A fada que o escreva escrita por Creeper


Capítulo 12
Um trabalho bem recompensado


Notas iniciais do capítulo

Olá! Espero que estejam gostando da história e tenham uma ótima leitura ♥



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Surpreendentemente, Lissa estava mesmo bem, repetindo as palavras da parteira e do médico: “ela é uma mulher forte”. Sendo assim, nosso quarteto separou-se: Dante e Aurora foram resolver a questão das seis cidades circuladas no mapa e eu e Lissa nos enfiamos em um bar.

Não que fôssemos beber, estávamos ali para estudar os panfletos pregados em um velho mural de madeira, cujo cada um deles descrevia um curto trabalho que nos renderia algumas moedas.

— Tem certeza de que pode trabalhar? – perguntei receoso.

— Basta não me esforçar muito. – ela segurou seu queixo de maneira pensativa e inclinou-se para ler o mural. – Aqui, acho que vou pegar esse de “Procura-se modelo para desenho”. Assim fico parada como o médico recomendou. – piscou um olho.

— Lissa! – a repreendi.

Ela soltou uma risada travessa, deu de ombros e voltou a analisar os panfletos, agora em busca de um trabalho para mim. Passei os olhos por toda a extensão marrom do mural, reparando que havia trabalhos que variavam entre ajudar em construções, cuidar de crianças e ser garçom.

Resolvi pegar esse último, já que o local de trabalho seria naquele mesmo bar. Lissa despediu-se de mim e foi até a praça onde seria modelo com o combinado de que nos encontraríamos no final da tarde.

Depois de acertar tudo com o gerente (que preferia que uma mulher tivesse pegado o trabalho), abandonei meu sobretudo, dobrei as mangas da camisa até os cotovelos e vesti um avental bege.

Equilibrar canecas de vinho em duas bandejas ao mesmo tempo e contornar as mesas tão próximas umas das outras era mais difícil do que eu pensava, principalmente porque alguns agitadinhos ficavam se inclinando e erguendo os braços em minha direção.

— Aqui está. – respirei fundo ao servir uma mesa onde os presentes já estavam mais para lá do que para cá, se é que me entende.

— Uau, gracinha, qual o seu nome? – um deles assoviou.

Lembrei-me do que o gerente disse: “Se algum deles der em cima de você, aproveite para vender mais bebidas”. Porém, se eu desse mais álcool para aquele homem, ele iria precisar de um dos caixões de Redrock.

— Querem mais alguma coisa? – perguntei, por mais que em minha cabeça estivesse ponderando se era certo exorcistas beberem tanto.

— Pode ser você? – ele passou o braço por minha cintura.

— Ei, ei, ei, sem tocar! – afastei-me enojado, quase tropeçando.

Olhei para trás por cima do ombro, reparando que o gerente me observava descontente e fazia alguns sinais nada positivos. Alguém de outra mesa balançou a mão e cantarolou por mim, encolhi os ombros e suspirei agradecido por Lissa não ter pegado aquele trabalho

Cheguei com um sorriso (forçado, diga-se de passagem), o qual desapareceu assim que vi quem eram os clientes: os mesmos rapazes da pousada, com a única diferença de que o ruivo possuía um curativo por causa do esbarrão que levou.

— Ora, ora, ora, o explorador do surdinho dando uma de garçonete. – ele zombou. – Cadê o Vulpecula?

— Trabalhando, diferente de vocês. – cerrei os dentes.

— Se tem alguém para fazer o trabalho por nós, por que o faríamos? – o outro cruzou os braços atrás da cabeça.

Uma veia saltou em minha testa e minhas mãos moveram-se sozinhas, espalmando-se sobre a mesa em um baque ardido e chamando a atenção de todos. Inclusive do gerente.

— Vocês não merecem uma cidade dessas! – bradei. – Não fazem nada para merecê-la, sequer fazem seu trabalho!

— Para começo de conversa, exploradores nem deveriam estar aqui. – o ruivo levantou-se tentando intimidar-me com sua altura.

Torci a boca e ergui a cabeça, sustentando seu olhar de desdém. O burburinho de fundo havia cessado, permitindo que eu escutasse os passos atrás de mim. Fechei os olhos, sabendo que seria mandado embora.

— Você, fora. – a voz do gerente ecoou pelo local.

— Sinto muito, por favor, me dá outra chan... – segurei a barra do avental e virei-me para encará-lo.

— Você não. Esse aqui. – apontou para o ruivo. – Já estava na hora de alguém dizer a ele o que ele é. Um encostado. – franziu as sobrancelhas.

— É isso aí! – o bêbado que me paquerou anteriormente berrou animado erguendo sua caneca. – Fora daqui, Dereck Still!

— Vocês sabem por que eu não trabalho. – Dereck rangeu os dentes. – Porque minha família já fez muito pelo mundo exorcista, já salvou a de vocês diversas vezes no passado! E minha mãe é uma das superiores como vocês bem sabem. Agora é hora de retribuírem.

— O passado fica nos livros, seu babaca! – uma moça gritou. 

— E sua mãe mereceu o posto, não é igual a você que só vai herdá-lo! – um rapaz rebateu.

E então as vozes voltaram a preencher o estabelecimento, agora contra Dereck Still e seu acompanhante. Todos torciam eufóricos para que ele deixasse o bar e fosse fazer algum trabalho de verdade.

— Você está morto na minha mão, vadiazinha de exorcista. – Dereck olhou no fundo de meus olhos e sussurrou entredentes.

— Então entra na fila. – devolvi-lhe o olhar, dez vezes mais gélido. – E se falar do Dante novamente, é você quem está morto.

O que era engraçado para alguém de 1,64cm falar para um muro de carne de 1,90cm. Mas desde que conheci Dante, dificilmente aquilo me assustaria, afinal, eu havia enfrentado mais coisas demoníacas em duas semanas do que Dereck Still em sua vida toda.

O ruivo abandonou o bar na companhia de seu amigo covarde, arrancando uma salva de palmas, assovios de comemoração e uma rodada por conta da casa oferecida pelo gerente para todos.

O restante do dia foi melhor do que eu esperava. Pude cantar com os clientes, aprender manobras com a bandeja e até jogar algumas partidas de cartas. Ao final do meu expediente, restavam apenas risadas e canecas vazias.

Sentei-me em um dos bancos em frente ao balcão de madeira, devolvi o avental e soltei um suspiro de satisfação. Logo a garçonete fixa do local chegou e foi recebida com muita agitação.

— Parece que arranjou alguém muito bom para ficar no meu lugar durante o dia. – a mulher de curtos cabelos castanhos fitou-me de soslaio e pegou o avental.

— Você nem imagina. – o gerente gargalhou e entregou-me um saquinho cinza de moedas. – Seu pagamento. Pode voltar quando Gina estiver de folga.

Abri o saquinho para conferir o resultado de meu trabalho e acabei levando um susto.

— Aqui tem bem mais do que devia. – comentei constrangido.

— É uma comissão pelo que aconteceu com Dereck. – ele colocou as mãos na cintura e deu uma piscadela.

As pessoas tinham que parar de me dar dinheiro a mais. Eu ia acabar me acostumando.

Agradeci ao gerente e Gina e me despedi de todo o pessoal com um aceno exagerado, recebendo outros em respostas e convites para mais dias como aquele. Assim que saí do bar, encontrei Lissa encostada em uma árvore com um semblante animado.

— Estamos ricos? – ela agitou seu saquinho e indicou o meu.

— Mais do que éramos. – sorri e recuperei o fôlego após tanta emoção.

Depois de dar uma volta pela iluminada Saintenia, retornamos a pousada totalmente doloridos, mas ainda sim felizes. Tomei um banho relaxante e ao voltar para o quarto, encontrei Dante apoiado no parapeito da janela, observando as estrelas que começavam a pontilhar o céu. Em silêncio, sentei-me em minha cama e passei a mão por meus cabelos molhados.

— Dereck Still. – Dante sibilou.

— Juro que não fiz nada! – disparei instantaneamente.

— Ah, é? – ele olhou-me por cima do ombro. – Então é coincidência que no mesmo dia em que você chegou a Saintenia, ele saiu para trabalhar?

Confesso que por dentro eu fiquei feliz por meu feito e não pude impedir o sorriso bobo que surgiu em meus lábios, o que me denunciou para Dante.

— Garoto, você é o primeiro explorador a arranjar confusão com um exorcista. – ele arqueou uma sobrancelha, um tanto impressionado. – O que disse para ele?

Apenas que eu ia matá-lo se ele falasse sobre você novamente. Pouca coisa.

— Ah, nada demais. – deitei-me e soltei um longo bocejo. – Acho que vou dormir, tive um dia cheio no bar.

— Trabalhou no bar? – Dante exclamou surpreso.

— Hã, sim, por quê? – resmunguei envergonhado.

— Quantos? – ele caminhou até a porta.

— Quantos o quê? – perguntei confuso.

— Quantos bêbados te pediram em casamento. – Dante esboçou um sorriso zombeteiro.

— Só uns seis. – dei de ombros.

— É um bom número. – reconheceu. – Se aceitar algum, vai poder morar aqui. – bateu a mão no batente.

— Vou pensar no caso. – brinquei acomodando a cabeça sobre a mão.

Dante deu um último sorriso carregado de sarcasmo e deixou o quarto junto de Sybelle que não parava de fazer caretas. Não consegui dormir como falei que faria, na verdade, fiquei encarando o teto por uma hora, apenas pensando.

Pensando no sorriso de Dante.

 

***

 

Um novo dia amanheceu em Saintenia e trouxe consigo Jade e Elle, um casal de exorcistas que foram até a pousada buscar Dante e Aurora para o trabalho. O primeiro era um rapaz alto de cabelos verdes escuros e semblante brincalhão, já a segunda era uma garota baixa e gorda de cabelos laranjas e expressão radiante. Tive de me certificar que não estava sonhando, porque nunca imaginei ver exorcistas bem-humorados na vida.

Eu e Lissa também saímos cedo para nosso trabalho de babá de uma criança tão encapetada que sequer devia ser permitida em Saintenia. Nosso expediente terminou no horário do almoço, dando-nos a ideia de comer em um dos restaurantes cujo a comida cheirava maravilhosamente bem.

— E então, você e Dante voltarão para Hibisc conosco? – Lissa indagou de boca cheia. – Aurora disse que assim que terminar um relatório, podemos voltar. Os superiores cuidarão do caso dos demônios agora que possuem essas informações.

— Ah, não. – ri sem jeito. – Eu ainda tenho um trato com Dante. Preciso ajudá-lo a recuperar sua audição.

Lissa deu um sorriso de orelha a orelha cheio de malícia. Tinha um pedaço de carne preso em seus dentes.

— Impressão minha ou você... – começou.

— E você e Aurora? O que vão fazer quando chegarem em Hibisc? – cortei-a rapidamente.

Lissa suspirou, deixou seus ombros caírem e recostou-se na cadeira pesadamente.

— Eu adoraria ajudar Aurora a recuperar sua visão, ela também a perdeu em um trabalho. Na verdade, no primeiro trabalho. – apoiou o rosto na mão. – Mas ela diz que está bem assim e que sua cegueira não a impede de fazer nada, além de não ver a névoa, claro.

— Primeiro trabalho? – levantei as sobrancelhas.

A exploradora cruzou os braços e olhou para cima.

— Talvez Dante não tenha te contado. No primeiro trabalho de cada exorcista, ele é acompanhado por um instrutor ou professor e deve seguir suas ordens à risca. O professor de Aurora disse que não havia como salvar o possuído que estavam tratando, porém, ela se negou a aceitar e forçou o exorcismo. 

— Eu imagino que…

— Um exorcismo malsucedido tem consequências tanto para os exorcistas quanto para os possuídos. O possuído morreu e Aurora ficou cega, mas como seu professor saiu ileso, ele resolveu defendê-la para os superiores que queriam tirá-la do cargo. Ela ficou em detenção por três meses até poder pegar outro trabalho.

— Uau. – sussurrei chocado e tamborilei os dedos na mesa.

— E foi isso que aconteceu. – ela respirou fundo. – Aurora pode ser teimosa em algumas situações, mas ela também é forte, corajosa, determinada, linda...

A partir daí não tinha jeito, Lissa ficava completamente boba quando falava de Aurora. Sendo sincero, não dava para conversar sobre mais nada depois que ela começava seu monólogo sobre sua amada. Por isso, aproveitei a oportunidade para levantar-me da mesa, deixando uma refeição pela metade e algumas moedas.

— Preciso fazer uma coisa agora. Nos vemos mais tarde. – sorri travesso.

Eu podia parecer bem por fora, entretanto, estava tremendamente nervoso por dentro.

“E por fim, Gaspar, será que você conhece algum médico/mago que cure perda de audição por maldição e não cobre um de meus órgãos como pagamento?

Atenciosamente,

Seu melhor amigo em apuros.”


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Notas finais do capítulo

Olha só, Suichiro finalmente lembrou que tem que cumprir sua parte no trato, hein? Me digam o que acharam ♥

No próximo capítulo, receberemos uma carta de Gaspar. Então até semana que vem e se cuidem!
Beijos.
—Creeper.



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