado tranquiliza o rapaz dizendo que ninguém se lembraria de nada. Para todos os efeitos aquilo tratou-se de um incidente com um vazamento nas tubulações de gás, graças aos poderes telepáticos da bela jovem de longas madeixas loiras. A catarinense entra no quarto em seguida. Seu nome era Isabelle, ou, como era mais conhecida, Rosa Vermelha que, a propósito, estava completando os seus 20 anos naquele dia!

Rosa Vermelha explica que induziu as pessoas presentes na explosão a acreditarem que aquilo foi um terrível acidente e isto foi o relato apresentado tanto pelas autoridades quanto, posteriormente, pelas testemunhas aos canais de televisão, rádio e jornal. O trio constata que Basco já se encontrava em melhores condições de saúde, pois seu metabolismo acelerava o processo de cicatrização. Khassan descobre que ficou desacordado por dois dias. Ele é levado para conhecer o líder daquele grupo de mutantes. Basco mal sentia dor, mas lembrava-se de ter recebido dois disparos à queima roupa. Rosa Vermelha diz que naquele lugar Basco estaria a salvo, graças à ajuda daquele a quem ele seria apresentado em instantes e que ajudou a remover os projéteis! Como Nevoeiro constatou o local onde estava não era um hospital. Os corredores eram estreitos e mais lembravam os túneis do metrô de São Paulo.

De fato, Ivan explica a Basco que eles estavam a mais de 700 metros no subsolo onde pouquíssimas pessoas tinham acesso, abaixo das linhas do metrô! Desde que retornara ao Brasil, Basco não havia encontrado muitos mutantes, com exceção dos Guerreiros Fantasmas de Testament e alguns poucos na boate Mascarade. Chegou a pensar que os mutantes não existiam mais em terras brasileiras. Apenas vampiros! Isso mudou quando conheceu seus novos colegas. Tornado relata que aquele era um lugar diferente. O próprio Professor Xavier, líder dos X-MEN, nos EUA, havia visitado o Brasil há cerca de 15 anos e secretamente ajudado na construção daquela fortaleza subterrânea em São Paulo, como Ivan tinha, orgulho de falar. O lugar chamava-se Escola Brasil X, ou simplesmente EBX. Era a primeira do gênero no país e possuía características parecidas com a Escola Xavier na América do Norte em que Basco esteve por um tempo.

A principal função da EBX, segundo Isabelle, era encontrar, proteger, ensinar e treinar novos mutantes brasileiros no controle de seus poderes, mas ao contrário da Escola do Professor Xavier, a EBX vivia na clandestinidade! Lucius diz que agora eram apenas cinco alunos, mas torciam por Basco ficar e fazer parte da equipe! Nevoeiro não ficou surpreso quando disseram isso. Deduziu que eles já o haviam monitorado antes ou que Isabelle invadira sua mente e descobrira que ele era um mutante, porém, a jovem não fez tal coisa. Respeitava a individualidade e a privacidade de cada um na equipe. Basco se sentia cada vez mais familiarizado com aquele lugar. Eles possuíam até mesmo uma ala que batizaram de “Caverna do Perigo” onde aconteciam os treinamentos! Quem sabe esse grupo de mutantes não poderia ajudá-lo a encontrar um novo rumo em sua vida, pensou o rapaz enquanto percorria os corredores estreitos da EBX.

Contudo, o fato de Lucius ter escondido quem era e o porque de agir assim, aborrecia e incomodava Basco. Poderia mesmo confiar nessas pessoas? E quem era o líder desse grupo de mutantes? Porque ninguém no Instituto Xavier jamais havia mencionada essa tal EBX? E qual seria o real interesse deles?