Sing Me to Sleep escrita por Little Alice


Capítulo 1
U: deep in the cell of my heart I really want to go


Notas iniciais do capítulo

Olá, como vocês estão? Espero que bem.

Esta é a minha segunda e última fic para esse mês maravilhoso. Eu quero agradecer a Tahii e a Ari por idealizarem o Junho Scorose e por tornarem tudo isso possível ♥ Eu sinceramente não sei porque diabos quis escrever uma fic assim, então já peço perdão adiantado. Só para ressaltar, esta é uma fanfic que trata de uma doença terminal, se você for sensível a isso, por favor não leia, preserve sua saúde mental, ok? As fics felizes estão aí para isso.

Ela é inspirada em duas músicas.

A primeira é “Asleep”, da banda The Smiths, e vocês podem ouvir pelo link: https://youtu.be/YKi0BCnojIs

A segunda é “Dream”, da Priscilla Ahn, e vocês podem ouvir pelo link: https://youtu.be/WIPcB7x3350

No mais, boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/802082/chapter/1

Rose não precisava dizer nada. Eu podia ver em seus olhos castanhos o quão cansada se sentia. Com delicadeza, segurei sua mão gelada e a beijei na bochecha. Ela tinha cheiro de jasmins, baunilha, dias ensolarados e amor. Esse perfume, eu sabia, me perseguiria pelo resto da vida. Eu me lembraria dele quando o som de sua voz desaparecesse na escuridão do universo ou quando o desenho das suas sardas ficasse borrado demais em minha mente. Contive as lágrimas teimosas que insistiam em arder a cada fim de noite e, me afastando, abaixei a colcha de retalhos que envolvia nossos ombros. O cobertor também exalava o seu cheiro. Mais do que isso, contava sua vida ― ou uma parte significativa dela.

Ela o ganhara de sua avó paterna antes de nascer e, durante todos aqueles vinte e cinco anos, fragmentos de lembranças foram sendo acrescentados, um a um. Havia retalhos de suas roupas de bebê, dos seus tules cor-de-rosa de balé, da saia esvoaçante que vestira em sua formatura no Ensino Médio, da jaqueta jeans que lhe emprestei em um dia especialmente chuvoso e frio, porém perfeito, da sua beca preta e, mais recentemente, do bonito e brilhoso vestido azul que usara no dia do nosso casamento. Existia, contudo, tanto espaço em branco. Um espaço que jamais seria preenchido.

― Hora de ir para a cama ― sussurrei com a voz entrecortada. Rose assentiu com um sorriso fraco. Ela ainda conseguia sorrir, mesmo que fosse tão difícil. Mesmo que já não houvesse qualquer esperança. Se pudéssemos, sei que permaneceríamos a madrugada inteira naquela pequena varanda, sentados na namoradeira de balanço dos seus pais, apenas tomando chocolate quente com marshmallows e contando as estrelas.

Mas não podíamos. Rose precisava descansar; o cansaço físico sempre a alcançava cedo demais. Além disso, o Sr. Weasley costumava se certificar de que não passaríamos muito tempo ali, desperdiçando horas e vida. “O ar noturno é muito perigoso”, nos dizia, com a expressão preocupada e o coração tão partido quanto o meu. Depois da sua última internação no St. Mungus, devido a uma forte infecção, a qual desesperadamente achamos que a levaria para longe de nós, Rose decidiu voltar para a casa dos seus pais. Ela queria ficar perto da sua primeira família, além de mim.

Eu a segurei no colo, seu corpo não pesando mais do que uma pluma, e a levei para o seu quarto de infância. Já deitados, apenas com o luar prateado iluminando o ambiente, encarei o relógio sobre a sua penteadeira. Cada movimento do ponteiro era uma sentença; como se zombasse de mim, marcando menos um, menos um, menos um. Aquele era o pior momento do dia, quando nos deitávamos para dormir. Na manhã seguinte, o sol se levantaria ― como sempre se levantaria, mesmo depois de todos nós ―, mas e Rose? Eu não sabia.

Para ser honesto, quando a morte não nos espreita tão próxima, também não sabemos a resposta para esse tipo de pergunta. O amanhã é sempre uma incerteza, mas é uma incerteza na qual acreditamos que faremos parte. Tudo muda quando… quando a morte nos ronda da maneira como nos ronda agora. Nos tornamos menores do que pensávamos, conscientes da nossa própria vulnerabilidade e do constante correr das horas. O amanhã se transforma em uma ameaça. Em uma esperança desesperançosa. Desde o último prognóstico que recebemos meses atrás, eu soube que não fomos feitos para durar. Que os dias dela eram mais finitos do que os meus. Mas nunca pude aceitar a ideia do fim. Nunca pude conceber como continuar vivendo em um mundo onde não houvesse Rose.

Ela entrou em minha vida de maneira tão sorrateira, com seus sorrisos brilhantes, sua voz doce, suas opiniões fortes acerca de tudo e seu talento para resplandecer, onde quer que estivesse. O seu talento para conquistar corações. O meu coração. A sua enorme paixão pela vida. Sem querer, me vi apaixonado. Em um momento, eu era o Scorpius solitário e um pouco ranzinza. Em outro momento, eu era tão completamente dela. Não havia um dia em que Rose não orbitasse meus pensamentos, me fazendo sentir borboletas inacreditáveis no topo do estômago.

Eu deveria ter suspeitado que isso aconteceria desde a primeira vez em que a vi: de pé, perguntando se a cadeira ao meu lado estava vaga. Aquele era nosso primeiro dia de aula na universidade. Era também a única disciplina que cursávamos juntos ― Rose era uma garota das artes e eu, um rapaz da ciência, mas mitologia grega era algo que tínhamos em comum. Eu deveria ter suspeitado pelo modo como seu sorriso chegava aos olhos e pelo jeito gentil com que me emprestou uma caneta, sem que sequer precisasse pedir, depois que notei que havia deixado meu estojo no dormitório. Porém, não suspeitei. Não imediatamente. Tudo ocorreu aos poucos, exatamente como deveria ser.

A primeira vez que nos beijamos, em um dia branco de neve ― quando voltávamos do aconchegante Três Vassouras, o café do campus ―, o meu coração saltou infinitas vezes dentro peito, batendo desesperado e alegre, e achei que nunca mais experimentaria nada tão belo e tão feliz quanto aquele momento. No entanto, logo entendi que cada beijo nosso seria como o nosso primeiro, com a mesma sensação de beleza e de graça me invadindo. Durante aqueles quatro anos na universidade, entre artigos científicos e noites em claro, Rose foi a parte mais amada e mais bonita da minha vida. Eu a vi conquistar tantas coisas. Vi seus contos serem aceitos em revistas literárias. Vi seu professor favorito chamando-a para participar de uma importante pesquisa. Vi seu trabalho de conclusão de curso ser recomendado para o mestrado. Vi o seu discurso inspirador sobre o futuro no dia de sua formatura.

Nós nunca imaginamos que coisas tão ruins quanto câncer podem acontecer conosco, interrompendo aquilo que poderia ser mais do que brilhante. Aquelas parecem ser as histórias dos outros, não as nossas. Depois da viagem de formatura, nossos planos consistiam em dividirmos um pequeno apartamento no centro da cidade e, enfim, começarmos as nossas carreiras e as nossas vidas como jovens-adultos. Vez ou outra, ousávamos divagar sobre os nossos sonhos a longo prazo: como adotar um cachorro, ter filhos que não teriam nome de flor nem de constelação e fazer um mochilão pela América do Sul. Mas, de repente, Rose não se sentia bem. De repente, a sua realidade se converteu em salas de espera, exames, quartos de hospital e tratamentos que podiam ou não podiam dar certo.

Foram anos difíceis, mas Rose lutou e viveu. Não apenas sobreviveu, como alguns poderiam pensar. Ela viveu com o câncer. A doença estava em seu sangue, sim, mas não a definia. Ela era muito mais do que aquilo. Continuou sonhando. Continuou escrevendo. Continuou me amando. Em setembro do ano passado, nós nos casamos. Um casamento simples no campo, como sempre desejou. Ela nunca esteve tão linda, embora não acreditasse nisso. Eu sempre mantive aquela fagulha de esperança no peito, de que venceríamos a batalha e de que o adeus não precisaria ser dito, não tão cedo, não tão injustamente.

O último prognóstico que recebemos, no entanto, foi desolador. O tratamento tradicional não estava mais fazendo efeito. Rose poderia tentar um experimental, mas as chances de cura eram mínimas. Aquelas palavras ditavam um fim. O fim dela. De nós dois. Aquelas palavras me atingiam com a força de um soco no estômago e eu simplesmente não podia aceitá-las. Naquele momento, não tive dúvidas. Eu queria que Rose tentasse o tratamento experimental, porque não desperdiçaria nenhuma chance de tê-la comigo, mesmo que pequena. O que seria do mundo sem ela? O que seria de mim?

Eu estava sendo egoísta, tinha consciência disso. Queria que Rose se agarrasse à vida por mim. Porque eu não podia, não queria, aceitar o que era inevitável. Contudo, precisei silenciar esse lado dias depois. Precisei conter a revolta e a dor que comprimiam o meu peito para tentar compreender a decisão dela. Porque, dias depois, eu a encontrei sentada no chão da nossa sala, os braços envolvendo os joelhos. A lareira crepitava e os seus olhos estavam marejados. Asleep, aquela canção dos anos oitenta que Rose tanto gostava, tocava baixinho no toca-discos. Sem virar o rosto na minha direção, ela disse, em um tom sussurrado:

― Eu sempre gostei desta música, sabe? Desde pequena. Mas nunca achei que um dia a entenderia tão bem... Eu não vou continuar com o tratamento, Scorpius. Com nenhum tratamento. Eu não quero continuar. A cada dia que passa, eu me sinto mais cansada… e estou cansada de estar tão cansada. ― Ela enxugou as lágrimas com as costas da mão. ― Estou cansada de viver assim. Se não há esperança, por que continuar? Do fundo do meu coração, eu só quero desistir. Você consegue me entender?

Eu não entendia. Rose queria desistir. Queria ir embora. Ela aceitava isso. Por alguns segundos, permaneci em silêncio, atento à música e ao meu coração, que parecia falhar. Mas, então, assenti. Eu sentia raiva do mundo, mas não de Rose. Nunca de Rose. Eu a apoiaria e estaria ao seu lado, mesmo que isso me doesse… mesmo que isso a tirasse de mim. No fim, se tratava somente dela. Do que desejava para si mesma. Eu sabia que aquela decisão havia sido infinitamente mais difícil para ela. Naquele dia, eu a abracei e me permiti chorar. Choramos juntos; tudo aquilo que precisava ser chorado, tudo aquilo que não havíamos chorado até então, apenas para fingirmos que éramos fortes e que podíamos vencer. Nunca me senti tão pequeno, tão impotente e tão destruído.

Apesar de tudo, houvera sorrisos depois daquilo. Dias bons, com tardes amenas na praia, com almoços divertidos e cheios de amor N’A Toca e com noites românticas entre nós dois, no cinema, no seu restaurante favorito ou simplesmente no nosso apartamento. E, claro, houvera dias ruins. Muito ruins. Aqueles últimos estavam sendo especialmente complicados para ela. Eu tinha ciência de que Rose não podia mais. Que estava esgotada demais. Me doía vê-la assim. Fechei os olhos e suspirei, tentando manter meus pensamentos longe desse futuro tão próximo. O amanhã se tornara a minha maldição, uma maldição sem piedade e sem contrafeitiços.  

― Scorpius? ― escutei Rose me chamar, sua voz soando um pouco fraca. No mesmo instante, me virei delicadamente na cama e a encarei. Rose estava com os olhos abertos, seu rosto apoiado no travesseiro. Sorrindo, levei uma mão a sua bochecha e a acariciei.

― Sim, meu amor? ― encorajei.

― Eu quero… quero que me prometa algo ― disse.

Balancei a cabeça e senti meus olhos arderem mais, sabia o que ela iria falar.

― Não, Rosie, não…

― Eu preciso que me prometa ― foi mais enfática. Havia desespero em seu olhar, como se sua tranquilidade dependesse daquilo. Com um peso no coração, eu concordei e me aproximei mais dela, envolvendo-a em um abraço. ― Me prometa que… que vai tentar ser feliz depois que eu me for.

― Rosie…

Por favor. ― Como não respondi, ela segurou o meu rosto entre as suas mãos. ― Eu sei que vai doer, mas não pode doer para sempre. O que você tem é uma benção, Scorpius. A vida é uma benção e pode ser tão bonita, deixe que ela ainda seja bonita para você. Eu quero que viva tudo aquilo que um dia sonhou…

― Eu não posso viver sozinho sonhos que sonhamos juntos.

― Você pode criar outros… tão bonitos e tão sinceros quanto. ― Eu funguei e senti os lábios de Rose em minha testa. ― Scorpius, me escuta. O mundo pode achar que não, pode ter pena de mim, mas eu fui feliz, mesmo nesses últimos anos. Eu fui feliz quando publiquei o meu primeiro livro e você esteve lá, no coquetel de lançamento, pronto para receber o primeiro autógrafo da minha vida, fui feliz quando me pediu em casamento em uma noite fria e chuvosa, depois de tentar fazer pizzas artesanais para mim, fui feliz quando você finalmente conseguiu vencer papai no Banco Imobiliário e fui feliz quando nos casamos e você me disse que eu era a mulher mais linda do mundo, o que era uma óbvia mentira. Eu fui feliz em cada abraço, em cada beijo e em cada noite. Eu realizei muitos sonhos e, na maioria deles, você esteve presente. É injusto, sim, que eu não possa mais… no entanto, me parece ainda mais injusto que você, podendo, se negue a viver.

― Eu também fui muito feliz ― disse, porque precisava que ela soubesse disso. ― Fui feliz em cada sorriso seu.

Como que para comprovar aquilo, Rose abriu um enorme sorriso. Um sorriso que iluminava cada pedaço do meu coração. 

― Eu te amo mais do que todas as estrelas do céu e elas são infinitas ― Rose começou, me abraçando.

― Eu te amo mais do que o próprio infinito ― completei, rindo. Aquela era uma velha brincadeira nossa, que se iniciou ainda nos tempos de faculdade. Era a nossa maneira de nos declararmos um para o outro.

― Eu vou ficar bem ― sussurrou. ― Eu acredito nisso, Scorpius, sempre acreditei. Eu estou pronta para voar da asa mais alta ― cantarolou o verso de uma música, sua voz já tão cheia de sono. Ela se aconchegou confortavelmente em mim e pediu: ― Cante para mim, Scorpius. Eu gosto de ouvi-lo cantar.

Assim o fiz. Acariciando o seu cabelo curto, eu cantei para Rose, baixinho e de todo o coração. Quando terminei, suspirei pesadamente e a chamei:

― Rosie?

― Hum? ― resmungou, sonolenta.

Ela parara de insistir para que eu prometesse. Rose sabia que, se insistisse mais, não seria sincero. Tentar ser feliz depois que ela se fosse não seria nada fácil. Sorrir quando ela já não sorrisse não me parecia sequer possível. Eu nunca aceitei o nosso fim ― nem aceitaria. Não conseguia imaginar como seria viver em um mundo sem o seu frescor e sem a sua força. Sem a sua presença revigorante. Fazer aquela promessa era algo doloroso demais. Mas eu compreendia Rose. Se fosse ao contrário, eu também iria querer que ela fosse plenamente feliz. Iria querer, com toda minha alma, que Rose continuasse preenchendo sua colcha de retalhos com lembranças bonitas. Fazer aquela promessa seria doloroso, sim. E cumpri-la, ainda mais. Porém, era algo que precisava fazer. Por mim e por ela.

― Eu prometo ― murmurei, por fim, e senti que Rose deu um último sorriso antes de finalmente adormecer. Nossos corações ainda batendo juntos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam? Me digam nos comentário.

No fim, eu não matei a Rose, hein? Ela termina a fic viva, se isso serve de algum consolo. Uma vez eu jurei para mim mesma que nunca escreveria nada no estilo de Nicholas Sparks (porque, honestamente, não é algo que eu goste de ler) e aqui estou eu, com uma fic estilo Nicholas Sparks. Por que eu fiz isso comigo mesma? Não sei, acho que quis me desafiar a algo que normalmente não faria. Se a fic não ficou boa, a culpa é... inteiramente minha mesmo, eu assumo, embora o tempo não tenha me ajudado, precisei escrevê-la correndo (inscrever fic não-escrita é algo que não faço mais, obrigada), e um bloqueio criativo tenha recaído em cima de mim (essa fonte está seca no momento). Talvez se não fosse esses dois fatores, a fic poderia ter ficado melhor, mais sensível, mais bonita, mais bem trabalhada de um modo geral. Mas, considerando todos os aspectos, julgo que ela ter saído foi um milagre em si. Espero que vocês tenham apreciado a leitura apesar de tudo.

Beijos e até a próxima :*



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sing Me to Sleep" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.