Natasha subiu as escadas em direção aos dormitórios no Palácio de Wakanda a passos lentos, arrastando os dedos pelo corrimão requintado apenso aos grandes degraus em formato de caracol. Após caminhar por um longo corredor, bateu suavemente na porta do quarto em que Wanda e Visão dividiam, recebendo em resposta um quase instantâneo “entra” em resposta de Wanda.

— Seu namorado está por aqui? Realmente não quero atrapalhar nada íntimo.

A gargalhada sonora de Wanda ecoou pelo ambiente amplo, ao que ela saiu do banheiro da suíte usando um hobbe com os cabelos compridos penteados para trás.

— Não está não. O Vizh passou na casa do grupo... – Ela se controlou para não dizer “nossa casa”, já que Natasha não parecia a mais romântica de todos. – ... Para ver se estava tudo bem, se havia sinais de invasão. Vamos nos encontrar na frente do Palácio às sete horas. – Depois de sentar na penteadeira, questionou: – Você pode me ajudar a me arrumar?

Natasha franziu o nariz e fez menção de sair do quarto.

— Acho que não.

— Nat! – Wanda usou dos seus poderes para jogar uma toalha sobre ela.

A amiga pegou a toalha e riu descontroladamente.

— Estou brincando, meu amor. Claro que ajudo.

— Obrigada. – Ela agradeceu. – À propósito, onde estão os rapazes?

— O Sam estava lá embaixo conversando com a Shuri sobre umas melhorias no uniforme. – Natasha se aproximou e, com a ponta dos dedos, penteou as madeixas dela, notando alguns nós. Procurou um creme para desembaraçar sobre a penteadeira a aplicou uma quantidade generosa nas palmas das mãos antes de seguir penteando e respondendo ao questionamento de Wanda: – O Steve estava conversando com o T’Challa sobre, você sabe, o James.

Wanda delicadamente assentiu. James Barnes, ou Bucky, estava adormecido em Wakanda, congelado, desde que ela saíra da prisão. Logo, seu cabelo comprido tomou um aspecto de limpo e arrumado, e Natasha aproveitou para amassar as pontas, formando discretas ondas na beirada. O tempo estava quente, então logo iria secar naturalmente.

— Você já tem ideia do que usar? – Natasha abriu o armário. – Têm uns vestidos bem bonitos aqui.

— Não tenho ideia ainda não. – Assumiu Wanda, caminhando devagar até ela e se apoiando em seu ombro.

Natasha levemente franziu o cenho enquanto se ajoelhava e acariciava a barriga de Wanda, sussurrando:

— Traidores.

A futura mamãe soltou uma risada contida.

— Nenhum de nós têm culpa, Nat.

— Mas eu preciso culpar alguém. Talvez o Vis. Fez dois filhos de uma vez, mas não teve a capacidade de fazer uma terceira. Uma menininha para alegrar meus dias. Para eu levar pra aula de balé todo dia.

Os dedos de Wanda acariciaram os cabelos ruivos de sua amiga.

— Você pode levar os meus meninos para a aula de balé. Só não todo dia. – Ela sorriu e esticou um braço. – Eu também quero dar uns chamegos neles.

— Fechado. – Natasha apertou sua mão, tornando os olhos ao armário. – Wanda, eu sei que não devo me meter... Mas você contou sobre aquele pesadelo ao Vis?

Um suspiro pesado emergiu dos pulmões de Wanda.

— Eu... Eu sei que deveria, mas não consegui. – Uma breve pausa sucedeu. – Eu tive mais um pesadelo.

O silêncio pesado no ambiente só não era mais constrangedor pelo gorjeio dos pássaros lá fora, uma faixa de luz adentrando pelo vidro da janela e iluminando o rosto de ambas. Wanda evitava de olhar diretamente nos olhos azuis semicerrados de Natasha, os quais pareciam julgá-la pela decisão de não ter contado.

— Eu sei... Eu só...

Wanda estava pronta para assumir a culpa quando foi impedida por um rápido movimento de mão de Natasha.

— Wanda, você não precisa me dar explicações de nada, mas acho importante você começar a falar mais as coisas para o Visão. Ele é pai das crianças, isso não é pouca coisa. E ele quer tantas respostas quanto você. – Remexendo nos vestidos do armário, ela prosseguiu: – Entendo que esses pesadelos sejam aflitivos, e você não queira lembrar o tempo todo, porém não dá para ignorar como se não fosse nada.

— Eu quero contar. – Admitiu Wanda, olhando para baixo e acariciando a barriga. – Mas eu imagino os olhos baixos do Visão, perguntando se eu não confio nele. Eu tive o primeiro pesadelo com o quê, oito ou dez semanas? E agora mais um. Eu vi crianças... Crianças gêmeas, Nat, que eu achava serem eu e o Pietro antes de descobrir estar grávida de gêmeos. Eu vi um demônio. Eu vi sangue na neve... Vindo da minha barriga.

Os braços de Natasha envolveram seus ombros.

— Olha, eu tenho certeza que o Visão tem os próprios medos dele que, por motivos parecidos, ele não conta para você. Você só precisa acreditar e iniciar uma conversa; tenho certeza que esses sentimentos vão fluir.

Wanda concordou com a cabeça enquanto passava os braços na cintura de sua amiga, o calor de seu abraço apaziguando as tristezas do seu coração. Ficava feliz em ter pessoas incríveis ao seu lado.

— E outra. – Natasha complementou. – Eu vou proteger você e os dois traidores com todas as minhas forças.

— Eu sei. – A outra disse, e sorriu. – Eles não poderiam pedir por uma madrinha melhor.

Os olhos de Natasha se arregalaram, e seu coração errou algumas batidas quando Wanda proferiu aquelas palavras. Ela se afastou e olhou diretamente para Wanda, o rosto sereno dela confirmando aquela oferta; e, emocionadas, elas se abraçaram.

— Obrigada, Wanda. – Sussurrou. – É uma verdadeira honra.

Dentro de alguns instantes, Natasha beijou a testa de Wanda no mesmo tempo em que secava uma lágrima, e, com a mão oposta, mexia nas roupas presentes no armário.

— Acho que você vai ficar um arraso com esse. – Ela puxou um cabide. – E que tal um pouco de maquiagem? Tenho um tom de base perfeito no meu quarto.

~.~

Visão, em roupas e aparência humana, aguardava Wanda na porta de entrada do Palácio de Wakanda. O local estava estranhamente tranquilo, com apenas algumas Dora Milaje rondando. Ao que parecia, o Rei T’Challa e a princesa Shuri não estavam presentes naquele momento.

Não demorou para ele escutar passos advindos da escada, e, se fosse passível de respirar normalmente, o ar teria completamente se esvaído de seus pulmões. Wanda era bela, porém, naquele momento, todos os astros do universo invejavam sua beleza; em um longo vestido vermelho, o qual deixava sua barriga destacada, além de brincos e o colar o qual recebera naquele dia completando os adornos. O rosto angelical estava coberto por uma camada fina de maquiagem destacando seus olhos, e cada passo dela, com Natasha ao seu lado, parecia ser em câmera lenta.

— Eu sei, eu sei. – Disse Natasha. – Eu fiz um ótimo trabalho, mas a beleza da Wanda ajudou.

Visão esticou a mão para segurar a palma de Wanda, trazendo as costas da mão dela para perto de seus lábios, beijando-a suavemente.

— Você está belíssima, Wanda. Obrigado, Natasha.

— Agradeço, Vizh. – Wanda segurou o braço de Visão. – Vamos lá?

— É claro. Até mais, Natasha.

— Tchau, Nat! – Wanda acenou.

— Tchau, pombinhos! – Natasha sorriu. – Não esqueçam que eu sou a madrinha dos bebês a partir de hoje!

O sintozóide arqueou as sobrancelhas, sorrindo.

— Desculpa. Eu convidei a Natasha e não questionei você antes.

— Eu sempre soube que ela era a opção perfeita, Wanda. – Ele fez uma pausa. – Em verdade, eu estava observando... Você está sem sutiã?

Ela deu de ombros.

— Meus seios estavam inchados. Achei melhor usar só o vestido.

Um suspiro escapou dos lábios de Visão, quando ele sentiu o coração bater mais rápido. Apesar de extremamente respeitoso, o corpo de Wanda sempre trouxera sensações diferentes para o seu próprio corpo, às vezes, difíceis de serem ignoradas.

~.~

O restaurante não era longe, então os dois caminharam até alcançá-lo. A noite caía e era uma hora maravilhosa de transição entre a claridade da tarde e o breu.

Era uma construção bonita, com diversas janelas ao seu redor, do chão até o teto. Lá dentro havia uma arquitetura única, as cores variando entre preto e cinza, longos lustres pendurados, e candelabros em cada mesa. Tão logo chegaram, foram recebidos por um belo garçom, educadamente indicando o lugar reservado para eles.

Talvez por ser dia de semana, o lugar estava curiosamente vazio, com apenas alguns casais aqui e ali e o que parecia ser um jantar de negócios aos fundos. O lugar deles era próximo da janela, com uma bonita vista do centro da cidade; após se acomodar, Wanda sorriu enquanto olhava para fora e esticava a mão para segurar a de Visão do outro lado da mesa.

— Isso é incrível. – Wanda suspirou. – Precisamos agradecer ao Steve. Fico muito feliz em poder comemorar.

Antes, porém, de Visão responder, uma voz diferente soou:

— Parabéns ao casal pela gravidez! Fico muito feliz por vocês.

Uma linda mulher, com a pele negra intensa iluminada pelas luzes locais, e os cabelos cacheados estavam presos atrás da cabeça. Visão imediatamente a reconheceu, quando ela puxou uma cadeira e sentou à mesa junto deles.

— Você é...

— Monica Rambeau. – Ela sorriu. – É meu prazer conhecer vocês dois pessoalmente, Wanda e Visão.

Wanda observou a moça, e logo moveu o olhar para Visão, com o cenho franzido e os olhos semicerrados em desconfiança.

— Não quero demorar muito, mas saibam: eu não sou sua inimiga. – A mulher de nome Monica prosseguiu. – Eu apenas preciso pedir ajuda.

— Com todo o respeito, senhorita Monica. – Visão se intrometeu. – Porém eu tenho certeza que há outras pessoas disponíveis para ajudar. Talvez até mais qualificadas... – Os olhos dele caíram para o machucado de Wanda. – ... E você não me parece ser exatamente amigável.

Wanda se retraiu quando Monica, horrorizada, olhou para os pontos já um pouco cicatrizados dela.

— Olha, isso não foi obra minha. Garanto para vocês que foi o idiota do meu colega, o Hayward. – Ela revirou os olhos. – Eu não quero machucar vocês. Apenas quero realmente a ajuda de vocês, se for possível.

Uma breve pausa.

— Nas ruínas de Sokovia, está crescendo uma nova cidade, vista por satélites. O nome provisório é Latvéria. E nós precisamos de alguém com raízes sokovianas para ver o que está acontecendo por lá. Com toda a segurança para sua gravidez, é claro.

Os olhos de Wanda adquiriram um tom vermelho, e Visão, buscando acalmá-la, Visão apertou sua mão.

— Não precisam me responder agora. – Monica puxou um cartão de visitas. – Eu estou por aqui até o final de semana, neste hotel. Podemos marcar de conversar... Posso dar mais detalhes. Agora, não se incomodem, e aproveitem a noite... Vou sair daqui antes que seja expulsa. Boa noite.

Antes de sair, Monica apertou o ombro desnudo de Wanda e a observou diretamente nos olhos. Por algum motivo, ela se sentiu mais tranquila, mesmo com a súbita interrupção, quase como se efetivamente pudesse confiar nela. Porém ignorou o sentimento e olhou para o outro lado enquanto Monica saía.

— Wanda... – Visão a chamou.

— Eu não quero. – Ela pegou o cardápio e começou a observar as opções de comida, apesar de ter perdido o apetite. – Já estamos com problemas demais.

Ao invés de tentar conversar, Visão puxou a sua cadeira para ao lado de Wanda, e suavemente a abraçou e beijou o topo de sua cabeça enquanto acariciava seu braço.

— Está tudo bem. Você não precisa fazer nada. – Ele sussurrou, os lábios em sua cabeça enquanto murmurava. – Eu estou aqui com você, certo?

Os pesadelos que não havia contado. A falta de apetite de Wanda transformou-se em enjoo.

— Eu trouxe algo para você lá da casa na Inglaterra. – Ele sorriu. – É a foto da sua mãe.

Visão tirou do bolso a fotografia levemente gasta pelo tempo e entregou para ela. Wanda observou o sorriso da mãe, as roupas de inverno, o sorriso cálido diretamente para ela.

— Vizh? – Wanda encostou a cabeça no seu peito.

— Sim, amada?

— Será que podemos comer aqui bem rapidinho e voltarmos para o quarto? – Ela perguntou em meio a um suspiro.

— Claro que podemos. Você pode comer algo leve e podemos ficar à noite inteira trocando beijinhos, se você quiser.

— Quero algum prato típico. Quem sabe quando vamos vir a Wakanda de novo?

“Talvez para o parto”, ela pensou, engolindo em seco.

— Peça o que você quiser, amor. – Ele beijou o topo de sua cabeça ao tempo que acariciava seu rosto. – Estamos aqui para comemorar.

O cartão de Monica restava na mesa ao lado da foto de sua mãe, e ali permaneceu até irem embora.