A ironia em amar você escrita por SS Saibot


Capítulo 2
Uma crítica um tanto quanto negativa demais.


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/800839/chapter/2

 

—  Quem é aquela dama, que dá a mão ao cavalheiro agora? Ah, ela ensina as luzes a brilhar! Parece pender da face da noite como um brinco precioso da orelha de um etíope! Ela é bela demais pra ser amada e pura demais pra esse mundo! Como uma pomba branca entre corvos, ela surge em meio às amigas. Ao final da dança, tentarei tocar sua mão, para assim purificar a minha. Meu coração amou até agora? Não, juram meus olhos. Até esta noite eu não conhecia a verdadeira beleza. 

O sinal fez-se ouvir no momento em que Isabella já pensava que o sono venceria a luta travada contra ela uma hora e vinte minutos antes. Com um bocejo intimidante, começou a recolher suas coisas, pondo-as dentro da mochila.  

— Obrigada por este gratificante trecho, Srta. Denali — agradeceu o Sr. Langford ao endireitar os óculos sobre a ponte de seu nariz adunco.

Tanya Denali  sorriu, muito orgulhosa de si mesma, os cachos louros pulando como molas sobre seus ombros enquanto sorria para as amigas, como se houvesse acabado de receber uma menção honrosa da calçada da fama com o elogio do professor.

Isabella reprimiu outro bocejo. Dessa vez, bem mais  forte e constrangedor. Sim, obrigada por quase me fazer dormir durante a aula inteira, Srta.Denali.

— Não esqueçam de ler O Morro dos Ventos Uivantes e trazerem suas anotações na próxima aula. A atividade irá substituir o teste e um quarto da nota trimestral, então me sinto na obrigação de relembrar a todos vocês que sou um bruxo muito poderoso no Ministério da Magia e tenho um feitiço especial para detectar plágios parciais e integrais. Também sou muito bom em dar efes, portanto, não espero menos que a dedicação total de vocês. Estão dispensados.

Aos poucos, ainda um tanto letárgicos, os alunos começaram a sair da sala. Isabella seguiu sua colega de carteira, Leah Clearwater, para a saída.  

— Srta. Swan, gostaria de trocar algumas palavrinhas com a senhorita.  

Isabella não gostaria de trocar nenhuma palavrinha com seu professor de literatura, quiçá o diminutivo no plural, ainda mais quando estava com tanta forme que o ronco emitido por seu estômago podia ser considerado mais importante que qualquer coisa que seu professor pudesse ter a dizer. Ainda assim, parou ao lado da mesa do mestre e se esforçou para transparecer a imagem de uma pessoa minimamente interessada.

Mesmo que se interesse estivesse muito mais concentrado no  sanduíche de peito de peru e mostarda que encontraria no refeitório.

— Sim, Sr. Langford? 

— Sei que é uma aluna exemplar — começou o homem, fazendo com que seu respeitável bigode negro à la xerife se movesse com vida própria acima de seu lábio superior. — Por isso, estou lhe dando mais uma oportunidade de refazer sua análise crítica a respeito do romance de Shakespeare.

Isabella não sentia seus lábios para responder, mas se pudesse senti-los, saberia que eles estavam abertos e seu queixo devia estar batendo no chão. Passado o momento de surpresa, conseguiu formular palavras novamente.

— Mas, entreguei isso há quase três semanas, Sr. Langford! — exclamou, querendo dizer, na verdade, que já não lembrava de muita coisa do que havia lido. Sabia que a obra shakesperiana carregava um fardo imenso de mentiras, mortes e falsas mortes, veneno também, todavia conseguia associar todas essas palavras-chaves a vários episódios de Pretty Little Liars e isso não ajudava sua mente a dissociar os fatores.  

— Eu sei — disse o professor, empurrando pela superfície da mesa a folha inteiramente preenchida pela caligrafia pequena e circular de Isabella. — Seu trabalho foi um dos que corrigi por último por causa da ordem alfabética, então deve saber que estou reajustando a data de entrega para daqui duas semanas a fim de poder dar a você algum tempo para refazer sua tarefa e com isso, estou atrasando a entrega do trabalho dos seus colegas.  

Isabella pegou, relutante, a folha e analisou o conteúdo a um palmo de seu nariz, como se a proximidade fizesse seus erros saltarem do papel, o que evidentemente não aconteceu.  

— Não sei o porquê é necessário que eu refaça — decretou após sua averiguação. — Fiquei muito feliz com o meu desempenho. Não vejo absolutamente nada de errado, senhor.  

O professor capturou o texto de suas mãos novamente e a olhou por cima dos óculos retangulares.  

— Porque não tem.  

Isabella o encarou, agora não disfarçando a confusão.  

— Desculpe, mas não estou entendendo aonde quer chegar, Sr. Langford. 

Ele suspirou.

— Você tem razão, Srta. Swan. Não há nada errado com seu texto. A estrutura está correta, não consegui identificar nenhum erro de concordância ou gramatical e sua estrutura está impecável — Fez uma pausa e apontou categoricamente para o documento. — O problema aqui, no entanto, está no espírito do texto.  

Isabella teve que fazer um esforço hercúleo para não revirar os olhos ou bater com a mão na mesa e perguntar se ele não tinha nada melhor para fazer que ficar bancando o xamã dos textos alheios. Se ele  queria sentir o espírito, que fosse atrás de uma religião, montasse uma seita dos professores quarentões ou algo produtivo que o deixasse bem longe do trabalho dela.

Entretanto, tudo aquilo parecia grosseiro demais para ser dito a alguém que tinha permissão para suspendê-la. Sua boca até mesmo se abriu, mas o que saiu dela, foi:

— Ainda não entendo, senhor.  

— Seu texto está excessivamente negativo, Srta. Swan.  

— E não é essa a essência de uma análise crítica, expor o que achamos?  

— Sim, mas todos os pontos que foram apontados em sua análise foram negativos. Todos, sem exceção. Essa falta de positividade com relação a uma obra clássica de Shakespeare, mostra sua relutância em se adequar a novas perspectivas, Srta. Swan.  

— O senhor está dizendo que eu tenho dificuldade em me adequar a novas perspectivas? — engasgou. — Eu? Francamente.

Isso foi o que Isabella teve vontade de dizer. Isso foi o que ela realmente disse:  

— Sr. Langford, eu ainda não consigo apontar a razão pela qual a refeita seja necessária. Os pontos destacados não são tão negativos assim.  

— Certo, vejamos, o décimo primeiro parágrafo de seu texto diz assim — O professor pigarreou. — O arquétipo apresenta protagonistas com preocupantes desvios de características psicológicas visto que a dependência mostrada por Romeu e Julieta pelo sentimento que nutriam, não pode ser designada como saudável quando há suicídio de ambas as partes mediante a suposição morte do outro.  

Ela trocou o peso do corpo de um pé para o outro. Era desconfortável que o professor lesse o conteúdo que escrevera em sua frente. Parecia uma daquelas situações constrangedoras que deveriam ser evitadas, tipo quando a mãe dela mostrava fotos dela bebê nua na banheira para visitas.

— E estou errada? — questionou.

— A questão não é essa, Srta. Swan.  

— Então, qual é?  

— A questão é que este parágrafo foi o menos negativo que encontrei sobre a maior história de amor de todos os tempos.  

— Jamais história alguma houve mais dolorosa do que a de Julieta e de seu Romeu — citou um dos personagens da trama. — Não acho que Romeu e Julieta se trate de uma história de amor. É uma história de sofrimento, filhos bastardos, injustiças e desavenças fúteis. Reciprocidade, sim, talvez, mas não amor. No meu ponto de vista, Romeu e Julieta somente serviram como um canal abstrato indireto para que as duas famílias se reconciliassem através da morte e isso é uma romantização completamente injusta visto que a morte não une coisa alguma. Essa é a minha análise e não acho que fazer outra me ajudará a ver as coisas sob outro aspecto.  

O Sr. Langford suspirou. 

— Tente novamente, Srta. Swan. Tenho certeza que poderá enxergar algo de piedoso na história de Shakespeare se houver esforço. Acredito no seu potencial.  

— Meu potencial não está em xeque aqui — Viu-se dizendo mais uma vez, porém tudo não passou de sua fértil imaginação. O que saiu de sua boca foi: — Certamente, Sr. Langford, refarei a atividade.  

 Agora, além  de ter que refazer aquele estúpido trabalho, ainda teria que ler O Morro dos Ventos Uivantes. Aquilo sim tinha cheiro de tragédia.

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Se sim, você se importa de me deixar saber com um comentário? É rapidinho, de graça e deixa uma autora muito feliz mesmo!

Um beijo imenso >>>



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A ironia em amar você" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.