tolerate it escrita por Foster


Capítulo 1
A Battle Hero's Welcome


Notas iniciais do capítulo

Para Lívia/BadMinnie, uma das fanfiqueiras mais geniais que eu conheço! Você me tirou no amigo secreto passado e me deu um presente maravilhoso, espero que eu tenha conseguido retribuir à altura ❤️



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Quando passei pelo corredor estreito que dava para a entrada do Largo Grimmauld, parei à porta e observei Sirius de cabeça baixa lendo o jornal, o cenho franzido em concentração, os olhos correndo depressa pelas palavras. 

Observei-o melhor conforme me aproximei lentamente. Suas olheiras eram bem demarcadas, assim como as maçãs do rosto, indicando que, mais uma vez, não estava se alimentando muito bem e que o álcool andava sendo seu melhor amigo. Eu não podia julgá-lo, no entanto, considerando a situação. Uma guerra deixava marcas impossíveis de apagar, muito mais profundas e intensas do que feridas físicas.

Sirius não percebeu minha presença, o que me fez esboçar um sorriso triste. Apenas me limitei a permanecer perto da porta, gravando cada detalhe do homem que eu amaria possivelmente para sempre, mesmo sabendo que, por parte dele, talvez a mágoa estivesse ocupando mais lugar do que o amor.

 

 

Eu sabia que, com minhas decisões, estava afastando Sirius cada vez mais, porém eu não tinha como desistir do que acreditava e ele sabia- por isso talvez ficasse tão magoado. 

A questão é que Sirius sempre apreciou bancar o herói. Não pensava duas vezes em assumir a culpa por qualquer coisa que fosse, desde que seus amigos ficassem ilesos. Seu coração transbordava lealdade sem exigir nada em troca. Nunca duvidei que ele daria a vida para proteger a quem ama, à vista disso tinha uma preocupação redobrada sempre que éramos designados para missões da Ordem da Fênix. Eu nunca sabia se Sirius voltaria vivo ou se acabaria se jogando na frente de James, Remus ou Peter para salvá-los, ou até mesmo de Lily, Dorcas ou de mim. Ou, para ser sincera, talvez de qualquer outro membro. 

Ele não só apreciava como, na minha visão, havia nascido para ser um herói. Eu soube disso ainda em Hogwarts, quando ninguém mais parecia notar. Enquanto enxergavam alguém teimoso e sem escrúpulos, eu via um rapaz dedicado e genial. Era bem claro para mim, vendo-o defendendo seus ideais, confrontando a própria família, mesmo que aquilo lhe custasse uma expulsão de casa tão cedo. Eu sabia que, por trás de seu jeito charmoso, com os cabelos encaracolados rebeldes, os sorrisos de canto e as cantadas baratas, além do seu jeito aparentemente descontraído, de quem não ligava de tomar uma, duas ou dez detenções em uma semana, existia alguém incrível, apaixonado pela vida e disposto a lutar pelo que acreditava ser o certo. 

A ironia era que, alguém como ele, tão propenso a viver cada segundo como se fosse o último para fazer valer a pena, fizesse questão de dar o primeiro passo à morte caso fosse necessário e não admitia que fizessem o mesmo por ele. 

 

 

A primeira vez que nos beijamos não foi nada excepcional. Eu nutria, sim, uma admiração por ele, afinal Sirius era um maroto e eu estaria mentindo se dissesse que já naquela época, aos dezesseis anos, não o achava bonito. No entanto, Sirius era apenas Sirius, um garoto da minha sala que vivia com seus casos amorosos e de segredinhos com seus amigos mais próximos. 

Foi após a vitória da Grifinória contra a Sonserina na final do campeonato das Casas. Eu era artilheira, assim como James, e ambos protagonizamos alguns dos melhores lances da partida. Sirius me parabenizou, eu agradeci. Conversamos, bebemos cervejas amanteigadas e lá para a terceira caneca, ele virou o copo, grudou seus olhos acinzentados em mim e disse:

— Eu tentei resistir, mas sinceramente, McKinnon, não sei se consigo me segurar por muito mais tempo. 

Eu iria fazer uma piadinha com alto potencial de quebrar o clima, porém Sirius foi mais rápido e me puxou pela cintura, grudando nossos corpos e ficando a milímetros da minha boca. A expectativa para o beijo aumentava a cada segundo, com sua respiração em meu rosto, o cheiro de álcool misturando-se ao perfume amadeirado que ele usava me deixando completamente inebriada. Sirius parecia se deliciar com o momento, acariciando minha cintura com delicadeza e perscrutando meu rosto, esperando minha rendição, que obviamente não demorou nem um segundo a mais. 

Levei minha mão livre ao rosto dele, enquanto tentava manter o copo de cerveja agarrado com firmeza na outra, e o beijei com voracidade, torcendo para minhas pernas não virarem gelatina. 

Sirius tinha gosto de bala de canela e cerveja amanteigada com um leve tom de cigarro de palha, que de vez em quando fumava em festas. Deslizei minha mão pela nuca dele e envolvi os fios encaracolados nos meus dedos, puxando-o com firmeza. Sirius respondeu apertando minha cintura e levando uma mão aos meus cabelos castanhos, puxando-os para trás e exibindo meu pescoço. No instante seguinte ocupou-se em traçar um caminho de beijos dos meus lábios para a região exposta, brincando também de mordiscar com delicadeza antes de retornar sua atenção para minha boca, mordendo meu lábio inferior e, depois, aprofundando o beijo mais uma vez. 

Poderia ter sido só mais um beijo, como tantos que vi Sirius fazer por aí e eu mesma fiz tantas outras vezes, mas o ato desencadeou algo praticamente incontrolável. Desejo. Totalmente insaciável. 

Fui eu quem deu o segundo passo, puxando-o para um armário de vassouras no dia seguinte ao jogo. Sirius sorriu aliviado e me envolveu com os braços fortes rapidamente, para não perdermos tempo, não sem antes soltar:

— Estragou meus planos de te puxar para um canto escuro do castelo após o fim das aulas, McKinnon. Ainda estamos no primeiro período.

— Nada te impede de colocar essa ideia em prática mais tarde — devolvi com um sorriso e levei meus dedos aos seus fios castanhos e sedosos, desejando que aquele beijo nunca mais tivesse fim. 

 

 

Ficamos naquele ritmo de encontros às escondidas por alguns dias, porém descobrimos que, para todos os nossos amigos, não era lá um grande segredo, principalmente quando começamos a transar e, vez ou outra, esquecíamos de colocar um feitiço sonoro no quarto nas poucas escapadas que conseguíamos dar quando o dormitório masculino estava vazio. 

— Eu podia ouvir você do quadro da Fortuna Major — Dorcas soltou, fazendo uma careta, quando ela, Lily e Mary resolveram me interrogar para obterem a verdade após ter sido flagrada tentando sair escondida durante a noite.

— É melhor me contar a verdade, Marlene McKinnon, ou posso usar minha cartada de Monitora Chefe e colocar vocês dois na detenção por saírem escondidos por aí nas nossas costas. 

— Claro, Lily, dê a eles exatamente o que querem: um momento sozinhos — Mary riu irônica e Lily revirou os olhos. 

— Bem, eu pensei em dar detenções separadamente, para ser cruel. Quem sabe na abstinência eles finalmente falem alguma coisa. 

— É uma boa tática — revirei os olhos diante da colocação de Dorcas, tentando conter um sorriso ao admitir em voz alta:

— Vocês são terríveis. E eu amo cada uma justamente por isso. Agora se vocês me amam, poderiam me liberar para encontrar o Sirius. 

Lily, Dorcas e Mary deram risinhos, garantindo que já sabiam, porque éramos óbvios demais, e exigindo detalhes. Apenas dei de ombros, levantando-me e cruzando os braços diante das três, as quais me olhavam ansiosas.

— Se me deixarem ir agora, garanto que vou ter ainda mais detalhes depois. 

Não precisei dizer absolutamente mais nada. 

 

 

Nas férias de verão foi fácil manter o contato, tendo em vista que eu era vizinha dos Potter. Meus pais não eram os maiores fãs de Sirius, ainda mais por terem-no conhecido de uma maneira nada adequada após uma visita noturna que terminou em uma série de feitiços sendo lançados pelo ar e com ele saindo correndo pela rua com as calças na mão. 

Depois do pequeno incidente, assumi que, provavelmente as coisas estariam acabadas entre nós, ainda mais pela demanda de meu pai de que, caso Sirius quisesse de fato frequentar nossa casa de uma maneira decente, deveria se apresentar oficialmente. Eu sabia que não havia nada a oficializar, o que praticamente encerrava o que vínhamos fazendo, pelo menos até retornarmos à Hogwarts, já que enganar meu pai mais uma vez seria o mesmo que assinar uma sentença de morte. 

Para minha surpresa, entretanto, Sirius apareceu à minha porta no horário do jantar, parecendo disposto a conversar, com seu olhar firme e sorriso de canto típico. Eu estava horrorizada, até ele dizer com todas as letras que não esperava nenhuma autorização do meu pai e que eu e ele não precisávamos assumir nada se não quiséssemos. Fez um discurso sobre como não havia saído da casa dos pais para seguir ordens quaisquer que não fossem a da senhora Potter, que era como Morgana na terra para ele e que, “com todo respeito”, só se afastaria de mim ou oficializaria algo caso eu quisesse. 

Quis beijá-lo no ato, porquanto não esperava nenhuma atitude diferente, e também porque eu desconfiava que aquilo poderia lhe custar sua vida, conhecendo meu pai como eu conhecia. No entanto, mais uma vez naquela noite, fiquei surpreendida ao perceber que meu pai havia se levantado, estendido a mão para Sirius e assentido. De uma forma estranha, Sirius havia conquistado o respeito de George McKinnon e isso não era algo que acontecia todos os dias.

Sirius foi esperto ao continuar mantendo certo respeito enquanto estávamos de férias, para que meu pai não perdesse a paciência, então começamos a conversar mais quando estávamos no meu quarto - embora beijos roubados e algumas mãos a mais fossem frequentes, afinal, éramos como fogo e gasolina juntos e nada podia, de fato, nos parar. 

Havia um sabor agridoce em passar os dias com ele. Apesar das risadas, dos beijos, das tardes na garagem dos Potter com Sirius consertando sua motocicleta, das pequenas reuniões com os marotos, Lily, Dorcas, Mary e Amos; além de algumas saídas somente dos dois às escondidas, era impossível ignorar a movimentação que estava acontecendo.

Em outros tempos teríamos saído com nossos amigos sem maiores preocupações, ficaríamos fora, iríamos para outras cidades e acabaríamos rindo na madrugada adentro, mas os ataques estavam ficando piores e a recomendação era que não andássemos sozinhos, em especial aqueles que ainda não haviam atingido a maioridade bruxa. 

Nos primeiros encontros tentamos relevar, sempre tomando o cuidado de não ficarmos até tarde nas ruas e nos divertirmos ao máximo. Conforme agosto avançava, todavia, nossas reuniões eram menos sobre diversão e mais sobre articulação. Não queríamos ficar com as mãos atadas. Desejávamos agir, derrotar Voldemort. Poder andar livremente, sendo sangue puro, mestiço ou nascido trouxa. 

Ansiávamos um mundo melhor. 

Quando retornamos para o último ano em Hogwarts, as coisas estavam diferentes. Não existia tanta descontração e sentíamos que precisávamos de um treinamento a mais das aulas caso quiséssemos enfrentar o perigo que havia lá fora. Portanto, não foi uma surpresa quando a Ordem da Fênix foi montada, com alunos do sétimo ano, recém formados e membros do Ministério da Magia fazendo parte. 

Havia um brilho no olhar de Sirius toda vez que estávamos nos treinos e, talvez pela primeira vez, outras pessoas começaram a vê-lo com mais seriedade e respeito. Eu me sentia exatamente da mesma forma, voraz por justiça. 

Treinávamos e vivíamos cada dia como se, a qualquer instante, Hogwarts pudesse ser invadida e colocar à prova nossas habilidades em uma questão de vida ou morte. Sabíamos que, paralelo a isso, nosso envolvimento também ganhava uma profundidade e, apesar de parecer algo supérfluo quando se está no meio de uma guerra, não deixava de ser algo extremamente necessário para se apegar. Afinal, estávamos treinando para o combate e quem saberia dizer o quanto duraríamos? 

Porventura fosse por isso, ou pelo fato de ser nosso último ano, mas a questão é que todos aproveitamos Hogwarts como podíamos. Parecia loucura focar em aulas e exames naquele cenário, porém demos nosso melhor. Os finais de semana em Hogsmeade eram os mais aguardados e foi em um deles que eu e Sirius tivemos uma conversa que repassei na minha cabeça mesmo muito tempo depois.

— É bom sentir que estamos fazendo alguma coisa, mas você não tem a sensação que…

— Poderíamos estar fazendo ainda mais? — completei com um sorriso enquanto andávamos a passos lentos pela neve. 

Sirius, que não era exatamente alguém que sentia frio e por isso usava poucas sobreposições de peças, tinha flocos de neve nos cabelos cacheados - levemente úmidos pelo acúmulo - e na gola da camisa. Quis retirar meu cachecol e colocar nele, apenas pela aflição que estava me dando vê-lo daquela forma, contudo eu desconfiava que ele apreciava a sensação ou até mesmo não se importava. Ao menos não naquele momento, tão absorto em pensamentos, com os olhos acinzentados perdidos e os lábios sendo umedecidos de tempos em tempos para evitar o ressecamento.

— Muito mais! — Sirius assentiu, parando de andar e virando-se para mim. Soltou um suspiro pela boca e o ar gelado encostou em minha bochecha. Fiquei de frente para ele, encarando-o com ternura. 

— Você sabe o quanto é incrível, certo?

— Se eu sei? Eu tenho certeza — ele esboçou o clássico sorriso de quando está flertando e eu não contive uma risada. 

— Estou falando sério, Sirius. Não só a respeito da Ordem, mas também tudo o que tem feito. Especialmente ali — indiquei a casa dos gritos ao fundo e, após um breve momento de choque, Sirius pigarreou e se fez de desentendido. — Vocês são ótimos escondendo segredos, isso não posso negar, mas eu saio com você há quase um ano, Black, as peças foram fáceis de se encaixar. 

Nunca sequer havia passado pela minha cabeça que Remus poderia ser um lobisomem, embora olhando em retrospecto as cicatrizes e os sumiços em época de lua cheia fossem bem reveladores. A questão é que nunca esperamos que isso vá acontecer com algum de nós, até o momento que acontece. Quando percebi, passei a observar o quarteto dos marotos com outros olhos. Era preciso muita lealdade e coragem para viverem aquilo juntos, todos os meses, por tantos anos. Algo extremamente admirável. 

— É o mínimo que eu poderia fazer.

— É infinitamente mais do que muitos estariam dispostos a fazer — rebati arqueando a sobrancelha e Sirius deu de ombros. No fundo, ele sabia e, apesar de sempre adorar se gabar por tantas coisas, seus atos heroicos não faziam parte da lista, algo particularmente interessante de se observar. 

Naquele momento, Sirius respirou fundo e eu percebi o quanto seus ombros carregavam um peso enorme que estava longe de ser aliviado. Mas, de certa forma, ter seu esforço reconhecido era como um respiro e, quando ele me olhou, eu soube que tínhamos algo mais profundo do que eu esperava. Poderia não ser como Lily e James ou Alice e Frank, mas era tão intenso quanto. 

Foi ali que percebi que não poderia largar a mão de Sirius Black, porque estava irremediavelmente apaixonada. 

 

 

Sirius e eu passamos a viver juntos no Largo Grimmauld após a formatura, o que, de primeiro momento, não agradou muito meus pais. Não obstante, com as missões da Ordem ficando cada vez mais frequentes, seria exposição demais permanecer em casa, local que eu poderia ser caçada e meus pais poderiam acabar pagando o preço por algo que eu havia feito.  

Assim que decidi fazer a mudança, meu pai me confidenciou que, naquele dia em que Sirius disse todas aquelas palavras ousadas, soube que provavelmente não haveria homem mais adequado para mim do que ele. 

— Nunca pensei em ninguém como sendo merecedor de você, querida. Não há ninguém mais corajosa, talentosa e incrível do que você. E não é qualquer zé ruela que poderia dar conta de estar aos seus pés, não. Sei que você é inteira do jeitinho que você é, mas caso sinta que queira dividir a vida com alguém, eu não poderia pensar em ninguém melhor do que ele. 

George McKinnon não era um homem de lágrimas, porém ali, comigo prestes a embarcar em mais uma missão sem saber se iria voltar e indo embora de casa, meu pai não se conteve - e em nenhuma das outras vezes que eu precisei me afastar para lutar. Eram lágrimas solitárias, escorrendo com lentidão de olhos orgulhosos, mas definitivamente angustiados.

Foi também naquele mesmo dia que ele disse pela primeira vez algo que eu, até o momento, não havia pensado sobre mim, e que guardei profundamente em meu coração.

— Você nasceu para ser uma heroína, Marlene. 

E meu pai estava certo. Eu conseguia ver claramente essas características em Sirius, James e Lily, contudo nunca parei para pensar que eu, assim como todos os outros que estavam ali, lutando pela Ordem - Alice, Frank, Dumbledore, Remus, Peter, Moody, Elifas, os irmãos Prewett e todos os demais -  também poderiam ter a mesma qualidade. 

Heroína. 

Soava bem. E era ao que eu me agarrava em cada luta suada contra os Comensais, tentando destruir um mal maior pela raiz, por vezes vencendo, em outras perdendo. As cicatrizes me caíam bem, conquanto toda vez que eu retornava os olhos de águia de Sirius pareciam enlouquecidos num misto de preocupação, raiva e admiração. Era irônico que ele não gostasse que eu me arriscasse tanto, enquanto estava praticamente aos frangalhos na minha frente justo por ter se arriscado mais que o adequado. 

Sirius queria ser o herói para que ninguém mais precisasse se-lô. E não por egoísmo ou por querer algum mérito para si, muito pelo contrário. Sirius não admitia que seus amigos se machucassem deliberadamente, ao passo que ele poderia ter tomado as dores no lugar. Ele daria sua vida sem pensar duas vezes para que nenhum de nós precisasse fazer isso. Era quase como se ele prezasse mais por nós do que por si mesmo, com seu senso de justiça e lealdade falando mais alto do que qualquer outra coisa. 

Para ele, não havia a possibilidade de perder um amigo, quando havia tudo que pudesse ser feito para evitar a situação. Sirius acreditava que sempre poderia fazer mais para que os outros se ferissem menos. O que ele não enxergava era que nós nos sentíamos da mesma forma em relação a ele. Nos sacrificaríamos, nos colocaríamos na frente para sofrer seus machucados. Sem pensar duas vezes. 

O problema é que, nessas tentativas, só um ou outro conseguia cumprir seu objetivo e Sirius tinha tendências a acabar vencendo, a não ser quando se tratava de mim, o que, inevitavelmente, começou a criar fissuras profundas em nossa relação.

 

 

Os meses se passaram desde o fim de Hogwarts, do casamento de Lily e James após a formatura, das nossas primeiras missões e de meu pai me chamando de heroína. As coisas estavam piores e além de trouxas e nascidos-trouxas, mestiços também estavam sendo caçados, bem como nós, membros da Ordem. Por mais que tivéssemos unido forças com o Ministério da Magia, ainda éramos em menor número em relação aos Comensais, em uma proporção de vinte para um e, se não tomássemos cuidado, poderíamos ser liquidados com facilidade. 

Mesmo com tudo isso, de uma maneira um pouco torta, estávamos tentando viver além de sobreviver. James e Lily tinham um bebê recém-nascido, assim como Alice e Frank. Não era a melhor hora para colocar filhos no mundo e todos sabiam disso, no entanto, ninguém poderia afirmar se, um dia, o mundo estaria um lugar melhor, de qualquer forma, para ser a hora certa ou não. E, de todo modo, Harry e Neville foram um suspiro em meio a tanto medo. Eram a esperança de que, um dia, tudo poderia ficar bem, ao menos para eles. 

Eu e Sirius ainda estávamos em nossa dinâmica sem rótulos. Costumávamos brincar que, assim que arrancássemos a maldita cabeça de Voldemort, ele me pediria em casamento. Eu respondia dizendo que seria mais rápida que ele. De certa forma era o que nos mantinha sãos em meio a tudo aquilo, ainda mais quando os ataques começaram a se agravar. Até o pior acontecer.

Fabian e Gideon Prewett haviam sido brutalmente assassinados por um grupo de cinco Comensais da Morte liderados por Antônio Dolohov. Dearborn havia desaparecido e toda a família Bones havia sido dizimada. Todos em tentativas dos Comensais de obterem informações sobre a ordem, sem sucesso. As perdas aconteciam praticamente uma atrás da outra, deixando-nos sem tempo sequer de velar os corpos como seria adequado ou vivenciar o luto. 

Precisávamos reagir, mas parecia cada dia mais impossível.

Dorcas fora morta três dias antes, pelas mãos de Voldemort em pessoa. Na ocasião não havia nada que pudesse ser feito, pois ela estava sozinha, um erro imperdoável, já que eu deveria tê-la acompanhado. Na noite em questão fiquei com Sirius, aguardando instruções para uma outra missão que eu supostamente seria mais necessária. Se eu ao menos desconfiasse não teria hesitado em ir junto. Colocaria-me no lugar dela sem pensar duas vezes. 

Eu jamais me perdoaria por ter assentido e deixá-la ir sozinha. Nós da Ordem não deveríamos deixar um ao outro sem assistência em hipótese alguma, nunca, mas cometemos esse deslize. E ela foi pega de surpresa. 

Eu não sentira uma dor tão grande como aquela até o momento. Era impossível não lembrar das nossas confidências em Hogwarts, considerando que Dorcas havia sido minha primeira amiga, ainda na infância, por nossas mães serem próximas. Depois, quando Dorcas ficou órfã, foi na minha casa que ela buscou conforto. Ela tinha a casa da avó, mas dizia que não era como lá, por ter a mim e aos meus pais, que sempre a acolheram de braços abertos.

Dorcas foi a irmã que nunca tive e eu senti uma parte de mim ir embora com sua morte. 

Receber a notícia por uma mensagem debochada de Bellatrix Lestrange, que desdenhou das tentativas de Dorcas em reagir contra Voldemort somente afundou a adaga em meu peito ainda mais e eu jurei vingança. Quando a vi no meio daqueles Comensais quis fazê-la engolir cada palavra nojenta que Bellatrix havia dito sobre Dorcas e, em surto, fui para cima dela, sem me atentar a mais nada ao meu redor. 

A explosão quase comprometeu a missão, com alguns membros da Ordem saindo da posição para me cobrir. O impulso me custou alguns machucados, porém a adrenalina e a angústia em mim não deixavam que eu sentisse dor ou ter a noção do que quase havia acontecido. Sirus, por outro lado, parecia bem ciente e, por isso, vinha para cima de mim como um leão.

— No que você estava pensando? — questionou irritado quando aparatamos no Largo Grimmauld. Não fora a primeira vez que eu havia arriscado de maneira imprudente e também nem a primeira discussão a respeito. 

— Me responda, Marlene. Que merda você estava pensando? Quando nós dissemos “recuar”, você deveria ter recuado. 

— Sirius, eu sei — minha respiração estava irregular e eu ainda sentia minhas mãos tremerem. —  Mas não precisa exagerar.

— Não preciso? — ele riu irônico, passando a mão pelos cabelos. Havia um machucado aberto que ia de sua têmpora até boa parte da bochecha e, se não fosse cuidado logo, talvez deixasse uma cicatriz. Quando tentei me aproximar, no entanto, Sirius se afastou. — Marlene, onde você estava com a cabeça?

— Eu quis vingá-la. Você, tanto quanto eu, gostaria de fazer os Lestrange sofrerem e sabe disso — tentei apelar para a desavença dele com Bellatrix, sua prima, entretanto, aquilo só pareceu irritá-lo ainda mais.

— Você acha que eu daria esse gostinho a ela, Lene? De lutar como um idiota, sabendo das minhas limitações? 

— Quer dizer que eu fui idiota? — cuspi em escárnio. — Eu não gosto de recuar e você sabe. E Dorcas merecia ser vingada. 

— E você acha que eu gosto de recuar? Que aprecio deixar esses canalhas ficarem impunes, provavelmente rindo às nossas custas, mesmo que tenham terminado pior do que nós? — Sirius andou a passos firmes até mim, ficando cara a cara comigo. — Você pensa que é corajosa, querendo lutar até o final com quem não importa. É claro que quero estraçalhar cada um deles e jogá-los para apodrecer em Azkaban, que é um destino pior do que a morte e nada mais do que justo para uma gentalha como eles, se quer saber. É claro, Marlene. Mas eu também sei quando é esperto recuar, para pegarmos quem realmente importa. E, puta merda, eu quero tanto quanto você vingar a Dorcas, mas não podemos fazer isso se, no meio do caminho, acabarmos nos juntando a ela. 

Não percebi que estava derramando lágrimas até Sirius erguer os dedos, sujos de terra e sangue, para secar algumas que escorriam pelo meu rosto, provavelmente tão destruído quanto as mãos dele. Naquele instante toda a pose dura dele se desfez e, junto comigo, Sirius chorou. 

Não havia sido uma noite fácil e, na realidade, nenhuma vinha sendo há muito tempo. O que nos restava era nos amar, agarrando-nos a toda e qualquer oportunidade de paz, por isso não demoramos para seguir até o banheiro em silêncio, aos beijos.

A água quente, caindo em uma ducha pesada em nossas costas, parecia levar um pouco da dor, além da sujeira. Não era o suficiente, é claro, mas amenizava. Ficávamos longos minutos em silêncio, abraçados, apenas deixando a água cair. Quando terminávamos, um pouco mais leves, arriscávamos fazer algo para comer ao som da única frequência que parecia pegar no maldito rádio improvisado de Sirius, que tocavam músicas dos anos 60. Às vezes dançávamos, fingindo que éramos jovens livres e desimpedidos, com Sirius me garantindo que um dia me levaria ao que os trouxas chamavam de discotecas. Em outras ocasiões apenas nos limitávamos a nos olhar, segurando a mão um do outro quando não estávamos mexendo uma panela ou segurando um garfo para comer, apenas para nos certificarmos de que estávamos ali, vivos, e tínhamos um ao outro. 

Nos amávamos madrugada afora, porque não conseguíamos pregar o olho e, quando o fazíamos, pesadelos eram bastante comuns. Talvez, se tivéssemos exaustos após gastar toda nossa energia e nos perder um no outro por longas horas, sem pensar em nada, poderíamos garantir um sono profundo por algumas horas. 

Éramos felizes.

Fomos felizes até onde pudemos, porque havia um limite que Sirius poderia tolerar e eu estava, a cada dia mais, testando-o.  

 

 

Minhas medidas impulsivas tomaram proporções perigosas a tal ponto que precisei me afastar da Ordem por exigência de Sirius. Ele tinha razão de tentar colocar alguma lucidez em mim, porquanto não havia sido nem uma, nem duas vezes que eu havia chegado inconsciente a nossa casa ou necessitava de cuidados intensos durante dias. 

Eu via o desespero em seu olhar, mas simplesmente não conseguia parar. Nossas brigas pioravam a cada dia e, por mais que tentássemos, já não estava sendo fácil apenas colocar panos quentes na situação. 

Não foram poucas tentativas em fazer com que nossa rotina de antes voltasse. Nas semanas que estive sozinha no mausoléu que era o Largo Grimmauld busquei agir com naturalidade. Sirius geralmente retornava das missões esgotado e, ao me ver, seus olhos já não brilhavam mais, embora ele esboçasse um sorriso pequeno em cumprimento, seguido de um beijo rápido antes de seguir ao banheiro. A impressão que eu tinha era que para Sirius era doloroso me ver, ainda me recuperando de machucados que eu mesma havia procurado. 

Um conflito entre questioná-lo e correr o risco de cairmos em mais uma discussão ou simplesmente deixar para lá e fingir que tudo estava bem me consumia por dentro. Talvez fosse coisa da minha cabeça, mas Sirius parecia decepcionado. Ou somente estivesse magoado por quase ter me perdido. 

O que eu não compreendia e estava me enlouquecendo é que, se eu estava ali, diante dos olhos dele, não havia sentido manter tais ressentimentos. Quanto mais eu me aproximava, mais ele me jogava para o canto. Não fazia sentido e, além de tudo, era doloroso. 

Os sinais mais concretos não demoraram a seguir. Sirius passava muitas horas do dia fora, expondo-se ao perigo, mesmo quando não era escalado para missões oficiais. Dizia que estava fazendo as próprias investigações. Em seguida, parou de aparecer para o jantar. Eu não era exatamente uma cozinheira de mão cheia, porém sabia fazer alguns de nossos pratos favoritos, agora já não havia mais sentido em tentar cozinhar algo mirabolante apenas para uma pessoa. 

Estávamos nos perdendo, cada dia mais, e não havia nada que eu fizesse que parecesse reverter a situação. Nem eu e nem ele parecíamos tolerar aquela situação mais e nossa relação havia se resumido a uma disputa de quem cederia primeiro. 

Talvez Sirius, no fundo, não quisesse um embate. Talvez ele desejasse uma resolução tanto quanto eu, só era orgulhoso demais para admitir. Talvez ele pensasse que eu, por ter começado com aquilo tudo, iria pedir desculpas - algo que eu não fizera em momento algum, embora tenha concordado que deveria ser mais cuidadosa.  

Talvez. 

O que ele não sabia é que, a cada dia mais distante, ele me impulsionava cada vez mais a desistir de nós dois. Eu estava cansada de lutar todos os dias por migalhas do amor dele, que estava cego de mágoa. Havia sempre uma sensação no ar de que eu estava incomodando ao tentar me aproximar enquanto ele estivesse magoado, como se eu estivesse ocupando muito espaço ou tomando seu tempo precioso.

 O que Sirius não via era que eu estava magoada. Eu também precisava de um pedido de desculpas. Eu também não estava suportando mais. Ao contrário do que ele supunha, eu não estava bem. Não estava me colocando na beira de um precipício por prazer, mas sim por necessidade. Eu precisava sentir que estava dando meu máximo, para que todas aquelas mortes valessem à pena.

Ou talvez Sirius visse tudo isso, compreendesse e só não queria admitir, porque ele era quase tão pior do que eu e, se estivesse no meu lugar, tendo perdido alguém tão próximo sem ao menos ter tido a chance de fazer alguma coisa, faria a mesma coisa. Essa, quem sabe,fosse a verdade que Sirius não queria encarar, porque significava que antes dele tentar fazer algo parecido por mim, eu faria por ele. Ambos sem pensar duas vezes. 

Nosso maior ponto em comum, que havia nos aproximado de forma tão intensa, estava nos afastando. 

 A vida sendo dolorosamente irônica e cruel, como de costume.

 

 

A profecia de que aquele que derrotaria o Lorde das Trevas teria nascido ao final do sétimo mês, filho daqueles que o haviam enfrentado três vezes, fez tudo virar um caos novamente. Frank e Alice tinham Neville, nascido em 30 de julho, enquanto Lily e James tinham Harry, nascido em 31 de julho. Ambos os casais haviam enfrentado Voldemort duas vezes, o que indicava que, se a profecia estivesse correta, mais um confronto estava por vir. Com tantas perdas recentes, o mais recomendado era que se escondessem. 

Eu, Sirius, Remus, Peter e os outros ficamos responsáveis por uma força tarefa visando proteger os dois casais e seus filhos, bem como sondar possíveis movimentações. Como estratégia, o Feitiço Fidellius foi colocado naqueles que guardariam o segredo da localização tanto dos Neville como dos Potter. Dumbledore havia se proposto a ser o fiel do segredo, mas eu sentia que, de alguma forma, Sirius daria uma forma de se colocar no meio daquilo. E lá estava ele, servindo como um bode-expiatório para o verdadeiro fiel do segredo, Peter. 

— Você está colocando um alvo enorme na sua cabeça, isso sim — não me contive quando ele retornou após uma breve reunião com James. Sirius apenas respirou fundo, massageando as têmporas, os olhos visivelmente cansados. 

— Eu nem deveria ter contado isso a você. 

— Por quê? Não sou confiável?

— Porque ficaria me enchendo o saco e sendo hipócrita. 

Eu estava prestes a rebater, mas fechei a boca. Estávamos naquele jogo de acusações há algumas semanas e a cada dia piorava. Desde a morte de Dorcas, sabíamos que, possivelmente, poderíamos ser os próximos. Agora com a caçada aos Longbottom e aos Potter, seríamos torturados para dar informações. O alvo não estava somente na cabeça de Sirius. Enquanto eu estivesse com ele eu seria tão alvo quanto e, por isso, já havia notado certa movimentação por parte dele em me afastar ainda mais. A diferença era que, dessa vez, parecia ser algo mais definitivo. Eu sentia no meu âmago, na forma como Sirius não me olhava mais com mágoa, mas sim dor. 

Por isso, ergui o dedo, sentindo meu sangue ferver e sentenciei:

— Não. Eu sei o que você está fazendo e quero te dizer que isso não vai funcionar. Não vou largar você. Estamos nessa guerra juntos e vamos assim até o fim. 

— Você está sendo irracional — ele disse com a maior naturalidade do mundo, como se não estivéssemos, enfim, fazendo algo que deveríamos ter feito há muito tempo, mas que, de alguma forma, agora parecia doloroso e irreal demais.

— Você é que está! — exasperei-me, segurando sua mão. Sentia que, a qualquer momento, Sirius poderia se esvair de minhas mãos, como já vinha tentando fazer, levando consigo mais uma parte de mim. — Não vou te deixar sozinho, Sirius Black. Se você é um alvo, pois bem, eu também sou. 

— Essa sua mania de bancar a heroína ainda vai me matar — resmungou desviando-se de mim e massageando o pescoço. Observei por alguns instantes as tatuagens da região, tentando gravar os desenhos. 

— Você tem uma competidora e tanto pelo título, Black. 

— Nunca duvidei disso, McKinnon — sussurrou, virando-se para mim. As orbes cinzentas tinham um peso que eu nunca antes vira. Sirius estava profundamente magoado com toda aquela situação, era nítido e eu sabia que ele estava irredutível. 

Sirius me afastaria pelo meu próprio bem e eu, em contrapartida, estava disposta a fazer tudo por ele. Eu não poderia negar, no entanto, que no lugar dele provavelmente faria o mesmo, e aí estava a sina de ter uma alma heroica. 

— Sirius... Não — tentei ser firme, apesar de minha voz estar embargada. 

Era injusto que nosso futuro estivesse sendo roubado bem na frente dos nossos olhos. Não que eu possuísse muitas perspectivas que fôssemos sair vivos daquela guerra, não com nossas tendências ao sacrifício, mas perder o nosso presente já era motivo o suficiente para sentir que nada daquilo era certo. 

O pior de tudo naquele momento era que eu o compreendia, apesar de não querer acreditar, porquanto foram semanas cultivando um sentimento de perda latente e inevitável. 

Eu via Sirius tolerando toda aquela situação, de nós dois correndo risco em todas as missões, das minhas atitudes impulsivas desde a morte de Dorcas e minha insistência em permanecer ao seu lado mesmo quando ele havia acabado de declarar que estava pronto para morrer pela segurança de quem amava. Meu amor incondicional por ele e por meus amigos, que, da mesma forma que Sirius, me fariam dar a vida, ao invés de ser celebrado era apenas… Tolerado. Sirius não admitiria me perder, não enquanto pudesse estar no meu lugar, e por isso apenas aceitava aquela situação o quanto podia, já que sabia o quanto eu era irredutível. 

Era irônico que meus atos de heroísmo que havia nos colocado naquela situação agora pareciam ínfimos, considerando que não sobrava um resquício sequer deles. Eu me sentia como uma covarde ao perceber que estava permitindo que Sirius desistisse de nós dois porque eu mesma havia começado a desistir. 

Talvez depois da guerra finalmente pudéssemos nos entender e viver em paz, talvez casando, talvez não, já que nem sequer havíamos assumido namoro algum. Eu não me importava, desde que o tivesse ao meu lado. 

Quanto mais eu observava Sirius, sabia que nossos dias juntos haviam chegado ao fim. Seus olhos exalavam todo o pesar que estava sentindo em me deixar ir, misturado com o amor que nutria por mim. Eu deveria estar da mesma forma. 

Mais do que ter força para continuar lutando, é preciso ter força para desistir. E eu não havia entendido o peso de uma decisão desse porte até aquele momento. 

Black e McKinnon não eram desistentes. Grifinórios também não. Membros da Ordem muito menos. Mas, de alguma forma, chegamos a esse ponto.

Sirius Black não toleraria mais aquela situação, tampouco eu faria o mesmo.

Por isso, dei um passo à frente e o envolvi em um beijo voraz, exatamente como o nosso primeiro, exceto que, no lugar de bala de canela, álcool e cigarro de palha, havia amargor, um gosto levemente metálico de sangue e um tom salgado de suor. O cheiro amadeirado já não estava mais lá, pois não havia mais sentido em coisas supérfluas como perfume, que poderiam, inclusive, ajudar no reconhecimento em missões. 

Era nossa última noite juntos e iríamos fazer uma despedida em grande estilo, afinal Sirius Black e eu não éramos menos que grandiosos em tudo que fazíamos.

 

 

Na manhã seguinte me esgueirei pela casa enquanto recolhia minhas coisas, desejando sair sem ser vista, todavia, encontrei Sirius na cozinha, lendo de cabeça baixa. Quis passar despercebida, mas ele me notou, como sempre fazia. Sorrimos de maneira triste um para o outro e eu me fui, de volta para a casa dos meus pais, com um plano de tirá-los de lá e fugir pelo mundo, antes que Voldemort me achasse.

O problema é que ele o fez. 

— Eu estava à sua espera, Marlene — a voz sombria de Voldemort soou no momento em que coloquei os pés em casa e flutuando ao lado dele, de cabeça para baixo, estava meu pai, de olhos esbugalhados e rosto praticamente roxo. 

Saquei minha varinha no ato e me coloquei em posição de ataque, mas fui interceptada por Comensais da Morte que vinham da cozinha, arrastando minha mãe pelo chão. 

Minha voz não saía, por mais que eu sentisse o grito querer irromper de meu peito. Eu estava paralisada, mas minhas lágrimas ainda caíam copiosamente. As fendas vermelhas de Voldemort no lugar dos olhos me fitavam com desdém, como se eu não passasse de um mero inseto inconveniente a ser tirado do caminho, o que eu sabia que aconteceria caso não conseguisse reagir.

— Conte-me o paradeiro do Black — ordenou, tirando o feitiço paralisante de mim. Assim que retomei meus reflexos comecei a atacá-lo, fazendo o possível para desviar da retaliação dos Comensais. Voldemort foi pego de surpresa, mas rebateu os meus ataques com uma destreza impressionante e meu sangue gelou. 

Eu sabia que seria meu fim, porém não me entregaria com facilidade, muito menos lhe daria informação alguma. 

— Prefiro morrer a dizer qualquer coisa. 

— Estúpida — Voldemort praticamente cuspiu e, com um estalo, meu pai começou a gemer de dor, os olhos ainda mais arregalados. 

Fechei os olhos, tentando pensar em como tirar ele e minha mãe, que estava inconsciente no chão, daquela situação sem entregar tudo. Talvez se eu convencesse Voldemort a me levar de refém e libertá-los… Poderia tentar dar pistas falsas, que o direcionassem o mais longe possível para que meus pais ficassem livres e eu desse um jeito de avisar a Ordem ou, ao menos, aceitasse a morte de bom grado. 

Não tive tempo de inventar uma mentira, pois uma dor excruciante percorreu todo o meu corpo e eu caí no chão, aos gritos. Eu passei a ver tudo em flashes, com meu pai derramando lágrimas e negando com a cabeça, tentando esquivar-se do feitiço ao qual estava preso. De outro lado, Voldemort empunhando a varinha contra mim sem esforço algum, perguntando incansavelmente sobre Sirius e os Potter. 

Senti meu coração apertar. Voldemort iria atrás de James e Lily primeiro, isso se já não tivesse encontrado e acabado com Alice, Frank e Neville e agora quisesse acabar com eles e com Harry por via das dúvidas. Isso significava que Sirius estava em perigo e que, no fim das contas, nossa separação não havia valido de nada, já que eu estava prestes a morrer e, se tudo desse errado, ele logo se juntaria a mim. 

Recusei-me a dizer qualquer coisa e me limitei a tentar pensar em momentos felizes para diminuir a minha dor e trazer algum conforto na morte. Primeiro em minha infância, com um pai admirável que me ensinara quadribol desde cedo e com uma mãe brilhante que sempre me ajudou quando os problemas surgiam. Saber que eles me viam como uma heroína era reconfortante e, por eles, eu tentaria fazer com que aquele momento fosse o mais honroso possível. Não cairia para Voldemort, não mesmo. 

Tentei pensar em Hogwarts, onde vivi sete anos inteiros, sem sequer ter ideia de que seriam os melhores da minha curta vida. Ao menos eu tinha certeza de que havia vivido tudo que era possível, conquistado amizades incríveis, jogado pelo time da minha Casa, vivido amores e aproveitado cada oportunidade que aquela escola incrível me proporcionara. 

Mas, inevitavelmente, meus pensamentos se dirigiram a Sirius, o homem que eu vinha dividindo minha vida nos últimos anos. Pensei em seus olhos cinzentos, suas tatuagens com significados aleatórios, seu gosto por músicas trouxas e motocicletas, sua paixão incorrigível pela vida, que nos renderam as melhores memórias que eu poderia ter sonhado, e os momentos maravilhosos ao seu lado. 

Era injusto, sim, que tivéssemos nosso futuro roubado, no entanto eu não podia ser mais grata por ter pertencido a ele e por ele ter pertencido a mim. Éramos dois seres livres e, de certa forma, nos encontramos um no outro de uma maneira singular. Não precisávamos de rótulos ou de subjetividades. Entendíamos quem éramos e o que éramos. 

Éramos Sirius e Marlene. 

Até deixarmos de ser. 

 

 

Morrer era estranho e até agora eu não conseguia colocar em palavras certas qual a exata sensação. 

Quando Voldemort cessou seu feitiço e com nojo sussurrou para que terminassem o serviço antes de aparatar, um enorme alívio percorreu meu corpo, até a maldição imperdoável ser dita e eu sentir que estava sendo sugada para dentro de mim mesma.

Depois, um vazio, até eu voltar a ter certa consciência de onde estava e do que havia acontecido, o que somente foi acontecer depois de alguns meses, quando consegui localizar Sirius e descobri que Voldemort havia enfrentado Lily, James, Alice e Frank mais uma vez, mas que, apesar de terem saído com vida daquela batalha, não tardou muito para que fossem traídos por ninguém menos que Peter. 

James e Lily faleceram em 31 de julho e se juntaram a mim naquele plano depois de algum tempo, ao passo que Alice e Frank foram torturados por Bellatrix e mais dois Comensais, mesmo após a queda de Voldemort, até perderem a sanidade.  

Sirius foi acusado injustamente e levado à Azkaban após Peter forjar sua morte. Apesar de ser forte, os 12 anos presos destruíram Sirius. Ouvi suas preces, noite após noite, para que justiça fosse feita e que nenhum de nós tivesse morrido em vão. Vê-lo solto e com um novo gás para lutar contra as forças das trevas foi maravilhoso e, quando eu ficava parada ao batente da porta do Largo Grimmauld, encarando-o, quase parecia que ele sentia minha presença e, por isso, eu o visitava sempre que possível, ansiando pelo dia que estaríamos juntos novamente na mesma intensidade que desejava que fosse o mais longe possível, pois, depois de tudo aquilo, Sirius merecia envelhecer feliz e ter uma vida tranquila. 

Ao passar pelo largo corredor que dava para a  entrada do Largo Grimmauld, parei à porta e observei Sirius lendo o jornal de cabeça baixa, o cenho franzido em concentração, os olhos correndo depressa pelas palavras. 

Observei-o melhor conforme me aproximei lentamente. Suas olheiras eram bem demarcadas, assim como as maçãs do rosto, indicando que, novamente, não estava se alimentando muito bem e que o álcool andava sendo seu melhor amigo, da mesma forma que antes. Eu não podia julgá-lo, no entanto, considerando a situação. Uma guerra deixava marcas impossíveis de apagar, muito mais profundas e intensas do que feridas físicas.

Sirius não percebeu minha presença, o que me fez esboçar um sorriso triste, afinal, em outras ocasiões ele teria me percebido, como em nossa despedida, quase quinze anos atrás. Mas agora eu estava morta e, embora seus músculos se retesassem sempre que eu vagava perto dele, ele não me percebia de fato. Então, apenas me limitei a permanecer perto da porta, gravando cada detalhe do homem que eu amaria muito possivelmente para sempre, mesmo sabendo que, por parte dele, talvez a mágoa estivesse dando mais lugar ao amor.

Seus cabelos agora estavam mais grisalhos, assim como sua barba, e pequenas rugas apareciam ao redor de seus olhos. Sua pele era mais pálida, devido aos anos enclausurado em Azkaban. 

Em certo momento Sirius ergueu os olhos e olhou diretamente na minha direção, como se estivesse me vendo. Era impossível, é claro, mas apenas por um instante eu me senti viva novamente. O momento, todavia, esvaiu-se conforme Harry bateu à porta, chamando Sirius para conversar, que assentiu sorrindo, ajeitando o colete e indo em direção ao afilhado com um abraço. 

Não muitos meses depois, eu o recebia de braços abertos. 

Assim que Sirius me viu, todo o amor estava presente em seus olhos mais uma vez. Não havia lugar para a mágoa e vendo-o diante de mim, após ter falecido como um herói, tantos anos depois, apesar de injustamente cedo, eu tive a certeza de que, independente do tempo que havia se passado, Sirius ainda me amava tanto quando eu o amava. 

Podíamos não ter mais futuro algum à nossa espera, mas ao menos tínhamos, finalmente, um ao outro de novo. 

— Eu te esperei muito, Sirius Black, mas não teria ligado de te esperar ainda mais — comentei fazendo graça, pois não poderia ser de outra forma, afinal eu era Marlene McKinnon. E ele, que era Sirius Black, não poderia ter respondido diferente:

— Já estava na hora e admita, você estava morta de saudades.

Éramos Sirius e Marlene novamente. 

E agora seríamos para sempre. 


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Notas finais do capítulo

Não tem como não começar meus agradecimentos de outra forma se não às fanfiqueiras do Nyah! que, no meio da pandemia, se reuniram depois de tantos anos por um amor em comum: escrever histórias. Acima de questão de fandom, personagens favoritos ou plots queridinhos, todas nós amamos escrever e, por muito tempo, eu havia esquecido o quanto apreciava fazer isso. Obrigada por trazerem à tona algo tão bom na minha vida. Conheci pessoas incríveis, fiz laços maravilhosos e aprendi muito.
Especificamente quero agradecer às meninas do Pride Month, porque o projeto transcendeu e tomou vida própria. Quando as notícias sobre a autora que criou o universo que tanto amamos escrever chocaram os fãs, foi no Pride que resolvemos que seria possível ressignificar Harry Potter e seus personagens conforme quiséssemos. Contaríamos nossas versões, daríamos nuances únicas e significativas. Nos veríamos nas histórias - e daríamos um belo tapa na cara de vocês-sabem-quem. O agradecimento vai muito além disso, mas me sinto incapaz de colocar em palavras.
Certamente o surgimento do secret folk exchange e do ever secret exchange são razões mais do que suficientes para que eu agradeça aqui e, consequentemente, também agradeço à Taylor Swift pelos mimos durante a quarentena. Não sei o que seria da nossa vida fanfiqueira sem esses e tantos outros álbuns incríveis.
Eu sou a rainha das bíblias, então óbvio que esses agradecimentos seriam enormes, por isso nada mais justo que agradecer quem tem lido bíblia por bíblia, betando, surtando e me apoiando. Trice, você é maravilhosa! Obrigada por todo o companheirismo e coautorias! Tahii, uma das primeiras a ler e também compartilha comigo muitos surtos, companheirismo e coautorias, obrigada imensamente! Você é incrível! Também quero agradecer à Lady Anna, que também foi uma das primeiras a saber do plot e ler, obrigada pelo carinho sempre e pela disposição! Você é maravilhosa! E também obrigada à Red Hood, que viu a capa e consequentemente soube qual era o ship de cara. Você é incrível, obrigada pelas dicas!
E, por fim, obrigada à BadMinnie, que me inspirou a tentar escrever algo diferente por sempre nos apresentar histórias únicas, cheias de nuances, profundidade, filosofias e reviravoltas. Adorei o presente no amigo secreto passado e fiquei muito feliz de ter tirado você nesse. É uma forma de dizer "obrigada" mais uma vez. Você me fez sair da caixinha com a música e tentar arriscar uma interpretação um pouco diferente. Quando eu decidi que queria fazer algo nesses moldes já sabia que teria que ser Blackinnon e, conforme fui escrevendo sua história, voltei a me apaixonar pelo casal, então é mais um motivo para eu agradecer hahah
Milhões de agradecimentos e palavras depois, só tenho a agradecer quem chegou até aqui ❤️