Reflect escrita por Kurai


Capítulo 4
Emersão


Notas iniciais do capítulo

Gura emergiu numa praia do Japão.
Só falta o epílogo agora!



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Gawr nadou.

Não sabia quanto tempo tinha passado desacordada. Não sabia também por quanto tempo estava nadando, agora, trazendo a bolha com a criatura adormecida consigo. Foi para o sul por dias, talvez semanas, e quando ficou frio demais, foi para o oeste e começou a subir, de volta para o calor.

Não tinha casa. Não tinha família. Não tinha nada além de... Bloop, era o que seu tubarão feroz tinha se tornado, e sede de sangue. E mesmo essa... A cada dia se esvaía. A cada mudança de corrente, se tornava mais fraca.

Enquanto descansava numa formação de rochas, notou em seu reflexo que seu cabelo começava a ficar azul. Horrorizada, aproximou o rosto, e lá estava: seus olhos também mudavam de cor.

Não...

Sussurrou para si mesma, em negação. Não era tão fraca assim. Já tinha sido aprisionada uma vez. Não seria aprisionada de novo. Não iria desaparecer.

Sem sede de sangue, sem ninguém para lutar, sem reino para proteger, a princesa sanguinária perdera suas razões para existir. Mas alguém ainda tinha uma razão de viver. Alguém tinha se lembrado do amor de sua vida. E queria encontra-la.

E agora, alguém vira uma brecha para retomar o controle do corpo. E não a perderia de forma alguma.

Da próxima vez que Gawr foi dormir, foi Gura quem acordou. E Gura precisava encontrar seu raio de sol.

— Oh. Olá, amiguinho. – foi a primeira coisa que Gura disse ao acordar, quando notou Bloop na bolha ao seu lado. A criaturinha bocejou e abriu os olhos, os piscando na direção dela. Ele nadou dentro da bolha e virou de cabeça para baixo, a encarando. — Acho que não é uma boa ideia te soltar dessa bolha, desculpe. – ela completou. Se lembrava o suficiente do que Gawr fizera para saber que a coisa que Bloop era fora da bolha não era nem um pouco amigável.

Sentiu sua barriga roncar. Há quanto tempo não comia? Talvez comer fosse trivial demais para a princesa de gelo, mas Gura sentia fome. Subitamente, Bloop pareceu saboroso. Ela lambeu as presas ao olhá-lo.

— Se eu não encontrar nada pra comer, talvez você dê uma refeição decente. Vou te trazer como comida de emergência. – decidiu, olhando ao redor. Conseguia distinguir uma costa ao longe. Não sabia exatamente de onde. Definitivamente não era da Grécia. Podia achar o que comer ali. — Bloop, fica aqui. Se furarem sua bolha vamos ter problemas. Eu volto pra te buscar. – avisou, colocando a bolha numa concavidade entre três rochas. O tubarãozinho bocejou longamente e imediatamente voltou a dormir. Assim que garantiu que estava seguro, Gura saltou na água e nadou até a costa.

Ela se ergueu das ondas na orla, saindo da água para ver onde tinha ido parar. Deu de cara com...

Humanos. Muitos. Aos montes. Por toda a orla.

Seus olhos e cabelo imediatamente tornaram-se vermelhos outra vez, o tridente se materializando do ar em sua mão. Iam ataca-la. Iam atirar nela. Iam...

Ela ergueu a mão espalmada sobre a testa para enxergar melhor contra o brilho do sol. Os humanos ali não pareciam agressivos. Não eram soldados. Estavam usando roupas minúsculas e deitados em panos sobre a areia ou debaixo de panos em um palito que criavam sombra. Haviam crianças brincando, jovens jogando bola, casais passeando.

Seus tons voltaram pro azul.

Quase como se a incentivando a prosseguir, uma onda a pegou por trás e a atirou contra a orla.

Gura estava oficialmente em terra firme pela primeira vez.

Com uma empolgação que transbordava, animada e curiosa, ela correu de um lado para o outro, assistindo os humanos em suas atividades, tomando sol, brincando com a areia. Um animal peludo e pequeno tentou pegar sua cauda. Ela se abaixou e lhe deu carinho. Era fofo.

Estava agachada acariciando o animal (ouviu uma das crianças chama-lo de ‘gato’) quando uma humana de óculos escuros, roupa de uniforme e chapéu se aproximou, com um apito. A humana lhe colocou um par de coisas de metal nas mãos.

...Aparentemente, era contra as leis humanas andar pela praia sem roupas. Gura lembrou-se vagamente de como Amelia evitava olhar para ela, e cobria o corpo de panos.

A humana se virou e mandou que Gura a seguisse. As coisas de metal escorregaram e caíram de suas mãos pequenas demais.

Não queria ser presa em sua primeira hora no mundo humano. Gura fugiu correndo, a oficial a perseguindo com o apito soprando assim que notou o que acontecera.

A garota não era nem de longe tão rápida com as pernas quanto era com a cauda, mas ainda assim, conseguiu de algum jeito despistar a oficial. Exausta, parou de correr próxima a algumas lojas para respirar.

Notou que estava sendo observada por um monte de humanos altos. Rosnando, ela apontou o tridente a eles, mas eles não se mexeram. Não tinham rosto. E parando para observar direito, nem sequer estavam vivos. A loja parecia vender roupas, e os humanos sem rosto estavam as exibindo para os possíveis clientes.

Perfeito. Precisava de roupas. Não queria ser presa.

Gura entrou na loja e começou a experimentar. As únicas roupas que lhe serviam estavam na sessão infantil. Provou roupa atrás de roupa, mas nada parecia lhe agradar. Brilhantes demais, curtas demais, compridas demais, estranhas demais.

Foi quando finalmente notou, no canto escuro e esquecido da sessão infantil, uma caixa rotulada de ‘fantasias infantis, liquidação, 50% de desconto’. Entre samurais, dinossauros e piratas, lá estava...

Era perfeito. Tinha seu tamanho, e demonstrava sua magnificência. O moletom enorme que lhe poupava o uso de calças (nenhuma lhe agradava com a cauda no caminho), o capuz de tubarão, os tênis confortáveis. Tudo em azul. Quando os vestiu, sentiu-se poderosa e confiante. Era aquela.

Confiante, colocou um bocado de areia no balcão do vendedor e saiu antes que ele pudesse protestar. Certamente aquela quantidade era o suficiente pelas roupas. E agora podia andar pela praia sem ser presa pela humana com o apito.

Interrompeu seus pensamentos no meio do caminho ao sentir um cheiro maravilhoso vindo de sua esquerda.

É verdade. Tinha se esquecido de que toda a razão para ter vindo para a costa era porque estava com fome. Correu até a barraca que vendia o que parecia ser um espetinho de camarões, depositou um bocado de areia sobre o balcão e esperou, contente, pela comida.

A criatura que trabalhava na barraca lhe acertou antes que sequer pudesse enxerga-la. Ainda bem que ela tinha usado um leque de papel, ou teria sofrido uma concussão. Nunca tinha visto um ser humano tão veloz e ameaçador... Ser humano..?

Ela não tinha certeza sequer de que era um ser humano. Não tinha certeza de porquê a criatura não queria lhe dar comida, mas decidiu que talvez tivesse sido melhor assim. Saiu correndo. A fome teria de esperar.

Exausta, Gura se largou deitada em um banco. Tinha quase sido presa, atacada por uma criatura, e não conseguira comida. Talvez fosse a hora de ir buscar Bloop e voltar para o oceano. Talvez nunca devesse ter vindo para a costa.

O sol se pondo bateu em alguma coisa no chão que refletiu um brilho direto em seus olhos. Ela ergueu o corpo para ver, ainda desanimada.

Era um par de elásticos de cabelo. Tinham um formato e uma pintura singulares. Combinavam com sua nova roupa. Se abaixou para pegá-los nas mãos, curiosa. Como tinham ido parar ali..?

O mundo ficou branco quando os ergueu do chão. Por um segundo, tudo parou no tempo. Uma voz, melodiosa e doce, sussurrou em seu ouvido.

‘Não desista. Tenha esperança.’

Gura arregalou os olhos e virou o rosto na direção da voz, mas não havia ninguém lá.

Ao invés disso, deu de cara com um quadro de avisos. O pôster do centro lhe chamou atenção, especialmente porque, de alguma forma, era capaz de ler o que ele dizia. Nele, havia um monte de garotas bonitas fazendo pose, e uma chamada para audições... Para uma empresa chamada Hololive.

“Em nove mil anos, seremos idols. Você cantará pra três milhões de pessoas.”

Idols...

Ela releu o pôster. Audição para idols. Que falavam inglês.

Inglês era a língua de Amelia.

Encontrara. Ali estava. Aquele era o caminho para seu raio de sol.


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Notas finais do capítulo

A policial é Oozora Subaru, da 2ª geração.
A pessoa sussurrante é IRyS, a própria encarnação da esperança. IRyS deu a ela o dom de ler e falar a língua humana mais comum, o inglês, através da presilha. Nesse ponto da história, ela ainda está aprisionada, mas ela descende mais ou menos um ano depois disso.
A maior parte das cenas descritas aqui são mostradas em forma de animação no canal oficial da Gura! https://www.youtube.com/watch?v=kJGsWORSg-4



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