[Africa do Sul: 30 anos atrás]

Era o terceiro dia que a equipe enfrentava o árduo treino de seu mentor. Marcel sabia ser cruel quando queria e fazia jus a seu apelido de carrasco.
   Com suprimentos limitados e nenhuma informação adicional sobre o objetivo, os jovens caçadores foram todos lançados a selva para sobreviverem a travessia enfrentando o que quer que aparecesse. Harry e Tom estavam claramente em uma briga constante desde a saída da mansão já que não havia um acordo sobre quem deveria liderar o grupo.
     Caminharam desde a manhã sob o sol, racionando recursos e com muito cuidado, fazendo votações para tomar uma decisão importante em grupo, parecia ser um dia fluido de sobreviventes... Até agora.

— Tom nós temos que seguir para o norte enquanto ainda temos a luz do dia. – Harry disse apontando o astro que já se encaminhava para o oeste.

— Temos que fazer um acampamento, achar comida, achar água e continuar de manhã! – Tom pontuou contra e mudou de rumo, caminhando para uma clareira.

— Temos tempo para isso! – O loiro parou na frente de Tom e pela terceira vez no dia a dupla se encarava para discutir.

— Harry. Nós não vamos caçar a noite, nem fazer nada a noite. É arriscado e não temos muito equipamento! – Tom falou e virou para o grupo. – Quem é a favor de pararmos e continuarmos amanhã levante a mão, quem concorda com o Harry deixa abaixada.

O grupo não se dividiu ou teve problemas a maioria apoiou Tom e de forma madura Harry aceitou a derrota, deveriam então montar um acampamento, o grupo era mais importante do que o seu orgulho.
  Com a satisfação do momento Tom liderou o grupo para montar o acampamento provisório deles, todos cooperaram, montando tendas, formaram um sistema de vigia e um filtro improvisado para quando tivessem água. Tom e Sadjenza saíram para caçar e procurar água para o grupo, retornando algumas horas depois com um pequeno javali e duas bolsas de água.

— Foi só o que deu. – Disse a mulher para Harry, o mesmo já havia montado a estrutura para preparar o javali.

— É o suficiente. – Ele falou sentando ao lado dela, ele segurava sua mão enquanto mantinham seus corpos encostados. A noite estava gelada, mesmo com a fogueira o grupo estava tendo dificuldades em se aquecer. Passaram cerca de quarenta minutos até finalmente poderem colocar o animal para ser preparado enquanto esperavam. O som de estômagos famintos rugia pela roda. Sentiram-se abençoados ao ver Tom correndo de volta a fogueira sorridente.

— Achei uma coisa! – Tom falou próximo ao fogo do acampamento, após fazer uma patrulha rápida o moreno trazia consigo um pequeno coelho. – Não é muito, mas já ajuda. – Falou ele sorrindo.

Assim que Tom deixou o coelho de lado e se sentou percebeu que estava sobrando junto a roda. Hanna e Felícia estavam juntas em uma ponta, Natalie e Kenya na outra e de frente pra ele Sadjenza e Harry. Ele geralmente era o cara que sobrava e sinceramente não se importava em sobrar contanto que o grupo estivesse bem. Claramente estava com frio igual os outros, mas, não perdendo sua energia ele começou a se preparar para mais uma patrulha.

— Será que pode deixar esse negócio de batedor solitário pra depois? – Sadjenza falou estendendo a mão pra ele. – Senta com a gente.

Tom encarou a situação duvidoso por alguns segundos. Ele queria sentar com Sadjenza, obviamente, mas, Harry estava ali e não havia segredos entre o grupo, essa rivalidade da dupla tinha muito mais em questão do que apenas a posição de líder. Sem fazer mais cerimonias Tom foi logo em seguida para a esquerda de Sadjenza, também segurando sua mão e encostado nela como o outro. Não havia porque brigarem ou competirem agora, ambos sabiam disso. Havia momento para tudo e agora era um momento voltado principalmente para união.

[Presente: Mansão Norte]

Muito foi evitado de se falar durante o final de semana que passou. Os residentes da mansão norte acharam prudente dar um tempo para os novos moradores se adaptarem para a recuperação.
   Max havia sido gentil e ficado com o quarto que sobrou após as garotas escolherem os novos, organizar um quarto não era difícil, dobrar roupas, guardar coisas, arrumar uma cama... O que foi maçante para o grupo realmente era o fato de terem que realizar as tarefas triviais em um silencio absoluto antes de pensarem em conhecer sua nova casa.
   Diferente da Mansão Sul que se mostrava mais “recatada”, a Mansão Norte era imponente, o Jardim de entrada era extenso, havia uma garagem interna grande o suficiente para os três carros e mais os veículos que já estavam lá. O design interno era mais futurista, havia muitas portas de correr e paredes cinzas, apenas a sala de jantar era mais “Clássica”. Todos agradeceram por continuarem a ter seus próprios banheiros. A nova área de treino também abusava de tecnologia e aparatos planejados, tinha um estande de tiro ao alvo separado da arena principal e da academia.
   Sofia não estava feliz no domingo já que fora um dia fatídico em que percebeu o alto de sua mudança. Seus cabelos antes claros e brilhantes agora já não existiam mais, dando lugar a um tom alaranjado forte. A exposição a um parasita de Muspelheim, a conexão com Senna, suas mudanças de vida, seus traumas recentes, tudo contribuiu para a mudança de forma natural. Harry contou que não é raro uma mudança de característica quando um caçador passa por experiências tensas. Experiências das quais ela já estava cheia.

Segunda-feira pela manhã todos estavam reunidos para o desjejum, havia uma variedade imensa de gostos naquela mesa, torradas, frutas, pães, cereais, bolos... Parecia uma mesa digna de uma novela enquanto todos comiam em silencio e o único barulho presente vinha de talheres ou copos. Na ponta da mesa sentavam Sadjenza e Harry que agora tinha seu braço novamente engessado, assim como alguns curativos no rosto e uma bengala em mãos, o mais velho pigarreou quando resolveu quebrar o silencio.

— Pessoal!? – Disse o mentor atraindo a atenção de todos. – Já adianto que não tenho uma forma suave de falar sobre isso, mas... – O que ele diria eram fatos, mas, ainda sim seria algo que abalaria os ânimos. – Bom... Vocês sabem que o desempenho geral durante a última batalha não foi dos melhores e longe de mim culpar alguém, mas...

— Me desculpa Harry. – Zack se interrompeu o mais velho. – Mas, acho que está errado, nós lutamos muito bem e salvamos todos vocês. Não foi o desempenho geral, foi o desempenho da sua equipe! – Os caçadores que estavam de frente para ele ficaram indignados.

— Não acha que é presunção demais dizer que vocês são os melhores fácil assim? – Max falou se levantando do outro lado da mesa.

— São fatos bonitão! – Jade respondeu Max. – Nós chegamos e te salvamos! Sua namorada já estaria morta se não fosse a gente.

— Primeiro que ele não é meu namorado. – Sofia entrou na discussão. – Segundo; obrigada por chegarem, mas, nós sofremos um ataque surpresa não é nossa culpa se nos pegaram separados!

— Bom a culpa é de alguém, duvido que o mentor ferido tenha dito para saírem e deixarem apenas ele e a novata na casa! – Zack respondeu para Sofia.

— Que tal se a gente só tomar o café da manhã em paz e resolver tudo depois?! – Samuel falou para todos conseguindo apoio de Tânia e Andromeda. – Obrigado.

Harry e Sadjenza se encararam, eles sabiam onde isso ia parar e francamente já estavam cansados o suficiente para não aguentar a discussão dos jovens. Continuaram a comer calmamente e sem palavras, apesar do clima facilmente “cortável” no local.

— Terminando aí todos desçam e nos encontrem na ala de treinamento! – Sadjenza falou antes dela e Harry descerem. Havia um ensinamento que era ótimo para deixar claro que ninguém vai levar a melhor sempre.

O clima ficou ainda mais silencioso sem a presença dos mentores, ninguém se olhava ou pensava em dizer algo. E eles até queriam muito falar já que perguntas pertinentes não faltavam a ninguém daquela mesa.
   Assim passaram os minutos seguintes, os que foram terminando estavam se reunindo perto da escada esperando quietos os últimos chegarem a fim de descerem todos de uma vez. Quando Tânia chegou todos foram em fila indiana pela escada até a cinzenta e amplamente iluminada sala de treino onde os mentores esperavam sentados do outro lado.

— Caçadores do Harry vão pro vestiário da esquerda e vocês pessoal já conhecem o vestiário de vocês. Se preparem para suar! – Sadjenza explicou para os grupos que se separaram.

— Ainda não acho uma boa ideia. – Harry comentou ao lado dela. O caçador não estava interessado em repetir erros do passado.

— Só precisamos mostrar pra eles que ninguém está acima de ninguém, qualquer mero detalhe pode influenciar uma luta, o que diferenciou o desempenho dos meus para os seus foi o fato de irmos preparados e com um plano traçado diretamente para elas! – Sadjenza era esperta e não gostava de lutar batalhas para perder, por isso ensinou seus filhos a sempre estarem preparados para enfrentar seu inimigo com vantagem.

— Falando nisso aquelas bombas de fumaça negra... – Harry estava curioso desde que as vira.

— Cortesia de Jade e Samuel, respectivamente física, engenharia e química trabalhando juntos para aumentar nosso arsenal. Eles deram um jeito de transformar o estado bruto dela em estado gasoso. Tiraram a ideia assistindo Batman vs Superman! – Sadjenza mais uma vez falava dos discípulos com orgulho carregado na voz.

Os grupos finalmente retornaram dos vestiários e agora estavam confusos uns quanto aos outros. A equipe de Caçadores estava preparada com suas roupas de treino e suas armas. Do outro lado no grupo de Predadores os homens estavam descalços e sem camisa, só usavam uma calça de tectel e suas armas, Jade usava uma calça legging e um top de malha, também estava descalça e com seus discos em mãos.
    Daquela distância os caçadores apenas enxergavam por cima, mas, Tânia com sua visão mais afiada reparou bem. Os predadores tinham cicatrizes, inúmeras cicatrizes, a dupla masculina tinham mais, Samuel tinha uma marca grande em formato de X no peito, Zack uma linha de cortes nas laterais de seu corpo e no abdome, Jade tinha pequenas marcas no torso, mas na parte exposta de sua costa era possível ver um corte que ia do ombro a cintura. Em sua mente ela tentava entender por que se arriscar tanto em um treino quando já tinham tantas marcas na pele.

— Não vão se preparar? – Max questionou o trio.

— Já estamos prontos! – Jade disse com um sorriso debochado.

— Escolham entre vocês quem vai lutar primeiro, um time contra o outo. – Harry explicou e cada grupo foi para um canto para montar um plano de batalha.

Cada time teve dois minutos para poder escolher os primeiros combatentes. Quando os mentores pediram para entrarem na arena, parecia uma das batalhas mais injustas da história, nem de longe isso seria justo em circunstancias normais.
   Andromeda encarou o “pilar de músculos” a sua frente, como ela derrotaria Samuel? Essa parecia uma pergunta adequada.

— Vocês sabem que ela vai perder né? – Jade perguntou ao grupo agora que todos estavam sentados para assistir a luta.

— Ela ainda pode impressionar vocês! – Sofia respondeu sem permitir uma reação facial, não daria esse gosto para a predadora.

— Claro ruiva. – Zack respondeu colocando os pés sobre a pequena mureta. - Claro. - As atitudes do moreno já estavam irritando Max que cerrou o punho ao lado de Sofia.

Quando foram autorizados a entrar em batalha, Andromeda se limitou a estudar o movimento do inimigo enquanto Samuel atacava sempre a lança em uma altura confortável, desequilibrando-a e evitando o contato direto, afinal ele não se interessava e nem pensava sobre machucá-la.
   Seguindo o ritmo dele, Andromeda imaginou se deveria atacar, um pensamento breve, mas, ainda sim um pensamento realizado. A morena investiu contra o homem em alta velocidade, não era difícil para ele evitar as estocadas dela ao desvencilhar ou redirecionar a lança para os lados, ele havia enfrentado vários Draugrs lanceiros e conhecia parte dos movimentos, esquivando e andando com frequência, ele não notou que havia chego a parede, dando a ela tempo para o derrubar com uma rasteira.
   Foi uma jogada esperta, ele tinha de admitir, usando seu treino ele rolou para longe da parede antes de se levantar. Decidindo então que já era hora de encerrar a luta, com três passos rápidos ele estava próximo o suficiente para impedi-la de mover os braços e joga-la no chão. Posicionou um dos martelos sobre o pescoço dela a fim de deixar claro o fim da briga.

— Perdeu. – Falou pra ela antes de se levantar e estender a mão. – Mas foi uma jogada legal usar a parede!

— Era uma situação desesperada. Tive de pensar rápido. – Respondeu ela indo se sentar.

Os mentores conversavam sobre os desempenhos do outro lado. Harry pontuava sobre Samuel e Sadjenza sobre Tânia.

— Concordamos que ela então tem um pensamento decisivo e teor de adaptação alto para situações extremas como enfrentar um inimigo claramente superior em combate. – Sadjenza explicou pra ele.

— Certo. Enquanto isso do outro lado temos Samuel que não tem medo dos riscos e se contem enquanto observa que tipo de inimigo enfrenta e também evita machucar pessoas mais fracas mesmo que estejam contra ele. – Harry disse e ela assentiu.

— Espero que tenham observado que com um pouco a mais de treino o resultado da batalha poderia ser diferente. – Sadjenza começou a dizer atravessando a arena. – Ele é claramente mais forte, mas, não impediu ela de pensar e lutar de forma inteligente. Antes de enfrentar o seu inimigo você tem que tentar conhece-lo. – Falou olhando para Max, com isso Zack soltou um riso curto. – Ou antes de subestimar alguém por um resultado passado. – Ela disse a ultima frase com mais força na voz e encarando o pupilo.

— Desculpa – Ele respondeu baixando a cabeça.

— Cadê a marra toda? – Max perguntou para ele.

— Eu não respondo a minha mãe. – Respondeu Zack para o loiro. - Diferente de alguém. - Ele claramente se referia ao atrito que houve entre Max e Harry. Seus olhos de serpente agora encontravam os olhos azuis do outro – Porém se quiser descobrir mesmo onde está... – Ele se levantou e saltou a mureta. – O palco é bem aqui. Ou tem medo que eu chute sua bunda na frente de todo mundo?

— Vocês não precisam lutar! – Harry respondeu vendo seu pupilo se levantar com o machado em mãos. – Max! Abaixa esse machado, temos outro foco e não vamos lutar entre nós.

— E melhor ouvir ele! – Zack respondeu agora apoiado na mureta.

— E o senhor fique bem quieto mocinho! – Sadjenza se voltou para Zack. – Pode ficar aqui embaixo e só subir quando tiver completado todo o circuito! – Terminando ela subiu as escadas sozinha.

— Okay. -  Zack então correu fazer barras seguido por Samuel e jade.

— Vocês quatro não são obrigados a treinar assim, mas, se quiserem usar o treino deles por enquanto. – Harry orientou seu grupo e também subiu.

O quarteto estava considerando o que fazer, parecia muito logico observar e usar o treino dos outros três para obter um melhor resultado e somado a situação atual de dois dias inteiros sem nem ameaçar treinar...
   Max foi na frente pulando e uma das barras, seguido por Sofia e Tânia que estava mais próxima do outro grupo, deixando um espaço aberto para Andromeda que chegou por ultimo evitando correr. Ambos os grupos agora estavam em silêncio, fosse durante os exercícios ou durante alguns treinos de combate, pouquíssimas palavras estavam sendo proferidas naquele recinto e a tendência era de permanecer assim.

[Escritório]

— Eu achei que teríamos uma luta bem interessante naquela hora. – Sadjenza comentou ajudando Harry a deitar no sofá com uma das pernas para cima.

— Nada de estimular batalhas internas, isso é estupido e só piora as coisas. – Ele respondeu. – E por falar nisso você escolheu o Samuel ou o Zack? – Harry tinha uma clara ideia do escolhido, mas, precisava confirmar.

— É claro que escolhi o Zack. – Ela disse com tanta convicção que parecia a única opção do mundo. – Ele tem as qualidades de um líder caçador.

— E defeitos também. – Harry não tinha gostado muito da presunção do jovem. – Ele é cheio de si, confiante demais, debochado...

— Pensa na conclusão da missão primeiro! Traça planos eficientes, é um grande guerreiro! – Sadjenza defendia-o. Não é porque era o Harry falando que ela iria permitir que difamassem seu filho. – Na verdade o senhor sabe exatamente o motivo de não ser adepto a essa escolha não sabe?

— Golpe baixo! – Harry sabia o que ela queria ouvir. E mesmo que relutasse, era um fato que precisava admitir. – Ele é igualzinho a mim trinta anos atrás. – O mentor não parecia ter orgulho ao dizer essas palavras.

— E você nos liderou com louvor! – Sadjenza fez o comentário com um olhar esperançosos, parecia que os eventos das últimas décadas foram à dias, tudo tão intenso, aventuras, viagens, batalhas ferozes...

— Não podemos viver no passado. Os tempos são outros e o nosso “estilo de vida” requer mudanças. Se fossemos mais flexíveis, talvez Hanna ainda estivesse aqui, talvez não tivéssemos precisado nos dividir... – Ele sentiu uma dor aguda no corpo. – Aahh

— Você não pode nem falar direito querido! – Sadjenza segurou o riso. – Vai ser difícil para eles com você nesse estado.

— Eu aguento ensinar mais coisas. – Ele disse e gemeu com a dor.

— Claro que aguenta... – Ela colocou uma almofada sobre a perna dele. – Eu chamei mais alguém pra ajudar. – Ela não estava totalmente confiante quando disse isso, resultando em uma duvida e apreensão de Harry.

— Quem foi que você chamou? – O tom da voz dele estava muito sério.

— Eu chamei o Tom!