— Eu disse que não podia se mexer. 

Ouviu a voz antes de sequer abrir os olhos. O veneno já não causava a sensação permanente de queimação, mas a dor da facada ainda se encontrava muito presente, levando uma careta ao seu rosto, tanto quanto o tom de reprimenda de Wanda. Deitado de bruços, não conseguia vê-la realmente, mas podia sentir sua irritação enquanto trocava o curativo do ferimento. 

— Me desculpe. 

Murmurou com o rosto afundado no travesseiro. Ela não respondeu imediatamente, embora pudesse praticamente sentir a desaprovação às suas costas e apenas continuou a fazer o que fazia. 

Nesse ponto, já não se importava muito com os cuidados dela, mesmo que tivessem origem na magia. Pelo que o contara, estivera desacordado por dias, tempo suficiente para que corresse risco o bastante ali, mas nada acontecera.

— Está com fome? 

Nenhuma das sensações que emergia de seu corpo se parecia com fome, considerou após negar. Estava simplesmente derrotado e se sentia sufocado em seu próprio cansaço físico, o que não era comum após uma simples facada. O veneno que havia nela não poderia ser normal, agora sua mente realizava com mais clareza, parecia deixá-lo enjoado e sob algum tipo de torpor - algo que não sentia há tanto tempo que era desconcertante. 

Após alguns momentos, Wanda se afastou e Bucky abriu os olhos, para encarar diretamente a mesa de cabeceira da ruiva. Ainda era estranho que o tivesse colocado no quarto dela e tanta pessoalidade o incomodava, como os diversos anéis que costumava usar, ao mesmo tempo, nos dedos; dois ou três cremes, um livro bastante comum e uma blusa de frio pendurada sobre a cabeceira da cama. A tornava mais palpável, notou, mais humana e menos feiticeira e isso era… Diferente, um tanto aterrorizante, se fosse extremamente sincero consigo mesmo. Suspirou, voltando a fechar os olhos.

— Para onde ela foi? - Wanda apenas suspirou por um momento, após ter parecido terminar o que quer estivesse fazendo e se aproximar da mesinha de cabeceira, ao lado dele. Ouviu o ruído baixo e próximo da ruiva mexendo em alguns dos objetivos, provavelmente organizando tudo o que acabara de usar. - Agatha. 

— Sei a quem se refere. - O tom dela foi cortante. - Eu a levei de volta para o lugar onde pertence. E a aprisionei lá, novamente.  

Bucky abriu os olhos, repentinamente, absorvendo a informação dada de forma despreocupada. Realmente não duvidava da literalidade daquelas palavras, mas não entendia porquê Agatha estava ali se Wanda realmente não a queria em sua vida. Cada vez mais, tinha a impressão de que não conhecia mesmo a mulher, que vivia sob o mesmo teto que ele nos últimos dias, a extensão de seu potencial ou mesmo seus feitos. 

— Er… Eu quero saber detalhes sobre isso? 

Wanda rodeou os pés da cama e se aproximou pelo outro lado, por onde podia vê-la, analisando detidamente suas feições, como se estivesse decidindo se o soldado estava bem o suficiente para receber detalhes. Até que, por fim, ela se sentou no colchão e apoiou a cabeça contra a cabeceira, mantendo os olhos perdidos na parede à frente.

— Agatha tentou roubar a magia que habita em mim enquanto estive em Westview. A magia da Feiticeira Escarlate… Que eu não sabia que carregava até aquele momento - Ela declarou em tom baixo. - Ela é uma verdadeira bruxa, que cresceu sob os ensinamentos da magia, há séculos, e conhece… Bem, tudo o que há de místico em nosso mundo. 

— Mas você a derrotou. - Chegou à conclusão sem precisar de muito esforço, o que a chamou atenção, fazendo com que o encarasse de cima. 

— No processo, tomei o Darkhold, o Livro dos Condenados, e… A transformei, realmente, em uma vizinha perfeita, elitista e irritante… O disfarce que ela tomou para se infiltrar na realidade que criei em Westview. - Era como se nem o visse por um momento, até que piscou e estreitou os olhos para Bucky. - Mas… Na noite da tempestade, quando o trouxe para dentro, eu não consegui te ajudar. Não consegui estancar o efeito do veneno com o qual a adaga estava impregnada porque… Era um nível de feitiçaria avançado demais e… Não havia tempo para aprender com o Livro. Então, eu fui buscá-la. 

Bucky tentou processar tudo em sua mente, realmente se sentindo incapaz de se mover ou se defender, se esse fosse o caso. Deveria ser uma substância, ou uma mistura delas em combinação à magia, muito perigosa. 

— Obrigado… Pela exceção, eu acho. - Ela não se impressionou muito com seu tom mais leve, pois estava cansado de se manter vigilante e se encontrava, literalmente, preso a uma cama, incapaz de obrigar seu corpo a colaborar para se recuperar mais rápido. De alguma forma, a ruiva ainda parecia distraída em suas conjecturas pessoais e memórias, por isso, se esforçou para alcançar novamente o joelho próximo, apertando entre os dedos para chamar a atenção dela. - Wanda…

—  Eu senti a vida se esvaindo de você. - A voz dela não foi mais do que um murmúrio e o brilho sério que enxergou nos olhos esverdeados foi o suficiente para fazê-lo estacar. - Por um momento, depois que consegui te trazer para cá, seu interior estava… Completamente frio, em silêncio… Como que vazio. 

A realidade daquilo o deixou em choque. Foram várias as vezes em que sua vida esteve comprometida a ponto de se manter por um fio, inclusive quando caiu, incrédulo, naquele desfiladeiro. Não havia nada que sugerisse sobrevivência e, ainda assim, lá estava ele. Imaginou o que ela diria se pudesse senti-lo dessa forma naquela época. 

Talvez, fosse óbvio que não iria morrer, talvez sua vida também estivesse se esvaindo até que tivesse sido encontrado pelos agentes da H.Y.D.R.A, jamais saberia dizer. Ainda assim, nunca esteve tão consciente ou teve tanto medo da morte do que naquele momento, enquanto absorvia o tom tacitamente aterrorizado dela ou encarava as feições preocupadas que se desenhavam no rosto dela. 

— Wanda, não…

— Você estava morrendo. - Ela se colocou de pé em um salto, se dirigindo à porta do quarto enquanto a voz alta preenchia a cabana como em nenhum outro momento. - E eu estou cansada de perder todos com quem me importo. 

A porta se fechou num estrondoso e Bucky quis, imediatamente, poder se levantar, mas, além de não conseguir, teve a impressão de que ela saiu justamente porque sabia de sua incapacidade momentânea. Talvez, também, porque não suportava a realidade das próprias palavras. Não sabia se eram tão inesperadas para ela quanto eram para ele, mas agora pairavam entre eles de uma forma pesada, como uma nuvem acinzentada pronta para desabar. 

Sentia todo o corpo tenso, dos músculos das costas, onde havia sido ferido, até as pontas dos dedos dos pés, mas não havia nada como a pressão que rodeava sua mente. Há muito, sabia que se importava com ela de uma forma pouco ortodoxa. Não era como se estivesse apaixonado por Wanda, claro que não, mas sua figura nunca deixava de ser… Fascinante em todas as suas nuances corretas. Ela o intrigava de maneira ímpar e fazia décadas que não tinha contato com alguém que o deixasse tão… Curioso. 

Era como se estivesse sempre a um passo de saber mais, descobrir algo novo e instigante que, cada vez mais, parecia incapaz de deixar de lado em nome do racional. Pois, logicamente falando, ficar ali, na cabana, por mais tempo, era um convite ao próximo passo, a cair de cabeça naquele precipício que a tinha no centro. 

Engoliu em seco e tentou forçar o próprio corpo a relaxar. Ela voltaria, em algum momento, e por hora não havia o que realmente pudesse fazer a não ser conjecturar sobre para onde iria ao deixar o quarto em revolta. Bem, talvez, agora estivessem quites, no mesmo nível em relação ao outro, ainda ponderou antes de se deixar dormir novamente sob o efeito do curandeirismo místico de Wanda Maximoff e Agatha Harkness.