O clima silencioso no carro era um saco, Harry até ligou o radio por um tempo, mas ao constatar que nenhuma radio tinha musica decente ele resolveu deixar o silencio dominar, por alguns minutos.

— Para te tranquilizar, os outros dois alunos não estão tão avançados assim, bom, ao menos ele não está nada avançado. – Ele pensou com cuidado antes de continuar. - Você não vai precisar se sentir intimidada ou pressionada, será como o começo de uma equipe. – Harry disse empolgado no carro.

— Nossa que encorajador. – Respondeu seca. – Não espere milagres, eu não planejo sair caçando monstros e salvando pessoas de um dia para o outro.

— Eu não espero por isso! – Ele sorriu e deu um pequeno caderno para ela. – Existem catorze tipos de armas que vocês podem usar e para registro, você só vai conseguir ter afinidade com uma forma de combate, ninguém aguenta mais que isso.

— Não foi você que escolheu usar uma besta então? – Ela perguntou folheando o caderno e reparando em algumas armas conhecidas e outras bem menos convencionais. – E como é que eu vou saber o que usar?

— Não vai. O guardião é quem escolhe para você.

— Guardião? Quanta informação há para aprender?

— Muita, é um livro bem grande que você vai ganhar e vai ter tempo de ler, se quiser. Eu não obrigo os meus alunos a lerem o livro, apenas algumas coisas quando precisam aprender em especifico.

— E você não vai ensinar tudo? – Ela estava incrédula pensando no quão preguiçoso poderia ser um professor.

— Vou ensinar tudo o que eu achar necessário, mas, não irei obrigar vocês a aprenderem história e outras coisas chatas. Por exemplo. Apenas o guardião usa magia, logo, não tenho que ensinar nada referente a isso já que nunca será usado, vocês nunca vão precisar encontrar um Aesir ou um Vanir, então também não preciso ensinar a etiqueta para tal.

— Você é muito seguro do que não vai acontecer. – Sofia carregou o máximo de ironia possível em seu tom. - Até um dia atrás eu nunca seria atacada por um monstro querendo me matar e com a força para destruir um carro como se fosse isopor.

— Bom ponto..., Mas como eu disse. Não é obrigada a ler, mas se quiser, aí é um problema seu.

— Quanta classe.

Seguiram o resto do caminho em silencio, Sofia não queria conversar e pelo visto ele também não. Eles saíram da área principal da cidade e entraram em um bairro considerável, ficando entre prédios muito altos e condomínios, não parecia ser a parte mais luxuosa da cidade.
   Mais algum tempo passou antes dele começar a reduzir e entrar em uma rua sem saída, parando a frente de um casarão de pintura clara, a casa aparentava estar desgastada por fora, partes da pintura faltavam e uma ou duas janelas estavam lacradas, não havia um portão, logo o carro ficava na rua, era esquisito, aquela construção não estava em um bairro ruim, como poderia estar tão abandonado assim? 
A frente da porta estavam duas silhuetas que contra a Luz Sofia reconheceu como um homem e uma mulher.

— Vamos lá Sofia! Hora de conhecer seus novos “irmãos”. – Ele fez o sinal de aspas com os dedos. – Ambos desceram do carro sem se importar com o que estava na mala. Enquanto a dupla vinha em sua direção.

O Rapaz era alto, um metro e noventa talvez. O cabelo castanho estava bem cortado e tinha um topete espetado, ele era sorridente, o rosto quadrado e uma barba levemente por fazer, dava pra ver que ele era forte mesmo com as roupas que usava, as mangas apertadas no seu braço, na costa da mão esquerda ela podia ver a mesma tatuagem que havia aparecido na coxa dela a alguns dias.
     Ao lado dele uma garota, ela era mais baixa que ele e Sofia, os cabelos estavam trançados, a ponta da trança clara estava tocando a cintura da mesma, os olhos dela eram facilmente o atrativo principal em seu rosto, heterocromia, um olho azul e um amarelo, um tom de amarelo que nunca deveria ser a cor de um olho, ao menos não um olho humano. A tatuagem da garota estava no ombro esquerdo, Sofia acompanhou com o olhar os braços finos e nus da mesma.

— Sofia esses são Max e Tânia. Max e Tânia esta é Sofia a mais nova membro da família! – Era uma frase que parecia natural pra ele. – “Quantas vezes ele já fez esse tipo de apresentação?” – Deixei a pergunta pairando em minha mente.

— Boa noite. – Falou o rapaz estendendo a mão para mim. O sotaque britânico dele era forte, assim como o aperto de mão era firme. – Bom espero que consigamos fazer um bom trabalho. – Ele pareceu indiferente, talvez ainda meio cético quanto a essa situação.

— Digo o mesmo. Muito prazer! – Respondeu Sofia antes de se dirigir a moça com o sorriso mais amigável que podia. – Olá.

— Olá Sofia. – A garota já estava mais seca. – Vamos entrar? Você ainda vai ter algumas coisas a fazer antes de podermos comer. – Dito isso ela virou as costas entrando.

— Simpática não? – Disse Sofia se referindo a Tania, Max e Harry deram uma curta risada antes de acompanhar Sofia para dentro.

Sofia teve de admitir que por dentro aquele era um belo lugar, grandes colunas adornavam as paredes, o contraste das colunas claras com a parede vinho era perfeito, a decoração clássica, parecia ter saído de alguma serie da época vitoriana. Havia varias salas amplas, desde uma que era reservada apenas para reuniões, uma bela sala de jantar com um conjunto de mesa e cadeiras de madeira maciça com um lustre dourado no teto e o jogo de mesa de porcelana impecável. Sala de jogos pra matar o tempo, biblioteca completa incluindo a parte digital. Quartos com suíte para cada um. – “O que é um alivio.” – pensou Sofia.

— A e o Guardião foi embora Harry. – Contou Max logo que paramos de andar.

— O que? Ele precisava designar os equipamentos da Sofia. Como vou ensina-la se não sei o que devo ensinar? – Ele ficou pensativo no canto alguns instantes, deixando o silencio desconfortável no ar.

— Bom ele te deixou um recado. – Tania vinha com um pequeno bilhete e uma bolsa escura.

“Desculpe pela ausência Harry, mas é necessário que eu me ausente e de um pouco de apoio para o nosso outro grupo.
Fique tranquilo, eu já sei com quem estamos lidando e sim. A arma dela está na bolsa com Tania, treine-a direito e nada de negligenciar o que eu te passei.”
   H.

— Ao menos não deixou de fazer o próprio trabalho! – Comentou Harry feliz com o bilhete e pegando a bolsa. – E o seu prêmio será... – Ele deveria estar tão curioso quanto ela, o sorriso ficou ainda maior no rosto dele quando viu o que era. – Facas de arremesso!

Ele puxou cinco “Cintas” da bolsa, cada uma tinha algumas facas que eram diferentes em tamanho dependendo da cinta.

— Sério? Como é que vou conseguir matar qualquer coisa com isso? Aquele monstro de ontem vai rir de mim se pensar em ameaçar ele com isso. – Sofia estava em seu modo duzentos por cento cética agora.

— Primeira lição! – Harry disse e se pôs a andar para outro cômodo com todos o seguindo.

Descemos quatro lances de escada e passamos por um corredor estreito onde apenas dois passavam lado a lado, após abrir a pequena porta foi revelado mais um cômodo extravagante, esse era mais parecido com uma academia moderna, tudo era bem cinza e prata ali dentro. Tatames, sacos de pancada, barras, cordas, piscina, pesos, esteiras, parede de rapel. – “não foram poupadas despesas nesse lugar”.

— É aqui que você ira se aprimorar! – Ele parou a uns dez metros de vários manequins, deixou as cintas de lado e deu uma das facas para ela, ficando com uma para si. Apontando-a para o manequim. – Veja, aquele manequim é o seu inimigo, se não matar ele antes dele chegar perto... – Ele passou o dedão no pescoço. – Já entendeu certo? Então você olha pra ele, ajeita a postura e lança! – A faca que ele jogou foi como um tiro, sem girar, sem tremer e direta no alvo, ela rasgou o ar em linha reta antes de se chocar contra a testa do pobre boneco que agora estava “morto”.

— Pra você é fácil. – Ela comentou.

— Vai ser para você também. Todos hesitam no início, ninguém quer aceitar esse destino, afinal temos o medo natural do fracasso, mas o importante mesmo é que quando você errar, pode tentar de novo até não haver mais fracassos, apenas acertos! – “Pelo menos o discurso é motivador.”

— Quando ele me trouxe para cá eu também não estava interessado em encarar monstros, principalmente se tivesse que enfrentar de perto esses caras. – Max começou a falar. – Porém, eu já aceitei que foi uma escolha melhor eu entrar de cabeça nessa história. Você vai se acostumar. – Ele disse sorrindo para ela com seus dentes perfeitos e brancos a mostra.

O silencio então resolveu ser quebrado. Tania estava na direção oposta do trio, de frente para vários alvos, então ela pegou o arco e flecha disparando como um robô, os tiros iam direto nos alvos, nem sempre no centro, mas sempre no alvo. Eram oito no total, a cada vez que completava os oito ela voltava ao primeiro e ia atirando, sempre tentando compensar o tiro anterior.

— Se você falhar as pessoas vão morrer! Você vai morrer ou nós vamos morrer! – Tania falou disparando a ultima flecha. – Não vai ter margem para erros. – Ela guardou o equipamento e voltou ao grupo, seu olho amarelo estava brilhando. – Vou fazer a janta pessoal! Espero que gostem de macarrão. – Dito isso ela saiu.

— Sutileza não é o ponto forte da Tania, mas garanto que logo vão se acostumar. – Harry tentou quebrar o gelo diante do climão.

— Poderia ser pior. – Sofia comentou olhando seu reflexo na lâmina em sua mão. Deu bastante atenção para seu rosto naquele momento. A partir do próximo segundo ela iria começar um estágio da vida em um terreno totalmente desconhecido e desafiador, não teria tempo para qualquer futilidade, não que tivesse muito antes disso, sendo a pessoa mais viciada em trabalho que conhecia, talvez nada mudasse tanto assim. Ela sorriu para o seu reflexo antes de olhar para Harry e Max. – Vamos começar?