Trevo de Quatro Patas escrita por Maremaid


Capítulo 12
Trevo de quatro patas


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente!

Sextou com o último capítulo de TDQP... *todos choram*
Boa leitura!



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Nico acordou com a campainha tocando. Ele resmungou enquanto tateava a mão pela cama e pegava seu celular. Abriu apenas um pouco os olhos por causa da claridade da tela e checou as horas. 11:18 da manhã. Sentou-se na cama, coçando os olhos, enquanto via o monte de notificações na tela de bloqueio. Havia mensagens de Bianca e também do grupo da família. Sua irmã havia ligado duas vezes por volta de 1 hora atrás, mas ele não ouviu porque estava no silencioso. Ela estava tão curiosa assim para saber as novidades? Não ficaria nada surpreso se a pessoa na sua porta agora fosse ela. Quando ele ia desbloquear o celular para ler as mensagens, a campainha tocou novamente.

Um pensamento passou pela sua mente: poderia ser Will. Afinal, eles haviam combinado de almoçar juntos. Ele botou o celular no bolso e saiu da cama, calçando os chinelos. Nem precisou chamar Cérbero, pois o filhote levantou-se e o seguiu prontamente para fora do quarto.

— Chegou cedo, ainda não… — ele começou a falar ao abrir a porta, mas parou quando percebeu que sua visita não se tratava de Will. — Pai?!

O que ele estava fazendo aqui? Nico achava que ele só viria amanhã buscar o cachorro!  

— Você não parece muito feliz em me ver. — Hades franziu o cenho. — Ou estava esperando outra pessoa?

— Hm, achei que era Bianca — mentiu. — Ela sempre aparece sem avisar. 

Bem, essa última parte não era uma mentira. 

— Você não viu minhas mensagens? Eu disse que viria direto do aeroporto. — Seu pai balançou a cabeça como se dissesse: “Ah, esses jovens de hoje em dia!”. — Não vai me convidar para entrar?

— Ah, claro… entre! — Nico  abriu mais a porta e o pai entrou, olhando em volta. Por sorte, ele havia arrumado tudo na tarde anterior, então o apartamento estava apresentável.  — Como foi sua viagem?

Nico fechou a porta atrás de si e analisou o pai de cima a baixo. Hades estava usando uma camisa cheia de palmeiras, bermuda e chinelos. Sua pele estava vermelha e descascando, prova que nem o melhor  protetor solar do mundo poderia salvá-lo de uma insolação naquele momento. 

— Ah, Perséfone adorou! — ele respondeu, como se isso explicasse tudo. E realmente explicava, afinal, ninguém gostaria de ver aquela mulher irritada. —  Mas estava quente! Muito quente! 

Nico pressionou os lábios, se segurando para não fazer um comentário irônico de como o pai parecia um tomate. Provavelmente demoraria algumas semanas até sua pele voltar ao normal. 

— O senhor quer alguma coisa? Água? Um refrigerante? — perguntou, por educação.

— Estou bem. Não posso demorar muito, Perséfone está esperando com a mãe dela lá embaixo no carro. — Hades fez uma careta ao se referir a sua sogrinha nem tão amada assim. Abaixou-se e estendeu os braços — Ei, Cérbero! Pronto para ir para casa?!  

O filhote recuou um passo, indo para trás de Nico. Cérbero sempre ficava eufórico quando via outras pessoas, mas agora parecia uma criança tímida se escondendo atrás da perna da mãe. Era como se ele entendesse o que estava acontecendo. 

— Acho que ele só não está te reconhecendo — Nico disse, mesmo que não acreditasse muito nisso. Afinal, o filhote nunca teve problemas em se aproximar de desconhecidos. 

— Ah, pode ser mesmo meu visual — seu pai concordou,  tirou o boné preto e colocou os óculos escuros na cabeça. — Vem cá, garotão! — chamou-o novamente. 

Nico observou enquanto Cérbero, ainda um pouco hesitante, deu alguns passos e se aproximou do homem. Farejou sua mão e então deixou que Hades tocasse o topo da sua cabeça. 

— Uau, você está enorme... — Seu pai estava com a cabeça baixa enquanto fazia carinho no cachorro, então Nico não conseguia ver sua expressão. Porém, sua voz soava diferente, como se estivesse... triste?!  — Por que vocês crescem tão rápido?

Nico teve a impressão que Hades não estava se referindo exclusivamente ao filhote ao dizer isso. 

— Eu… vou buscar as coisas dele. — Nico não esperou por uma resposta e foi depressa para o seu quarto. 

Quanto mais rápido você terminar tudo, mais rápido seu pai irá embora com o cachorro. Sua consciência o lembrou. Então seu apartamento será só seu novamente!  

Ele colocou a cama de Cérbero desajeitadamente dentro da bolsa floral e recolheu alguns brinquedos pelo caminho. Pegou as tigelas de água e ração na área de serviço e também a caixa de transporte. Voltou para a sala e começou a procurar a guia, mas não lembrava onde havia deixado na noite anterior.

— Ele sabe dar a patinha, eu não tinha ensinado isso ainda. — Hades disse em algum ponto atrás dele. — Foi você?

— Hm, sim. Ensinei algumas coisas — Nico deu de ombros, como se não fosse nada de mais. — Só para ele não destruir o meu apartamento.

— Entendo. — Seu pai fez uma pausa mais longa do que o normal. — Ele deu muito trabalho?

— Não. — Nico respondeu automaticamente. Parou o que estava fazendo e olhou para o pai por cima do ombro. — Quer dizer, um pouco. No começo foi difícil, mas depois ele aprendeu a se comportar. 

— Que bom. — Hades deu um suspiro, parecendo aliviado. — Confesso que fiquei um pouco surpreso quando Bianca me disse que você ia ficar com Cérbero. Achei que...

— ...Que eu não daria conta, não é? — Nico completou. — Afinal, eu sempre te desapontei. 

Seu pai não precisava fingir. Nico sabia que Bianca sempre fora a filha favorita. Em segundo lugar, Hazel. Afinal, suas garotinhas nunca o decepcionavam, ao contrário do seu único filho homem.

— Nico. — Seu pai parou de revirar a bolsa e olhou para ele com uma expressão séria no rosto. — Você nunca me desapontou. 

— Ah, claro! — Nico deu uma risada debochada e amarga, não acreditando nas palavras do pai. — E caso ainda não tenha ficado claro, eu só cuidei dele porque Bianca praticamente implorou pela minha ajuda. Não pense que fiz isso pelo senhor — deu de ombros.

— É, eu sei disso — Hades encolheu os ombros e voltou a remexer na bolsa floral. — Está tudo aqui? Cadê a guia?

— Hm, só um momento. — Nico lembrou-se que era exatamente isso que estava procurando antes e começou a levantar as almofadas do sofá freneticamente.

— Acho que em breve terei que comprar uma caixa nova para ele. — Seu pai comentou, tentando botar o filhote dentro da caixa de transporte. Cérbero não parecia muito a fim de entrar naquele cubículo.

Nico lembrava-se do dia em que Bianca chegou com o filhote. Ele parecia tão pequeno naquela caixa enorme; agora, mal cabia dentro dela. Cérbero realmente havia crescido muito nas últimas três semanas. 

— Hm, pois é — ele murmurou, sentindo um nó se formar na sua garganta. — Aqui está a guia. — e a jogou dentro da bolsa. 

— Ok, acho que está tudo pronto agora. — Seu pai levantou-se e colocou as mãos na cintura, olhando para as coisas no chão. — Então... Estou indo. 

Nico assentiu e pegou a bolsa, acompanhando o pai até o elevador. 

— Eu… — Hades ergueu a mão na direção do ombro de Nico, mas se deteve no meio do caminho, parecendo totalmente sem jeito. — Obrigado por cuidar do Cérbero. 

— Tudo bem — ele deu de ombros, afundando as mãos no bolso da bermuda. — Afinal, eu era a sua última opção mesmo. 

Hades revirou os olhos e soltou um suspiro alto, do mesmo jeito que Nico sempre fazia. Às vezes, ele se odiava por ser tão parecido com o pai, tanto na aparência, quanto no modo de agir e demonstrar seus sentimentos. 

— Nico, eu… — ele começou, mas parou de falar quando a porta do elevador se abriu. 

— Melhor você se apressar. — Nico botou a bolsa no chão do elevador e segurou a porta. — Perséfone deve estar impaciente.

Hades olhou para Nico por alguns segundos torturantes, como se estivesse pensando se falava algo ou não, por fim, apenas balançou a cabeça.  

— Hm, sim... — ele entrou no elevador. — Tchau, filho. 

— Tchau — respondeu, soltando a porta do elevador e dando um passo para trás. 

Nico não olhou para o pai, muito menos para o cachorro, sabia que qualquer uma das duas opções o denunciaria naquele momento. Simplesmente virou-se, sem esperar as portas do elevador se fecharem, e voltou para o seu apartamento rapidamente. 

Ao entrar, parou bem no meio da sala e olhou em volta.

Depois de três semanas estava enfim sozinho! Seu apartamento era só seu de novo! Não precisava mais se preocupar com seu piso ficando sujo de urina e ter que sair para passear duas vezes ao dia para prevenir isso. Poderia comer em paz sem ninguém desejar sua comida. Não teria mais uma coisa peluda o seguindo por todos os cômodos como se fosse uma sombra. 

Voltou para o quarto, pronto para se jogar na cama e dormir mais um pouco, mas seus olhos automaticamente foram parar no bichinho de pelúcia em cima da prateleira de livros. “Olha, parece o Cérbero!”, Will havia dito isso quando lhe entregou a pelúcia na noite do parque de diversões. Sim, era realmente igualzinho a ele. Pegou o brinquedo e sentou-se na beirada da cama. 

De repente, sentiu um aperto no peito.

— Você queria tanto que ele fosse embora, estava até contando os dias. — Nico murmurou para si mesmo e encarou o cachorrinho de pelúcia em seu colo. — Então, por que você não está feliz agora, seu idiota?

Por mais que Nico não quisesse admitir isso em voz alta, ele sabia exatamente a resposta para aquela pergunta. E ele se odiava por isso.

*** 

Assim que Will acordou naquela manhã de sábado, foi até ao terraço e limpou tudo, deixando como estava antes. Pensou em devolver a chave para o Sr. D naquele momento, mas ainda era um pouco cedo e não quis levar uma bronca do síndico por acordá-lo. Então, saiu para correr um pouco, como sempre gostava de fazer nos finais de semana. Quando voltou, devolveu a chave e subiu para o seu apartamento, tomando um banho para tirar o cheiro de suor. Quando enfim olhou as horas, já era quase meio-dia. 

Ele pegou a lasanha e o tiramisù que havia sobrado e uma jarra de suco natural — pois eles haviam acabado com a garrafa de vinho na noite anterior. Foi até o apartamento de Nico e apertou a campainha. Esperou, mas ninguém atendeu. 

Tocou de novo. Nada. Será que Nico ainda estava dormindo? 

Will equilibrou as coisas contra o peito e estava tentando pegar o celular no bolso quando a porta enfim se abriu. 

— Oi, eu ia te ligar agorinha! — sorriu ao ver o namorado e lhe deu um selinho. Não esperou por um convite e já foi entrando. — Você ainda estava dormindo? Desculpa te acordar. 

Nico ainda estava usando as roupas da noite anterior, então Will supôs que ele só havia chegado em casa e capotado na cama. Seus cabelos estavam sempre bagunçados, como se ele tivesse acabado de acordar, mas agora seus fios rebeldes pareciam ainda mais adoráveis do que o normal. Queria abraçá-lo e lhe encher de beijos, mas infelizmente estava com as mãos ocupadas.

— Hm, não. Já estava acordado. — ele respondeu apenas.

Will ouviu a porta se fechando e escutou os passos de Nico o seguindo até a cozinha. Estranhou que Cérbero não estivesse à vista, pois o filhote sempre estava na frente na porta e o recepcionava com um abanar de rabo. 

— Cadê meu amiguinho? Ainda escondido no seu quarto? — perguntou, colocando a travessa em cima da  mesa. 

Nico demorou um pouco para responder. 

— Ele não está aqui. 

— Como assim “não está aqui”? — Will virou-se e encarou o namorado, que estava parado apenas alguns metros dele como se fosse uma estátua. — Ele fugiu de novo, não é? O que você está esperando? Vamos procurá-lo logo! 

Nico segurou o braço de Will quando ele tentou ir em direção à porta. 

— Não é isso. Hm, meu pai veio aqui um pouco antes de você chegar e o levou embora. Vamos comer! — Nico mudou de assunto tão drasticamente que ficou na cara que ele não queria falar sobre o filhote. — Estou morrendo de fome! 

Will sabia que Nico se importava com Cérbero. Aquela noite em que o filhote ficou na clínica veterinária era prova clara disso. Queria que o namorado se abrisse com ele e contasse como realmente estava se sentindo, mas também sabia que Nico não era o tipo de pessoa que desabafava facilmente com os outros. 

 — Ei, por que você não toma um banho antes de almoçarmos? — Will sorriu, achando melhor não insistir no assunto de Cérbero.

— Não estou com vontade — Nico deu de ombros.

— Você não estava com vontade de trocar de roupa antes de se jogar na cama na noite passada também?  — ironizou. 

Nico olhou para a sua própria roupa, como se só agora tivesse percebido isso. Ele fungou, parecendo sem jeito de repente. 

— Hm, pensando bem… acho que vou tomar um banho — ele praticamente correu para o banheiro e se trancou lá dentro. 

Will estava prestes a voltar para a cozinha quando notou a porta do quarto de Nico aberta. De onde ele estava, dava para ver a cama do namorado toda bagunçada. Céus, ele precisava ser mais organizado!

Entrou no quarto e começou a arrumar a cama. Ao levantar um dos travesseiros, achou um objeto escondido abaixo dele. Oh, era aquele cachorrinho de pelúcia que Will deu para Nico no primeiro encontro deles! Sorriu ao se lembrar daquela noite especial. 

— Já sinto sua falta, amiguinho… — Will sorriu, alisando a orelha da pelúcia do cachorro. Se soubesse que a noite anterior seria a última vez que veria o filhote, teria se despedido dele apropriadamente. 

Espera, mas por que a pelúcia estava na cama? Will lembrava-se perfeitamente de vê-lo na prateleira, junto com os livros, da última vez que esteve ali. Um pensamento passou por sua cabeça.

— Ele não superou a ida de Cérbero tão facilmente assim, não é? — Will perguntou para o cachorrinho, mesmo sabendo que ele não fazia parte dos brinquedos de Toy Story e não criaria vida. Deu um suspiro e então murmurou: — Droga, Nico, você vai morrer se demostrar que está triste? 

Andou até a prateleira e colocou o cachorrinho de pelúcia no mesmo lugar de antes. Então passou os dedos pelas lombadas dos livros, sentindo-se orgulhoso por saber que Nico havia traduzido todos eles. 

Aproveitou que estava sozinho para observar o quarto do namorado com mais atenção pela primeira vez. Nico não era muito materialista, seu quarto consistia basicamente em: uma cama de casal; um pequeno gaveteiro ao lado da cama, onde ficava o abajur; um guarda-roupa; uma escrivaninha com poucos itens em cima e a prateleira com os livros. Seus móveis, e até mesmo seu jogo de cama, eram todos de tons escuros. A única coisa clara ali eram as paredes em um leve tom de azul — e Will sabia que Nico teria pintado se pudesse, mas a política do prédio não permitia. Só isso. Sem fotos, pôsteres ou qualquer outra coisa que jovens gostavam hoje em dia. O quarto parecia tão misterioso quanto seu dono. 

De repente, Will escutou a porta do banheiro se fechando e, muito rapidamente, voltou a arrumar a cama. Seu namorado entrou no quarto usando apenas um roupão preto, com os pés descalços enquanto passava uma toalha nos cabelos molhados. Céus, ele estava absurdamente sexy agora! 

Nico deu um sobressalto quando percebeu que não estava sozinho.

 — O que você está fazendo no meu quarto? — ele perguntou de forma desconfiada. 

— Ah! — Will soltou o travesseiro que estava segurando, sem conseguir parar de encarar a pele exposta abaixo do pescoço de Nico. Céus, como ele queria passar a língua naquela clavícula... — Desculpa, não consigo ver uma cama desarrumada e precisei arrumar! 

— Hm, ok. — Ele mexeu na gola do roupão, cobrindo o pedaço de pele que estava visível e explicou-se: —  Eu... eu esqueci de pegar minhas roupas antes de ir para o banheiro. 

Will assentiu, mas não entendia por que Nico parecia tão envergonhado. Afinal, estava vestindo um roupão, uma peça comportada até demais para os padrões de Will. Seu namorado provavelmente surtaria se soubesse que ele sempre andava pelado pelo apartamento após sair do banho.

Nico foi em direção ao guarda-roupa e Will voltou a arrumar a cama.

— Hm… você vai demorar muito tempo para terminar? — ele perguntou, com a cara enfiada nas prateleiras. Parecia mais que estava se escondendo do que procurando uma roupa para vestir. 

— Por quê? Você está com vergonha de trocar de roupa na minha frente? — um sorriso torto surgiu nos lábios de Will. Ele terminou de arrumar a colcha e sentou-se na beirada da cama, apoiando as mãos no colchão. — Não tem nada aí que eu nunca tenha visto…

—  Mas que porra...?! — Nico exclamou, virando-se no mesmo instante. Seus olhos estavam arregalados e suas bochechas levemente coradas. Tão fofo! — Você ainda não me viu sem roupas!

Will gostou que Nico disse “ainda”, pois significava que ele já havia cogitado que uma hora isso aconteceria. 

Caramba, Will queria muito se levantar, prensar Nico naquele guarda-roupa e beijá-lo até ambos perderem o fôlego! Porém lembrou-se que o namorado estava de roupão, provavelmente sem nada por baixo, e isso seria demais para seu autocontrole. Eles estavam namorado há apenas 1 dia e as coisas já estavam assim difíceis! 

Sabia que era o primeiro namorado de Nico e que ele provavelmente nunca havia dormindo com ninguém antes só pelo jeito que ficava nervoso e envergonhado facilmente.  Will disse a si mesmo que esperaria até Nico estar totalmente pronto, porém, o  problema era justamente resistir à tentação. Will não era nenhum tipo de ninfomaníaco, claro, mas estava sem transar a mais tempo do que gostaria de admitir e isso dificultava um pouco as coisas. 

 — Só quis dizer que ambos somos homens. Tudo que você tem, eu também tenho. — Enfim explicou, dando um sorrisinho malicioso. — Você tem uma mente suja, namorado. 

— Não tenho! — Nico exclamou e virou-se novamente, remexendo freneticamente nas suas camisetas. — Você que é um pervertido!

Will não rebateu, afinal, ele adorava mesmo dizer frases ambíguas só para deixar Nico desconcertado. 

— Certo, vou parar. — ele levantou-se, ajeitando onde a colcha havia amassado e caminhou em direção à porta. — Te espero lá fora.

E então Will saiu do quarto, fechando a porta atrás de si para dar privacidade para Nico. 

***

Enquanto esperava Nico se arrumar, Will ficou sentado no sofá e tentou bolar um plano para animar o namorado. Nico voltou alguns minutos depois usando outras roupas e com os cabelos praticamente secos. Por mais que tentasse disfarçar, sua “cara de enterro” permanecia. Will odiava vê-lo assim. 

— Ei, que tal sairmos e almoçarmos fora?  — propôs com um sorriso no rosto. 

— Eu pensei que íamos comer a lasanha que sobrou de ontem. — Nico franziu o cenho, parecendo confuso. 

Certo, a lasanha que ele trouxe. Havia esquecido totalmente disso!

— Relaxa, ela pode ser congelada! — ele levantou-se em um pulo e foi direto para a cozinha. — Posso colocar no seu freezer e aí você come quando ficar com vontade. Então, o que você acha? Vamos sair? 

— Hm… Não. — Nico apoiou-se na bancada de granito, parecendo indisposto. —  Está calor lá fora. 

Às vezes, Will esquecia como ele e Nico eram tão diferentes. Ele amava dias quentes, o sol, o mar, longas caminhadas. Já Nico, parecia odiar tudo isso.

— Ah, por favor! Você pode escolher o que vamos comer! — sugeriu, achando que assim conseguira convencê-lo. — Que tal…  hambúrguer, batata frita e refrigerante?

— Não estou com vontade — Nico deu de ombros. Uau, ele realmente havia recusado?  — Vamos ficar aqui mesmo. 

— Certo… — Will concordou, pegando a lasanha para esquentar.

Eles almoçaram em silêncio. Nico havia adorado a comida na noite passada, mas agora mal havia tocado na lasanha e na sobremesa. Quando terminaram de comer, Will colocou a louça suja na máquina lava louças e eles foram para a sala. Sugeriu que eles vissem um filme e Nico apenas assentiu em resposta. O filme escolhido era de ação e Will estava achando muito empolgante e divertido. Sempre que ele olhava para o namorado, Nico estava encarando a tela como se estivesse muito concentrado, mas Will sabia que sua mente estava bem longe dali. 

Quando o filme estava na metade, o telefone de Nico começou a vibrar em cima da mesinha de centro e o nome de Hazel apareceu na tela. Will olhou para Nico, mas ele continuava fingindo assistir ao filme. 

— Você não vai atender? — Will finalmente perguntou. 

Nico olhou de relance para o celular e então fixou os olhos novamente na televisão. 

— Ela deve estar me ligando porque eu não respondi a mensagem que ela mandou antes. Depois eu retorno. 

— E por que você não respondeu? — quis saber. 

— Porque… — Nico parou, pensando numa resposta adequada. — Esqueci. 

Claro, como se Will caísse nesse papinho. 

— Bem, deve ser algo importante para ela estar te ligando... — insistiu. — Se eu fosse você, atenderia. 

— Ok, ok! — Nico revirou os olhos e pegou o telefone antes que ele parasse  de tocar. — Oi. 

Will queria dar privacidade para eles conversarem tranquilamente, então pensou em sair da sala, mas Nico segurou seu pulso quando ele tentou se levantar e fez sinal para ficar. Ele tentou prestar atenção novamente no filme enquanto Nico conversava ao telefone com a irmã caçula. Bem, “conversar” parecia um exagero, pois Hazel falou a maior parte do tempo e Nico apenas murmurou palavras monossílabas em resposta. Isso fez Will se lembrar dos velhos tempos quando Nico o respondia assim também. 

— ...Certo, tchau — Nico finalizou a ligação, colocando o celular ao seu lado no sofá. 

Will esperou, mas Nico não disse nada e voltou a olhar para a televisão. 

— Então… quando eu vou conhecer a Hazel? — Will perguntou de repente, tentando criar um assunto entre eles. Nico tirou os olhos da televisão e o encarou como se dissesse “é sério, Solace?”. — Ah, talvez seja cedo demais para conhecer a família um do outro, não é? Foi mal!

— Bem, estamos namorando agora, então acho que isso é algo meio inevitável... — Nico deu de ombros, não parecendo muito feliz com a ideia. 

Will ficou pensando se o problema era Nico apresentar um namorado — homem! — para a família pela primeira vez, ou se tinha relação com o fato dele não se dar bem com o pai. Claro que ele não havia falado isso com todas as letras, mas Will percebeu pela forma como Nico se referia ao pai que os dois não pareciam ter uma relação muito boa. Pelo menos não do jeito que ele e Apolo, seu pai, tinham. 

— Hazel costuma passar uns dias aqui nas férias de verão. — Nico prosseguiu. — O semestre está quase acabando, então você a conhecerá em breve.

— Legal! E como Hazel é? — Will perguntou animado.  — Eu já conheço Bianca, mas acho que nunca vi sua outra irmã. Vocês são parecidos? 

— De aparência? Não, somos completamente diferentes. Ela tem cabelos cacheados e a pele negra igual à mãe dela… — Nico olhou para Will, testando sua reação. — Não está surpreso?

— Pois sua irmã não é branca? Claro que não! Se eu tivesse irmãos, aposto que eles seriam bem diferentes de mim também — disse, lembrando como o seu pai não tinha um “tipo ideal” e provavelmente já havia saído com pessoas de todos os cantos do mundo. — E de personalidade? 

— Também não somos parecidos. Ela é muito simpática, responsável e tem vários amigos. Não é tímida, mas também não fala pelos cotovelos. E não se mete na minha vida igual a Bianca. 

— Então ela não é ranzinza que nem você e gosta de conversar? Já gostei dela! — Will o provocou e Nico apenas revirou os olhos em resposta. — Você tem alguma foto com ela no seu celular? Não precisa ser recente. 

— Não tenho. Na verdade, não sou muito fã de fotografias... — ele confessou. 

— Mas você deve ter algumas guardadas, não é? — perguntou, segurando o braço de Nico com carinho. — Eu quero ver o quão fofo você era quando criança. 

— Fofo o cacete — Nico resmungou de cara amarrada. 

— Isso não é justo, você já viu várias fotos minhas! 

— Eu não tenho culpa se você colocou um mural bem no meio da sua sala para qualquer um ver! — Ele bufou. 

— Por favor, hein? — Will insistiu, fazendo biquinho. — Me mostre, namorado…

— Você é tão irritante às vezes, sabia? — Nico bufou.  — Eu te odeio. 

— Não, você não me odeia — disse, dando um beijo no cantinho da boca de Nico só para provocá-lo. 

— Não odeio — Nico concordou. — Mas isso não significa que não quero socar essa sua carinha esculpida pelos deuses às vezes. Como agora. 

— Ah, então sou bonito como um deus grego? — provocou com um sorrisinho no rosto. Nico resmungou algo em italiano e desviou o olhar. — Na minha língua, por favor, sr. Bilíngue. Ao contrário de você, eu só sei falar inglês. 

— Tem certeza que quer saber? — ele ergueu uma sobrancelha em tom de desafio. 

— Se você me xingou, nem precisa traduzir — disse. Como Nico apenas pressionou os lábios para não rir, Will concluiu que estava certo. — Ok, e as fotos? 

— Caralho, mas você é… um chato! — Nico provavelmente ia xingá-lo de algo pior, mas mudou no último segundo. — Vamos ver o filme. 

— Ok… — Will assentiu e passou o braço pelos ombros do namorado, o abraçando de lado no sofá.  Nico lançou um olhar para ele, mas não disse nada e apenas se aconchegou ali. 

Eles assistiram o resto do filme sem falar nada. Quando os créditos começaram a subir na tela, Will retirou o braço dormente e se espreguiçou como um gato. 

— E aí? Gostou do filme? — Will perguntou e Nico apenas murmurou um “sim” em resposta. — Qual foi a sua parte favorita? 

— Ah, você sabe… — ele se enrolou todo para responder — Aquela que tem... a explosão?! Sim. Com a explosão. 

— Qual delas? Aquela que tem dentro da loja ou com o carro no estacionamento? — quis saber. 

— Definitivamente a da loja — Nico confirmou. 

— Não teve nenhuma cena de explosão em loja, Nico — Will disse sério. — Estava só te testando para ver se você realmente tinha prestado atenção no filme. Você falhou. 

— Ah, fala sério! — ele revirou os olhos.  — Ok, talvez eu tenha pegado no sono e perdi algumas partes, ok? Tanto faz!  

— Não, você não dormiu. Ficou olhando para a tela e fingiu prestar atenção no filme, mas sua mente claramente estava em algum lugar bem longe daqui. 

— O que você está tentando insinuar, Solace? — Nico lhe lançou um olhar de tédio. Ele era mesmo um bom ator, se Will não soubesse o que estava realmente acontecendo podia jurar que ele estava bem.

— Cérbero — disse simplesmente, pois não aguentava mais pisar em ovos. — No dia em que ele ficou doente, você fingiu que estava bem, mas no fundo eu sei que ficou preocupado. E agora não é diferente. Mesmo você tentando não demonstrar isso, eu sei que está triste pela partida dele. 

— Faz alguma diferença se eu estiver triste ou não? — ele exclamou, parecendo estar com raiva. — Isso não vai trazer ele de volta! Cérbero já foi embora!

— Sim, faz muita diferença. — Will segurou as mãos do namorado, o olhando bem no fundo dos seus olhos. — Nico, um relacionamento não é feito apenas de momentos bons. Você não precisa ficar guardando tudo para si mesmo, ok? Quando você quiser desabafar, fale comigo. Se eu puder fazer algo para te ajudar, farei. Mas se eu não puder,  bem... Vou apenas te abraçar e mostrar que estou do seu lado. Sou seu namorado, mas também posso ser seu amigo. 

Os ombros de Nico relaxaram e ele soltou um suspiro cansado. 

— Eu sei… obrigado. — ele forçou um sorriso e apertou levemente a mão de Will. — Eu moro sozinho desde que comecei a faculdade e eu realmente adorava isso. Ter liberdade, não depender dos outros para nada e, principalmente, silêncio. Não queria dividir o meu espaço pessoal com ninguém, muito menos com um filhote que dependia de mim. Quando Bianca apareceu aqui com ele aqui naquela manhã de sábado, meu primeiro pensamento foi recusar. 

— E por que você aceitou? — Will quis saber.

— Bem, foi por causa das minhas irmãs, porque elas realmente não podiam ficar com ele… — disse como se fosse óbvio.

— Só por isso? — Will ergueu uma sobrancelha. 

— Sim — mentiu. Achou melhor não admitir que Will havia influenciado um pouco a sua escolha. 

Eles ficaram em silêncio por algum tempo até que Will quebrou o silêncio: 

— Sabe, eu estava pensando... Você quer dormir no meu apartamento hoje? — perguntou. Nico se afastou o suficiente para poder olhar seu rosto. — Apenas pensei que você não gostaria de ficar aqui sozinho esta noite. Eu não vou fazer nada!

— Você também disse isso na última vez e sabemos bem o que aconteceu… — Nico desviou o olhar, parecendo meio constrangido ao citar isso. Sim, Will lembrava muito bem dos amassos na cama antes deles dormirem, mesmo ele dizendo que ia se comportar. 

— Bem… — ele coçou a nuca, meio sem jeito pela sua atitude naquela noite. — Foi mal, não achei que seria tão difícil me controlar. Mas estou falando sério dessa vez! Se você quiser, eu até durmo no chão do quarto! 

— Eu não vou fazer você dormir no chão do seu próprio apartamento! Melhor aqui. 

— Nossa! Então quer dizer que no seu apartamento eu posso dormir no chão? 

— Não, bobo. Estou dizendo que prefiro dormir aqui, afinal, preciso me acostumar a não ter mais Cérbero por perto. Mas você pode ficar aqui comigo, se quiser... — ele deu de ombros, como se não se importasse. 

— Eu quero! Eu vou me comportar! Vou ficar tão quietinho que você até mesmo vai esquecer minha presença no quarto! — garantiu. 

— Ei, não faça uma promessa que você não possa cumprir! — Nico deu um peteleco de leve na testa de Will, que fingiu estar bravo enquanto esfregava a testa. Então ele ficou sério de repente. — Hm, eu sei que não está sendo fácil para você e, acredite, também não está sendo para mim. Mas será que você pode esperar só mais um pouco? 

Mesmo que Nico não tenha dito com todas as letras, Will entendeu o que ele quis dizer. 

— Claro — ele sorriu. — Não vai ser uma tarefa muito fácil, admito, mas vou esperar o tempo que você precisar… não se preocupe. Quero que sua primeira vez seja especial. 

— Ah… Você já sabia...  — Nico ficou vermelho igual um pimentão. — Sou patético, não é? Tenho 24 anos e nunca fiz… aquilo

Will achou fofo como ele disse “aquilo” em vez de “sexo”.

— Ei, claro que não! — ele segurou o queixo de Nico, o obrigando a olhar para ele. —  Você apenas não está se sentindo pronto para fazer ainda, e está tudo bem. Acredite, muita gente se arrepende de ter perdido a virgindade cedo. 

— Então você se arrependeu? — Nico questionou. 

— Ei, estávamos falando de você! — reclamou. 

— Apenas responda logo, Solace — ele bufou. 

— Hm… — Will coçou a nuca. — Sim, eu poderia ter esperado mais um pouco. Acho que a pressão que meus amigos mais experientes fizeram acabou influenciando um pouco na minha decisão. “Ei, vocês já estão juntos há meses e ainda não saíram dos beijos? Inacreditável!” 

— Foi com aquela sua primeira namorada do Ensino Médio? — Nico perguntou. Sério, como ele estava tão corajoso em ficar perguntando essas coisas agora? Will só queria um buraco para se esconder! 

— Sim… 

 — Foi tão ruim assim? — Nico quis saber, contendo a risada. 

— Mais ou menos… — mentiu, porque tinha sido horrível. — Nós dois não tínhamos experiência e não sabíamos direito o que fazer… — tossiu, sem saber ao certo para que direção olhar. 

— Não acredito que você está envergonhado! Suas orelhas sempre te denunciam. Isso é tão fofo — Nico disse de forma debochada só para irritar Will. 

— Ei, essa frase é minha. — Avisou, colocando as mãos nas orelhas, desejando que elas voltassem ao normal logo. — Pare. 

— Ok! — Nico deu uma risadinha e segurou seu rosto com as duas mãos, fazendo Will olhar para ele novamente. — Só queria que você sentisse na pele o que eu sinto quando você me provoca. — E deu um beijinho rápido nos lábios deles. — Vamos dormir. 

— Ótima ideia! — Will não estava com sono, mas achou que preferia ficar encarando o teto do quarto a continuar esse interrogatório constrangedor. 

***

Enquanto Will foi ao seu apartamento pegar um pijama — alegando que não usaria as roupas do namorado porque passaria calor durante a noite —, Nico preparou a cama para eles dormirem. Quando estava fechando o guarda-roupa, seu olhar parou na caixa preta em uma das prateleiras. Ele a pegou e colocou em cima da sua cama.

— O que é isso? — Will entrou no quarto e olhou com interesse para a caixa. — Ah, já sei! É a sua coleção de pornôs gays, hein?

Idiota. — Ele revirou os olhos. 

— Ah, verdade… ninguém mais usa DVD. Você deve esconder seus pornôs em uma pasta super secreta no computador como qualquer jovem normal — seu namorado provavelmente só estava tentando irritá-lo, mas havia acertado em cheio. E provavelmente Nico deixou isso transparecer na sua expressão porque Will soltou uma gargalhada e continuou: — Pelos deuses! Você tem mesmo! Meu anjinho não é assim tão inocente como eu pensava! 

— Cala a boca, Solace! — exclamou, sentindo as bochechas esquentarem. Não sabia ao certo se era por ter sido descoberto ou por que Will estava tirando sarro da cara dele, provavelmente um pouco dos dois. 

— Ei, já falei para você não me chamar mais assim, namorado. — Will fez biquinho. 

— E eu disse que só te chamo quando você está sendo irritante, namorado. — Nico rebateu de forma sarcástica. — Pensei que você queria ver minhas fotos de infância… mas tudo bem — ele tocou na caixa, fingindo que ia guardar. 

— Não! — Will segurou seu braço, o impedindo. — Eu quero ver! Por favor, por favor!

Nico abafou uma risada ao ver o desespero dele e retirou a tampa. Os olhos de Will brilharam ao ver os diversos álbuns de fotos, parecia uma criança na sua loja favorita de brinquedos.  Eles se sentaram na cama e começaram a olhar. 

— Pelos deuses! Você era absurdamente fofo! — Will exclamou assim que abriu o primeiro álbum. — Olha essas bochechas! Eu quero apertá-las! 

Ok, Nico deveria ter previsto que isso iria acontecer. Afinal, estávamos falando de Will e ele nunca perdia uma oportunidade de dizer o quão fofo achava o namorado. 

— Eu não acredito que você ficou debochando de mim por gostar de Star Wars sendo que você é um Mitomago! — Will apontou para uma foto de Nico por volta dos 10 anos com um baralho de cartas de Mitomagia na mão. — Tão nerd! 

— Eu era um Mitomago, ok? — o corrigiu. — Passado.  

— Aposto que você tinha todas as cartas e as estatuetas. E ainda as guarda como se fosse um troféu! — Will debochou. Céus, ele iria matar esse garoto e ficar viúvo de namorado. 

 — Não tenho! — mentiu. Ele tinha até mesmo a expansão Africanus Extreme que era muito rara, estava tudo em seu antigo quarto na casa do pai. 

— Suponho que essa seja sua mãe. — Will apontou para uma foto. 

Nico inclinou-se na direção dele para ver melhor. Na foto, uma mulher jovem estava sentada elegantemente na poltrona com as pernas cruzadas e usava um vestido preto de veludo. O sorriso encantador no rosto a fazia parecer uma estrela famosa de cinema de época. Nico e Bianca estavam no canto da foto, sentados no tapete e mexendo nos enfeites da árvore de Natal. Hades provavelmente havia batido aquela foto, assim como quase todas as outras, ele adorava fotografar a esposa. 

— Sim, é ela — confirmou. — Maria di Angelo. 

— Que linda! Por um segundo, achei que era Bianca — ele admitiu. 

Todo mundo que havia conhecido sua mãe dizia a mesma coisa. Até mesmo sua nonna às vezes chamava Bianca de Maria, sem nem perceber. Cada dia que passava, sua irmã ficava ainda mais parecida com ela. 

— Ei, você acabou de dizer que acha Bianca “linda”? 

— Não, estava falando da sua mãe. — Will deixou claro, mas deu um sorrisinho ao continuar. — Bem, Bianca também é bonita, mas prefiro o irmão dela. Conhece?

Nico fingiu não ligar e revirou os olhos em resposta, mas sentiu o coração palpitar ao ouvir isso. 

— Seu pai era bonitão quando novo. — Will apontou para uma foto da família reunida na formatura de Bianca no fundamental, onde Hades estava com um sorriso forçado no rosto e parecendo totalmente desconfortável com isso. — Você é um pouco parecido com ele. 

— Nossa, valeu mesmo pela ofensa… — ironizou. Se havia algo que Nico odiava era ser comparado com os outros. E se essa pessoa fosse seu pai, pior ainda. 

— Foi um elogio! Na verdade, eu diria que você é uma versão melhorada dele... 

— Agora você já está mentindo, porque eu não sou bonito.

— Aos meus olhos, você é — Will segurou o queixo dele e lhe deu um selinho. — Muito bonito. — E então voltou a olhar as fotos como se nada tivesse acontecido.

Nico apresentou sua família pelas fotos: Hazel; Marie, sua primeira madrasta e mãe da caçula; seu pai; sua nonna e tios lá da Itália; até Perséfone estava nas fotos mais recentes. 

— Como seus pais se conheceram? — Will perguntou. Ele estava com um álbum antigo na mão, da época que Nico ainda era bebê. 

— Meu pai foi para a Itália fazer intercâmbio e minha mãe estudava na mesma universidade. — começou a contar. — Ela era uma das poucas que sabia falar inglês, então sempre ajudava os alunos estrangeiros. Eles ficaram amigos e logo depois começaram a namorar, mas então meu pai ter que voltar para os EUA e terminar o curso. Eles continuaram conversando por telefone e e-mails durante esse tempo e, quando ele finalmente se formou, comprou uma passagem e foi vê-la. Foi aí eles decidiram se casar e foram conversar com a família da minha mãe para pedir “permissão”. Assim como a sua avó, a minha também não gostava do meu pai… e acho que não gosta até hoje. Ela foi totalmente contra o casamento deles, porque não queria que minha mãe casasse cedo, queria que minha mãe estudasse e tivesse uma vida diferente da dela. Minha nonna não conseguiu terminar a escola porque perdeu os pais cedo e, como a mais velha da família, teve que criar os irmãos mais novos. Assim que seus irmãos começaram a trabalhar, ela se casou com o meu avô, então nunca teve tempo para isso mesmo. Ela queria que as coisas fossem diferentes com seus filhos, queria que eles estudassem e seguissem seus sonhos. Além disso, tinha o fato do meu pai ser um estrangeiro, e minha nonna tinha medo que eles fossem embora e nunca mais voltassem. Mas meus pais estavam muito apaixonados naquela época e continuaram insistindo no assunto. Até que um dia minha mãe declarou que estava grávida. 

— Ela mentiu para poder casar ou estava mesmo?

— Bem, um pouco dos dois. Ela disse isso num impulso, apenas para ter um argumento válido para o casamento, mas a verdade é que ela estava mesmo grávida e ainda não sabia. Bianca nasceu 7 meses depois. — ele riu. Nico já havia ouvido essa história dos seus tios e tias várias vezes e sabia decorado. 

— Seus pais pareciam muito apaixonados — Will disse, olhando para uma foto dos quatro juntos. Sua mãe, Nico e Bianca estavam olhando para a câmera, mas Hades estava com um sorriso bobo no rosto olhando para a esposa. 

— Sim, eles eram. Mesmo que meu pai tenha se relacionado com outras mulheres após a morte da minha mãe, eu sei que ela foi e sempre o grande amor da vida dele. 

— Você deve sentir muito a falta dela. 

— Sinto… Eu era muito apegado a ela.  — Ele deu um sorriso triste, passando o dedo por uma foto onde sua mãe estava com um sorriso radiante no rosto enquanto brincava com os filhos no jardim. — Mas isso não parece meio irônico? Como posso sentir falta de alguém que eu mal me lembro? — questionou. 

Quando ele fechava os olhos e tentava pensar em sua mãe, seu rosto era apenas um borrão distorcido em suas memórias.

— Claro que não, é uma reação normal. Afinal, ela é a sua mãe. — Will deu um pequeno sorriso e segurou sua mão em um gesto de apoio. — A minha mãe viajava muito quando eu era criança e eu já sentia uma falta absurda dela, nem consigo imaginar como foi para você ter crescido sem a sua.

— Nem queira imaginar, foi uma droga… — ele deu um sorriso amargo em resposta. 

— Ela parecia ser uma ótima pessoa — Will olhou para uma foto de Maria meio tremida porque ela estava rindo. — Você acha que ela ia gostar de mim?

— Acho que sim. Você é bom em conquistar o afeto dos outros facilmente. 

— Ah, eu sou? — ele deu um sorrisinho torto. — Então por que você  demorou tanto para cair nos meus encantos? 

— Quem disse que eu demorei? — rebateu. 

— Ah, então você já estava de olho no seu vizinho gato há algum tempo, hein? — Will o provocou, dando aquele sorrisinho irritante de sempre. 

Nico revirou os olhos dramaticamente com a menção a “vizinho gato”.

— Hm, talvez eu já tivesse uma leve quedinha por você há mais ou menos 1 ano... — ele deu de ombros. Will se jogou em cima dele com um sorriso enorme no rosto. — Por que você está sorrindo, idiota? Pare!

— Porque acabei de descobrir que meus sentimentos eram recíprocos a mais tempo do que eu imaginava, estou feliz! Muito feliz! — ele deu um abraço de urso em Nico.

— Ar! Ar! — Nico reclamou, tentando dar pontapés no namorado, mas Will prendeu os pés dele com os seus. — Eu vou guardar os álbuns! — ameaçou. 

— Ei, mas eu ainda não vi todos os álbuns! — ele justificou-se em sua defesa. 

— Azar o seu! — Nico deu língua para ele. — Você pode ver o resto na próxima vez — mentiu. Porque não teria uma próxima vez, Will não precisava ver as suas fotos de adolescência, sua fase mais estranha. 

— Poxa, namorado! — ele disse de forma manhosa. — Posso terminar, pelo menos, o que eu já tinha começado? Por favor… 

Como Nico poderia dizer não para aqueles “olhinhos de cachorrinho”?

— Certo. Só esse! — avisou.  

— Você é o melhor namorado do mundo todo! — Will exclamou, enchendo o rosto de Nico de beijos.

— É, eu sei que eu sou. Agora saia de cima de mim! Você é pesado! — Nico deu tapinhas no ombro dele. — Você é pesado!

— Não sou, você que é um fracote! — Will mostrou a língua para ele, mas sentou-se novamente na cama. 

Enquanto Will terminava de ver o álbum em questão, Nico foi guardando os outros dentro da caixa.

— Ok, terminei! — anunciou depois de alguns minutos, fechando o álbum. 

— Ótimo — Nico tirou da mão dele e o colocou na caixa antes que seu namorado inventasse de ver mais algum. 

— Sabe, isso me fez lembrar que ainda não temos fotos juntos... — Will sentou-se na beirada da cama, o observando. 

— Eu já disse que não sou fã de fotografias. — Nico fechou a caixa e levantou-se, levando para o guarda-roupa. 

— Eu sei… Mas podemos bater algumas de vez em quando, não é? — Will levantou-se na ponta dos pés e o abraçou por trás. — Vamos criar nossas próprias memórias. 

— Vou pensar no assunto... — murmurou. Ele fechou a porta do guarda-roupa com certa dificuldade porque Will continuava grudado nele. 

— Você está com sono? — Will perguntou e em seguida beijou seu pescoço. Nico sentiu um frio na espinha com o toque. Puta merda! 

— Hm, estou… vamos dormir. — ele mentiu. Soltou-se rapidamente e foi em direção da sua cama. 

— Caramba, não precisa fugir de mim assim! — Will riu. 

— Não estou fugindo… só estou com sono. Deite-se logo. 

— Aham, sei! Boa noite, namorado — ele deitou rapidamente na cama e o abraçou.

— Você falou que ia se comportar, então cumpra a sua maldita palavra! — avisou.

— Eu não estou fazendo nada! — Will jogou as mãos para cima em sinal de rendição, fazendo cara de inocente. 

Por enquanto. — Nico o lembrou. — Você é um diabo em pele de anjo. 

— A expressão correta é “lobo em pele de cordeiro” — Will declarou, mostrando o grande nerd que ele era. 

— Eu sei. Você me entendeu. — ele revirou os olhos e desligou o abajur. — Boa noite. 

Nico fechou os olhos, torcendo logo para pegar no sono. Ele não estava acostumado a dividir a cama com alguém e Will era uma pessoa espaçosa, o que dificultava tudo.

Nico… você já está dormindo? — Will sussurrou atrás dele. 

— Sim. — Nico murmurou, sem se virar. 

— Engraçadinho. Eu estou curioso sobre algo, mas não sabia se deveria perguntar ou não. 

— Pode falar. Quem sabe assim você dorme logo e me deixa em paz — brincou. 

— Quando estávamos olhando os álbuns antes, eu notei um Golden Retriever preto em algumas fotos. — Will disse. Ele estava tão focado em dizer o quão fofo Nico era quando criança que achou que ele nem tinha notado o cachorro nas fotos. 

Nico se virou e encarou o teto escuro.

— Quando nos mudamos para cá, não foi fácil para Bianca e eu… estávamos em um país diferente, com pessoas diferentes, era tudo muito novo. Alguém falou para o meu pai que um cachorro poderia nos ajudar na adaptação, então um dia ele apareceu com esse filhote em casa. — Ele contou.  

— Qual era o nome dele?

— Sparrow. 

— Sparrow? Como… o Jack Sparrow de “Piratas do Caribe”? 

— Hm, sim. Eu era meio obcecado por piratas quando mais novo — explicou, sentindo-se um pouco envergonhado em revelar isso. 

— Eu notei pela foto em que você estava com um navio-pirata em mãos — seu namorado soltou uma risadinha, mas logo ficou sério ao continuar: — Então, o que aconteceu com o Sparrow? Desculpa, é que notei que ele sumiu das fotos de repente. Você não precisa falar se não quiser.

— Tudo bem... Um dia, eu e Bianca fomos para a escola e ele fugiu tentando nos seguir. Ele foi atropelado por um carro no caminho. Ainda era novo, tinha acabado de fazer 5 anos. — Nico explicou, deixando de fora a parte em que havia chorado muito na época. — Depois que Sparrow se foi, nosso pai quis dar outro cachorro para nós, mas eu recusei.

— Sinto muito, Nico. — Will colocou a mão no braço dele, em sinal de apoio.  — Acho que isso explica a sua recusa em gostar de Cérbero. Você não queria se apegar a outro cachorro e depois perdê-lo.

Nico sempre soube que nunca poderia ficar com Cérbero. Afinal, a vida não era tão simples como um filme, onde no final sempre aparecia uma solução mágica para resolver todos os problemas dos protagonistas. Além de o cachorro ser do seu pai, ele também não teria condições de cuidar de um Rottweiler dentro de um apartamento tão pequeno, mesmo se quisesse.

— Nossa, estou sendo tão óbvio assim? — perguntou surpreso por Will ter acertado na mosca. 

— Um pouquinho — Will riu. — Você vai sentir falta do Cérbero, não é?

— Acho que sim...  

— Você pode visitá-lo quando quiser. Afinal, ele está na casa do seu pai. Não é como Cérbero tivesse ido embora para sempre.

— Eu sei, mas não é a mesma coisa. Além disso, Cérbero provavelmente nem vai se lembrar de mim... 

— Talvez. Mas você vai se lembrar dele, e é isso que importa.

— Sabe, sempre me senti uma pessoa azarada. — Nico se remexeu na cama, ficando de frente para Will. O quarto estava escuro, mas não totalmente, então ele conseguia ver a silhueta do namorado. — Mas quando Cérbero apareceu em minha vida, você e eu ficamos mais próximos. Então comecei a cogitar a possibilidade que aquele filhote talvez trouxesse sorte…

— Ah, não duvido disso! Se não fosse por ele, eu não estaria aqui agora. — Will o abraçou.  — Eu diria que Cérbero é uma espécie de amuleto da sorte. Como um… trevo de quatro patas! 

— Ei, o termo correto é “trevo de quatro folhas”. — Nico o corrigiu, só para implicar com o namorado. Ele ouviu Will bufar em resposta e deixou escapar uma risadinha. 

— Você está debochando de mim? Ah, você me paga! — Will começou a fazer cosquinhas nele. 

— Solace, pare! — Nico tentou se esquivar, rindo sem parar. — Will! Sério, pare! Por favor! 

— Não… — dava para ver que Will estava se divertindo com o seu sofrimento. 

— Ugh, odeio você! — exclamou, chutando Will para ver se ele o soltava. 

Mentiroso. — Ele declarou. — Quer ver como você não me odeia? 

Will parou de fazer cosquinhas nele e o  beijou. No mesmo instante, Nico parou de se debater para fugir e retribuiu o beijo. 

Nico di Angelo sempre se considerou uma pessoa azarada, mas quando os lábios de Will tocavam os seus ele se sentia o cara mais sortudo do mundo. 

Talvez Cérbero realmente trouxesse sorte. Talvez ele fosse mesmo um trevo de quatro patas afinal de contas.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam do final? Espero que vocês tenham gostando de ler TDQP assim como eu gostei de escrevê-la. Muito obrigada a todos que leram! ♥

Mas fiquem tranquilos que eu ainda volto com o epílogo! Nele, vamos descobrir como anda a relação de Nico e Will após alguns meses de namoro.

Até sexta-feira que vem! õ/



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