Trevo de Quatro Patas escrita por Maremaid


Capítulo 9
Garotos maus devem ser punidos


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente!

Não tenho nada para avisar aqui, então... boa leitura!



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Se existia um Deus do Tempo, ele com certeza odiava Nico. Normalmente, os dias da semana costumavam passar voando enquanto ele estava trabalhando em casa, mas aquela terça-feira em especial estava passando incrivelmente mais lenta do que o normal.

Nico tentou se distrair lendo o manuscrito. Ele sempre fora uma pessoa focada nos estudos, mas agora não conseguia prestar atenção no que estava lendo, precisava voltar e ler novamente a mesma frase várias vezes. E estar traduzindo um livro no qual o protagonista era um belo jovem loiro de olhos azuis não ajudava em nada, pois sua mente sempre acabava o imaginando como Will.

Nico di Angelo, foco! Esse livro não vai ser traduzido sozinho! Sua consciência ralhou com ele, que se esforçou em voltar à atenção ao trabalho.

Quando o relógio finalmente marcou 5:30 da tarde, Nico resolveu se arrumar para não se atrasar novamente. Ele tomou banho com calma e ficou um tempão na frente do guarda-roupa, tentando decidir o que iria usar. Will havia deixado claro que era um encontro num restaurante, então ele achou que deveria se esforçar um pouco mais no seu visual desta vez. Vestiu uma camisa preta de botões — que Hazel havia lhe dado há algum tempo e ele deveria ter usado apenas umas 2 vezes —, uma calça jeans escura sem rasgos e, como não gostava de sapatos formais, acabou colocando seus coturnos pretos que eram a coisa mais próxima de ser “discreta” que ele tinha. Olhou para a sua jaqueta estilo aviador e decidiu não usá-la hoje, colocando uma jaqueta de couro preta no lugar. Seus cabelos estavam um pouco cheios e compridos na parte de trás, então ele os penteou com cuidado e passou um pouco de pomada nos fios, tentando deixá-los um pouco menos rebeldes. Quando se olhou no espelho, imediatamente pensou que Bianca aprovaria seu visual desta vez.

Bem, não era como se Nico tivesse contado para ela que iria nesse segundo encontro com Will. Afinal, conhecia muito bem a irmã mais velha e apostava que ela teria ido ao seu apartamento para ajudá-lo a escolher sua roupa. Ela ficaria falando sem parar tudo que Nico podia e o que não podia fazer em um encontro — o que seria patético, considerando que Bianca se autodeclarava uma “solteira convicta” e nunca tinha saído com um cara na vida. 

Nico acabou encontrando uma bandana vermelha nas coisas de Cérbero e decidiu amarrar no pescoço do filhote, afinal, ele também merecia se arrumar apropriadamente para o jantar em sua homenagem.  

Eles haviam marcado de se encontrar às 7 no saguão, mas Nico decidiu sair uns 10 minutos antes, só por garantia. Assim que botou os pés para fora do seu apartamento, avistou Will indo em direção ao elevador. Droga, Nico achou que teria tempo de se preparar psicologicamente para isso, agora, seu coração já estava batendo feito louco no peito só de ver o vizinho!

— Ei, você! — Will deu um sorriso enorme quando o viu. Então, olhou para baixo. — Oi, amiguinho!

Cérbero ficou louco assim que viu seu amigo/adestrador e, assim que Nico soltou sua guia, o filhote saiu correndo pelo corredor em disparada até parar nos braços de Will.  

Nico estava acostumado a ver Will sempre vestido de maneira simples. Camisetas com estampa de surfe, normalmente de bermuda e de All Star. Mas agora ele definitivamente parecia vestido para um encontro: camiseta branca lisa, camisa jeans dobrada até os cotovelos por cima, colar de contas, calça mostarda e sapatênis. Seus cabelos estavam um pouco molhados, mas continuavam daquele jeito desgrenhado que Nico amava. 

Inferno! Will estava lindo de morrer! Será que seu vizinho tinha consciência do quanto o afetava?

— Senti sua falta, amiguinho! Você está bem agora, não é? Fiquei preocupado! — Will estava agachado fazendo carinho no filhote. Cérbero estava muito eufórico, não parava de balançar o rabinho e tentava lambê-lo.

Nico andou devagar até onde eles estavam.

— Você chegou cedo. — Will comentou, olhando para cima e encontrando os olhos de Nico. 

— Ah, sério? Acho que meu relógio está adiantado — ele deu de ombros e chamou o elevador. Seu vizinho não precisava saber que ele estava pronto há 20 minutos só esperando dar a hora de sair.

Will levantou-se e parou ao lado de Nico, esperando o elevador.

— Alguém está tão fofo hoje... — ele cantarolou.  

Nico não era chamado de fofo desde que tinha, sei lá, uns 10 anos? Depois disso, ele começou a crescer descontroladamente e virou um adolescente desengonçado: magricelo e maior que todos seus colegas Mas, mesmo assim, ele não pôde deixar de pensar que eles haviam se beijado na última vez que Will o chamou de fofo e isso fez seu rosto corar um pouco.

— Eu já disse que não sou fofo — ele cruzou os braços e continuou olhando para frente, pois sabia que se olhasse para Will agora seu rosto o denunciaria.

— Eu estava falando do Cérbero — Will respondeu em um tom provocativo. — Ele está tão adorável com essa bandana.

Uau, espertinho! Will fez de propósito porque sabia que ele iria rebater a provocação! 

Enquanto Nico pensava em algo para dizer, o elevador chegou. Ele foi o primeiro a entrar.

— Se eu precisasse te definir com uma palavra hoje, definitivamente não seria “fofo”. — Will olhou para Nico de cima a baixo quando entrou no elevador.

Que olhar era esse no seu rosto? Parecia um animal prestes a devorar sua presa!

— Hm... E qual seria? — Nico apertou o botão de “térreo”, feliz por estar de costas e Will não poder ver sua expressão nervosa.

Atraente. — Will disse no seu ouvido com uma voz sexy. Seu hálito quente fez Nico sentir os pelos do pescoço se arrepiarem. Quando ele havia chegado tão perto? — Muito atraente. 

Nico engoliu em seco, totalmente sem palavras.

O elevador parou no sexto andar e Will se afastou rapidamente antes das portas se abrirem. Duas mulheres entraram, Nico apenas murmurou um “oi” baixinho e seu vizinho deu um sorriso simpático, puxando assunto com uma delas sobre algum problema de saúde que ela parecia ter.

Como Will conseguia mudar tão rapidamente? Esse rapaz gentil e educado conversando com as moradoras nem parecia o mesmo que estava flertando com ele alguns instantes atrás.

— Nico? — Will o chamou, tirando o garoto do seu transe. — Vamos.

Ele nem havia percebido que eles já haviam chegado ao saguão. Saiu apressado do elevador, seguindo Will e as mulheres, em silêncio, para fora do prédio.

— Tchau, rapazes! — uma das mulheres disse.

— Tchau! — Will sorriu.

Nico apenas deu um aceno em resposta, vendo as moradoras seguindo na direção oposta. Ele observou a rua.  

— Cadê a moto do seu pai? — ele perguntou, não a vendo estacionada em lugar nenhum.   

— Você quer tanto assim andar agarradinho em mim novamente? — Will estava com um sorrisinho nos lábios, o que fez o outro revirar os olhos.  — Meu carro ficou pronto hoje, então eu a devolvi.

— Hm... — Nico assentiu. — Então no seu carro ou no meu?

— Bem, eu preferia um lugar mais confortável, sabe... — Will provocou, com um sorrisinho malicioso nos lábios.

Nico levou alguns segundos para entender. Então revirou os olhos e desviou o olhar, sabendo que suas bochechas estavam ficando vermelhas só de pensar na cena.

Pelo Tártaro, Will conseguia ser tão irritante quando queria! Por que ele precisava colocar uma conotação sexual em uma pergunta inocente que Nico havia feito?

— Vamos para o restaurante no seu carro ou no meu? — Nico perguntou novamente, usando a frase de uma maneira que não deixasse brecha para gracinhas. 

— Nem um nem outro: vamos a pé.

— O quê?! — Nico disparou.

— Relaxa, o restaurante é perto. Além disso, está uma noite linda, perfeita para caminhar um pouco.

Nico limitou-se a dar um aceno de cabeça em concordância. Ele não era nada fã de caminhadas, por isso ele tinha um carro. Eles caminharam lado a lado na calçada e Cérbero trotava na frente deles alegremente como se fosse um cão de guarda.

— Ah, quase esqueci! Tenho algo para você, estenda a sua mão... — Will colocou a mão no bolso da camisa, procurando por algo.

— O que é? — Nico perguntou curioso. Se fosse mais uma de suas gracinhas, Will estava morto.

— Aqui — ele colocou um objeto pequeno e metálico na palma da sua mão: uma chave.

Nico olhou mais atentamente e então a reconheceu.

— Espera, por que você estava com a minha chave?

— Ontem, quando eu estava indo embora do seu apartamento, vi essa chave na mesinha de entrada e resolvi testar na porta. Desculpa pegar assim, só achei perigoso deixar sua porta aberta enquanto você estava dormindo — ele se explicou.

— Ah! Tudo bem, valeu. — Nico agradeceu, guardando a chave no seu chaveiro para não perder. Ele nem havia pensado em como Will tinha saído na noite passada. — É minha chave reserva, costumo emprestar para as minhas irmãs. 

— Ou para a Reyna — ele completou, fazendo uma careta. — Mas naquele dia você se esqueceu de dar a ela.

Nico lembrou-se do dia em que Reyna e Will se conheceram e como seu vizinho havia ficado estranho. No fim das contas, ele estava certo: Will havia ficado mesmo com ciúmes.

— Ela é minha melhor amiga — deixou claro. — Eu nunca gostei de garotas.

Nico sabia que muitos garotos gays passavam por uma fase, normalmente na adolescência, que ficavam confusos sobre sua sexualidade e tentavam sair com garotas. Porém, ele nunca fez isso. Mesmo se uma garota tivesse o convidado para sair — o que Nico duvidava muito considerando a sua “popularidade” na época da escola — ele teria recusado, pois sempre soube que elas não o atraíam.

— É, imaginei mesmo que não. Acho que só fiquei com um pouco de... — Will fez uma pausa, como se procurasse a palavra certa. “Ciúmes?!”, Nico pensou.  — Inveja da relação de vocês.  

— Inveja? — perguntou. Não estava esperando por isso. 

— Você conversava com ela de uma forma tão natural, enquanto isso, eu só recebia frases curtas. Eu queria que você falasse assim comigo também — ele confessou, então olhou para Nico e sorriu. — Mas agora não sinto mais isso, porque você começou a se abrir mais comigo. Se eu deixar, você vai falar sem parar!  

— Ei! Não exagere! — Nico retrucou. Will deu uma gargalhada gostosa em resposta.

Os dois estavam andando tão perto um do outro que suas mãos acabavam se encostando sem querer. Então Will resolveu o problema: segurou a mão de Nico. O movimento pegou Nico tão de surpresa que ele puxou sua mão de volta sem nem pensar.  

Will emitiu um som como se tivesse levado um soco no estômago e parou no meio da calçada.  

— Você tem vergonha de ser visto comigo? 

— Não é isso... — Nico tentou falar, parando de andar também.

— Ah, eu já saquei tudo. — Will o interrompeu, com uma expressão triste no rosto. Era como se toda a sua alegria tivesse sido sugada em questão de segundos. — Você ainda não saiu do armário, não é? Isso explica porque você parecia tão desesperado quando eu fui me apresentar para a sua irmã no domingo. Ela ainda não sabe sobre você!

Mamma Mia! — Nico massageou a têmpora, não acreditando que seu vizinho tinha entendido tudo errado. 

 Will estava tão atordoado que nem o escutou. Começou a andar em círculos na calçada com as mãos bagunçando os cabelos.

— Caral... caramba! — Ele era tão educado que nem numa situação frustrante soltava um palavrão, mesmo querendo muito. — Não acredito que estou passando por isso novamente!

Espera, do que Will estava falando? Ele já havia saído com alguém que ainda estava no armário e sofreu por causa disso?    

— Ei, ei! — Nico segurou seus ombros, fazendo Will parar e olhar para ele. Algumas pessoas que passavam pela rua naquela hora da noite olhavam com certa curiosidade para aqueles dois jovens que pareciam estar discutindo no meio da calçada. Ao perceber a atenção indesejada que eles haviam recebido, ele engoliu em seco e prosseguiu. — Vou te explicar tudo, mas vamos para outro lugar, ok? Não sei você, mas eu não gosto de ser o centro das atenções.

Will olhou em volta, parecendo perceber só agora que eles tinham uma pequena plateia.

— Ah, claro... — ele respondeu por fim e apontou para uma rua estreita logo em frente. — Podemos conversar mais tranquilamente lá, tem um banco. 

Nico assentiu e o seguiu, andando alguns passos atrás dele com o cachorro. Eles se sentaram no banco de madeira, que ficava na frente de uma loja de roupas que já estava fechada.

— Então... — Will cruzou os braços. — Prossiga com a sua explicação.

Nico contorceu as mãos no colo, sentindo-se um pouco nervoso. Já havia perdido a conta de quantas vezes falou sobre a sua sexualidade para alguém, seja família ou amigos próximos, mas sempre parecia a primeira vez.

— Eu... eu não estou no armário. — Nico começou, já deixando essa parte bem clara. — Eu saí de lá há 10 anos e nunca mais vou voltar, fique tranquilo. Bianca foi a primeira pessoa para quem eu contei, mas ela disse que já sabia e estava apenas esperando até eu estar pronto para falar sobre isso. Ela me ajudou muito naquela época, principalmente quando decidi contar para os meus familiares. Para minha total surpresa, meu pai levou isso muito melhor do que eu achei que levaria, já a minha avó materna... bem, vamos dizer que ela ainda acha que estou passando por um “fase”. Mas a questão é que eles me aceitam como eu sou, ou pelo menos tentar me aceitar. — Ele explicou. — O motivo de eu não ter falado nada para minha irmã naquele dia é porque eu sabia como ela reagiria. Eu só não queria que ela fizesse a gente passar vergonha no meio da rua por estar feliz de eu finalmente ter desencalhado!

Will estava se mantendo sério ao ouvir toda a explicação, mas apertou os lábios para não rir, deixando uma risadinha escapar pelo nariz quando ouviu a palavra “desencalhar”. 

— Você contou para ela sobre nós? — ele parecia surpreso, porém feliz. — Digo, depois que vocês subiram naquela noite.

“Nós”. Essa palavrinha desestabilizou Nico por alguns segundos. Ele respirou fundo e prosseguiu:

— Hm, sim. Na verdade, eu não teria conseguido esconder isso dela mesmo se quisesse. Ela me conhece muito bem. 

— Então... sua irmã me aprovou?! — Will perguntou, sem conseguir conter a curiosidade na voz.  

— Bem, não que eu precise da aprovação dela para sair com alguém, claro, mas... sim, ela gostou de você — ele o tranquilizou.

Nico deixou de fora a parte que Bianca havia dito que ia ser a presidente do fã-clube deles e que estava pensando até em um nome para o ship! Afinal, Will poderia achar tudo isso muito precipitado e se assustar.

— E eu não tenho vergonha de você, ok? — Nico prosseguiu com o assunto. — Eu apenas não estou muito acostumado com isso, então quando você segurou a minha mão eu me afastei automaticamente. Sinto muito por isso.

— Tudo bem — ele sorriu, parecendo novamente aquele Will sorridente que Nico tanto gostava. — E o que você quis dizer quando falou que não estava “acostumado”? É sobre contato físico em si ou... sair com alguém?    

— Um pouco dos dois — encarou o chão, incapaz de olhar para o vizinho após confessar isso.

Droga, o que Will deveria estar pensando dele agora?

— Então era por isso que você sempre parecia um pouco desconfortável quando eu te tocava ou apenas chegava perto demais? — ele deduziu. — Foi mal, eu realmente não sabia.

— Não se desculpe, a culpa não é sua. Sou assim até mesmo com a minha família, eu quem sou o estranho aqui. 

— Você não é estranho. — Will respondeu serio. Nico lembrou que ele havia falado a mesma coisa no dia do parque de diversões.

— Sim, eu sou e sei muito bem disso. Desculpa se fiz você entender errado, eu deveria ter sido mais claro desde o começo. Não costumo me abrir com as pessoas facilmente, e é por isso que vou entender se isso for demais para você lidar. 

Então Will fez algo que Nico não esperava: ele riu. Riu pra valer. 

— O que é tão engraçado? — Nico franziu o cenho. 

— Você! Deuses, não acredito que você achou mesmo que eu desistiria por causa de algo tão pequeno. Se você quiser me tirar da sua vida, vai ter que fazer algo muito pior do que isso. Tipo, assaltar um banco. Ou matar alguém. Você está planejando fazer alguma dessas coisas?

— É claro que não! — disparou. — Quer dizer, às vezes eu falo “quero matar tal pessoa”, mas não é no sentido literal!

Will deu uma risadinha do jeito nervoso do vizinho e então segurou a mão de Nico, entrelaçando os dedos deles.

— Então você não precisa se preocupar, porque você sempre foi o meu adorável vizinho, o garoto no qual eu tinha uma queda. — explicou. — Nico, você chamou a minha atenção desde o começo. Quando eu saía de casa, ficava torcendo para te encontrar no elevador ou no saguão, mesmo que fosse para você apenas me cumprimentar com um simples “oi”. Até que nas últimas semanas, os deuses finalmente atenderam as minhas preces. Eu não me importava que o motivo dessa aproximação fosse o Cérbero, eu estava satisfeito em apenas passar um tempo com você, poder ouvir mais a sua voz e te conhecer melhor. Mas eu fui ficando cada vez mais ganancioso e não consegui me contentar em ser apenas seu vizinho. Só que eu nem sabia se você sentia o mesmo! Fiquei com medo de estar me iludindo, de me machucar, então achei melhor tomar cuidado. Você não imagina o quanto eu tive que me segurar sempre que estávamos próximos demais: no dia em que demos banho em Cérbero, quando você ficou doente, na praia... Céus, eu ficaria louco se não tomasse uma atitude logo! Foi então que decidi que precisava me confessar a você, mesmo sabendo que corria o risco de levar um fora. Foi por isso que te convidei para o parque de diversões naquela noite. Não disse que era um encontro, pois fiquei com medo de você recusar se soubesse disso. Estava planejando me confessar só quando a gente voltasse para casa, depois de uma noite divertida no parque, mas então você ficou furioso comigo do nada e eu tive que mudar meus planos antes que você me jogasse lá de cima... — ele deu uma risadinha. Nico sentiu vontade de morrer só de lembrar-se do pequeno show que havia dado na roda-gigante. — Ei, relaxa. No fim das contas, deu tudo certo.

Will então colocou a mão livre no rosto de Nico, fazendo que ele o olhasse nos olhos.

— E se mesmo depois de tudo isso que eu falei você ainda tiver alguma dúvida sobre meus sentimentos, aí vai: eu gosto de você, gosto de verdade, de um jeito totalmente romântico. Eu acordo pensando em você e vou dormir pensando em você. Nico di Angelo, eu estou loucamente apaixonado por você. 

Naquele momento, Nico nem sabia como ainda estava respirando. Se ele estivesse em pé, provavelmente teria desabado no chão de tanto que suas pernas tremiam. Seu coração batia feito louco em seu peito. 

— Nico...? — Will o chamou, parecendo um pouco preocupado. — Você está bem?

Em um impulso, Nico passou os braços pela cintura dele, o apertando com força. Pelos deuses! Will havia acabado de dizer que estava apaixonado por ele! Pela primeira vez na vida, seus sentimentos eram totalmente recíprocos. Essa era a melhor notícia que ele havia recebido nos últimos tempos! 

— Peço perdão por não ser tão bom com as palavras igual você, mas... — sua voz saiu um pouco abafada, pois seu rosto estava encostado no pescoço de Will. — E-eu também estou apaixonado pelo meu vizinho.

— Hm, aquele cara estranho que mora ao seu lado e transformou o apartamento em uma estufa para as plantas?

— Cruzes, não! — Nico beliscou a cintura dele. — Você entendeu o que eu quis dizer, Solace. 

— Ai! Claro que entendi — Will riu e passou os braços em volta dele, beijando o topo da sua cabeça. — Só estava te provocando. 

— Humpf. 

Eles permaneceram assim abraçados por alguns segundos sem ninguém falar nada. 

— Hm, não queria estragar o momento, mas estou ficando com fome... — Will foi o primeiro a quebrar o silêncio. 

— Eu também. — Nico saiu dos braços de Will sentindo-se um pouco envergonhado.

— Ok, então vamos para o restaurante? — ele levantou-se do banco e ergueu a mão para Nico. 

— Vamos  — respondeu com um sorriso no rosto e, desta vez, segurou a mão estendida a ele. 

***

Aparentemente, o local parecia um restaurante normal como qualquer outro. Mas, ao chegar mais perto, Nico percebeu que havia alguns clientes com seus animais de estimação.

— Vamos sentar aqui? — Will apontou para uma das mesas que ficavam do lado de fora. — Acho que Cérbero vai se sentir um pouco sufocado lá dentro.

— Ok. — Nico assentiu e Will se prontificou em amarrar a guia do filhote no pé da mesa. — Prenda bem — alertou.

— Eu sei, não vou deixá-lo fugir igual você — Will deu uma risadinha.

Nico revirou os olhos, mas não respondeu. Um funcionário apareceu e trouxe o cardápio para eles. Eles escolheram o que queriam e aguardaram.

De vez em quando, alguém olhava ou parava para fazer carinho em Cérbero. O filhote ficava todo faceiro com toda essa atenção. Até Nico estava começando achar que esse vira-lata era meio bonitinho mesmo.

Eles começaram a comer assim que o pedido chegou. Cérbero ficou olhando para eles e ganindo, querendo ganhar um pouco também. 

— Nada disso, mocinho — Will ralhou com ele. — Você acabou de se recuperar. Sem comida humana para você!

E então ele chamou um dos funcionários e pediu um item do menu dedicado aos pets. 

— Ei, você não precisava ter feito isso — Nico retrucou, um pouco constrangido.

— Não seria justo nós comermos e ele ficar só olhando. Afinal, estamos aqui para comemorar a recuperação dele, certo? 

Bem, Will tinha razão em certo ponto. 

— Hm, acho que sim. 

Eles continuaram comendo, até que mais uma fã de Cérbero surgiu. 

— Oh, que lindinho! — disse uma garota, inclinada na direção do filhote. — Qual é o nome dele? 

Ela tinha traços asiáticos, seus cabelos eram pretos e as pontas formavam cachinhos perfeitos. Estava bem maquiada e o que mais chamava a atenção era o seu delineador rosa. Suas roupas e acessórios eram claramente de grife. Resumindo, o tipo de garota que suas irmãs com certeza chamariam de “patricinha”.

— Cérbero — Will respondeu de forma educada. 

— Oh, que nome peculiar — a garota deu um sorrisinho. Do jeito que ela estava inclinada, dava para ver seu decote. — Sou a Drew.

— Ah, eu me chamo Will. — Ele se apresentou e então apontou para o garoto ao seu lado, que só forçou um sorriso. — E esse é o Nico.

— Esse cachorrinho adorável é seu? — ela colocou uma mecha do cabelo atrás da orelha.

Will parou o copo de suco no meio do caminho, percebendo que a garota estava olhando para ele.

— Eu?! — ele apontou para si mesmo, parecendo surpreso. Drew assentiu. — Ah, não! É dele! — e apontou para Nico com um sorriso simpático. 

A garota olhou para Nico com indiferença, então voltou sua atenção para Will.

— Então vou querer o seu número de telefone, querido — ela respondeu de forma sedutora, tirou o celular da bolsa e ergueu na direção de Will.

“Querido”? Essa garota cara de pau estava flertando com Will bem na frente dele?!

Nico deveria estar com uma cara muito feia porque Will apertou sua mão por baixo da mesa e sorriu para ele. Sua expressão dizia “eu resolvo isso, não se preocupe”.

— Sinto muito, mas não posso — ele sorriu, mas era um sorriso totalmente forçado. Até mesmo na hora de dar uma fora em uma garota irritante, Will conseguia ser um cavalheiro.

— Por que não? — ela parecia confusa.

— Porque eu sou gay. — Will declarou como se fosse óbvio. Como se ele tivesse acabado dizer “o céu é azul”. 

Honestamente, Nico estava um pouco surpreso, pois ele nunca teria coragem de falar tão abertamente sobre a sua sexualidade com uma completa desconhecida. Só que Will era totalmente diferente dele nesse ponto.

— Não acredito em você... — ela cruzou os braços e o encarou de forma desconfiada.

— Pois acredite, eu gosto de garotos — ele se manteve firme. — Agora, se você nos der licença, estamos tentando ter um encontro aqui. 

— Encontro?! Você e... — ela encarou Nico com desdém, como se só agora tivesse se lembrado da existência dele ali. —  Ele?

O que essa piranha estava tentando dizer com isso? Nico queria que a terra devorasse essa garota para ela sumir da sua frente!

— Sim — Will ergueu a mão que estava debaixo da mesa, mostrando os dedos deles entrelaçados. — Você não acha que formamos um casal fofo?

— É sério mesmo que você prefere esse garoto magricelo a isso tudo aqui? — ela apontou para si mesma, se gabando.

Will olhou para Nico e sorriu. E dessa vez o seu sorriso era genuíno ao dizer: 

— Prefiro.  

Drew continuou olhando para eles, piscando sem parar. A ficha dela parecia ainda não ter caído. 

— Você ainda não acredita em mim? Devo te mostrar? — Will colocou a mão livre na nuca de Nico e inclinou-se na direção dele.

— Ok, já chega! Entendi! — ela exclamou, fazendo Will parar a poucos centímetros do seu objetivo. — Estou indo, podem continuar… o encontro de vocês. 

Ela jogou o cabelo para trás e saiu rebolando em seu salto alto enorme. Assim que ela já estava fora de vista, Will retirou a mão que estava no pescoço de Nico e encostou as costas na cadeira. 

— Que pena, justo agora que estava ficando divertido. — Ele fez biquinho, parecendo triste que seu espetáculo tivesse chegado ao fim antes do clímax. 

— Você é maluco. — Nico soltou a mão dele e tomou seu copo de coca quase todo de uma vez, sentindo o gás fazer cócegas no seu nariz. — E eu achei que você era bi, pelo menos foi o que você me disse naquela noite.

— E eu sou bi. Mas achei melhor não dizer isso, pois Drew poderia achar que ainda tinha alguma chance comigo, coisa que ela claramente nunca teria. Nem tipo em um milhão de anos eu sairia com ela! — ele fez uma leve careta.

— Por quê? Ela era bem bonita...  — disse, tentando não deixar transparecer o seu ciúme. Nico podia ser gay, mas sabia reconhecer uma garota bonita quando via, mesmo que não sentisse atração nenhuma por ela. — Você não gosta de garotas bonitas e que se vestem bem?

— Eu não gosto de pessoas egocêntricas e insistentes que não sabem ouvir “não” como resposta — rebateu, deixando claro que isso não tinha nenhuma relação com o fato dela ser uma garota. — Além disso, estou saindo com você. Por que eu ficaria interessado em qualquer outra pessoa?  

Nico segurou os lábios para não sorrir ao ouvir isso, mas não disse nada.  

— Ei, se você tivesse poderes, aposto que o chão teria aberto sobre os pés dela e a engolido! — ele não parava de rir.

Nico olhou de soslaio para Will, pensando se ele poderia ler seus pensamentos. 

— Vamos comer! — Nico anunciou, colocando uma garfada de comida na boca, desesperado para acabar com esse assunto.

— Claro. Sabe, estou realmente ansioso pela sobremesa — ele encarou Nico fixamente com um sorriso e então desviou o olhar, voltando a comer como se nada tivesse acontecido. 

Nico estava ficando doido ou sentiu um duplo sentido quando ele falou “sobremesa”?

***

Na hora de pagar a conta, os dois tiveram uma pequena “discussão”. Nico queria pagar tudo, afinal, Will sempre comprava bebidas para eles após os treinamentos e cuidou dele sem cobrar nada. Mas Will alegou que ele tinha convidado, logo, deveria pagar. A funcionária ficou olhando para eles de forma impaciente e disse para eles decidirem logo, porque tinha outras mesas para atender. Por fim, eles acabaram rachando a conta. 

— Ei, eu vou ao banheiro — Will avisou após eles pagarem e levantou-se. — Já volto.

Nico assentiu e soltou a guia de Cérbero da mesa, o esperando na frente do restaurante. Alguns minutos depois, Will retornou com duas raspadinhas. 

— Presente para você — ele ergueu um dos copos para Nico. 

Era essa a sobremesa que ele estava falando? Não era nada de mais. 

— Valeu. 

Eles começaram a andar pela calçada, voltando para casa. 

— Como é que se chama isso na Itália? Gelado?

Gelato — Nico corrigiu. — Mas não é assim, parece um sorvete normal, com casquinha e tudo.

— Ah! — ele assentiu. — É bom?

— Sim, muito melhor do que isso aqui que só tem gelo picado e xarope. 

— Então me devolva, seu mal-agradecido! — Will tentou tirar da mão dele, fazendo cara feia.

— Ei, eu não disse que era ruim! — Nico retrucou, dando um passo para o lado e mostrou a língua para ele.

— Sua língua está vermelha — Will riu.

— Claro, afinal, minha raspadinha é de morango — revirou os olhos.

Will botou a língua para fora e tentou ver a cor que estava por contra própria, fazendo seus olhos ficarem vesgos. Ele parecia uma criança agora. 

— Sim, Solace, a sua está azul. — Nico acabou rindo.

— Ei, Nico, vamos ver se você é mesmo tão inteligente assim. Se misturarmos vermelho com azul, que cor surge?

— Roxo, é claro — respondeu sem nem precisar pensar. Afinal, essa pergunta era muito fácil.  

— Será que é mesmo? — Will questionou. — Vamos descobrir.

Antes que Nico pudesse dizer algo, Will o puxou pelo colarinho da camisa e o beijou, enfiando a língua com tudo na sua boca. Claro que ele retribuiu o beijo, mas assim que estava ficando bom, Will se afastou.

— E aí? Ficou roxo? — ele perguntou, botando a língua para fora. O azul bem vivo da sua língua estava um pouco mais escuro agora, mas ainda não dava para chamar aquilo de roxo.

— Hm... quase lá — respondeu, sentindo seu rosto corar um pouco ainda em virtude do beijo surpresa bem no meio da rua.  

— Vamos tentar mais uma vez então... — Will inclinou-se na direção dele novamente.

— Ei. — Nico colocou a mão no seu peito, o impedindo de chegar mais perto. — Sua raspadinha está derretendo.

E não era uma mentira. O gelo estava mesmo derretendo e caindo na mão de Will, deixando seus dedos azuis.

— Ah, droga! — ele reclamou, limpando os dedos com o guardanapo de papel.

Will ficou tão ocupado tentando terminar logo a sua raspadinha que até mesmo esqueceu-se do seu “experimento das cores” pelo resto do caminho. 

Infelizmente, o caminho até o prédio não demorou. Por que o tempo sempre passava tão rápido quando eles estavam juntos? Isso era tão injusto!

Ao entrarem no elevador, Nico apertou o número do andar deles no painel e se apoiou na parede. Will parou ao lado dele, deixando seus ombros se encostarem. Sem falar nada ou olhar em sua direção, pegou a mão de Nico. Ele não tentou impedi-lo desta vez.  

Quando o elevador abriu as portas, Will não soltou sua mão e o puxou na direção oposta onde morava. 

— O que você está fazendo? — Nico perguntou confuso. 

— Hm... Te levando para casa? — ele respondeu com outra pergunta.

— Solace, moramos no mesmo andar. Você consegue ver o meu apartamento da sua porta — o lembrou.

— Será que você pode esquecer só por um momento que sou seu vizinho? Estou tentando ser cavalheiro aqui.

Nico revirou os olhos.

— Ok, certo. 

Eles andaram alguns passos até chegar à porta de Nico. O percurso nem devia ter dado 20 segundos.  Nico abriu a porta devagar, sem saber ao certo como se despedir. Deveria dizer “tchau, até mais” seguido de um abraço? Talvez… um beijo? 

— Você pode me dar um copo de água? — Will quebrou o silêncio. — Aquela raspadinha me deu sede. 

Will estava usando uma desculpa tão esfarrapada para entrar no seu apartamento? Ele estava esperando até que eles ficassem a sós para agir?

— Hm, claro — ele engoliu em seco, ficando nervoso de repente.

Assim que entraram, Nico soltou a guia de Cérbero e foi até a cozinha. Ele pegou a jarra de água na geladeira e encheu um copo. Quando ele se virou, quase derrubou a água, pois Will estava parado na sua frente. Sério, como um cara tão alto e grande se movia assim rapidamente sem fazer barulho?

Will sorriu e bebeu o copo de água, sem quebrar o contato visual com Nico. Agora, quem estava ficando com a boca seca era ele.

Quando terminou, Will inclinou-se na direção dele. Imediatamente, Nico lembrou-se da noite passada quando eles haviam se beijado naquela mesma bancada e pensou que a cena iria se repetir agora.   

Mas, desta vez, Will apenas colocou o copo dentro da pia, olhando para ele com um sorriso divertido no rosto, a poucos centímetros dele. 

— Obrigado pela água — ele agradeceu e se afastou. 

Nico teve que tomar um copo de água gelada também para tentar se acalmar. 

Will sentou-se no sofá e começou a brincar com Cérbero. Parecia que ele não tinha pretensão de ir embora tão cedo, pois até mesmo tinha tirado a camisa jeans, ficando só com a camiseta branca. Nico tirou a jaqueta e sentou-se no sofá também, mantendo uma distância de um palmo entre eles.

— Cérbero se comportou muito bem durante o jantar, você não acha? — Will perguntou, fazendo carinho no cachorro. 

Depois de ganhar o próprio prato? Sim. Porque antes disso ele estava desejando a comida de Nico. 

— Até que sim. 

— Acho que ele merece uma recompensa... tcharam! — e mostrou um biscoito em formato de osso que estava escondido atrás das suas costas.  

— Ei, não fique mimando muito ele! — Nico retrucou. Will deveria ter comprado isso na hora que foi ao banheiro e voltou com as raspadinhas, foi o único momento em que eles se separaram durante a noite. 

— Hoje é um dia especial, ele merece. Cérbero, senta! — Will ordenou e o filhote sentou no mesmo instante, olhando atentamente para o biscoito. E então usou aquela voz exclusiva para falar com bebês e filhotes ao completar: — Bom garoto!

Ele acariciou a cabeça do cachorro e ofereceu a recompensa. Cérbero abocanhou o biscoito e foi embora, certamente querendo privacidade para comer o seu lanchinho sem ser incomodado.

— E quanto a mim? — Will perguntou. 

— O que tem você? — Nico voltou a sua atenção para ele.

— Eu não mereço nada? — ele perguntou, fazendo biquinho e olhou para Nico com aqueles grandes olhos azuis. Will parecia um cachorrinho adorável neste momento. 

Nico entrou no jogo. 

— Bom garoto! — ele falou de forma sarcástica e então acariciou o cabelo cheio e ondulado de Will, que lembrava um pouco o pelo de um Golden Retriever. 

— Ei! Eu não sou um cachorro. — Will segurou o pulso de Nico suavemente, tirando a mão da sua cabeça. — Não me trate do mesmo jeito que você trata o Cérbero.

— Então não aja como um filhotinho pedindo por atenção! — ele retrucou. 

— Ah, é? — Will estava com um sorriso travesso nos lábios, como uma criança prestes a aprontar. 

Antes que Nico tivesse tempo de dizer qualquer coisa, seu vizinho se lançou para frente e lambeu a bochecha direita dele. Will se afastou com um sorriso vitorioso no rosto.

— Porra, Solace! — Nico o fuzilou com o olhar enquanto limpava o rosto com as costas das mãos. — Você me deixou todo babado.

— Eu estava apenas demonstrando o meu afeto por você  — ele piscou os olhos repetidamente, se fazendo de inocente.

— Engraçadinho. 

— E a minha recompensa? — Will insistiu. 

— O que você quer? Uma coçadinha na barriga? — perguntou, cutucando a barriga de Will, que permaneceu sério.

— Eu não sinto cócegas — ele fingiu um bocejo. — Nem perca seu tempo com isso.

— Sério? — disse, tocando a lateral da cintura de Will. Dava para ver que ele estava se esforçando para não rir. Nico sabia que a maioria das pessoas tinha as axilas como ponto franco e tentou fazer cócegas ali, mas Will foi mais rápido e segurou seus braços, prevendo seus movimentos com antecedência.

— Você está tentando se vingar de mim pela lambida? Tsc, tsc. Você é um garoto mau, Nico. Muito mau. 

— Ei, eu não sou um cachorro! — Nico fez cara feia.

— Agora você sabe como eu me senti quando você disse isso — ele rebateu com um sorrisinho cínico no rosto, mas não o soltou. Touché. — Ei. Você sabe o que acontece com garotos maus? 

— Hm, não ganham presentes do Papai Noel? — especulou, dizendo a primeira coisa que veio à sua cabeça no momento. 

— Não. — Will respondeu com um sorriso malicioso nos lábios. —  Eles devem ser punidos.

Nico nem teve tempo de dizer algo antes de se bombardeado por um ataque de cócegas! 

— Não! Solace! Não! — Ele se contorcia, tentando fugir das mãos de Will e soltou uma risada sem querer. — Porra! Pare! 

— Por quê? Você parece estar se divertindo — seu vizinho debochou, não parando de tocar na barriga nele.

— Se você não parar, eu vou… — outra risada. — …Te bater! 

— Ah, eu gostaria de ver você tentar. — Will sorriu, achando um ponto sensível perto da axila direita. 

Nico estava quase chorando de tão rir, sua barriga chegava a doer por isso.

— Caralho, Solace! — Nico exclamou, tentando afastar as mãos de Will. Sem sucesso.  — Pare com essa merda! 

— Então diga que você não vai tentar se vingar de mim.  

Como Nico não respondeu nada, Will intensificou as cócegas.

— Diga! — ele ordenou.

— Solace, sério, pare. — Ele praticamente suplicou, ainda não conseguindo parar de rir. Nada. — Porra! Eu não vou!

— Não vai o quê? — Will fingiu não entender e continuou.

— Eu não vou me vingar! — Ele exclamou, quase sem fôlego. — Sem cócegas! Juro pelo Rio Estige e tudo! 

— Melhor assim — Will parou a sessão de tortura com um sorriso satisfeito no seu rosto e Nico lançou um olhar furioso para o rapaz em cima dele.

Espera, em cima?! Só agora que Nico havia reparado que eles não estavam mais sentados no sofá, mas sim na horizontal! Ele não sabia ao certo quando tinha se inclinado para trás, mas a questão é que eles estavam numa posição bem tentadora agora. 

 Will ficou o encarando, alternando o olhar entre seus olhos e sua boca.

“O que você está esperando? Me beije logo, idiota!”, Nico gritou em pensamento, com os lábios entreabertos, ainda tentando recuperar o fôlego.

Will se inclinou mais alguns centímetros na direção dele e Nico achou que suas preces seriam finalmente atendidas, mas então ele parou. 

— Eu… — Ele pigarreou e voltou-se a sentar no sofá. — Estou te deixando desconfortável de novo, não é? Desculpa.

Nico queria sacudi-lo e falar todos os palavrões possíveis. Só que ele sabia o porquê de Will estar agindo assim: a conversa que eles tiveram antes de chegarem ao restaurante, sobre ele não estar acostumado com contato físico. Ok, Nico podia se sentir assim no começo, mas porque não sabia que seus sentimentos pelo vizinho eram recíprocos. Agora, Nico não tinha mais medo. Mesmo que seu coração acelerasse e suas bochechas ficassem um pouco coradas, o que ele mais queria agora era ser beijado por Will. 

E Will havia flertado com ele a noite toda. Nico mal podia esperar para ter os lábios de Will nos seus novamente. Queria tanto beijá-lo, mas não se sentia corajoso o suficiente para dar o primeiro passo, até agora.  

Se Will estava se segurando, então cabia a Nico mostrar que estava tudo bem com isso. Ele sentou-se no sofá novamente.

Seu idiota... — murmurou e inclinou-se para frente, segurou o rosto de Will com as duas mãos e depositou um beijo rápido em seus lábios. — Pare de pisar em ovos quando estiver perto de mim. Se eu me sentir desconfortável por algum motivo, eu vou te falar, ok? Então simplesmente relaxe e seja você mesmo!

Will parecia um pouco surpreso, como se não esperasse que Nico fosse tomar a iniciativa, ele nem mesmo havia fechado os olhos.

— Uau, que dia histórico!  — Nico provocou, curvando os lábios em um quase sorriso e moveu suas mãos para baixo, engatando no pescoço do vizinho. — Deixei Will Solace sem reação. 

Will piscou, parecendo voltar a si e sorriu. Sem dizer nada, ele capturou os lábios de Nico.

Esse beijo não tinha nada a ver com o que eles deram na roda-gigante, não era calmo e inocente. Muito menos o beijo singelo que ele deu em Will poucos segundos atrás. Era um beijo intenso, urgente, cheio de desejo acumulado. 

Eles tentaram ficar mais próximos, mas como estavam sentados um ao lado do outro no sofá era uma tarefa praticamente impossível. Então Will resolveu o problema: em um movimento rápido, ele girou o corpo, colocando os joelhos no sofá, um de cada lado da cintura de Nico. 

Puta merda, Will estava praticamente no seu colo agora! Se ele abaixasse só um pouco o corpo… 

Os pensamentos de Nico foram interrompidos quando Will voltou a beijá-lo. Seus peitos colados, as mãos passeando pelo seu cabelo. 

Will passou a língua no lóbulo da orelha de Nico, fazendo ele sentir um arrepio bom pelo corpo todo. Com apenas uma mão, começou a abrir os botões da sua camisa e Nico quase puxou o tecido de volta, sentindo-se um pouco exposto demais. Mas então Will parou e puxou a gola para o lado para facilitar o acesso ao seu pescoço e fez uma trilha de beijos molhados ali. Cada pedaço de pele que Will tocava parecia que pegava fogo. Nico arfou, sentindo-se como se estivesse indo do céu ao inferno em questão de segundos. 

Câimbra. — Will murmurou entre o beijo e então finalmente sentou-se no colo dele. Nico deixou escapar um gemido e pôde sentir Will sorrir contra a sua pele. — Ah, agora sim.  

Nico achou que não daria conta de sustentar o peso do outro. Mesmo que a diferença de altura entre eles fosse pequena, Will era mais forte do que ele. Mas ele não sentia dor nas pernas. Ou talvez só estivesse anestesiado demais naquele momento para sentir algo. 

Quando Nico percebeu, suas mãos haviam encontrado uma brecha na cintura e ele ergueu um pouco a camiseta do outro, passando os dedos na pele quente das costas de Will. Seu vizinho pareceu entender aquilo como um sinal verde, porque rapidamente puxou a própria camiseta para cima e a jogou no chão.

Automaticamente, os olhos de Nico viajaram pelo tronco desnudo do vizinho. Foi aí que ele finalmente desvendou o desenho da tatuagem de Will: era um sol estilizado no lado esquerdo do seu peito — e isso combinava tanto com ele. Seus ombros eram largos e fortes, seu abdome era trincado, mas sem ser de forma exagerada e uma trilha fina de pelos claros descia até seu umbigo, desaparecendo sob a borda da calça jeans. Seu corpo era simplesmente perfeito. Will parecia um deus grego de tão lindo e botava no chinelo qualquer modelo masculino da Calvin Klein. 

Sem nem pensar, Nico ergueu a mão e tocou seu peito firme, apenas para confirmar se tudo aquilo era mesmo real. Sim, era de verdade. 

— Nico... — Will soltou um suspiro e fechou os olhos ao sentir o toque. Seu peito subia e descia rapidamente porque ele respirava com dificuldade. — Céus, você está me deixando louco aqui.

Will colocou uma das mãos na nuca dele e o puxou até seus lábios se tocarem novamente, o beijando com fervor. Enquanto isso, sua outra mão descia lentamente pela camisa entreaberta de Nico, o fazendo sentir um turbilhão de sensações diferentes, porém muito boas.

Nico arranhou as costas nuas de Will quando sentiu uma mão começando a abrir o botão da sua calça.

Quando as coisas estavam começando a esquentar de verdade, Will parou de repente. Nico ficou pensando se havia feito algo de errado, mas então percebeu que Cérbero estava diante deles, com as patas em volta do sapatênis do vizinho, tentando mordiscar a barra da sua calça.

Au, au! 

Por que esse cachorro maldito tinha que aparecer justo agora? Se ele queria tanto atrapalhar, deveria ter aparecido antes, quando Nico estava sofrendo um ataque de cócegas!

— Hm, amiguinho, esse não é um bom momento para brincar.  — Will olhou por cima do ombro e mexeu a perna, tentando se soltar. — Me solta, por favor! 

 Mas Cérbero não parou, pelo contrário, isso o fez ficar ainda mais motivado, achando que tudo não passava de uma brincadeira.  

Will colocou as mãos nos ombros de Nico, tentando se equilibrar enquanto continuava mexendo a perna freneticamente. O garoto segurou o vizinho pela cintura quando ele quase se desequilibrou para trás.

Nico tentou usar apenas uma mão para afastar o filhote, mas não conseguia alcançá-lo sem soltar Will totalmente. 

— Cérbero, solta!  — ele ordenou, mantendo a voz firme conforme havia aprendido nas aulas de adestramento.    

 E então o filhote soltou a perna de Will e voltou para o chão, como se tivesse esperando por esse comando durante toda a sua curta vida.

— Bem, vamos pensar no lado positivo... Ele te obedece agora. — Will começou a rir, o que fez com que Nico sorrisse também. Realmente teria sido uma cena engraçada, se eles não estivessem numa sessão de amassos quentes apenas alguns segundos atrás. 

Quando Will finalmente conseguiu parar de rir, ele saiu de cima de Nico e desabou no sofá ao seu lado. Cérbero colocou as patas no sofá, ficando bem no meio deles. 

— Ei, amiguinho, você ficou com ciúme? — Will pegou o filhote no colo que tentou lambê-lo. — É melhor você se acostumar, porque você terá que dividi-lo comigo a partir de agora. 

Nico fingiu coçar o nariz enquanto dava um pequeno sorriso, sentindo-se feliz em ouvir isso. 

— Bem, acho melhor eu ir… — Will soltou Cérbero no chão, que saiu correndo de novo depois de cumprir seu papel com perfeição. Ele olhou para Nico parecendo um pouco sem jeito. — Está ficando meio tarde e preciso chegar cedo da universidade amanhã.  

— Sim, sim. — Nico esfregou a nuca. — E eu tenho que trabalhar no livro.

Will assentiu e se abaixou para pegar a camiseta no chão, a colocando novamente. Pegou também a camisa jeans que havia deixado no braço do sofá e a vestiu. 

Os dois se levantaram e seguiram em silêncio até à porta. Will tocou a maçaneta, mas não abriu. Ele botou a mão livre no queixo de Nico e lhe deu um doce beijo de despedida. 

 — Tchau, Nico. Te vejo nos meus sonhos. — Ele deu uma piscadinha e então saiu. Nico fechou a porta e botou a mão no coração que estava batendo de forma descompassada.

O que havia acabado de acontecer aqui? Se Cérbero não tivesse interrompido, até onde eles teriam ido naquela noite?

Will podia ser um cara gentil e cavalheiro na maior parte do tempo, mas parecia se transformar quando os dois se beijavam. Nico sabia que Will não aguentaria ficar muito tempo só em beijos e era apenas uma questão de tempo para o vizinho perceber a sua total falta de experiência no assunto — isso se ele já não tivesse percebido.  

Nico andou devagar até o banheiro e levou um susto ao olhar seu reflexo no espelho. Seus cabelos estavam mais bagunçados do que o normal, suas bochechas estavam rosadas, seus lábios estavam inchados depois de tantos beijos e sua camisa estava aberta até metade do peito. Parecia que um furação havia passado por ele! 

Jogou água no rosto, tentando recobrar os sentidos. Foi aí que percebeu uma manchinha no seu pescoço, ele se aproximou mais do espelho e viu que era um chupão. Merda, ia matar Will por deixar uma marca num lugar tão visível! 

Will...

Nico fechou os olhos por um momento, recordando o que havia acontecido apenas alguns instantes atrás. Os beijos de Will, a mão dele passeando pelo seu corpo e foi impossível não perceber o volume em suas calças quando se abaixou e sentou-se no seu colo. Bem, Nico não podia julgá-lo, pois estava do mesmo jeito na hora. E só de pensar nisso de já estava sentindo-se excitado de novo. 

Inferno! Nico precisava de um banho gelado com urgência. 


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Notas finais do capítulo

(Pequeno dicionário de italiano de TDQP)
Mamma mia: "minha mãe", em tradução literal (muito usada para expressar surpresa, indignação etc. Equivale ao nosso "ai meu Deus!" haha).

Uau, aconteceu muita coisa nesse capítulo, hein? Tivemos uma pequena discussão no meio da rua (que já foi solucionada, porque eu amo um casal que resolve as coisas na base da conversa), confissão, piranha tentando atrapalhar o encontro deles (e que ninguém acertou que era a Drew) e pegação no sofá! E não culpem essa autora que vos fala pela interrupção porque a culpa é toda do Cérbero u.u (e a fic é +16 também, então não vai rolar nada mais quente do que isso).

No próximo capítulo, Will faz uma proposta tentadora para Nico.

Até sexta-feira que vem! õ/



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