O Engano 

por Linesahh

Numa tarde particularmente quente de sábado, haviam dois rapazes caminhando tranquilamente pelas ruas de Tóquio, atravessando avenidas movimentadas, evitando pedestres inconvenientes e absortos em um debate caloroso entre ambos.

Naquele dia, tinham destino ao Colégio Nekoma.

Os dois rapazes eram altos e possuíam um corpo bem desenvolvido, mas as semelhanças acabavam por aí. O da direita, dono de uma personalidade empolgada, explosiva e, por muitas vezes, infantil, possuía cabelos espetados brancos-acinzentados com algumas mechas pretas e olhos de uma cor extraordinariamente dourada, lembrando nitidamente para as pessoas que os fixavam duas estrelas cintilantes no céu. Esse era Koutarou Bokuto.

O rapaz da esquerda, por outro lado, tinha uma aparência menos excêntrica e mais misteriosa. Seus cabelos pretos como carvão eram naturalmente bagunçados e espetados para cima devido à sua cabeceira. Por fim, seus olhos eram sua característica que mais chamava atenção; estreitos e de cor avelã, com pupilas semelhantes às de gatos, eram responsáveis por oferecer-lhe uma aura astuta e intimidadora. Seu nome era Tetsurou Kuroo.

— Hey, será que o Akaashi e o Kenma já acabaram de treinar? — Bokuto perguntou pelo que pareceu ser a décima vez durante o curto trajeto, fazendo Kuroo revirar os olhos em impaciência e zombaria.

— Você é realmente um airhead, hein? — insultou em tom de brincadeira, contudo, contendo certa verdade. Bokuto era, na maior parte do tempo, um verdadeiro cabeça-de-vento. — Eles se encontraram por volta do meio-dia, então devem estar na metade do treino ainda. — relembrou. 

— Ainda é impressionante para mim você ter conseguido convencer o Kozume a treinar com o Akaashi. Ele é sempre tão... — o ás esforçou-se para pensar numa palavra em específico. — Na dele.

Kuroo sorriu de canto. "Na dele" foi o melhor que ele pôde pensar?

— Diria que "antissocial" é o melhor adjetivo escolhido. — replicou. — E não foi muito difícil convencê-lo. Afinal, conheço Kenma com a palma da minha mão. — disse em tom convencido.

Bokuto não fez objeções, mas Kuroo sabia que, no fundo, o capitão da Fukurodani não acreditava cem por cento em sua palavra. E o pior é que ele estava certo.

Kuroo mentiu um pouco quando disse que havia sido uma tarefa fácil convencer Kenma a trocar táticas de levantamento com Keiji Akaashi. Kenma não era nem de longe uma pessoa propícia a se comunicar e socializar com os outros ao redor, e Kuroo sabia muito bem disso.

Normalmente, Kuroo não forçava uma situação em que Kenma não estava muito confortável com algo; contudo, acreditava que seria bom para ele socializar um pouco mais. Além disso, Akaashi não era uma pessoa de gênio forte e explosivo, o que era um ponto positivo para conciliar com a personalidade retraída de Kenma.

— "Por que você não faz um teste? — sugeriu quando estavam discutindo sobre o assunto no quarto do Kozume, que comumente tinha os olhos pregados sobre seu playstation portátil, absorto em mais um de seus jogos viciantes. — Se o primeiro treino não for legal, basta parar por ali. O levantador da Fukurodani é muito habilidoso, e sei que vocês se dão bem."

Kenma tinha o cenho levemente franzido enquanto mexia nos botões da tela sucessivamente. Quem visse de fora acharia que ele estava cem por cento concentrado no jogo e nem um pouco interessado nas palavras de Kuroo, mas o capitão do Nekoma conhecia o levantador bem demais para saber que ele estava avaliando e considerando a ideia.

Por fim, após o "Game Over" ecoar pelo recinto, Kenma largou o aparelho na cama, suspirando.

— Sendo o Akaashi... Tudo bem, então.

Ainda que ele não tivesse aceitado de muito bom grado, e sim, mais como uma desistência, Kuroo sentiu-se triunfante e satisfeito, como sempre ficava quando convencia Kenma a fazer algo que sabia que seria benéfico para ele.

Pois era especificamente ao redor desse ponto que suas ações e intenções giravam: o bem estar de Kenma.

De toda forma, tudo pareceu ter dado certo, pois, após o primeiro treino, Kenma e Akaashi concordaram em continuar se encontrando. Mais um ponto para Kuroo.

Voltou ao presente com a voz alta de Bokuto, que jogou os braços para cima em frustração:

— Eu sei que convenci o Akaashi porque seria bom ele treinar mais os levantamentos, mas... — fez uma careta de sofrimento. — Estou me sentindo tão abandonado! — lamentou com seu costumeiro tom dramático. — Eles vão continuar a se encontrar por mais uma semana? — o ás não conseguiu esconder o claro desejo de que queria receber uma resposta negativa.

Kuroo ergueu uma sobrancelha, observando o farol que encontrava-se fechado para eles.

— Isso vai depender deles. E nem venha jogar esses acessos de carência sobre o seu levantador; deixe-os treinar em paz e pelo tempo que quiserem, sua coruja-bastarda. — ainda que tivesse falado com zombaria, seu aviso saiu com uma nota de seriedade.

Bokuto continuou reclamando como uma criança por boa parte do caminho, até os portões do Colégio Nekoma estarem diante deles. Entraram sem cerimônias, pois a escola ficava aberta nos fins de semana para atividades recreativas e treinos dos diversos clubes esportivos.

Desde a semana anterior, Kenma e Akaashi vinham se encontrando em horários variados para treinarem juntos, conforme haviam pedido seus respectivos capitães. A maioria deles decorria-se no Nekoma, pois Kenma não ficava muito à vontade na Fukurodani. Aquela seria a primeira vez que Bokuto e Kuroo iriam vê-los durante um dos treinos, tudo por insistência de Bokuto, que queria treinar com Akaashi o máximo de tempo possível. Tendo sido uma ideia de última hora, nenhum dos dois sequer mandaram mensagens avisando que estavam à caminho.

Adentraram o ginásio falando sobre algumas trivialidades; contudo, os ouvidos atentos de Kuroo o fizeram calar-se e franzir o cenho, estranhando o som que os adentrava.

Ou melhor: a ausência desse som.

Onde estava o barulho da bola de vôlei chocando-se contra o piso? Onde estava o som dos passos na quadra e os calçados fazendo aquele barulho chato por causa da fricção?

E, o mais importante: por que raios o ginásio estava com as luzes apagadas e a rede sequer havia sido montada?

Bokuto e Kuroo se entreolharam por um instante, a confusão presente em suas feições.

Aquilo era bem estranho. Kuroo não tinha se enganado, lembrava nitidamente de Kenma ter-lhe falado que iria passar a tarde toda treinando com Akaashi. Olhou o relógio. 15:47. Ainda estava no horário.

Será que eles teriam ido embora mais cedo? E Kenma sequer havia lhe avisado?

Enquanto seus pensamentos giravam a mil por hora, criando as mais diversas teorias e suposições sobre a situação inusitada, Bokuto acendeu as luzes, pois não conseguia enxergar direito naquele escuro.

Mal a luminosidade inundou o ginásio e ambos se chocaram ao localizar os dois levantadores: metros afastados da quadra e encostados numa das paredes do ginásio.

Kenma e Akaashi estavam num sono profundo, um do lado do outro, dormindo com as cabeças encostadas e os ombros unidos. Para quem visse, dava a impressão de que eles estavam naquela posição há um bom tempo.

Não havia bola de vôlei presente. Não havia nada.

— O... O quê?... — Bokuto balbuciou, em choque. Kuroo sequer conseguiu cogitar algo para dizer. Pela primeira vez em muito tempo, estava completamente sem palavras.

... E o pensamento na cabeça de ambos era apenas um:

"Que merda está havendo aqui?!"