Dear Mr. Nemesis escrita por Nekoclair


Capítulo 3
Capítulo 3




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Distressed Russian Yearned. Ultimately Pacified.

 

 

Sexta-feira. Uma manhã desanimada na Torre de São Petersburgo.

Um homem comia seu café da manhã lentamente, empurrando a comida garganta abaixo com a ajuda de uma xícara de café quente. Ele não estava realmente com fome, mas sabia que não fazia bem começar o dia com o estômago vazio.

Os olhos do homem estavam voltados para a TV, mas ele não estava realmente prestando atenção às notícias que apareciam na tela; mesmo se estivesse, provavelmente não teria conseguido acompanhar o que estava sendo dito de qualquer maneira, já que o som da chuva batendo contra as janelas superava o volume da TV, abafando a voz dos dois âncoras e tornando difícil a tarefa de compreender o que eles estavam falando com tanto entusiasmo.

Ele olhou para seu celular, que estava pousado sobre a mesa, ao lado de uma xícara fumegante, e suspirou desanimado enquanto estendia a mão para pegá-lo. Uma luz azul estava piscando em um dos cantos do aparelho, indicando a chegada de uma nova mensagem.

“Desculpe, Victor... Acho que teremos que adiar nosso encontro novamente”, dizia a mensagem, um emoji triste pontuando o final da frase.

Era a segunda vez que seus planos se viam adiados ​​por causa do mau tempo. A segunda sexta-feira em que ele se via frustrado após arrastar o corpo para fora da cama apenas para descobrir que estava chovendo novamente.

Ele voltou sua atenção para a televisão quando percebeu que a previsão do tempo estava sendo exibida, e não ficou surpreso ao encontrar uma repetição das previsões da semana anterior preenchendo a tela. Tem sido a mesma coisa todo dia desde que uma frente fria chegou à cidade.

Manhãs frias, noites mais frias ainda, e alta probabilidade de chuva a qualquer hora do dia.

A previsão nada disse sobre o céu ficar ensolarado nos próximos dias. Lamentavelmente.

 

—--

 

A palavra que melhor descrevia como Victor estava se sentindo naquele momento era “abatido”. Se alguém tivesse que escolher uma frase, então: “Ganhar um grande presente no Natal e perceber que era uma caixa repleta de meias sem par.”

Por quê? Por que o encontro deles tinha que ser adiado mais uma vez?

Claro, ele sabia que não havia como levar Yuuri em um encontro agora, não com o mau tempo ameaçando arruinar o dia. Afinal, o acordo era ir ao parque para o primeiro encontro deles, onde — seguindo os planos de Victor — eles caminhariam de mãos dadas ao longo dos canteiros de flores, sem nada para apressar seus passos. E quando o pôr do sol recaísse sobre seus rostos, eles observariam o cenário agradável e belo presente nos arredores, o qual convidaria seus corpos a se aproximarem até que estivessem perto o suficiente para Victor colocar seu braço casualmente em torno do ombro de Yuuri — se fosse ousado o suficiente, talvez até em volta de sua cintura.

Certamente esse não era o tipo de lugar que você desejaria estar quando há uma grande chance de uma tempestade despencar sobre sua cabeça. Eles nem seriam capazes de se ouvir em meio a todo o barulho que a chuva faria ao atingir o solo, e a ideia de não ouvir a voz doce do Yuuri era algo do qual ele não gostava nem um pouco.

Além disso, e se Yuuri ficasse doente?! Victor nunca seria capaz de se perdoar.

Ainda assim, ele estava frustrado, e chateado. Porque ele tem esperado por isso há bastante tempo e agora, aparentemente, o mundo estava contra ele.

Que mal ele fez ao mundo para que sua pobre pessoa fosse alvo de tamanha má sorte?

No entanto, de forma alguma ele seria capaz de simplesmente ficar de braços cruzados e não fazer nada a respeito dessa situação tão desfavorável. Ele já havia começado a trabalhar em uma solução, esboçando algumas idéias e assim por diante, e esperava ser capaz de fazer alguma coisa até o final da próxima semana.

Makka cutucou sua perna com seu focinho redondo e molhado, e Victor prontamente olhou para baixo e acariciou o pêlo macio da cabeça de seu animal de estimação. Um pequeno sorriso nasceu em seus lábios; independentemente das circunstâncias, ou apesar de quão ruim a situação parecesse ser, Makkachin tinha esse misterioso poder de melhorar seu humor em um segundo.

— Não sou o único frustrado com a chuva, não é? — ele perguntou à cadela, afagando a sua cabeça e livrando-se de alguns nós que haviam se formado perto de suas orelhas. — Pelo menos alguém me entende.

— Isso é alguma indireta?

Yurio ergueu o corpo de onde estava deitado no sofá e se virou ligeiramente em direção ao Victor, que ainda estava sentado à mesa da cozinha, uma segunda xícara de café em mãos. Como de costume, seu teimoso aprendiz havia decidido ignorar a oportunidade de fazer uma refeição decente na companhia de seu mentor, e agora comia cereal direto da caixa, sem se importar com o mundo ou com o sofá, o qual agora se via cheio de migalhas.

— Bom, se a carapuça serviu…

Yurio jogou uma das almofadas que estavam perto de si na direção de Victor, que a agarrou sem problemas. Victor olhou para trás, fazendo bico.

— Você não poderia me confortar pelo menos um pouco? — ele perguntou.

Yurio apenas estalou a língua e se deitou novamente, jogando os pés para cima e apoiando-os na pilha de almofadas dispostas no outro lado do sofá.

— Se você quer alguém que conforte a sua pobre pessoa, por que não liga pra aquele porco, já que vocês são tão amiguinhos? — Yurio murmurou, mal-humorado, ainda incomodado com a relação entre Victor e aquele Katsudon idiota. Eles supostamente eram inimigos, porra, não melhores amigos! — Ou apenas espere aquele seu amigo bizarro passar por aqui. Ele disse que traria roupas novas para você mais tarde, afinal — Yurio acrescentou.

Victor franziu um pouco mais os lábios, nem um pouco satisfeito com o tratamento frio que estava recebendo de seu próprio aprendiz.

— Vamos, Yurio! O que custa me dar um pouco de amor? — Victor disse, dramaticamente.

A resposta que recebeu foi ter outra almofada atirada nele.

 

—--

 

Não havia uma alma viva sequer dentro de Yu-topia, e o único motivo de ele ainda não estar fechado era porque Hiroko gostava de mantê-lo aberto no caso de alguém precisar se abrigar da chuva. Yuuri observava a entrada do restaurante de seu quarto, localizado no segundo andar do sobrado, sua janela dando a ele uma boa visão da frente do prédio.

Se necessário, ele estava pronto para dar uma mão à sua mãe. Ainda assim, as chances de alguém vir eram muito baixas. No máximo, Minako daria as caras mais tarde a fim de distrair sua mãe naquele monótono e tedioso dia chuvoso — e no exato momento que esse pensamento lhe veio à mente, a boa e velha amiga de sua mãe apareceu na entrada do restaurante.

Como sempre, Minako estava muito bem vestida, suas roupas complementando seu físico bem cuidado. Ela havia sido uma dançarina profissional no passado, e atualmente ensinava balé para crianças no centro da cidade. Ninguém acreditaria em sua idade ao olhar para ela; sua aparência continuava sendo a mesma de quando Yuuri começou a participar de suas aulas, quase vinte anos atrás, e não aparentava estar nem mesmo um dia mais velha.

Ao notá-lo, Minako acenou por debaixo do chapéu de seu guarda-chuva vermelho. Yuuri acenou de volta e então Minako continuou seu caminho, sem olhar para trás uma vez sequer. Ela adentrou pela porta do restaurante com a naturalidade de quem já havia feito isso mil vezes, o que ela definitivamente já fez.

Yuuri observou a chuva cair na rua e considerou ir até o restaurante para jogar conversa fora — ele estava entediado, afinal —, mas sua mãe e Minako não se encontravam com tanta frequência por causa de suas agendas lotadas, então elas provavelmente tinham muito assunto para pôr em dia. Ele não queria se intrometer.

Sem mais nada para fazer, Yuuri pegou seu celular, seus olhos buscando imediatamente a última mensagem que recebeu — do Victor. Ele franziu os lábios e suspirou.

A mensagem começava com um “Ok”, seguido de palavras transbordando de confiança de que o tempo com certeza iria melhorar em breve.

Yuuri estava com um pouco de dó dele.

Victor tem esperado por isso há muito tempo, e Yuuri estava bem ciente do fato de que havia um limite para o quanto Victor seria capaz de aguentar. A situação o preocupava de uma maneira que tornava impossível manter seus pensamentos afastados do assunto por muito tempo.

Victor nunca foi um homem paciente, sempre desejando colher os frutos assim que terminava de semear o campo. Ser obrigado a esperar por tanto tempo certamente o estava deixando muito frustrado, especialmente considerando que era o seu tão aguardado encontro com o Yuuri.

Porém, por mais que o entristecesse ver seu nêmesis daquele jeito, não havia nada que Yuuri pudesse realmente fazer por ele. Controlar o clima não era uma de suas habilidades.

Yuuri digitou rapidamente uma curta resposta, dizendo que também tinha esperanças de que o tempo melhoraria em breve. Em seguida, ele voltou sua atenção para a mensagem de Phichit, que esperava por ele logo abaixo da de Victor na caixa de mensagens.

Como de costume, ele e Phichit pulavam de um assunto para outro rápido demais, falando sobre coisas sem importância e trocando algumas fofocas sobre o trabalho. Eles nunca ficavam sem ter o que dizer. Na noite anterior, antes de caírem no sono, estavam no meio de uma discussão a respeito dos irmãos Crispino e o iminente triângulo amoroso que, segundo Phichit, estava prestes a se formar em torno do colega de trabalho deles, o jovem agente Emil Nekola.

“Você tem lido muitos livros de romances ultimamente”, Yuuri disse em sua mensagem, cético sobre a teoria de Phichit. Mesmo que seu amigo parecesse tão certo do que estava dizendo, ele não conseguia se ver acreditando em uma história tão maluca.

Não demorou muito para que uma resposta chegasse.

“E o que você sabe sobre romance?? Pelo menos eu tenho meus livros!!”

Nem mesmo dois segundos depois, seu celular estava vibrando mais uma vez, pois Phichit havia enviado duas figurinhas. Yuuri as encarou e inclinou a cabeça, sem saber como conectá-las ao tópico atual ou como ver sentido no Homem-Aranha que agora estava olhando para ele.

Bem, tanto faz. Phichit quase nunca fazia sentido, de qualquer maneira. Tentar entender o que passava na cabeça de seu amigo simplesmente o deixaria com uma dor de cabeça, que não era algo com que ele queria ter de lidar agora.

"Falando nisso, vocês podem me enviar um pouco de comida amanhã?" Yuuri tinha ainda menos ideia de como conectar essa nova mensagem à anterior, ou mesmo às figurinhas.

Ele apenas respondeu, concluindo que era melhor não pensar demais sobre como o cérebro de Phichit funcionava.

"Provavelmente. Meu pai tem feito entregas na sua vizinhança. O que você quer?"

Eles então começaram a conversar sobre comida, sobre o cardápio de Yu-topia e, em algum momento durante aquela conversa acelerada, Yuuri de alguma forma se viu fazendo uma promessa de falar com sua mãe sobre adicionar alguns frutos do mar ao cardápio. Ele nem mesmo se lembrava de quando isso aconteceu. Quando percebeu, já havia sido convencido pelo amigo de que era, de uma forma peculiar e inesperada, uma boa ideia.

“Além disso, como vão as coisas no restaurante?” Phichit perguntou.

"Lentas."

"Isso é ruim…"

“Se ao menos o tempo melhorasse um pouco,” Yuuri digitou, sentindo-se melancólico.

Ele olhou pela janela de seu quarto e suspirou de forma desanimada enquanto observava a chuva cair na rua em frente à loja, não dando sinais de parar tão cedo. Certamente não era a visão mais reconfortante...

Apesar de que eles estavam falando sobre Yu-topia, Yuuri não pôde evitar de pensar em Victor naquele momento. No entanto, ele optou por não compartilhar esse fato com Phichit. Algo lhe dizia que o assunto mudaria novamente se ele o fizesse, em uma direção que ele preferia que não fosse; não ainda, pelo menos.

Ele estava prestes a colocar o celular de lado quando recebeu uma mensagem, desta vez em sua conta comercial no Whatsapp — do Treinador para Katsudon.

Como esperado, essa mensagem era muito mais longa do que a que ele havia enviado para ele — para Yuuri — antes. Victor era sempre muito mais barulhento quando falava com Katsudon, não se contendo nem nos momentos em que a situação exigia certa discrição.

Em vez de uma mensagem, haviam treze enchendo sua caixa de entrada e esperando em uma fila a fim de receber alguma atenção. Destas, quatro eram compostas apenas por emoticons, principalmente corações partidos e rostos tristonhos, três eram figurinhas e um era um gif. No entanto, o conteúdo era basicamente o mesmo da última vez — Victor reclamando do clima e de ter seu encontro adiado.

Yuuri sorriu um pouco, e seu sorriso foi crescendo e ficando cada vez maior sem que ele percebesse. Ele cobriu a boca com uma das mãos e balançou a cabeça, perguntando-se como Victor podia ser tão... adorável, às vezes. Era cativante.

Rapidamente, ele digitou uma resposta para seu nêmesis, na qual garantiu que o encontro — o encontro deles — não ia ser prejudicado e que tudo correria bem quando eles finalmente saíssem juntos.

Por fim, ele acrescentou: “A espera só vai fazer seus corações baterem mais alto de antecipação”.

Uma parte de Yuuri tentou se convencer de que a única razão de ele ter dito isso era porque ele queria animar Victor. No entanto, a outra — que era mais racional e honesta — sabia que isso não era verdade. Suas palavras não eram apenas para Victor, Yuuri percebeu, mas também para si mesmo.

Seu coração batia mais rápido agora, e ver a chuva lá fora o fez suspirar.

Cada vez mais, ele percebia que também estava ansioso para que o Sol finalmente aparecesse e que a temporada das chuvas desse um pouco de descanso à cidade.

 

—--

 

Victor havia acabado de programar algumas linhas de código em sua nova máquina quando a campainha tocou, o familiar ding-dong ecoando por toda extensão de sua casa. Christophe Giacometti aguardava em sua porta com uma grande e pesada sacola em uma das mãos; na outra, ele segurava uma caixa, a qual transportava um bolo de uma famosa confeiteira do centro da cidade.

Ao perceber que Chris estava sozinho, Victor perguntou por Masumi.

— Ele tinha algumas coisas para resolver. A nova marca tem nos mantido bastante ocupados — explicou Chris, beijando Victor duas vezes no rosto como forma de cumprimento.

Antes de entrar casa adentro, porém, havia um assunto que Chris desejava discutir a respeito com seu bom e velho amigo, um assunto importante que não podia mais ser adiado.

— A propósito, já que estamos falando sobre a nova loja, você nos deu aquele desconto no aluguel… — A voz do homem era melodiosa, suave como seda.

Aproveitando-se do fato de estarem cara a cara, Chris deu mais um passo à frente e se grudou em Victor, invadindo seu espaço pessoal e não se sentindo nem um pouco envergonhado por conta disso. Suas mãos se moveram do ombro do Vitor para suas costas, e então continuaram descendo...

— Me sinto mal por não compensar de forma alguma. E acho que você merece uma recompensa. — Seu tom de voz era sugestivo.

Victor riu silenciosamente, seus ombros balançando de maneira praticamente imperceptível. Dando um passo para trás, ele se virou e se afastou, levando consigo as sacolas que Chris carregava até então, não abrindo a boca nem uma vez para oferecer qualquer tipo de explicação sobre suas ações. Ele vasculhou as sacolas, curioso.

— Não é como se eu não estivesse ganhando nada... Você trouxe bolo! E olha só essas roupas que você fez só para mim. Que materiais você usou desta vez? — Victor perguntou enquanto bisbilhotava dentro da sacola que havia roubado de seu amigo.

Não vendo nenhuma razão para se conter, ele puxou a roupa de dentro da maior das sacolas que Christophe trouxera com ele e deslizou os dedos pelo pano. O tecido era macio e tingido em um tom vibrante de verde. Victor inspecionou a peça, seus olhos azuis brilhando e sua admiração facilmente perceptível.

— Uau, olha só esse tom de verde! E esse decote! E… isso é uma capa?! Ai meu Deus, esses emblemas nos ombros! Tão lindo!! — Victor foi incapaz de conter sua empolgação.

Os olhos de Victor brilhavam como se ele tivesse acabado de ganhar um brinquedo novo. Eles eram azuis e grandes, e cintilavam como uma estrela solitária no céu da madrugada.

Assistindo a cena sem saber o que dizer, com os pés ainda presos nas proximidades da porta, Chris simplesmente suspirou e jogou as mãos para o ar. Ele sempre ficava um pouco chocado com o fato de Victor nunca reagir de forma alguma às suas provocações.

— Você bem que podia pelo menos fingir ser afetado pelo meu charme. Assim, eu me sentiria menos desapontado. 

Chris colocou as mãos nos quadris e franziu os lábios, desagradado pelo fato de Victor se recusar a sequer tentar entretê-lo um pouco.

Victor riu um pouco, de leve. Então, ele pôs fim aos seus passos e se virou logo após deixar as roupas e o bolo em cima da mesa da cozinha. Antes que Chris tivesse tempo de compreender o que estava acontecendo, Victor já havia invadido o seu espaço pessoal. Como sempre, o vilão se movia rapidamente, deixando seus alvos sem tempo para reagir apropriadamente — isto é, a menos que eles fossem tão rápidos quanto ele. Não haviam muitos que conseguiam acompanhá-lo, seu nêmesis sendo um dos únicos que o vinha à mente.

Chris não teve chance.

Ao se deparar com Victor bem diante de seu nariz, Chris recuou instintivamente. No entanto, Victor logo foi atrás dele, nem mesmo lhe deixando tempo para respirar direito, dando um passo à frente e mais uma vez fechando a distância entre seus corpos.

Victor pousou um dedo no queixo do homem, guiando seu rosto para que seus olhos se encontrassem, azul e verde se reunindo no meio do caminho. Chris ficou parado, congelado como uma estátua.

— Nunca pensei que você fosse o tipo de pessoa que precisava de validação sobre coisas que você sempre soube tão bem — Victor disse, sua voz suave como um sussurro e tão perigosa quanto uma cobra venenosa espreitando sua vítima.

Chris sentiu um arrepio percorrer suas costas, descendo pela espinha.

Victor se aproximou ainda mais e sussurrou em seu ouvido:

— Afinal, você é um homem tão charmoso, com um corpo tão atraente.

Um calor se espalhou pelo rosto de Christophe, pintando-o de um vermelho vibrante. Victor estava muito perto, e sua voz era rouca e um tanto erótica. Chris podia sentir calafrios percorrerem seu corpo.

— Achei que Masumi estaria te dando mais atenção... Quer que eu tenha uma conversa com ele sobre como cuidar melhor do namorado? — Victor sussurrou mais uma vez.

Chris sentiu-se prender um pouco a respiração.

— Tem uma criança aqui! Na sala de estar! — Yurio gritou do sofá, interrompendo o que quer que estava acontecendo.

Os dois adultos se viraram em sua direção, sobrancelhas erguidas e bocas bem fechadas. O garoto praguejou baixinho.

— Vocês dois poderiam parar com essa merda nojenta? — ele perguntou; ou melhor, exigiu.

Yurio rosnou mais um pouco, xingando sem parar. Ele falava rápido e alto, de forma que ficou difícil entendê-lo depois de certo tempo. Ele resmungou algo sobre traição — Victor tinha quase certeza — e sobre eles serem estúpidos, mas fora isso suas palavras não eram compreensíveis o suficiente para fazerem sentido mesmo dentro de um contexto.

— Idiotas de cérebro podre — Yurio xingou, carrancudo e ainda rosnando em irritação.

Houve um minuto de silêncio, tenso e interminável, e então os dois amigos desataram a rir, o que só fez o garoto berrar mais um pouco.

Farto de ser tratado como idiota, Yurio agarrou suas coisas e se retirou para o seu quarto, pisoteando o chão com força durante todo o trajeto e certificando-se de deixar clara a sua insatisfação.

— Me chamem quando vocês pararem de ser tão esquisitos. Ou quando forem comer o bolo. O que vier primeiro, — o garoto resmungou, e então se trancou em seu quarto após bater a porta.

Victor e Chris trocaram olhares e riram um pouco mais às custas de Yurio, mas não por muito tempo.

Chris adorava aterrorizar Yurio dessa maneira; quanto mais zangado o garoto ficava, mais feliz seu amigo se mostrava — Victor não fazia ideia do porquê, no entanto. Porém, como acabava sendo Victor quem tinha de lidar com o mau humor de seu aprendiz após sofrer tais provocações, ele preferia que Chris não levasse as piadas longe demais. Se havia algo em que Yurio era bom, era em guardar rancor.

Victor fez um gesto e os dois se sentaram à mesa, um de frente para o outro.

— Yurio continua o mesmo. Tão fofo. — Chris apoiou a cabeça nas mãos. Ele sorria como se tivesse acabado de vivenciar a experiência mais engraçada de sua vida.

Victor duvidava muito que “fofo” fosse algo ao qual Yurio gostaria de ser associado. No entanto, nada podia realmente ser feito, ou dito, para contrariar esse fato, uma vez que essa era a verdade absoluta. Com cabelos loiros emoldurando seu rosto pequeno e uma estatura mais baixa do que a da maioria dos jovens da sua idade, Yurio carregava um charme infantil inegável, o qual ele negava veementemente.

Mas, sim, Yurio era fofo. Pelo menos por enquanto.

Yurio deveria apenas aceitar e tirar proveito de sua aparência jovem e andrógina enquanto ainda a tinha.

“Pode ser muito útil”, pensou Victor, relembrando-se do passado. 

Ele mesmo usou ao máximo sua aparência enquanto ainda era aprendiz de Yakov, na Rússia. Com longos cabelos prateados caindo pelas costas e grandes olhos azuis brilhando em seu rosto, muitos baixavam a guarda ao se deparar com seu eu mais jovem.

— Ele pode ser um pouco sério demais às vezes — disse Victor, tentando manter sua mente longe do passado. Era algo em que, ultimamente, ele preferia não se aventurar mais do que o necessário. É impossível caminhar para frente enquanto se mantém os olhos no que foi deixado para trás.

— Não diga! — A falsa surpresa de Christophe não foi realmente convincente; provavelmente não era para ser de qualquer maneira. — Ele deveria se acalmar um pouco. Ele tem o quê, doze anos? Ele devia tentar aproveitar a vida um pouco mais!

— Também acho — Victor respondeu, balançando os ombros e não se dando ao trabalho de corrigir Chris sobre a idade de Yurio; ele tinha a impressão de que não valia o esforço.

O que Chris disse era verdade, e algo que Victor se viu pensando a respeito mais de uma vez.

Yurio andava muito estressado, e o tempo todo. Quando ele não estava gritando sobre a escola, estava reclamando de uma coisa ou outra. Victor também não tinha certeza se ele tinha feito amigos. Já fazia pouco mais de um ano desde que o garoto foi atrás dele, mas ele não parecia ter feito qualquer conexão com outra pessoa até agora, e isso não podia ser bom para ele, especialmente para sua saúde mental.

— Talvez quando ele conhecer seu nêmesis, ele descubra o que estava faltando em sua vida — disse Victor, dando voz à única coisa que lhe veio à mente.

— Falando por experiência própria? — Chris perguntou, e ele estava sorrindo.

Victor tentou não se sentir incomodado com as palavras ditas por seu amigo, mas era difícil fazer isso quando Chris o encarava com uma sobrancelha erguida e uma expressão astuta repousando em seu rosto. Seus olhos verdes eram profundos e alertavam já terem visto mil verdades, e de serem capazes de facilmente ver mais outras mil em um único relance; nada conseguia escapar de sua vigilância.

Victor se sentia um pouco exposto, enfraquecido por aquele olhar penetrante e envergonhado por alguma razão que ele não compreendia. Ele murmurou uma afirmativa e desviou o olhar. Não era como se ele não tivesse falado sobre Katsudon com Christophe antes — muito pelo contrário —, mas seu amigo sempre empurrava o assunto em direções estranhas, e que sempre faziam o vilão se sentir todo incomodado por dentro.

— Se eu não te conhecesse melhor, diria que está apaixonado pelo seu arqui-inimigo. — E assim veio, tão certo quanto o nascer do sol em todas as manhãs.

A primeira vez que Chris insinuou que ele poderia estar apaixonado por Katsudon, Victor ficou sem palavras e com os olhos arregalados, mas por mais que quisesse responder, negar a acusação, ele sempre tropeçava em suas palavras e se sentia incapaz de articular adequadamente o que ele queria dizer. Agora, entretanto, Victor não conseguia nem mais fingir surpresa.

Victor riu um pouco sem jeito.

— Katsudon é incrível... E até que bonito... Mas as coisas entre nós não são assim — Victor esclareceu, pela milionésima vez.

— Talvez se você já não estivesse apaixonado por outra pessoa...

— Bem… — Era aí que Chris sempre o pegava. Victor nunca sabia o que responder, as palavras caindo em silêncio dentro de sua boca.

Katsudon inicialmente não era nada além de mais um de seus inimigos; atualmente, porém, ele era a única pessoa que Victor desejava chamar de nêmesis. Desde que ele deixou a Rússia e começou a trilhar seu caminho como um vilão independente, ele nunca encontrou alguém tão bom para ele quanto Katsudon. Eles trabalhavam bem juntos e havia muito respeito vinculado à relação deles no trabalho. Victor gostava de tê-lo ao seu lado — ou contra o seu lado, no caso deles.

Victor teve muitos inimigos durante sua vida como vilão, mas seu nêmesis sempre foi somente um.

Mas então, em algum lugar ao longo do trajeto, a relação deles tornou-se amigável ​​— realmente amigável ​​— e foi quando surgiram os primeiros sinais de mudança. Eles engajavam em combate, lutando seriamente e com todas as suas forças, mas sem cruzar nenhuma linha perigosa e desnecessária, mas também se sentavam às vezes na cozinha de Victor para tomar uma xícara de café e conversar descontraidamente.

A razão dele não conseguir negar o que Chris disse era porque ele não tinha como saber como as coisas poderiam ter sido. Ele não tinha esse tipo de poder.

Talvez eles teriam dado mais um passo adiante no relacionamento deles, quem sabe? Era impossível dizer, porque quando os dois arqui-inimigos se conheceram e começaram a se dar bem, quando fosse o que fosse que havia entre eles se tornou especial, Victor já havia entregado seu coração a outro, e por isso ele nunca realmente teve motivos para considerar a possibilidade.

Mesmo que Katsudon fosse realmente um grande homem, e bondoso, e estivesse sempre torcendo por ele dos bastidores... Mesmo que Katsudon fosse uma parte essencial de sua vida e ele não conseguisse imaginar sua vida sem ele... Victor esteve apaixonado pelo Yuuri desde o início e ele nunca teve olhos para outro homem desde que eles se conheceram.

Percebendo que estava dando um nó no cérebro de Victor, Chris decidiu mudar de assunto. Ainda bem.

— E como vão as coisas com aquele tal de Yuuri? — ele perguntou. — Um tempo atrás eu passei por Yu-topia e quase entrei para dar uma espiada no seu homem, mas eu estava com o horário apertado, infelizmente. Você tem que nos apresentar algum dia desses.

Um suspiro foi tudo o que saiu da boca de Victor. Apenas por sua postura abatida e a maneira como seus olhos olhavam para baixo, Chris foi capaz de entender a situação.

— Você não pode estar falando sério... Nenhum progresso no relacionamento até agora?

— Que relacionamento?! Eu nem consegui levá-lo para sair em nosso primeiro encontro ainda! — Victor choramingou, deitando-se sobre a mesa e fazendo o que mais gostava de fazer: ser dramático.

Chris pousou uma mão no próprio rosto e suspirou, olhos cheios de dó ​​voltados para o amigo.

— Oh, querido. Fazem o quê? Duas semanas desde que você o convidou para sair?

— Sim… — Victor respondeu, ainda deitado sobre a mesa, sentindo-se um pouco morto por dentro. — É essa merda de chuva. Ela não para!

Victor não era muito de xingar, mas quando o fazia era porque as coisas realmente não estavam boas para ele.

Chris franziu a testa e encarou seu amigo com preocupação e também muita pena. Ele se perguntava como Victor podia ser tão azarado. Precisamente quando ele finalmente reuniu coragem para convidar sua paixão de dois anos para um encontro, o clima se voltou contra ele.

— Você não pode simplesmente fazer algo sobre isso? — Christophe perguntou, ligeiramente preocupado com a sanidade de seu amigo.

— Trabalhando nisso… — Victor murmurou, ainda apoiando a cabeça na mesa.

 

—--

 

Terça-feira. A última meia hora de uma manhã chuvosa em Yu-topia.

Dois homens entraram em Yu-topia com passos apressados, fechando seus guarda-chuvas assim que colocaram os pés dentro do restaurante. Considerando a forma como seus ternos estavam encharcados, três tons mais escuros apenas por causa da água que havia encharcado o tecido de seus casacos, ​​seus guarda-chuvas aparentemente não tinham ajudado muito contra a chuva torrencial que caía sem parar do lado de fora.

Um homem, vestido em um avental verde e com olhos castanhos escondidos atrás das lentes ligeiramente embaçadas de seus óculos, podia fazer nada além de observar as duas figuras lamentáveis ​​e entregar a cada uma delas uma toalha para que ambas se enxugassem. Então, ele esperou que os dois se acomodassem em uma das mesas, aguardando ao lado do balcão enquanto isso.

Era hora do almoço e algumas pessoas se aventuravam nas ruas em busca de comida, mesmo em meio àquele tempo ruim.

Nem mesmo dois minutos depois, o cliente gesticulou para que ele trouxesse o menu. Assim que o homem começou a voltar para o lado deles a fim de anotar os seus pedidos, um alerta soou em seu telefone, a familiaridade do zumbido imediatamente fazendo o homem parar. Esse alerta tinha apenas um significado, um que ele conhecia tão bem quanto os pratos descritos no menu do restaurante de sua família — algo estava acontecendo na Torre de São Petersburgo.

Depois de avisar sua mãe de que havia uma emergência em seu emprego de meio período, o homem trocou de roupa e saiu correndo pela porta, um guarda-chuva dentro do aperto firme de suas mãos. Assim que pôs o pé do lado de fora, soube que algo estava errado.

A chuva começou a diminuir, ficando mais fraca a cada segundo. Aconteceu do nada, e foi repentino demais para ser uma ocorrência natural. Certamente era consequência das ações de um certo vilão; não havia outra explicação.

O homem olhou para o céu e observou as nuvens se espalhando como se tivessem sido expulsas por alguma força invisível. Talvez um guarda-chuva não fosse necessário, afinal.

 

—--

 

O Treinador se encontrava ao lado de sua máquina, operando-a com orgulho e sorrindo de orelha a orelha. Acima, as nuvens se dispersavam gradualmente e o azul suave do céu era finalmente capaz de se exibir depois de passar duas semanas escondido. Yurio, ao lado dele, observava os números mudarem no monitor enquanto o Treinador fazia os ajustes necessários, dando algumas explicações simultaneamente.

— E aqui, o mais importante é acompanhar de perto os parâmetros. Dentro destes cilindros existem substâncias, as quais são usadas para estimar a composição necessária de tudo o que você pode precisar. Nesse caso, queremos alterar a saturação do ar e torná-lo mais seco — explicou Victor, com serenidade e com a didática de um professor experiente. — Você deve manter os olhos o tempo todo no monitor.

Yurio acenou com a cabeça, um sinal de que havia compreendido a explicação, e ficou em silêncio, tentando se lembrar de tudo e não tendo problemas quanto a isso. Afinal, ele era inteligente — alguns até o chamariam de prodígio. Lembrar essas poucas informações básicas não era nada demais.

— Tenho alguns livros de referência que posso passar para você, e até algumas pesquisas que fiz por conta própria. Podem ser úteis. Me lembre de te enviar tudo mais tarde.

Yurio acenou com a cabeça novamente, colocando um lembrete em um canto de sua mente para pedir esses documentos ao Victor mais tarde. Mesmo que ele não tivesse pedido para ser lembrado, Yurio ainda assim seria obrigado a fazê-lo. Não se deve confiar em Victor para se lembrar das coisas, nunca.

O som da campainha ecoou pelas paredes, chamando a atenção. Ambos se viraram, mas então Yurio lembrou-se que não devia e voltou a se concentrar na tela à sua frente.

— É provavelmente o Katsudon. Vou lá atender. Você consegue cuidar da tela sozinho?

Perante a indagação de Victor, Yurio se perguntou se devia se sentir ofendido com a insinuação de que ele poderia ser de alguma forma incapaz de ficar de olho em alguns números piscando em uma tela. Claro que ele conseguia fazer isso!

— Sim, fácil. Só preciso ver se os números estão dentro das margens e manter meus olhos neles. Eu posso fazer isso. — Yurio resmungou e revirou os olhos.

Apesar dele estar se comportando dessa forma, agindo indiferente e parecendo entediado com o mundo, Yurio estava realmente muito feliz que Victor estava confiando nele para fazer algo, já que não era algo que ele fazia com muita frequência. Participar ativamente de um de seus planos era sempre emocionante. Todavia, Yurio era orgulhoso demais para permitir que seus sentimentos transparecessem em seu rosto.

Com um aceno da cabeça, o Treinador foi em direção à porta — mas não sem antes bagunçar os cabelos loiros de seu aprendiz, para o aborrecimento do rapaz. Yurio se achava um grande ator, mas na verdade não era.

Do outro lado da porta, Katsudon o esperava. Ele estava quase que completamente seco, Victor percebeu feliz.

— Vejo que pegou o elevador certo dessa vez — disse o Treinador, em um tom de voz levemente provocador.

— Recebi algumas instruções de um loiro muito charmoso no térreo. Ele me indicou o caminho. — A resposta de Katsudon veio e o cutucou de volta.

Havia algo um tanto sedutor em seus olhos hoje, percebeu o Treinador, mas culpou Chris por fazê-lo ter tais pensamentos e os descartou imediatamente.

— Oh, provavelmente era o Christophe. Novo inquilino, alfaiate. Você deveria visitar a loja dele algum dia. Certamente ele conseguiria te arranjar algo menos vergonhoso do que isso — Victor disse enquanto agarrava a gravata azul de Katsudon e a puxava um pouco. Katsudon permaneceu estável em seus pés.

— É ele quem faz suas roupas? — perguntou Katsudon, e a maneira como seus olhos dispararam em direção ao seu decote não passou despercebida.

Katsudon estava tendo dificuldades em manter os olhos erguidos hoje. Mesmo que houvesse um pano transparente cobrindo-os, o peitoral do Victor ainda estava claramente visível devido ao decote de sua roupa.

O Treinador sorriu, incapaz de se conter. Algo queimava dentro de seu peito, algo perigoso com o qual ele sabia que não deveria brincar, no entanto, não conseguia resistir. A tentação era grande demais, e o homem à sua frente tinha olhos brilhantes como mel, um tom de vermelho cintilando dentro do marrom.

— Eu sei. Linda, não é? — ele perguntou e Yuuri quase esqueceu que quem estava à sua frente agora era o Treinador, e não o Victor.

Yuuri — não, Katsudon engoliu em seco, visivelmente.

O Treinador estava deslumbrante com aquelas roupas, e aquele pedaço de pele que estava à mostra estava mexendo com ele de uma forma que ele não havia pensado ser possível. Katsudon queria culpar a chuva, que certamente tinha bagunçado de alguma forma sua cabeça, ou talvez fosse um efeito colateral inesperado da máquina de Victor — sim, provavelmente esse era o motivo.

— Gostei bastante, então decidi colocá-la na primeira chance que tive. Você não acha que verde menta combina bem comigo? 

— Eu preferiria ver você em turquesa. Acho que cairia ainda melhor com seus olhos azuis.

— Pelo amor de Deus, vocês podem parar de flertar? — Yurio gritou de seu lugar ao lado da máquina, parecendo estar muito cansado e também muito perto de explodir.

Era a segunda vez que ele tinha de passar por essa merda, e honestamente? Ele preferia arrancar os olhos do que ser forçado a ver esse tipo de coisa uma terceira vez.

Por acaso todos os adultos ao redor dele eram completamente malucos?

Depois de Yurio se intrometer no que quer que estivesse acontecendo entre os dois arqui-inimigos, ambos deram um passo para trás, o Treinador imediatamente soltando a gravata de Katsudon. O ar ao redor deles estava bastante estranho por alguma razão, pesado e tenso, como se tivessem sido pegos em flagrante enquanto faziam algo que não deveriam. O que não foi o caso. Não foi, eles disseram a si mesmos.

Katsudon tinha algo semelhante a um rubor cobrindo o rosto, do qual o Treinador não conseguia tirar os olhos. O vilão não parava de comparar a situação atual com a que aconteceu entre ele e Chris alguns dias antes — deveria ter sido a mesma coisa, mas não era o caso. Por algum motivo, não era.

O Treinador forçou uma tosse, apenas para se livrar do silêncio, e pediu ao seu nêmesis que o seguisse.

— Permita-me falar sobre meu mais novo plano. Operação DRY UP — disse o vilão enquanto voltava para o lado da máquina, fazendo o possível para soar como ele mesmo.

Yurio estava visivelmente impaciente, olhando repetidas vezes de seu mentor para o monitor que ele estava tomando conta diligentemente. Katsudon seguiu atrás do Treinador, passos curtos, mas rápidos.

— Com esta máquina... Que Yurio está operando muito bem, aliás...

Victor olhou de soslaio para o jovem loiro, um sorriso orgulhoso pendurado em seus lábios. Yurio resmungou um pouco, como que dizendo que não necessitava da aprovação de ninguém, mas falhando ao mostrar-se evidentemente feliz por ter sido elogiado pelo vilão que sempre admirou desde a infância.

O Treinador balançou a cabeça, rindo baixo por causa de seu aprendiz, que era sempre tão desonesto e o qual decidiu ignorar a fim de dar continuidade à sua explicação.

— Vou me livrar de toda a umidade — explicou o Treinador, com a voz exaltada. — O tempo vai ficar tão seco que não vai sobrar nenhuma nuvem no céu! A probabilidade de chover vai ser um grande e redondo zero! E então, nada mais estará no meu caminho!

Katsudon tinha uma certa ideia dos motivos por detrás das intenções do Treinador, o que levou seu nêmesis a passar por todo esse trabalho para fazer a chuva parar, mas acabou não sendo necessário que ele mesmo fizesse suposições, já que Yurio entregou todas as verdades para ele em uma bandeja de prata.

— E antes que você pergunte... Sim, isso tudo é por causa daquele tal Yuuri. Porque o velho aqui quer ir num encontro, dar uns amassos e transar — disse o garoto, apático, impaciente e de saco cheio com a vida.

No entanto, uma parte dele também estava feliz, seu peito se enchendo de uma estranha espécie de alívio.

A essa altura do campeonato, Yurio nem estava mais desapontado com as razões por detrás do plano estúpido do Treinador. Ele estar fazendo alguma coisa já era motivo para se ficar feliz; as duas últimas semanas foram uma tortura, e ele nunca mais desejava ter de ver seu mentor agindo como se o espírito tivesse o escapado pela boca.

Além disso, desta vez, havia uma chance de que a máquina pudesse até mesmo causar algum dano real, já que as consequências de mudar o clima poderiam ser severas e imprevisíveis — e embora essa não fosse a intenção original por detrás do plano, ainda era algo que poderia acontecer de qualquer maneira. E, se assim acontecesse, talvez até mesmo fizesse grandes organizações de combate ao crime notarem o Treinador!

Yurio não desejava nada além de que seu mentor — sua fonte de admiração — obtivesse o reconhecimento que merecia.

— Isso tudo é porque a chuva continua atrapalhando o nosso... seu encontro? — Katsudon perguntou, corrigindo-se rapidamente. Ele não sabia porque havia se incomodado em fazer tal pergunta, já que a resposta que receberia em troca era bastante óbvia.

— Bem… Sim! — Victor respondeu, honestamente e sem mostrar sequer um pingo de vergonha.

Um sorriso surgiu nos lábios de Katsudon, seu rosto esquentando, mas não tanto quanto seu peito, que agora se encontrava preenchido com ternura. Era como se ele estivesse gargalhando sem realmente rir, mas ainda achando tudo muito engraçado, além de...

Olhando para as expressões de Katsudon, um sorriso facilmente perceptível em seu rosto, Yurio bufou e resmungou que até mesmo o próprio nêmesis do Treinador acharia tudo muito louco e estúpido se ele colocasse as coisas daquele jeito. Katsudon foi rápido em refutá-lo.

— Não é nada disso! — replicou o agente, a voz firme. O sorriso descuidado sumiu de seu rosto, seu semblante tornando-se sério perante a acusação.

Ele e o Treinador trabalhavam juntos há muito tempo, dois anos inteiros que às vezes pareciam ser ainda mais longos. Não havia nenhuma chance de mal-entendidos como esse ainda encontrarem o caminho para dentro do relacionamento deles — não deveriam. Afinal, Katsudon sempre deixou claro, desde o princípio, que as ambições do Treinador eram válidas e não um motivo de piada — ele já disse isso mil vezes, e diria outras mil se fosse necessário.

Além disso, Katsudon nunca permitiria que as pessoas dissessem esse tipo de coisa sobre ele, ou seja, que o acusassem de não levar o Treinador a sério. Porque ele levava, sempre levou, desde o primeiro dia.

Ele entendia, no entanto, o porquê de Yurio ter chegado a essa conclusão. Ele não devia ter sorrido daquele jeito, não na frente de outras pessoas e especialmente não naquele momento.

— É só que… — Mas as palavras morreram em sua boca.

Ele não podia revelar seus motivos.

Seu silêncio foi suficiente para tornar as coisas desconfortáveis e para que o Treinador começasse a duvidar dele, mesmo que apenas um pouco. Uma semente de dúvida foi plantada no peito do vilão, e agora ela só podia crescer mais e mais. Um nó se formou na garganta de Katsudon quando ele viu as expressões que tomaram o rosto de seu nêmesis — mágoa e traição o encarando, dolorosamente.

Ao que o Treinador continuou olhando para ele com olhos grandes que transbordavam ansiedade, Katsudon se viu privado da opção de permanecer em silêncio — mesmo que isso fosse o que ele mais desejasse fazer. Ainda assim, era constrangedor. O simples pensamento de justificar-se em voz alta era suficiente para deixá-lo tímido e levemente perdido, encurralado contra duas paredes e sem qualquer rota de fuga. Afinal, o motivo de seu sorriso inoportuno, o qual o deixou nessa situação tão desconfortável e complicada, era algo banal, mas ainda assim não eram palavras que ele queria — devia — dizer em voz alta. 

Victor era fofo, pura e simplesmente fofo. Porém, não cabia a ele dizer isso. Não cabia ao Katsudon. E, mesmo como Yuuri, ele não sabia se estava pronto para admitir uma coisa dessas vocalmente.

— Eu acho legal como você se importa tanto. Com o Yuuri, digo — o agente falou, enfim, escondendo o seu constrangimento o máximo que lhe foi possível. — Qualquer um pode ver que você realmente gosta dele.

Katsudon olhou para baixo, em direção aos pés. Depois, mirou ao redor, inspecionando as paredes com falso interesse e direcionando sua atenção para qualquer lugar onde não tivesse que se preocupar de encontrar com os olhos do Treinador involuntariamente. Ele temia que eles espiassem sua alma, que olhassem dentro de sua mente e arrancassem a verdade escondida em seu coração.

O rosto do agente estava ligeiramente quente.

Era constrangedor falar essas coisas, ainda mais quando você era a pessoa em questão. No entanto, pelo menos ele escapou de ter que admitir para o Treinador sobre achá-lo fofo. Ao trocar uma verdade por outra, foi capaz de manter a sinceridade firme em sua voz.

— Claro! Eu o amo com todo meu coração! — O Treinador bateu no próprio peito e proclamou, com a cabeça erguida.

Era surpreendente como Victor não tinha problemas em dizer esse tipo de coisa em voz alta. Katsudon só podia admirar sua coragem e bravura.

Katsudon, naquele momento, fez o melhor que pôde a fim de evitar olhar para o Treinador. Ele não estava seguro de que seria capaz de manter seu pânico, ou os sentimentos que queimavam e ardiam dentro de seu peito, bem escondidos de outra forma. Certamente, um relance do semblante do Treinador faria a verdade fugir de sua boca, e nada do que ele fizesse seria capaz de segurar suas palavras caso isso acontecesse. Katsudon não estava pronto para isso.

Melhor mudar de assunto, decidiu o agente.

— Bem... Infelizmente, ainda tenho que pôr um fim aos seus planos. Mesmo que a chuva seja irritante, é como as coisas são supostas de ser. Além disso, esse tempo seco pode causar problemas para pessoas que sofrem de doenças respiratórias. Então... Sem ressentimentos? — disse Katsudon, obrigando-os a voltar ao assunto anterior, o qual sequer devia ter deixado de ser o centro daquela discussão.

Por um momento, os dois não fizeram nada além de encarar um ao outro.

A chuva ainda caía na forma de uma leve garoa quando Katsudon estava a caminho, porém, no momento em que chegou à Torre de São Petersburgo, ela já havia cessado — as janelas do prédio nem estavam mais molhadas, tendo secado rapidamente assim que o sol saiu de trás das nuvens espessas que cobriram o céu por semanas. Se ele tivesse chegado cinco minutos depois, Katsudon nem teria tido que pegar o elevador, porque teria sido seguro descer de rapel e, como sempre, poderia ter entrado pela janela que o Treinador sempre deixava aberta em seu laboratório 

O vento soprou pela janela aberta, seco e quente, fazendo a capa do Treinador tremular conforme a direção da rajada. Por baixo estava a camisa verde menta decotada que Katsudon tem se esforçado tanto para não encarar desde que chegou.

Quando o vento finalmente parou, eles começaram a correr, um em direção ao outro, até se encontrarem no meio do caminho.

O Treinador deu um soco, seu braço se movendo rápido e firme. Katsudon, no entanto, era ágil, e de forma alguma teria problemas para se esquivar de um golpe daqueles. Ele se virou e deu um passo para o lado. Então, habilmente, ele retaliou com um chute giratório.

O Treinador bloqueou. Agarrando a perna de seu nêmesis, ele o atirou no ar.

Sem se deixar afetar, Katsudon se recuperou em um piscar de olhos, rolando no chão para amenizar a queda, com a agilidade de um soldado treinado, mas a suavidade de um dançarino. Logo, ele já estava de pé novamente. No entanto, agora havia algo em sua mão — uma chave de fenda, que até então se encontrava esquecida em um canto do laboratório.

Ele escondeu a ferramenta nas costas e esperou.

Então, quando a oportunidade surgiu, ele aproveitou a brecha que o Treinador deixou entre seus golpes e arremessou o objeto na direção da máquina, acertando o monitor em cheio. A tela se partiu e apagou imediatamente.

Yurio encarou a tela quebrada com olhos arregalados e a boca aberta. Ele se virou e procurou pelo Treinador, seus olhos gritando para ele lhe dizer alguma coisa. O que ele deveria fazer agora que não conseguia mais acompanhar os parâmetros de controle?!

O menino estava em pânico. O Treinador não teve outra opção a não ser admitir a derrota.

Além disso, era perigoso manter a máquina ligada do jeito que as coisas estavam, quando não se podia acompanhar os níveis dos produtos químicos e a composição feita pela mistura dessas substâncias. A verdade é que não havia nada que o vilão pudesse fazer a não ser desligá-la.

Enquanto o Treinador desmontava a máquina, puxando cabos e removendo cilindros cheios de produtos químicos, Katsudon permaneceu ao seu lado. O agente se viu, mais uma vez, oferecendo garantias ao seu nêmesis de que tudo o que ele precisava era ser um pouco mais paciente.

— A espera só vai tornar tudo mais doce, como uma sobremesa que você esperou a refeição toda para provar — disse Katsudon; não que ele tivesse mais qualquer noção do que estava falando. Ele só queria que Victor se sentisse melhor.

Mas então o Treinador de repente parou o movimento de suas mãos e olhou para ele, seus olhos arregalados e o corpo estranhamente imóvel. Ele nem estava piscando. Ele parecia surpreso, as bochechas ligeiramente rosadas.

Katsudon se perguntou se havia dito algo errado.

— Sabe uma coisa que eu definitivamente não precisava? Mais dessa merda.

Foi Yurio quem pôs fim ao frágil silêncio que se mantinha entre os dois arqui-inimigos. O garoto parecia enojado por algum motivo, mas Katsudon só entendeu o porquê quando ele abriu a boca novamente.

— A última coisa que eu preciso é ser obrigado a ouvir sobre a vida sexual do Victor. Totalmente dispensável. Nojento. Desnecessário.

Katsudon corou e ficou mudo. Mas, desta vez, ele foi rápido para encontrar suas palavras.

— Isso... Não foi isso que eu quis dizer! — Katsudon replicou, sua voz soando um pouco mais exasperada do que provavelmente deveria.

Sentia-se envergonhado, além de muito estúpido, por não ter percebido as possíveis insinuações presentes em suas palavras carregavam; as quais eram bastante óbvias agora que ele olhava para trás e prestava mais atenção no que havia dito.

O Treinador limitou-se a sorrir para ele, calmamente.

— Sim, eu sei — ele assegurou Katsudon, soando o mais gentil possível, tentando dar um pouco de paz ao coração agitado de seu nêmesis. — Além disso, é muito cedo para pensar em dormir com o Yuuri. Seria um passo muito grande para alguém que ainda nem conseguiu levá-lo a um encontro. Afinal, não quero estragar tudo. 

Ninguém pensaria que Victor ainda fosse capaz de falar tão calmamente sobre esse assunto, não quando a quantidade de mensagens e figurinhas que ele enviava quase todos os dias o deixavam parecendo tão desesperado. No entanto, o homem era maduro e sabia o que iria e o que não iria ajudá-lo nesse momento. Yuuri sentia um pouco de inveja. Se estivesse em sua situação, certamente estaria lidando com as coisas de uma forma muito pior.

— Mas... Espero que possamos dar as mãos e assistir ao pôr do sol quando sairmos juntos.

Katsudon, mais uma vez, sentiu seu rosto esquentar. Seus olhos encontraram os de Victor, e ele ficou surpreso ao ver que um rubor também cobria o rosto de seu nêmesis, uma visão que fez seu coração pular.

— Sim... Isso seria bom — ele se viu dizendo, as palavras escapando de sua boca antes que ele pudesse detê-las, desejo mostrando-se presente em sua própria voz.

Percebendo o que tinha feito, Katsudon forçou uma tosse e desviou o olhar, de repente encontrando grande interesse no padrão que cobria o piso do laboratório. Se continuasse assim, acabaria se expondo em um piscar de olhos, e isso era algo que ele não podia permitir que acontecesse.

Pedindo licença, Katsudon disse que tinha algumas coisas a fazer — uma mentira — e fugiu antes que fizesse algo estúpido e do qual se arrependesse.

Embora ele tivesse planejado esperar o Treinador terminar de desmontar a máquina, seu coração estava batendo tão forte que ele temia que os outros pudessem ouvi-lo. Ele não tinha outra escolha senão fugir.

 

—--

 

Depois de desperdiçar sua tarde resolvendo o problema da máquina — destruindo-a peça por peça e descartando adequadamente as substâncias com o devido cuidado e atenção que a atividade exigia, não querendo causar nenhum acidente — Victor se encontrava agora caminhando em meio à chuva, indo atrás de hambúrgueres, um guarda-chuva preto sobre sua cabeça.

Era tarde, frio e estava escuro. Além disso, o céu estava mais uma vez coberto por nuvens espessas.

Como qualquer outra pessoa, naquele momento, ele preferia estar em casa, principalmente quando o tempo estava tão deprimente. No entanto, ele havia prometido a Yurio que ele poderia escolher o jantar, e voltar atrás em suas palavras seria suicídio. Além disso, o jovem o ajudou o dia todo e também fez um bom trabalho, então nada mais justo do que se curvar às suas vontades uma vez na vida.

Infelizmente, o lugar que Yurio escolheu não estava fazendo entregas no centro por causa do mau tempo.

Felizmente, era perto de Yu-topia.

Mesmo se ele fingisse estar bem e repetisse várias vezes que entendia que adiar seu encontro com Yuuri era inevitável, mesmo que ele tivesse vestido uma máscara e mostrado-se inabalado na frente de seu nêmesis hoje, a verdade era que ele estava bastante frustrado. Portanto, estava realmente feliz por ter conseguido uma oportunidade — uma desculpa — para tentar se encontrar com Yuuri, mesmo que apenas por um breve instante.

Victor virou em uma esquina e parou quando o semáforo ficou vermelho, sinalizando para os pedestres aguardarem sua vez. Alguns carros passaram por ele, mas não muitos. Nesse momento, uma forte rajada de vento o atingiu e jogou seu guarda-chuva para longe, e ele pôde fazer nada além de vê-lo escapar de sua mão e cair em direção à rua.

Victor ficou sem palavras quando um carro passou por cima do guarda-chuva.

Nem um minuto depois, a chuva já o havia encharcado até os ossos. Ele olhou para si mesmo e se viu pingando no chão. Em seguida, encarou a rua à sua frente, de repente se sentindo muito cansado e com frio. Ele suspirou. Não havia mais como ele parar em Yu-topia, não quando estava tão encharcado e com o cabelo apontando para todos os lados.

A chance de ver seu querido Yuuri havia sido completamente tirada dele.

O semáforo ficou verde, mas ele não tinha mais certeza se deveria atravessar a rua — talvez um carro o atropelasse, ou algo assim, quem sabe. Ele tem tido muito azar ultimamente, e não achava tão improvável assim que alguma outra tragédia caísse sobre sua cabeça.

Talvez fosse melhor voltar e sofrer a ira de seu aprendiz, ele ponderou.

Em transe, Victor nem percebeu quando alguém se aproximou dele, o som de passos já normalmente leves completamente abafado pela chuva barulhenta.

De repente, um guarda-chuva estava sobre sua cabeça, libertando-o do castigo que era a chuva gelada. No entanto, Victor estava tão perdido em pensamentos que nem deu conta. Alguém tocou em seu braço e só então ele percebeu que havia alguém ao seu lado, protegendo-o do frio penetrante das gotas de água.

Quando se virou deu de cara com Yuuri, que o estava encarando, preocupação transbordando de seus gentis olhos castanhos.

— Você está bem? — Yuuri perguntou, mas Victor ainda estava assimilando a situação e se viu incapaz de dar uma resposta adequada de prontidão.

Ele não conseguia acreditar em seus olhos. 

Estaria ele dentro de um sonho? Seria a figura à sua frente uma ilusão criada por sua mente cansada e abstinente? Talvez ele estivesse com febre, não tendo percebido esse fato porque seu corpo se encontrava agora extremamente gelado após ser encharcado pela imperdoável chuva.

Ou, ao menos, era isso que sua mente queria que ele acreditasse.

Victor sabia, entretanto, não ser o caso. O homem à sua frente não era a ilusão, e quem o assegurava desse fato era seu próprio coração, que batia tão forte e alto que ele podia senti-lo pulsar por todo o seu corpo.

— Yuuri! — foi tudo que Victor conseguiu dizer, sua surpresa facilmente perceptível em sua voz.

— O que aconteceu com o seu guarda-chuva? Você está encharcado! Você vai ficar doente!

— Bem… — Victor apontou para a rua, onde se encontravam os restos do que um dia foi seu guarda-chuva. — Houve um pequeno acidente.

Ambos encararam os destroços que ainda permaneciam espalhados no meio da rua, seu estado deplorável. Não havia qualquer esperança de recuperá-lo.

Um final tão ruim para um guarda-chuva tão bom...

Eles permaneceram em silêncio por algum tempo, observando a estrada e estremecendo toda vez que um carro passava por cima dos destroços do guarda-chuva que agora mostrava-se irreconhecível. No entanto, Victor não se permitiu perder o foco por muito tempo. Havia outra coisa com que ele deveria estar se preocupando.

— Mas mais importante! Não se preocupe comigo! Cubra-se adequadamente! Eu vou ficar arrasado se você ficar doente por minha causa! — Victor exclamou, empurrando o guarda-chuva de Yuuri para longe dele e de volta para seu dono, que tinha permanecido parado sob a chuva esse tempo todo.

Yuuri não mostrou sinais de que aceitaria aquilo tão fácil e empurrou o guarda-chuva de volta, fazendo bico e repetindo de novo e de novo que estava tudo bem. Mas ele sabia que Victor podia ser muito teimoso. Por isso... Ele não teve outra escolha.

— Então... E se nós compartilharmos?

A pergunta veio tímida, sua voz quase não sendo ouvida por causa do barulho da chuva.

— Hm?

Yuuri olhou para o chão. Respirou fundo.

— O guarda-chuva… — Ele tentou novamente, mas seu coração estava batendo tão forte que ele estava tendo dificuldade para se concentrar nas palavras que queria dizer.

Victor observou o outro homem em silêncio, olhando-o de cima a baixo e prestando atenção até nos detalhes mais insignificantes. Era como se fosse a primeira vez que colocava seus olhos nele.

Yuuri parecia estar corando, suas bochechas tingidas de um vermelho suave que parecia mais brilhante por causa da baixa temperatura. Victor não queria acreditar em seus olhos, nem se iludir, com medo de que fosse apenas a luz dos carros refletindo em seu rosto. Não queria criar expectativas infundadas. Estava escuro e frio, e haviam muitos motivos para ele estar enganado. Victor preferia não se dar esperanças, não ainda.

No entanto, deixando a questão dele estar ou não corando aparte, Yuuri estava adorável.

Mesmo que seu cabelo estivesse um pouco molhado e grudado em todos os cantos, mesmo que suas roupas estivessem pingando nas beiradas, mesmo que as lentes de seu óculos estivessem embaçadas e úmidas, mesmo que seu rosto estivesse pálido e gelado... Ele estava lindo.

Ele estava perfeito.

— Onde você está indo? — Yuuri perguntou depois de um tempo, quando finalmente foi capaz de se recompor.

— Oh, hm... Para aquele KFC na rua perto do parque.

— Aquele logo depois de Yu-topia?

— Sim — Victor respondeu enquanto balançava a cabeça.

— Então vamos juntos... Eu também estou indo nessa direção — Yuuri ofereceu novamente, movendo o guarda-chuva mais uma vez em direção ao Victor.

Victor, por fim, aceitou. Mesmo que estivesse se controlando e fazendo todo o possível para evitar ter esperanças vazias, não havia como deixar essa oportunidade passar.

Eles caminharam juntos, lado a lado, os corpos tão próximos que seus braços roçavam um no outro enquanto caminhavam. Como o guarda-chuva não era muito grande, eles não tinham escolha a não ser ficar muito perto um do outro. Victor o olhava de soslaio de vez em quando, e Yuuri hora ou outra retribuia o gesto e sorria para ele.

Mesmo que seu corpo ainda estivesse bastante frio, Victor podia sentir a presença de uma chama, que ficava cada vez mais forte e espalhava-se gradualmente por seu peito.

Victor tentou e tentou pensar em algo para dizer, mas o clima ao redor deles era confortável, o silêncio uma companhia agradável que ele não sabia se queria despachar. No final, eles chegaram a Yu-topia antes que Victor pudesse tomar uma decisão sobre o que realmente desejava fazer.

Eles pararam em frente ao restaurante e viraram um na direção do outro, os segundos que passavam mais parecendo horas.

— É uma pena não haver um pôr do sol — Yuuri murmurou, e Victor quase não escutou.

Seu coração deu um salto, as palavras que dissera mais cedo a Katsudon ressoando em seus pensamentos como uma melodia nostálgica.

Victor estava prestes a pedir ao homem para se repetir, sem entender como tal coincidência poderia realmente acontecer — talvez eles realmente fossem almas gêmeas, afinal de contas — quando o guarda-chuva foi entregue em suas mãos.

Victor só se deu conta do que estava acontecendo quando Yuuri saiu debaixo do guarda-chuva. A chuva imediatamente voltou a encharcá-lo, seu casaco parecendo inclusive mais pesado sobre seus ombros.

— Espera, Yuuri...

Victor estava prestes a devolver o guarda-chuva quando Yuuri deu mais um passo para trás, posicionando-se propositalmente fora de seu alcance.

— Não se preocupe. Você pode me devolver no dia do nosso encontro — Yuuri disse, sua voz tão suave que foi quase abafada pela chuva, que continuava a cair insistentemente e não mostrava sinais de parar tão cedo.

Victor devia ter respondido que não, que isso não era necessário. Era, inclusive, o que ele planejava fazer inicialmente. Contudo, conforme Yuuri pisou em direção à luz, seu semblante tornou-se mais nítido e, consequentemente, a refuta que estava prestes a sair de sua boca não teve opção além de recuar de volta para o fundo de sua garganta devido aos pensamentos que forçaram caminho para a frente de sua mente.

Agora, com a luz do restaurante reluzindo em seu rosto, Victor se via sem mais dúvidas — o rosto do homem estava inconfundivelmente vermelho. 

O vilão ficou boquiaberto, mas permaneceu em silêncio. Antes que pudesse encontrar suas palavras novamente, Yuuri desapareceu dentro do restaurante, deixando Victor sozinho e não dizendo nada além de um rápido “boa noite” antes de desaparecer de sua vista.

Victor ficou parado por um tempo, perplexo, a boca ainda aberta.

E então um largo sorriso tomou conta de seus lábios, seu peito sendo preenchido por um calor de proporções tamanhas que ele não pôde evitar de se perguntar se estavam acendendo fogos de artifício no interior de seu coração.

Ele não conseguia encontrar outra explicação para o que estava sentindo.

 


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Notas finais do capítulo

Oi, gente! Mais um mês, mais um capítulo! ;D Como estão?
Teve várias cenas nesse capítulo que eu gostei de escrever, como o flirting e o Yurio cansado dessa novela toda kk (btw RIP Guarda-chuva, you will be missed)
Well, é isso. Deixe reviews se possível, pois me da uma animada pra traduzir a fic e honestamente tou precisando de incentivo ultimamente. Esse capítulo só terminei de arrumar hoje cedo, o que é longe de ser o que eu gostaria. Então, é, reviews, please. Me diz que parte você mais gostou, ou se está gostando da história. ♥ Se você é do futuro, pode comentar sem medo que eu respondo mesmo depois de anos hehe
Well, por hoje é só.
Até mês que vem!



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