Late for Life escrita por Mr Mandias


Capítulo 2
Capítulo 2 - O Espírito e a Espada




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“Pelos meus cálculos você será um Hollow em pleno direito em menos de setenta e duas horas se não agir logo... Eu sugiro que se apresse...”

Em meio ao seu pavor, Ichigo conseguiu perceber que o homem tinha razão.

A ponta da corrente parecia devorar a si mesmo furiosamente.

“Se torne um Shinigami, Kurosaki Ichigo.” Falou sombriamente o homem no topo do poço. “Ou se torne um Hollow e seja destruído por mim.”

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Ele perdeu a noção das horas muito rápido.

Em algum lugar de sua mente estava registrado o fato de que doía.

Era uma dor surda e quase paralisante que irradiava de seu peito para todo o resto do corpo.

A dor que surgia da corrente que, há pouco tempo, prendia seu espírito ao mundo dos vivos, mas, agora, o condenava a desgraça.

Lembrava de ter sido alertado sobre a fome e que, assim que começasse a sentir aquele sintoma em particular, deveria se apressar.

Encarou furiosamente a tigela de frutas que havia sido trazida pela criança de mais cedo, o mesmo pirralho irritante que havia o alertado sobre a fome, Ichigo achava que devia ser filho do lojista, ou uma aberração qualquer.

Ele também havia o alertado sobre uma outra coisa.

Ichigo gritou de dor jogado ao chão.

Quanto mais próximo ele ficava de se tornar um hollow, mais dor sentia e mais rápida a corrente em seu peito sumia.

A primeira coisa que o fez perceber que havia algo errado não foi a dor.

Ele já havia se acostumado com ela.

Não, o que o apavorou foi a risada estridente no fundo de sua mente, que apenas ele podia ouvir.

Ichigo voltou a se contorcer ao sentir o último elo da corrente começar a corroer seu peito, a risada em sua mente ficou mais alta e sua visão turvou enquanto de dentro de sua boca, nariz e ouvidos escorria uma substância branca e corrosiva que, pouco a pouco, se solidificava em seu rosto.

“Isso é incomum.”

Ichigo conseguiu escutar, mesmo em meio a agonia.

“Você é realmente extraordinário, Kurosaki.” Era a voz do lojista. “A essa altura, já havia perdido as esperanças... Mas uma máscara de hollow em uma espirito intacto?” O homem riu surpreso. “Isso é você resistindo.”

Ichigo rosnou em desafio, ainda preso pelos grilhões demoníacos.

Ele perdeu a consciência ou, pelo menos, pensou ter perdido.

Não estava mais no fundo do poço, preso por grilhões, mas no alto de um prédio, deitado encarando o céu chuvoso.

As gotas de chuva eram dolorosas contra a pele irritada do seu rosto.

Uma risada estridente o tirou de seus pensamentos confusos.

“Você finalmente está ouvindo, rei.”

Ichigo encarou o outro habitante daquele mundo estranho com desconfiança.

Estava em pé no alto de um prédio vizinho, o encarando com um sorriso de escárnio.

Mas isso não era o mais inquietante.

Ichigo franziu a testa.

“Por que você se parece comigo?”

O sorriso no rosto do ser estranho se alargou.

A semelhança era inegável, exceto pela palidez e pela cor dos cabelos, eles eram virtualmente idênticos.

“Porque eu sou você, rei.”

De repente, uma outra voz, desta vez em ao seu lado, se fez conhecida.

“Não o escute, Ichigo.” Alertou o recém chegado. “Ele fará qualquer coisa para enganá-lo.”

O outro era um homem mais velho de longos cabelos negros e barba rala, vestia uma espécie de sobretudo esfarrapado e óculos.

O pálido rosnou, saltando e esmagando a cabeça do recém chegado no chão de concreto.

“Engana-lo?” Gritou a contraparte branca. “Você deveria ter vergonha, aberração.” Zombou furiosamente. “Eu sou ele, o único que poderia querer engana-lo, aqui, é você!”

Ichigo finalmente levantou-se, encarando confuso a cena que se desenrolava em sua frente.

“Quem são vocês?”

Ambas as aparições desviaram o olhar para Ichigo. O pálido o encarava com desprezo, enquanto o outro parecia desapontado.

“Você ainda não sabe?” Questionou o branco irritado. “Você não escuta nada, não é mesmo, rei?”

O branco abandonou o mais velho de sobretudo, andando até Ichigo e segurando seu pescoço em um aperto de morte.

“Você, mais do que ninguém, deveria saber.” Gritou o pálido no rosto do ruivo. “Você deveria me conhecer.”

Assim que a última frase saiu da boca do ser esquisito, Ichigo foi lançado pelos ares, caindo do prédio em direção ao chão, que parecia não chegar nunca.

Ao seu lado, com feição preocupada estava o outro, o mais velho.

“Você não vai cair, Ichigo.” Alertou o homem. “Os shinigamis podem parar no ar, você já fez isso antes, lembre-se.”

“Eu não sou mais um shinigami.”

Protestou o jovem ruivo em meio a queda.

“Faça o que eu digo, Ichigo.” Repreendeu o homem. “Livre-se das muletas, use o seu próprio poder, você só precisa encontrar!”

O homem, para surpresa de Ichigo que continuou caindo, ficou em pé no ar, encarando-o de cima.

“Pare de encontrar desculpas.” Repreendeu, uma última vez, o homem. “Se não alcançar o seu poder antes de chegar ao chão, você se tornará um hollow para sempre.”

Ichigo confiou.

Seus olhos cerraram em determinação e ele se lembrou da razão para estar fazendo aquilo.

Rukia precisava dele.

A pequena shinigami que havia salvado a vida dele.

A pequena shinigami que havia salvado a família dele.

A pequena shinigami que, agora, estava em apuros por causa dele.

Honestamente, Ichigo não estava agindo como ele mesmo desde que morreu, a perda total dos seus poderes estava afetando-o mais do que ele havia previsto inicialmente.

Não havia mais tempo para lamentar.

Seu punho, já tão acostumado a fechar em torno de uma lâmina emprestada, fechou em torno de outra coisa.

Semelhante, mas fundamentalmente diferente.

Ele não abriu os olhos.

Mas tampouco caiu até o chão.

Em torno dele o mundo se desfez.

Ele ouviu os risos histéricos do branco e sentiu o apoio silencioso do outro, o mais velho, o chão era novamente firme em baixo de seus pés, ele não estava mais em uma selva de aranha céus.

Tampouco estaria no fundo do poço por mais tempo, assim que a luz cessou, com um único salto, o Kurosaki se libertou de suas amaras e de sua prisão subterrânea.

A poeira em sua volta demorou alguns segundos para dissipar.

Em sua frente, o encarando com surpresa e interesse, estavam o lojista, o seu assistente e as duas crianças.

“Uniforme de shinigami.” Falou com calma o homem de tamancos. “Mas...”

Apenas naquele momento o menino percebeu a massa estranha em sua face, enquanto passava os dedos pelo que parecia osso reforçado. Era estranho, mas familiar.

“É um hollow ou um shinigami?”

Uma das crianças perguntou.

Era o suficiente para Ichigo.

Ele arrancou a própria máscara com um único puxão.

Surpreendentemente, a superfície calcificada não resistiu e rachou com facilidade em seus punhos.

Finalmente, o rapaz encarou, em suas mãos, a caricatura branca que, lentamente, se desfazia em pó.

“Ora, ora...” Falou Urahara finalmente, aliviando a tensão entre seus pares. “Parece que conseguiu, meus parabéns!”

“Eu vou matar você.” Resmungou frustrado o garoto de cabelos cor de laranja. “Que ideia foi essa?”

O homem apenas riu.

“Deu certo, não deu?”

O garoto assentiu, mesmo incomodado.

“Agora...” Voltou a falar o lojista. “Para a última etapa do seu treinamento intensivo.”

Ichigo voltou a prestar atenção.

“Jinta.” Chamou atenção o lojista. “Você encontrou o que eu pedi?”

O garotinho irritante assentiu.

“Sim, chefe.” Sorriu o menino. “Eu quase não encontrei, estava toda empoeirada em um dos armazéns antigos, não achei que havia uma dessas por aqui.”

O menino sacou um objeto envolto em um tecido branco e o entregou para o lojista.

“Eu guardei isso por anos, achei que poderia ser útil.” Sorriu o homem desenrolando a coisa. “Aqui, Kurosaki, você vai precisar disto.”

Era uma Katana de aparência relativamente comum.

Ichigo a segurou em suas mãos e franziu a testa.

“É muito diferente da que eu usava antes.”

Comentou o garoto lembrando da enorme espada que costumava usar para fazer o trabalho de shinigami substituto.

Urahara sorriu.

“Aquela coisa que você usava antes era uma versão muito mais rudimentar, um reflexo do seu poder espiritual quando substituto de shinigami.” Explicou o homem. “O que você segura em suas mãos agora é uma legítima asauchi, forjada na Soul Society e pronta para ser moldada em uma verdadeira e poderosa zanpakutou.”

O mais jovem voltou a encarar confuso.

“E como eu faço isso?” Questionou ele com a sobrancelha levantada. “Não sou um ferreiro.”

“E nem deveria ser, uma asauchi é especial porque se adapta ao espírito do seu portador, ela vai assumir a forma da sua zanpakutou quando você estiver em sintonia com seu eu interior, com sua força espiritual.”

“Eu repito.” Voltou a falar o garoto aborrecido. “Como eu faço isso?”

Urahara se limitou a rir.

“Impaciente.” Alfinetou ele. “Você faz isso com anos e mais anos de experiência, treinamento e dedicação.”

Ichigo rangeu os dentes.

“Eu não tenho anos...” Apontou ele frustrado. “Não tenho, nem mesmo, dias...”

“Isso é óbvio.” Concordou o lojista. “Agora, o que estamos fazendo não é uma ciência exata, mas imagino que tenha ouvido uma voz na sua cabeça lá em baixo, no poço?”

O garoto concordou, ainda não sabendo como as coisas se relacionavam.

“Essa voz pertence ao espirito da sua zanpakutou.” Esclareceu o homem. “O que fez, até agora, foi impressionante, mas é a partir deste ponto que definiremos seu verdadeiro potencial, Kurosaki, você precisa descobrir o nome da sua espada e chamar por ela.”

O rosto do mais jovem se iluminou brevemente e, de repente, a conversa que teve com os dois estranhos no topo de um aranha céu fez algum sentido.

“Agora que você já tem uma asauchi e está pronto para ouvir o espírito de sua zanpakutou.” Recomeçou o homem de chapéu verde. “Que tal tentar descobrir o nome dela enquanto eu tento matá-lo?”

“O que?”

Perguntou o garoto surpreso enquanto o homem sacava sua espada.

“Desperte, Benihime!”

Ichigo mal foi capaz de esquivar.

O homem partiu para cima dele com um sorriso sádico e velocidade alarmante.

“Ora, Kurosaki!” Zombou o lojista bem humorado. “Não vai chegar a lugar nenhum se ficar correndo por aí.”

“Você quase me matou, seu psicopata maldito!”

Gritou o garoto indignado.

Urahara continuou sorrindo.

“Já se esqueceu?” Questionou o homem voltando a aparecer a centímetros do mais jovem. “Você já está morto!”

O garoto conseguiu sacar a katana e usá-la para defender o golpe, mas por pouco.

A espada, leve como era, parecia estrangeira em sua mão.

“Você é certamente ousado.”

Sorriu o lojista.

“Mas lembre-se...” Voltou a falar o homem colocando mais força contra as espadas em choque. “Essa é a única asauchi que eu tenho disponível, sugiro que se apresse para descobrir o nome de sua espada, se permitir que eu a quebre agora você vai ficar em apuros.”

Entendendo o perigo, e sentindo a katana desconhecida ranger, em suas mãos o mais jovem recuou.

Não foi muito longe, entretanto.

Logo o homem já estava o assediando com golpes preguiçosos, embora mortais.

“No momento, você é só um pouco mais forte do que um espírito qualquer.” Revelou o homem em meio a chuva de estocadas. “Precisa se libertar dessas amarras, precisa chamar pelo nome dela.”

“Mas eu não sei!”

Rosnou o garoto recebendo um único corte na bochecha direita.

“Então se apresse em descobrir.” Sorriu o lojista mostrando uma única gota de sangue na lâmina de sua espada. “Ou então isso tudo não vai servir de nada.”

“Não zombe de mim.” Teimou Ichigo limpando o sangue que escorria de seu rosto. “Eu ainda tenho essa espada!”

Urahara zombou audivelmente.

“Se continuar com essa teimosia, serei obrigado a acabar com isso.” O homem avançou novamente. “Benihime logo se ofenderá se continuar se chocando contra uma lâmina sem nome e, se isso ocorrer, eu terei que acabar com sua existência para pacifica-la.”

Olhando nos olhos do homem que estava o treinando, Ichigo sentiu medo.

A ameaça era séria.

O garoto recuou, correndo e desviando das tentativas de assassinato que pareciam cada vez mais próximas de tirar sangue.

Ele era muito fraco.

Muito inexperiente.

Estava muito fora da sua profundidade.

Se ele não poderia nem mesmo lidar com um lojista qualquer, o que poderia fazer contra os homens que levaram Rukia? Um capitão e um tenente.

“Pare de correr, seu maldito covarde!”

Ichigo foi pego de surpresa pelo grito furioso que só ele podia escutar.

Novamente, aquela voz.

Em sua frente, com os braços abertos, estava a aparição familiar, o branco, com feição furiosa e desafiadora.

Ichigo hesitou, apenas para notar, ao seu lado, o outro.

“Você não disse o nome, Ichigo.”

Falou o de sobretudo preto, flutuando ao lado direito de Ichigo, com feição decepcionada.

“Covarde!” Gritou o branco no seu lado esquerdo. “Não posso acreditar que estou preso a uma criatura tão patética e medrosa.”

“Ele tem razão, Ichigo.” Voltou a falar o mais velho. “Apenas o medo desprezível está impedindo-o de ouvir.”

“O que eu faço?” Questionou o jovem desesperado, diminuindo o passo da sua fuga. “Me digam! O que eu tenho que fazer?”

“Covarde!” Repetiu o branco. “Você está apavorado diante de um único inimigo, rei? Vire-se e lute!”

“Abandone esse medo cegante, Ichigo.” Começou o mais velho. “Caminhe em frente com firmeza, não desvie o olhar, não pare nunca, mesmo que isso o destrua.”

Diante da força das palavras, o garoto parou de correr, virando para encarar seu perseguidor enquanto as duas aparições seguiam ao seu lado.

“Olhar para trás e contemplar seus arrependimentos o deixará velho e amargo.”

Completou o de sobretudo negro antes que o branco oferecesse a sua própria contribuição.

“A covardia vai destruí-lo, rei.” Gritou o pálido com um sorriso enlouquecido. “Diga o meu nome e destrua tudo e todos.”

Mesmo Urahara parou ao sentir o olhar do garoto em sua frente mudar.

Os olhos baixos fitaram os seus e neles não havia mais medo ou hesitação.

“Zangetsu!”

A pressão espiritual rachou o solo sob os pés de Ichigo e qualquer um estúpido o suficiente para encarar sentiu-se compelido a desviar os olhos.

Em seu corpo corria o mais puro poder.

Ichigo nunca sentiu-se daquele jeito, os poderes emprestados por Rukia, confortáveis e quentes como eram, nem se comparavam com aquilo.

Em suas mãos um cutelo enorme, quase do tamanho dele próprio, sem guarda ou adornos, negro como a noite. A única característica que o distinguia de um pedaço de aço cru era a faixa enrolada em seu cabo que caia por todo seu cumprimento como uma espécie de marca peculiar.

Familiar em suas mãos de uma forma que a lâmina antiga nunca foi.

“Terminamos por agora.”

Comentou Urahara satisfeito, deixando sua zanpakutou voltar para a forma original.

“Ótimo.”

Comentou Ichigo por entre os dentes, antes de cair para frente desacordado e exausto.

Ao seu lado, Zangetsu recuou lentamente para sua forma selada, uma katana superdimensionada e com o cabo negro, muito parecida com a que o garoto costumava usar quando era um shinigami substituto.


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Notas finais do capítulo

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