Against the odds escrita por Foster


Capítulo 4
03. Se eu não era cardíaco, depois desse dia eu definitivamente virei


Notas iniciais do capítulo

Oieeee!
Esse capítulo até que não demorou né? Estou aqui nas minhas maratonas de escrita para conseguir terminar a fic no fim de agosto e, pelas minhas contas, temos mais dois ou três capítulos só. Vai dar tempo! Fé!
Espero que gostem do capítulo ♥



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Beijar Rigel Thomas-Finnigan.

Pfff.

Como se isso fosse possível de acontecer nessa vida.

Eu estava fora de mim, isso sim. Era isso que o álcool fazia com as pessoas: as deixavam desnorteadas, aptas a fazerem loucuras que sóbrias jamais fariam. 

Foi esse o propulsor do quase desastre: álcool. Em qualquer outra ocasião eu jamais me inclinaria para beijar Rigel Thomas-Finnigan só porque ele foi legal comigo por uma única noite e por ser lindo de doer. 

Jamais. 

Portanto, ficar pensando no que poderia ter acontecido se o garçom não tivesse nos interrompido só iria me deixar mais estressado do que eu já estava e, com toda certeza, não era disso que estava precisando naquela semana. 

As provas finais já haviam passado, mas eu ainda tinha alguns trabalhos de última hora para finalizar antes do semestre finalmente se encerrar e eu ter um pouco de paz na casa dos meus pais ou viajando para algum lugar. A questão era que eram nos trabalhos que eu sentia, com cada fibra do meu ser, que o Direito talvez tivesse sido uma escolha equivocada. Mas o que mais eu poderia fazer? Quero dizer, meu pai não esperava que todos os seus filhos seguissem carreira, afinal tanto James quanto Lily demonstraram interesse em áreas totalmente diferentes bem cedo, então eu não precisava ter ido por esse caminho. Contudo, eu não tinha uma paixão avassaladora por nada e muito menos talento para esportes ou ballet, como os meus irmãos. Então, apesar do meu pai nunca ter dito que esperava que algum dos filhos seguisse a carreira para tomar conta do escritório de advocacia, eu meio que assumi que seria eu. 

Era exatamente sobre o meu ódio em relação ao curso que eu me formaria dali poucos anos que eu, Rose e Scorpius - que estavam agindo de forma estranha, mas isso era assunto para mais tarde - conversávamos.

— Eu já te disse ao menos três vezes, mas é sempre bom repetir — minha prima começou após eu passar quase vinte minutos reclamando de todos os meus professores e os seus trabalhos gigantes. Eu já sabia o que ela iria dizer, por isso revirei os olhos, enquanto Scorpius continha um sorriso de quem também sabia o que ela iria falar, mas que estava ocupado demais jogando Kit Cat Tycoon no celular. — Você não precisa fazer Direito só porque o seu pai fez, Al. Ele nunca te pediu isso. E duvido que ele ou tia Ginny reclamariam se você largasse o curso. Se Hermione Granger não surtou tanto quando eu resolvi trocar de curso, os seus pais vão ser fichinha. 

E lá estava de novo. “Você não precisa, Al”, a mesma coisa que Rigel havia me dito há alguns dias. Por que de repente todo mundo parecia saber o que era melhor para a minha vida? Onde Rigel e Rose estavam em todas as minhas crises de identidade na adolescência para me dizerem “você não precisa, Al”? Não que eu necessariamente fosse dar ouvidos, mas teria sido bom. 

— Rose, é diferente. Você é a filha mais velha, eu sou o filho do meio, as coisas não funcionam do mesmo jeito. 

— Claro que não.

— São diferentes sim — Scorpius concordou, sem desviar os olhos da tela do celular, a maldita música do jogo de gatinhos tocando alto. O maldito dizia não para todos os meus convites para jogarmos juntos (eu ainda precisava passar as conquistas de Rigel no Overcooked), mas era viciado em jogo de celular de qualidade questionável. Estava começando a suspeitar que o problema dele era comigo. Bem, considerando o meu histórico competitivo, eu não poderia de fato julgar o Scorpius, só ignorar e continuar insistindo até vencê-lo pelo cansaço.

— Você é filho único, Scorpius, o que você sabe sobre ter irmãos? — Rose rebateu, irritada. 

Aqui é necessário um parênteses para finalmente explicar o que estava acontecendo entre esses dois. 

Desde o beijo inesperado que a minha prima deu no Scorpius no último final de semana, as coisas estavam estranhamente normais. Eu esperei um caos, o fim do mundo, as dez pragas do Egito junto com uma enxurrada de, pelo menos, cinco catástrofes naturais. Mas, estranhamente, estava tudo tranquilo. 

E, acredite, eu me esforcei muito para não me meter no assunto, porque Rigel estava certo. Eu não tinha que resolver os problemas deles. Porém, o meu sexto sentido estava apitando forte. Se a bomba entre os dois não tinha estourado ainda e eles estavam fingindo que nada havia acontecido, era porque ela iria estourar logo. 

Então apenas esperei pacientemente. 

Só foi necessário esperar até quarta-feira, quando notei algumas coisas diferentes na dinâmica dos dois. A questão era que nunca antes algo da magnitude de um beijo havia acontecido, assim era natural que a dinâmica deles mudasse, eu só não esperava que, do nada, Rose estaria parecendo querer matar o Scorpius e ele agiria como se ela mal estivesse no quarto. 

Na minha humilde opinião, algo a mais havia acontecido depois da pizza da madrugada naquele pós-festa e na quarta-feira, e nenhum deles estava me contando. Eu estava morrendo para saber da fofoca? Sim, mas infelizmente não estava encontrando tempo sozinho com os dois o suficiente para conseguir extrair alguma coisa útil. 

Meu plano era tentar obter alguma coisa de Rose quando fôssemos passar o final de semana com a nossa família para o aniversário de casamento do vovô Arthur e da vovó Molly. Eu poderia aguentar mais dois dias de curiosidade, mesmo que estivesse morrendo para saber qualquer detalhe. 

— Eu assisti a onze temporadas de Modern Family, vi muito bem como a Alex era esquecida no churrasco — disse como se fosse óbvio e eu segurei uma risada. — Além do mais, não é preciso ter irmãos pra saber que a sua relação com seus pais é diferente da do Albus, Rosie. 

— Ele está certo — murmurei, cansado, enquanto jogava uma bolinha de plástico na parede e a pegava no ar, mais entediado impossível. Não queria levantar e estudar. Estava ótimo ficar estirado no puff do quarto de Scorpius. Rose, que estava jogada no pé da cama dele, que tinha as pernas sobre o colo dela, revirou os olhos para mim. — No fundo, você tem sempre uma carta de confiança dos seus pais. Por ser a primeira, por ter o direito de se descobrir e resolver o que quer fazer da vida… E Literatura é um curso ótimo também, sua mãe como acadêmica deve ter amado. Ter uma filha escritora? Simplesmente o sonho da tia Hermione. Mas eu… eu largaria Direito pra fazer o quê? Literalmente eu estaria dizendo “e aí pai, então, toda a grana que você investiu em mim nos últimos anos não serviram de nada, porque acho o que você faz da vida um saco”. Não é como se eu fosse largar pra fazer alguma coisa que eu fosse apaixonado e isso amenizasse as coisas, sei lá. Eu não tenho uma paixão. Não tenho talento.

Não sou o James ou a Lily. Definitivamente não falaria em voz alta, mas era o que eu estava pensando. Que direito eu tinha de abrir mão de algo certo por um sonho inexistente? 

— É claro que tem — ela me olhou atônita, cruzando os braços e até mesmo Scorpius ergueu os olhos para me encarar. Ri de nervoso. Odiava quando esses dois resolviam se juntar contra mim.

— Rose, se você falando dos meus desenhos… 

— Exatamente! 

— Não, não… É um hobby, não é nada demais. Nem são tão bons.

E eu não estava tentando ser humilde nem nada. Realmente não eram tão bons, não o suficiente, pelo menos, para decidir arriscar. Scorpius e Rose pareciam discordar, o que não me surpreendia.

— Al, nós sempre te dissemos que eram bons. E não só por sermos amigos, você sabe que, quando algo é ruim, a Rose não segura a língua — e realmente não segurava, toda a mudança drástica que sofri no ensino médio, passando por cortes de cabelo que tentavam tragicamente imitar o estilo de My Chemical Romance, os all star com os pares trocados (um preto e um branco, sempre) e as roupas rasgadas, Rose foi totalmente sincera e direta quando o assunto era me zoar e dizer que estava uma porcaria. Mas quem era ela para dizer alguma coisa, sendo uma fã incondicional de McFly e One Direction e parecendo um outdoor ambulante com camisetas e botons por todo o canto? 

— A Rose tem razão, sabe, talvez você pudesse investir nisso. 

— E, se você acha que não são tão bons, tem sempre como melhorar. 

— A faculdade está aí pra isso.

Bufei alto. De repente eles estavam concordando em tudo novamente? Gostava mais de quando o Scorpius estava fingindo estar mais interessado no maldito jogo e a Rose fuzilando ele com os olhos. Argh, por Deus, eu precisava saber o que estava acontecendo. Foda-se. 

— Certo, então de repente vocês estão concordando em tudo? Sem olhares agressivos da Rose e a indiferença do Scorpius… Vocês aí grudados um no outro — balancei a cabeça, colocando o polegar e o indicado sob o meu queixo. Os dois se remexeram desconfortavelmente, Scorpius retirando as pernas de cima do colo da Rose e ela corando até a raiz dos cabelos, colocando o joelho do peito e me olhando feio. — Será que, pelo amor de Deus, podemos falar sobre o que rolou na festa?

 — Uau — foi Scorpius quem disse, colocando a mão no bolso e procurando alguma coisa. — Eu realmente achei que você duraria até o final de semana — e com isso ele tirou a carteira, pegou cinquenta libras e deu para Rose, que tinha a mão estendida e um sorriso no rosto. Quase engasguei com a minha própria saliva. Filhos da puta.

— Vocês apostaram que eu iria perguntar? Que merda é essa?

— Eu sabia que você não ia se conter. você tava doido pra conversar em particular com qualquer um de nós dois, só precisei garantir que você nunca conseguisse e ficasse mais ansioso — minha prima soltou uma risadinha diabólica enquanto guardava o dinheiro sujo que havia recebido em sua carteira. Que absurdo. — Confesso que eu já estava perdendo as esperanças, afinal já é sexta-feira. 

Respirei fundo enquanto os dois trocavam olhares e risadinhas, querendo esganá-los. 

— Vocês são sádicos. Sádicos. 

— Por falar em sádico… — oh, porra. Fechei os olhos, já prevendo o que viria em seguida. — De repente você não odeia mais o Rigel? — Rose estava claramente se divertindo com aquela situação. 

— Achei que estivesse bêbada demais pra se lembrar de qualquer coisa do resto daquela noite — murmurei irritado, mas Scorpius deu uma risadinha.

— E você acha que eu não contei em detalhes o maior plot twist da noite?

— Engraçado… Achei que o maior plot twist da noite tinha sido o beijo de vocês — fiz questão de praticamente berrar a palavra beijo na cara dos dois sem vergonhas. Pelo menos tiveram a decência de corar. Não era porque apostaram quando era que eu não conteria a minha língua fofoqueira que eles poderiam simplesmente deixar para lá e começarem a questionar algo que nem sequer aconteceu entre mim e o Rigel. Já o beijo deles tinha acontecido, e para valer. 

— Al, não foi nada demais — Scorpius respondeu em socorro de Rose, que parecia ter engolido a língua. Na hora de enfiar a língua na boca do Scorpius ela não hesitou. Sonsa.

Por Deus, eu sabia exatamente o que Rose estava fazendo, e queria sacudi-la pelos ombros. Esconder os sentimentos e relativizar um acontecimento por meio de piadinhas ou apostinhas bobas era muito a cara dela. Eles não me enganavam de que tudo estava bem a ponto de terem apostado sobre o assunto para zoarem com a minha cara. Scorpius não era tão de boa assim. Ele havia ficado abalado, eu vi com os meus próprios olhos. E Rose parecia estar numa batalha interna naquele mesmo instante. Porra, como era possível que só eu estivesse vendo o quanto aquilo tinha afetado os dois? 

Abri a minha boca para começar a disparar e dizer “conversem direito sobre o assunto, porra”, por que eu tinha certeza que os dois ficaram dizendo que não tinha sido demais, quando na real tinha sido algo gigante para os dois. Talvez, ambos estivessem perdendo um tempo precioso que poderiam estar se agarrando e, sei lá, sendo feliz para variar um pouco.

Contudo, as palavras de Rigel me atingiram em cheio. 

Eu não precisava corrigir aquilo. Não era meu assunto. Se os dois queriam ficar bancando os senhores “nada-demais-aconteceu-entre-nós” quando claramente havia sido algo demais, eu era que não iria interferir. E que porra eu sabia também? Poderia ser que ambos não tivessem, de fato, levado aquilo a sério. Eu duvidava, mas era uma possibilidade. 

Então, respirando fundo, fechei a minha boca e dei de ombros. 

— Bem, se vocês dizem que não foi nada demais, vamos encerrar esse assunto. 

Rose e Scorpius se entreolharam e depois me encararam como se um terceiro olho tivesse nascido em mim. 

— E, quando eu digo encerrar esse assunto, também estou me referindo ao Thomas-Finnigan. Isso sim não foi nada demais. 

Estava na cara que os dois queriam me perguntar mais coisas, contudo como o comum acordo havia sido não tocar mais no tópico de coisas que aconteceram naquele final de semana, eles desistiram. 

Decidi que aquela era a minha deixa para colocar a preguiça de lado e tirar os trabalhos do caminho para conseguir aproveitar um pouco do final de semana na festa dos meus avós sem maiores dores de cabeça. 

Óbvio que supor que eu teria um final de semana inteiro de paz no meio de todo o clã Potter-Weasley-Delacour e agregados havia sido altamente utópico. Afinal, quando estamos em família, as coisas nunca são calmas. 

A viagem de carro até Devon foi relativamente tranquila, embora o desvio para Wiltshire, onde os avós de Scorpius moravam e a presença dele foi exigida — Narcisa Malfoy sabe ser assustadoramente persuasiva quando quer, isso que eu mal a conheço —, tenha sido um pouco exaustivo, já que eu insisti em dirigir sem revezar. Sim, talvez eu fosse um pouco chato quando o assunto era o meu carro, inclusive era um dos principais motivos pelos quais eu nunca inventava de dirigir quando ia em festas (além de, claro, não dispensar álcool só para ser o motorista da rodada), até porque o tanto de vezes que Rose vomitou na volta para casa eram absurdas, foi muita sorte do Rigel ela não ter feito isso da última vez.  

Conhecemos Lucius e Narcisa Malfoy no primeiro ano da faculdade. Eu e Rose estávamos indo para a casa dos nossos avós no recesso de Natal e Scorpius contou que passaria a ceia em Wiltshire, na casa dos seus avós. Ele só havia se esquecido de nos contar que era de uma família podre de rica e que a “casa” na verdade era uma mansão, com uma quantidade absurda de pavões albinos, estátuas e fontes no imenso terreno. 

Eu deveria ter imaginado que, com um nome como Scorpius Hyperion Malfoy, ele só podia vir de uma família podre de rica, mas apenas de bater o olho não era possível dizer. Scorpius era a verdadeira personificação de alguém que estava pouco se lixando para luxo, no melhor estilo herdeiro que não gostaria de ser herdeiro se pudesse. 

Apesar de parecer um pouco loucura querer renegar dinheiro, eu o compreendia. Meu pai era um famoso advogado de Londres, responsável por conseguir o impossível: colocar homens ricos atrás das grades ao invés de limpar a ficha deles nos tribunais, como costumava acontecer nessa área; minha mãe uma ex-jogadora famosa de rugby, então, naturalmente tínhamos dinheiro e, infelizmente, fama. O fato do filho mais velho da famosa Ginny Weasley também ser jogador e a mais nova um talento notável no ballet também eram atrativos para a mídia. 

E existia eu. O filho do meio, que não era realmente notável em nada. Eu só… Existia. 

No caso de Scorpius, a sua família não era famosa por conta da carreira ou coisa do tipo. Os Malfoy eram uma família rica desde quando os títulos da nobreza ainda importavam — teoricamente ainda importam, para pessoas como eles, por exemplo, mas eu sinceramente achava tudo uma grande balela, assim como Scorpius — e, portanto, esperavam que Scorpius se destacasse. 

Eu não queria fama apenas por ter familiares famosos. Scorpius não queria dinheiro e respeito apenas por ter familiares ricos e influentes. Tínhamos essa compreensão do porquê algumas situações eram mais complicadas para nós do que para os outros, como era o caso de encontros familiares, e talvez por isso tivéssemos nos aproximado tanto desde que ele e Rose se tornaram amigos no curso de Literatura. 

Portanto, durante as duas horas sofríveis que ficamos em Wiltshire, com Scorpius parecendo que iria morrer a qualquer momento e Rose tendo um piripaque por ver o amigo se comportando tão mal assim, eu apenas o respeitei. Rose, sendo Rose, não parecia muito disposta a deixar passar. 

— Eu ainda não acredito que ele foi tão mal educado — me contou quando já havíamos chegado em Devon, cumprimentado todos os nossos outros primos e dado os parabéns para nossos avós. Revirei os olhos, atacando algumas tortinhas que estava de olho desde que havíamos chegado. Uma coisa sobre encontros familiares: por mais que a comida fosse farta, era quase impossível conseguir comer, porque a cada segundo algum conhecido aparecia e pronto, você estava preso em uma conversa longa, repetindo tudo o que já disse para pelo menos quinze pessoas. E não era um exagero, considerando que eu tinha seis tios por parte de mãe que tinham, pelo menos, dois filhos cada um. 

— Rose, é a família dele. Nós não sabemos nem a metade das coisas que aconteceram com ele. Se ele age assim, é porque algum motivo tem. 

— E você não quer saber o que é? — os olhos dela pareciam brilhar, talvez de curiosidade ou de raiva, não sei. — Vai que tem alguma briga familiar infundada por trás e que possamos resolver? 

Ri pelo nariz, prestes a dizer que Rose andava lendo romances demais. Mocinhos reprimidos emocionalmente porque possuem daddy issues, ou no caso grandpha issues, não se “consertavam” assim. Porém, antes de conseguir elaborar um discurso sobre como Rose deveria parar de cuidar da vida do Scorpius, assim como eu estava parando de cuidar da vida dela, eu o vi

Rigel, Dominique, Jia e James pareciam estar invadindo a festa de tanto que chamavam a atenção e não à toa: lindos, altos e rindo feito hienas, quem não repararia? 

Franzi o cenho, enfiando a tortinha praticamente inteira na minha boca. Jia era compreensível que estivesse lá, afinal era namorada de Dominique e muito querida pela família. Mas Rigel? Tudo bem que os pais deles eram próximos dos meus pais, mas ele não tinha nada a ver com os meus avós. 

Engasguei quando Rigel olhou diretamente para mim e piscou. Rose obviamente notou e gargalhou alto, atraindo uma atenção desnecessária para nós dois, ainda mais considerando que eu estava tossindo como se estivesse prestes a morrer. Bem, eu não ligaria de cair duro ali e evitar o constrangimento colossal que consumia o meu corpo.

De repente as imagens que eu vinha suprimindo com força daquele final de semana, e mais especificamente do momento na pizzaria, atingiram-me em cheio. Precisei apoiar a minha mão em uma pilastra próxima e quase cai, já que não era uma pilastra fixa de verdade, afinal estávamos debaixo de uma tenda. Tentei me recompor, recobrando o equilíbrio, com a tenda balançando vigorosamente por ter quase sido levada ao chão, mas ainda tossindo todas as minhas tripas. 

Claro que nada disso passou batido, ainda mais com Rose rindo como uma hiena histérica da situação. Brilhante. 

— Meu Deus, o que eu perdi? — Scorpius tinha a voz arfante, provavelmente o desgraçado correu quando ouviu as risadas de Rose, enquanto segurava três copos entre as mãos. Peguei um, tomando o conteúdo sem nem ao menos checar e querendo me livrar daquela tosse estúpida. 

— Acho que o Al ficou envergonhado — eu olhava atônito para Rose, que apontava o dedo descaradamente para Rigel. Segurei o dedo dela e o abaixei. — O Rigel piscou pra ele.

Scorpius riu com gosto, oferecendo um dos copos para Rose e se inclinando para dizer ao pé do ouvido dela:

— Eu disse que os acontecimentos daquela festa tinham significado alguma coisa.

Dessa vez Rose, que dava alguns goles da bebida — gin tônica, felizmente, como pude apreciar após o meu engasgo parar —, foi quem engasgou. A vingança nem sempre era um prato frio, por isso sorri satisfeito, apreciando a minha prima ficar vermelha da cabeça aos pés e Scorpius só então perceber que aquela frase se adequava perfeitamente à situação deles.

— Eu só queria deixar registrado que, apesar de tudo, estou amando esse momento.

 — Eu não acredito que perco uma festa e de repente tenho mil fofocas pra me atualizar — a inconfundível voz de Lexie Longbottom soou enquanto ela envolvia eu e Rose pelos ombros, sorrindo abertamente. 

— Lexie! Você perdeu a maior… — comecei, abraçando-a, mas Rose me deu uma cotovelada. 

— Por onde você andou?

— Ocupada com o trabalho, é claro. Precisei criar uma peça extra de última hora pra uma cliente e isso consumiu todo o meu final de semana — ela terminou de cumprimentar Rose e Scorpius e então olhou na direção do grupo que se dispersava, com James e Rigel conversando energicamente em um canto e Domi e Jia parabenizando e tirando fotos com meus avós. — Então… — ela olhou novamente para nós três, sorrindo de forma marota. — Se tudo o que Dominique me falou foi verdade…

— Nós meio que não estamos falando sobre esse assunto porque não foi nada demais — Rose informou, antes de avisar que precisava ir até o banheiro e sair dali quase correndo, e Lexie ergueu os braços em rendição, com um nítido olhar de quem não acreditava em nada daquilo. 

Lexie era uma das minhas pessoas favoritas no mundo. Convivemos durante boa parte da infância, já que os meus pais eram padrinhos dela, então ela era tão parte do clã Potter-Weasley-Delacour tanto quanto Jia ou, argh, Rigel. Felizmente ela fazia parte da turma que havia feito escolhas sensatas, como estudar em Hogwarts, contudo o curso de Moda consumia tempo demais dela e ultimamente quase não tínhamos sinal de Lexie por aí. 

Ela estava contando para mim e para Scorpius sobre os seus últimos trabalhos de Corte e Costura, que haviam impedido-a de frequentar a última festa e roubando-a de nossas vidas, quando Scorpius pareceu impaciente e disse que procuraria por Rose. Ficamos em silêncio por algum tempo, acompanhando-o sumir casa adentro e nos viramos um para o outro, animados.

— Meu Deus, eles são mesmo um casal agora ou o quê? Eu não acredito que perdi uma cena de beijo digna de filme de comédia romântica. E nem era um casal que eu super achava que combinava, mas agora eu simplesmente amo? 

Sim, sim, sim! Como era bom finalmente poder fofocar. Eu e Lexie estávamos de mãos dadas, quase pulando de excitação.

— Eles estão de picuinha dizendo que não foi nada demais, mas sinceramente…

— Papo furado! — falamos ao mesmo tempo, rindo. 

— Estou reunindo todo o meu autocontrole pra não sair resolvendo os problemas deles. Tem sido difícil, mas ironicamente fico lembrando do que o Rigel me disse sobre eu não ser responsável por eles. E sinceramente, Rose precisa aprender a lidar com as próprias merdas e também seria bom o Scorpius finalmente tomar atitude. 

— Wow, espera — Lexie ergueu a mão, olhando-me com os olhos arregalados. — Rigel. O Rigel Thomas-Finnigan te deu conselhos? E você… seguindo? Dominique não me falou nada sobre essa aproximação de vocês dois. 

Hesitei por um instante, procurando Dominique ou Jia com o olhar. Minha prima era uma das maiores fofoqueiras da família e, se Lexie sabia todo o drama da Rose e do Scorpius, certamente a notícia bombástica de que eu e Rigel havíamos confraternizado no final de semana também teria sido compartilhada. 

Quando a localizei, Dominique acabou cruzando o olhar comigo e, reparando que eu conversava com Lexie, ergueu a sobrancelha. Naquele momento o meu estômago afundou. Domi não havia contado, como eu havia suposto que ela faria. Ela não estava se intrometendo mais na minha vida, afinal. 

Como eu era idiota.

Pedi desculpas para Lexie, prometendo conversar com ela depois, e fui em direção a Dominique, que revirou os olhos e cruzou os braços, aguardando-me. Engoli em seco, de repente sentindo toda minha coragem se esvair, porque minha prima era exatamente boa no quesito intimidação. Até mesmo Jia havia se encolhido um pouco e olhado para mim com pena, antes de se afastar para conversar com o meu tio Bill. 

— Não sou mais tão cuzona assim no seu conceito, não é? 

Fiz uma careta ao ser recebido daquela forma, mas talvez fosse merecido. Coloquei as mãos no bolso da minha calça e chutei algumas pedrinhas no chão, sem conseguir olhá-la nos olhos de verdade. Contudo, eu precisava criar coragem. Então respirei fundo e finalmente a encarei.

— Olha, eu sei que eu sou um pé no saco quando o assunto é o Rigel…

— Só quando o assunto é o Rigel?

Ouch. Mas merecido. 

Também.

— Melhorou. 

— Mas é que… Sei lá. Ele me tirava tanto do sério, e você e James me atazanando o tempo todo… Era irritante pra caralho. Então, sim, talvez eu tenha sido rude. Aliás, talvez não. Eu fui. E também peguei pesado com o lance da Rose. Eu sei que não foi sua culpa por ela ter mandado os trocentos áudios. Não é como se você tivesse pressionado o botão e incentivado ela a abrir o coração. É só que é mais fácil te culpar por tudo que dá errado, porque… 

— É melhor do que admitir que você esteve errado? 

Respirei fundo, semicerrando os olhos, enquanto Domi sustentava o olhar clínico. 

— Eu não diria errado… Quer dizer… 

— Albus, você não precisa ter um nêmesis pro resto da vida, você sabe né? Que essa rivalidade besta surgiu na adolescência e hoje nem faz mais sentido, ainda mais considerando… — Domi se calou, porque James estava se aproximando junto com Rigel. 

Joguei a minha cabeça para trás, frustrado por não conseguir conversar adequadamente com ela, mas provavelmente o final de semana inteiro seria assim, repleto de interrupções. Então apenas não me contive:

— Outro final de semana de folga e tão perto do fim da temporada? Estão querendo entregar o prêmio pra Hogwarts? Já posso avisar o nosso time que o resultado garantido? 

— Vai ligar pra quem? Pro Wood, seu namorado? — virei-me com raiva para Dominique e também atônito.

— Como você sabe disso?

— Wow — James parecia ter levado um soco no rosto, de tão atordoado. Rigel não tinha expressão nenhuma, o que era um milagre, já que nunca conheci alguém tão expressivo quanto ele, ou Rose, em suas fases dramáticas. — Que porra é essa? Você namora o meu maior inimigo? Meu rival direto? 

— É claro que não — falei desesperado, minha voz saindo mais estridente que o normal. — Não mais pelo menos.

Rigel riu incrédulo, balançando a cabeça negativamente, enquanto James parecia ter um treco. Olhei raivoso para Dominique. Como diabos ela sabia daquilo? 

— E que diferença isso faz? — questionei irritado, já sentindo as minhas têmporas latejarem. 

— Que diferença faz? — foi Rigel quem perguntou, olhando-me como se eu tivesse sete cabeças. — Você não sabe que tipo de pessoa ele é? 

— Não preciso detestar ele só pela rixa besta de rugby de vocês — rebati com aspereza. — Eu não tenho nada a ver com isso. 

— Isso vai além do rugby e você saberia caso se importasse um pouco com o seu irmão.

Ok, aquilo era o estopim. 

— Quem é você pra me dizer alguma coisa sobre a minha relação com o meu irmão, porra? Nem era pra você estar aqui, não é como se você fosse da família. 

Assim que eu disse aquilo, soube que havia sido péssimo. Sim, Rigel não era sangue do meu sangue, mas, ainda assim, era importante. E eu havia sido extremamente rude. Fechei os olhos e respirei fundo quando percebi a cagada gigante que eu havia feito, preparado para pedir desculpas e esclarecer, mas, assim que os abri novamente, Rigel já não estava mais ali. Só restava Dominique, olhando-me em negativa e James, parecendo preparado para brigar fisicamente comigo como se tivéssemos dez anos novamente. 

Brilhante, Albus. Brilhante. 

 

 

— Qual é a porra do seu problema? — Dominique me perguntou pelo que parecia ser a milésima vez em trinta minutos, enquanto dirigia. James, que estava sentado do lado dela no carro, batucando os dedos e balançando a perna incessavelmente, resmungava o tempo todo, enquanto eu estava sentado, de forma patética, no banco de trás segurando uma bolsa de gelo no meu olho. 

Não, não foi James quem me bateu - embora teria sido merecido -, Dominique fez as honras, quando eu me recusei a ir atrás de Rigel quando ela mandou. Em minha defesa, eu iria pedir desculpas, só queria deixá-lo esfriar a cabeça antes de tentar, até porque eu também estava de cabeça quente e tinha uma conversa para terminar com ela e agora com James, que descobrira o meu caso com o Wood.

Eu nunca quis mentir sobre o assunto, só que, por termos terminado, nunca surgiu a oportunidade de efetivamente contar para James que eu saí por uns tempos com o cara que ele mais odiava. Assumi que fosse por conta do rugby somente, rixa de faculdade e coisa e tal, não que tivesse algo por trás. James se recusava a me falar o que havia de verdade acontecido entre os dois e o fato dele sequer dirigir o olhar em minha direção o caminho todo, enquanto Dominique rodava os arredores da casa dos meus avós para procurar Rigel, que havia evaporado, só me deixava mais ansioso e arrependido. 

Eu juro que estava planejando consertar tudo.

Primeiro, resolveria o meu assunto com Dominique, afinal, eu estava sendo um pé no saco com ela há anos só pelas provocações envolvendo o Rigel e porque ela acabara ficando mais próxima de James do que de mim quando nutriram um interesse mútuo por estudarem na mesma faculdade. Contudo, não tivemos tempo de resolver coisa alguma e ela ainda me presenteara com um puta problemão chamado Richard Wood que sequer era mais o meu namorado.

Também havia James, que eu não necessariamente tinha pensado em resolver as coisas até todo aquele caos se formar, mas que seria de bom tom agir menos como um mala sem alça perto dele dali em diante.

E, por fim, Rigel. Uma semana atrás, eu jamais o teria colocado na minha lista de “fazer as pazes” e, sinceramente, mesmo agora soava um pouco estranho. Mas o que eu poderia fazer se as coisas estavam escalando rápido demais? De repente, éramos ótimos jogando juntos, eu havia tido vontade de beijá-lo, basicamente havia garantido um segundo encontro para cobrar pela pizza de abacaxi que dividi com ele e agora… Havia sido um imbecil com ele. Brilhante.

Eu havia perdido o controle da minha vida e, de repente, estava fazendo malabarismo com três bombas, todas prestes a explodir na minha cara e uma mais desastrosa que a outra. 

Por isso, respirei fundo, apertando mais a compressa fria contra o meu olho. 

— Eu sei que eu passei dos limites, eu só estava estressado porque não consegui ter uma conversa de verdade com a Dominique e pedir desculpas… E não estava conseguindo me explicar sobre o Wood. Eu só… explodi.

— Com a pessoa errada — James pontuou, o maxilar cerrado e os olhos percorrendo os arredores. 

— Hm, em partes — ousei dizer e, finalmente, tive os dois pares de olhos deles sobre mim através do retrovisor. Engoli em seco. Talvez eu devesse parar de falar. Ou abrir a porta e me jogar do carro em movimento. Doeria menos do que o esporro que eu iria receber se não me explicasse logo. — Eu só quis dizer que explodi com ele porque Rigel me deixa louco! Tudo bem que nesse caso não foi justificável, porque eu não estava irritado com ele diretamente, mas mesmo assim, eu estava nervoso… — me calei por um instante, sentindo minha boca ficar amarga. — Nervoso de… bem, eu não sei. De estar perto dele com todo mundo falando o tempo todo que rolou algo naquela festa. E por Rigel ser… Rigel. 

Eu não tinha como explicar o que implicava aquela minha última afirmação, porque era algo complicado demais até para mim, e James, Dominique e eu não estávamos exatamente em um ponto de intimidade o suficiente para tal. Eu não poderia dizer que Rigel me deixava confuso com os seus flertes e a sua aparência ridiculamente bonita, e que, mais do que isso, havia me deixado reflexivo pelos conselhos tão acertados em relação a como eu lidava com os problemas dos outros e esquecia de cuidar de mim mesmo. Aquilo não significava nada e nem poderia significar. Eram apenas misturas de sentimentos complexos e conflitantes, com influências de pessoas como Domi, que enchiam a minha cabeça com aquela história de “amor e ódio”. 

Como, por Deus, explicar tudo aquilo sem parecer ter perdido todo o senso? 

No entanto, o meu discurso capenga e sem sentido algum, de certa forma, pareceu ter significado para Domi e James, que apenas se entreolharam e ficaram em silêncio por algum tempo. 

— Eu só acho que você está perdendo excelentes oportunidades por ser teimoso demais. Como nossa amizade. Você pode nos achar dois malas, Al, mas somos excelentes. E sabe por quê? Porque ainda ligamos pra você mesmo com você cagando na nossa cabeça por uma rivalidade unilateral besta e adolescente. 

— Vocês fazem isso só porque são a minha família — não me contive, afundando-me no banco. 

— Se eu cortei contato com tio Percy por ser um homofóbico de merda, eu poderia facilmente chutar você da minha vida por ser um otário — Dominique rebateu, lançando aquele olhar faiscante para mim através do retrovisor. — Não estou aturando essa merda só por sermos família, Al. Não é porque temos o mesmo sangue que temos que nos aturar. 

— Teoricamente é, o sinônimo de família é… — sussurrei, porque, claro, não tenho amor à vida.

— Só cale a porra da boca — James grunhiu e eu respirei fundo, assentindo. Dominique revirou os olhos e prosseguiu.

— Somos a família mais próxima que eu já vi, o que não é nada comum. Lexie não é amiga dos primos dela, assim como Scorpius também não deve ser… E tudo porque a família pode ser um saco. Como às vezes é — ambos me deram um olhar significativo e eu considerei de fato abrir a porta do carro e me jogar —, mas a diferença é que nós nos gostamos. De um jeito torto, que envolvem apostas de dinheiro sobre um pegar ou não determinada pessoa só porque nos importamos e eventuais socos quando o outro age como um babaca. Se vocês não fossem a minha família, eu escolheria vocês se tivesse a oportunidade. 

Naquele momento eu me senti um bosta. Mas um bosta amado e, sinceramente, sem muita certeza se eu merecia ser amado, de fato. 

O mesmo sentimento que eu tinha por Rose, de ter uma conexão maior do que apenas um laço de sangue, mas sim uma conexão que eu escolheria mesmo se as circunstâncias fossem diferentes, Dominique sentia por mim. Um dia eu senti isso por ela também e, feito um adolescente babaca, preferi ignorar. Dominique não se afastara de mim e se aproximara de James. Eu que a havia afastado e James nunca saíra de seu lado. 

Eu podia não ser tão próximo de Roxy, Fred, Lucy, Molly, Victoire, Louis ou Hugo, mas sempre vi em Rose e Dominique figuras cujas quais as nossas almas pareciam se conectar, embora fôssemos extremamente diferentes. 

E havia James e Lily, as pessoas que eu me sentia mais afastado do mundo, embora compartilhássemos um laço sanguíneo ainda mais forte, apenas porque… Droga, exatamente como minha terapeuta havia dito alguns anos atrás, apenas porque eu me sentia diferente (não de uma maneira superior, muito pelo contrário) e, consequentemente, tentava me manter afastado. 

Talvez eu devesse ligar para a minha terapeuta e dizer que eu finalmente estava lavando uma roupa suja com uma carga emocional de anos. Ela ficaria orgulhosa ao saber que, pela primeira vez na vida, eu havia falado e não simplesmente guardado tudo para mim.

Era uma sensação devastadora enfim tirar tudo aquilo do peito e encaixar as peças que sempre estiveram soltas por aí, mas, ao mesmo tempo, totalmente libertadora.

 

Dominique, eu e James voltamos para a Toca sem ter encontrado Rigel, mas ele havia mandado uma mensagem para James dizendo que estava bem e que só precisava espairecer. O retorno foi silencioso, porém era perceptível que algo na relação entre nós três havia mudado. Eu só não sabia o quanto, na prática, isso funcionaria. Ainda havia algumas questões a serem esclarecidas, como o drama envolvendo o Wood, mas isso certamente ficaria para outro momento que não aquele. A lavagem de roupa suja emocional havia sido desgastante demais e eu ainda tinha mais uma grande batalha no dia: derrotar o meu orgulho e pedir desculpas a Rigel.

— Onde é que você estavam? — se pudesse, Ginny Weasley certamente teria nos recepcionado com um belo puxão de orelha e, acredite, nossas idades e nossos tamanhos não foram o obstáculo dela, mas sim os olhos curiosos dos convidados. — Vocês precisam tirar a foto da família junto com os seus avós! Já foram todos os filhos, agora os netos — fizemos menção de começar a explicar, mas minha mãe balançou a cabeça, apressando-nos. — Depois. Agora já para a foto. E botem um sorriso na cara, isso aqui é um aniversário de casamento, não um enterro. 

Todos os Potter-Weasley-Delacour netos estavam caoticamente se ajeitando. Fiquei entre James e Lily, logo ao lado de vovó Molly, e senti o braço pesado de meu irmão sobre o meu ombro. Ele apertou de leve, indicando que estávamos bem, até ele falar para que somente eu escutasse:

— Rigel não está passando por uma fase muito boa, por isso eu o trouxe aqui. Ele nem queria vir, para começo de conversa, justamente por saber que você poderia ficar incomodado, o que é um milagre, porque o Rigel nunca diz não a uma festa. Mas eu garanti que as coisas haviam claramente mudado, até você provar que não. Então, eu e Dominique podemos perdoar o seu comportamento de merda nos últimos anos se você conseguir encontrar o Rigel e resolver as coisas — falou entredentes, com um sorriso no rosto estampado para a foto. — Mas o lance do Wood não está perdoado. Depois eu conto o que rolou. 

Assenti, morrendo de curiosidade para saber o que de grave tinha acontecido, quando de repente me ocorreu que Wood não era mais o capitão do time de Hogwarts, assim como James não era mais o da Durmstrang. Poderia existir alguma conexão?

Assim que a foto foi tirada, fomos nos dispersando aos poucos, e fui atrás de James e Dominique, que conversavam com Jia. 

— Vamos, Dominique, só preciso ver uma foto. 

— James, pare de ser um otário. Não vou te mostrar uma foto da Camille. Ela mal pisou na Inglaterra e você já planejando sobrevoar ela como um urubu? Só porque ela é francesa, não quer dizer que necessariamente faz o seu tipo. 

— Então você está me dizendo que ela não faz o meu tipo?

— A Camille faz o tipo de qualquer pessoa com bom senso — ouvi Jia comentar e Dominique assentiu, parecendo contrariada. 

— Quem é Camille? — perguntei tentando me enturmar. O olhar desconfiado de James e Dominique era evidente, mas Jia, sendo a pessoa doce e incrível que era, abriu-me um sorriso, enlaçando o braço no meu para me contar.

— Uma amiga da Domi lá da França. Ela vai fazer intercâmbio na nossa faculdade e o radar do James apitou assim que ele ouviu as palavras “francesa” e “aluna nova”. 

— Típico do James — revirei os olhos e Jia riu, sacando o celular para me mostrar uma foto, escondida de James. — Uau, essa é a Camille? Ela realmente é o tipo de qualquer pessoa.

James jogou a mão para o alto, resmungando, antes de tentar avançar para ver a foto também, mas devolvi o celular para Jia, que bloqueou o aparelho rapidamente. Por Deus, James, curioso e teimoso como era, não desistiria tão fácil. E, considerando que Dominique era extremamente maldosa quando queria, aquela batalha poderia durar muito tempo. 

Estava até disposto a permanecer ali por mais tempo, porque, no fim das contas, não estava sendo nada ruim passar, deliberadamente, um tempo com James e Dominique, até que algo no terraço da casa dos meus avós me chamou a atenção. Era um par de sapatos, apoiado no parapeito. Só podia ser Rigel, quem mais usaria sapatos vermelhos de couro italiano, se não ele?

Pedi licença, deixando James e Dominique discutindo, enquanto Jia ria, para trás. Subi as escadas que levavam até o terraço de três em três degraus e, quando finalmente alcancei, estava praticamente sem ar. 

Antigamente, eu e meus primos utilizávamos o terraço como palco para nossas brincadeiras durante as férias de verão. O local já foi uma espécie de navio pirata, escolinha e passarela. Agora, estava todo remodelado, com um belo jardim, repleto de flores, grama sintética, pedras e até mesmo um lago artificial. 

Sentado na grama, com os pés descalços enterrados nas pedras brancas que circundavam o lago, estava Rigel. Como ele estava de costas para mim, tomei um certo tempo para observá-lo melhor. 

Agora, sem o estresse me consumindo, eu podia reparar que, porra, ele se vestia bem, diferente do estilo atleta de James, que era todo desleixado e precisava urgentemente de um banho de sendo de moda. O paletó do conjunto florido que ele utilizava estava repousando ali perto, e Rigel tinha a camisa branca com as mangas arregaçadas até os cotovelos. Perdi-me analisando os músculos e a definição que foram fornecidos graças ao rugby.

Rigel tinha a cabeça jogada para trás e os olhos fechados, de modo que a luz do pôr-do-sol batia em seu rosto, conferindo um brilho quase dourado ao seu tom de pele escuro. 

Ele parecia reluzir. E também parecia… Em paz.

Pensei em dar meia volta e conversar com ele em outra oportunidade, mas simplesmente não consegui sair dali, hipnotizado pela cena. Não sei ao certo quanto tempo fiquei ali, porém fui despertado pelo maldito toque do meu celular, que também indicou a Rigel que ele já não estava mais sozinho.

— Que porra — murmurei enquanto ignorava a ligação de James, para responder rapidamente por mensagem. 

 

Achei o Rigel

Vou conversar com ele

(18h50)

Finalmente!!

Continue assim e talvez eu não conte para a mamãe que você foi um cuzão com o Rigel

De novo

(18h51)

 

Revirei os olhos e apenas guardei o aparelho. Quando olhei para Rigel de novo, ele me olhava com uma sobrancelha arqueada. Respirei fundo, desejando ter uma máquina do tempo só para poder me impedir de ter dito aquela merda e poupar todo aquele estresse, mas fui até ele, sentando-me ao seu lado. 

— Você é uma pessoa bem difícil de localizar — comecei depois de algum tempo em que fiquei com os olhos fixos no lago, ciente dos olhares indagadores de Rigel sobre mim. Cada célula do meu corpo estava corroída de vergonha e arrependimento. 

— Estava precisando de um ar. Desde o começo, na verdade. Eu sabia que não era uma boa ideia ter vindo aqui hoje e, quando rolou aquilo, eu só decidi que era melhor todo mundo esfriar a cabeça antes que as coisas piorassem. 

Finalmente o encarei, ignorando o fato de que minhas bochechas pareciam estar em chamas. 

— James me disse que… Você não queria vir por minha causa. 

Rigel riu pelo nariz, desviando o olhar e pegando uma pedrinha para jogar no lago. 

— Em parte, sim. Eu só não queria nenhum drama esse final de semana. E você sabe ser extremamente dramático quando quer.

— Eu? — meu timbre saiu estridente e Rigel me olhou incrédulo.

— Você realmente tem uma péssima percepção de si mesmo, não é? Eu sabia que você era assim com os outros, mas… Uau. 

Eu quis discordar e esganá-lo por aquilo, mas já havia esgotado a minha cota de hipocrisia pelos próximos cinquenta anos. Ok, talvez eu fosse um pouco exagerado e, argh, dramático.

Pelo o meu silêncio, Rigel prosseguiu:

— As coisas não estão muito fáceis em casa. Quando eu assumi a posição de capitão do time, não achei que os meus pais fossem começar a surtar por conta disso. A mídia? É claro que cairia em cima. De repente todo o peso de ser filho de duas lendas do rugby tinha um impacto gigante, ainda mais por eu ser negro e bissexual… 

— Estão fazendo matérias sobre você? 

— Prestes a sair amanhã de manhã no maior jornal de circulação de Londres e região — ele fingiu erguer uma taça, como se fizesse um brinde e eu suspirei pesadamente. — Todos os olhos estão em mim agora e, sei lá, os meus pais vivem dizendo o quanto isso é importante, que é a realização de um sonho… Mas, sendo sincero. É um sonho muito mais deles do que meu. 

Rigel se calou depois daquilo, piscando algumas vezes, antes de olhar para mim parecendo atordoado. Quis alcançar a mão dele que estava próxima, como forma de consolo, mas não o fiz. 

— Eu nunca havia dito isso em voz alta — não pude deixar de sentir uma onda de calor se espalhar pelo o meu peito, para depois ser atingido em cheio pelo arrependimento. Rigel estava compartilhando algo extremamente pessoal comigo, o cara que há pouco tempo havia sido um escroto, como costumeiramente. 

— Me desculpe — disse simplesmente, olhando-o com firmeza, porque era a única coisa que eu poderia dizer depois de tudo aquilo. — Eu fui um babaca e, sinceramente, tenho sido há um bom tempo. Com James, Dominique e… Com você — alisei minha calça de linho, tentando diminuir o suor de minhas mãos. Por que era tão difícil simplesmente falar sobre os sentimentos e admitir os erros? — Você é tão parte da nossa família como… Como Lexie ou Jia são. Elas são praticamente como irmãs pra mim. 

Rigel resmungou, revirando os olhos, e me olhou com certa irritação. Franzi o cenho, intrigado. Rigel não estava aceitando as minhas desculpas? Era isso?

— Albus, eu não sou parte da sua família, muito menos o seu irmão. Jamais repita isso — sua voz saiu um pouco mais grossa que o normal e eu perdi um pouco o controle da minha respiração diante daquela intensidade.

Engoli em seco, sem saber ao certo o que fazer ou o que dizer. O que aquilo significava? Percebendo o meu desespero, Rigel sorriu daquele jeito sádico que somente ele conseguia sorrir.

— Albus Potter, achei que você fosse mais inteligente. 

Por um instante, achei que Rigel fosse me beijar. Pela forma como me olhou, os olhos âmbares caindo para minha boca e depois se fixando nos meus. E, contra todas as possibilidades, eu teria deixado. Pior. Eu teria correspondido.

Mas Rigel não me beijou. 

Apenas virou o rosto, jogando outra pedra no lago e assistindo-a quicar algumas vezes na água antes de afundar. 

Pisquei, atordoado. 

Que porra havia acabado de acontecer? E por que eu me sentia… Frustrado?


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Notas finais do capítulo

O vício do Scorpius em Kity Cat Tycoon talvez seja leve inspirado na minha realidade!!! Meu Deus, esse capítulo foi uma enxurrada de acontecimentos: teve briga, reconciliação, fofoca, drama, mais briga e um momento no terraço que.... Eu SEI que fui maldosa nesse final, maaaas, logo os refrescos vão chegar!
Eu sempre gosto de escrever personagens... Complicados, com falhas, meio irritantes às vezes, mas que são capazes de reconhecer os erros e melhorar, sabe? Então espero que não estejam profundamente irritados com o Albus ou com alguém!!
Vejo vocês nos comentários ♥



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