Pequena

O suave som do impacto das gotas de chuva contra as pedras de Kaer Morhen é o suficiente para despertar o witcher que repousa sobre a cama. As pálpebras se abrem, revelando as írises douradas  que se acostumam com a escuridão com a mesma rapidez com que a mente afasta o sono e se torna alerta para os elementos do ambiente. A primeira coisa que a mente do guerreiro registra é a respiração compassada da feiticeira adormecida ao lado. Mesmo em meio às sombras, Geralt se permite um momento para admirar a beleza de Yennefer.

O longo cabelo negro se encontra espalhado pela cama, alguns cachos caindo sobre a face bela e relaxada. Com as pontas dos dedos, e tomando cuidado para não acordar a feiticeira, o witcher segue as linhas do rosto fino, o contorno dos olhos fechados e dos lábios macios. A feiticeira se move na cama com um pequeno múrmuro fazendo com que o guerreiro sinta o nascimento de um sorriso nos lábios. Respirando fundo, Geralt afasta a mão e se levanta do colchão, os passos sobre o frio chão lentos e silenciosos.

A caminhada é curta, terminando no canto do quarto, onde, com um rápido movimento da mão e uma invocação do Igni, uma vela é acesa. A luz da chama cai sobre o berço colocado contra a parede e ilumina a face adormecida de uma menina, o cabelo tão negro quanto o da mãe. Sorrindo, Geralt toca a mão fechada da pequena, os dedos se abrindo e envolvendo o dedo do pai em um fino aperto. As írises claras se voltam para a face da pequena, encontrando um olhar tão dourado quanto o de qualquer witcher. Com a mão livre, Geralt toca os olhos da filha, a mente e o coração experimentando o mesmo alívio sentido ao ver Ileanna abrir os olhos pela primeira vez, a certeza de que a própria natureza como witcher não prejudicou a filha.

Sob o carinho do pai, a pequena ri, o que apenas aumenta o sorriso nos lábios do pai. Por um momento, a atenção do witcher é desviada para a feiticeira ainda adormecida sobre a cama. Geralt ainda pode se lembrar da felicidade na face de Yennefer ao descobrir que estava grávida, do brilho nas írises violetas no momento em que Ileanna nasceu. Ao voltar o olhar para a pequena no berço, o witcher encontra em si a felicidade por ter algo que nunca achou que pudesse ter – uma família, uma filha. Ainda sorrindo, o guerreiro se inclina sobre o berço, as mãos firmes erguendo a filha e a aninhando contra o peito.

— Vamos passear um pouco e deixar a mamãe dormir. – o witcher sussurra para a pequena.

Com passos silenciosos e os braços envolvendo a filha firmemente, Geralt segue para fora do quarto, as írises encontrando facilmente o caminho para o andar inferior em meio às sombras. O sussurro da chuva ainda pode ser ouvido, quase como uma canção de ninar a cair sobre a fortaleza, mas a cada passo dado, o witcher sente a energia de Ileanna apenas aumentar, o olhar da pequena observando as sombras com intensa curiosidade. Ao se aproximar do salão principal, Geralt percebe a luz que denuncia a lareira acesa e segue em direção ao reflexo das chamas, encontrando outro witcher ajoelhado em frente ao fogo.

Ao perceber a aproximação, o witcher ajoelhado vira o rosto, um sorriso nascendo nos lábios ao reconhecer os recém-chegados. Vesemir se coloca de pé e caminha até o witcher mais novo, os braços já esticados na direção da pequena que se anima ainda mais ao vê-lo, pulando para o colo do líder dos witchers sem hesitação. Com Ileanna nos braços, Vesemir observa a face da pequena sob a luz das chamas. O atento olhar percebe o contraste entre o negro cabelo e os olhos dourados, mas também as linhas que desenham a face sorridente e já denunciam que, ao crescer, Ileanna ficará muito parecida com a mãe.

— Eu nunca pensei que teríamos uma menina aqui. – o witcher mais velho diz – Ainda mais uma tão pequena.

— E eu nunca pensei que seria minha. – Geralt responde, os dedos acariciando o cabelo negro da filha.

— Acha que ela será uma feiticeira? – Vesemir questiona, o dourado olhar observando como a pequena brinca com o pingente na forma da cabeça de um lobo.

O Lobo Branco demora alguns segundos para responder, a mente recordando a natureza peculiar da filha e os avisos recebidos sobre o que pode acontecer caso a verdadeira natureza de Ileanna se torne conhecida.

— Nenneke disse que ela é muito sensível a magia. – o witcher responde em um suspiro – Isso significa que ela pode ter facilidade para sentir e usar a magia, mas não vamos saber por alguns anos ainda.

— O que eu sei é que se ela herdar o temperamento e o poder da mãe, nós teremos problemas.

Ante as palavras do mais velho, Geralt ri, sabendo que a fala de Vesemir não se encontra muito longe da realidade. Entretanto, um alto e forte trovão corta o riso do witcher de cabelos brancos, a luz do relâmpago penetrando pelas janelas e se espalhando pelo salão, e faz com que a pequena se encolha nos braços do líder dos witchers, as pálpebras se fechando com força sobre os olhos dourados. Imediatamente, a mão do Lobo cai sobre o cabelo negro da filha, oferecendo conforto e segurança.

— Encontrei vocês. – uma voz diz capturando a voz da pequena menina.

Dirigindo o olhar para a origem do comentário, Geralt sorri ao ver Yennefer se aproximando, o olhar violeta brilhando sob a luz das chamas. Reconhecendo a voz da recém-chegada, Ileanna logo esquece o medo sentido com o trovão, o claro olhar procurando pela feiticeira e os braços esticados na direção da mãe. Sorrindo e com a atenção completamente focada na filha, Yennefer pega a pequena dos braços de Vesemir, a aninhando no próprio colo e beijando suavemente a bochecha da filha. As írises violetas são, então, dirigidas para o witcher de cabelos brancos, que não consegue deixar de notar a simples e completa felicidade que pinta a face de Yennefer sempre que a feiticeira tem a filha nos braços. E, quando outro trovão ecoa no céu, e a pequena volta a se encolher, dessa vez nos braços da mãe, Geralt sabe que faria qualquer coisa para proteger Yennefer e Ileanna.

Qualquer coisa.