Blades of Chaos escrita por Madame Andrômeda


Capítulo 9
A Corrida




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O ressoar do sinal anunciando o encerramento da última aula enrijeceu meu corpo e agravou a contração dos meus músculos tensionados. Minha concentração a ser despendida na aula de Geografia em questão tinha sido escassa – prevejo que precisarei mesmo revisar tudo o que se passara nela nos dias seguintes, se desejasse evitar problemas com reprovações em provas no futuro.

Isso tudo por conta do nervosismo alvoroçado a manifestar-se através do movimento inquieto minha perna direita. Meio a isto, também em um ato de ansiedade pouco contida, acabava por mudar o sustento de apoio ao meu rosto de uma mão para outra em consistência afobada. Permaneci assim – à beira de ser consumida pela minha agitação e aguardando a chance de me abastar do diálogo exaustivo do professor que se mantinha a repetir broncas para alguns alunos os quais acabaram conversando no meio de sua explicação rasa e pouco incentiva para capturar o interesse alheio.

Por fim, quando o professor Matthews liberou a classe para retiro, efetuei minha saída apressada com minha bolsa a ser afivelada firmemente pela minha mão densa. Ligeira em minha caminhada, atenuei minha atenção ao perambular pelos meus arredores. Porém, ao ter me retirado prédio principal da academia, tive a infelicidade de avistar os bullies que teimaram comigo desde do meu primeiro dia na academia.

O rapaz de camiseta branca amassada e cabelos loiros-escuros sebosos, portador de uma acne em estágio avançada a rechear a moldura de seu rosto bronco, alcançou o seu olhar injurioso a mim ao ter reconhecido a minha presença no mesmo momento em que o vislumbrei em meio à multidão de alunos transitando naquele horário.

Estávamos frente a frente a uma distância razoável. Os mesmos dois companheiros furibundos de antes estavam a acompanha-lo trajando o mesmo padrão de uniforme branco com calça jeans despojada que era padronizado entre dos bullies. Um deles jazia do lado esquerdo e o outro posicionava ao lado direito do loiro espinhento – centralizando-o e deixando a presença do tal mais evidenciada.

Os três sujeitos possuíam estruturas corporais troncudas e vantajosas para combates. E dado a isto, bufei em reflexo do estresse ao reparar na minha nítida desvantagem em desafiá-los ao mesmo tempo.

Dei um passo cauteloso para trás, antecipando bem o que viria a seguir.

— Walsh! Você vai pagar caro! — Trent Northwick alarmou, sem dúvidas relembrando do nosso atrito passado onde eu havia empurrado minha bolsa na fuça repleta de espinhas dele com o intuito de despistá-lo.

Em estado colérico, Trent apontava seu dedo indicador diretamente a minha fronte, destacando minha posição como seu alvo. Sua voz calibrada de brutalidade repercutiu a escuta de alguns alunos à deriva do confronto a se desencadear no local.

Tinha feito a descoberta do nome daquele ser insuportável após ter ouvindo-o responder a chamada de uma das aulas a qual fazíamos parte da mesma turma, da mesma forma que havia identificado o nome de Mandy na aula de química.

A dupla de bullies a parear o loiro estalaram os dedos em perfeita sincronia, demostrando estar se preparando para partir em cima de mim sem piedade.

— Vá a merda, Trent! — Trovejei, afastando mais o meu corpo para trás enquanto me pronunciava. — Não tô com paciência pra lidar contigo!

Grunhidos ásperos foram a minha única resposta vinda dos três bullies sedentos para permanecerem impondo controle sobre as demais massas vulneráveis da hierarquia da escola. Antes que pudesse abrir espaço para agressões descabidas, moderei minha respiração e dei largada a correr em direção ao dormitório feminino.

Trent e seus aliados truculentos tentaram me alcançar, eles correram dando passos largos e pesados, por vezes esticando os braços pensando estar prestes a deter minha fuga eminente – mas seus esforços foram em vão. Pois assim que desviei das garras corpulentas dos bullies pela segunda vez, consegui pegar uma impulsão avantajada o bastante para saltar até os degraus de entrada dos aposentos femininos que me serviam tanto como uma faixa de chegada de corrida quanto um templo de proteção.

Fiquei a contemplar Trent e os outros dois bullies pouco afetada pela destilação de ofensas avulsas que profanavam contra mim enquanto tais se mantinham impotentes de me apanhar, devido ao fato de já ter adentrado as portas do dormitório. E antes de fechá-las por completo, fiz questão de elevar o dedo do meio aos encrenqueiros teimosos em nítida resposta a afrontação incomoda que eles instigaram.

Após esse transtorno, trilhei percurso até meu quarto e deitei minhas costas no colchão de modo espalhafatoso, recuperando meu fôlego à medida que estabilizava a frequência dos meus batimentos cardíacos. Pinky não estava presente no recinto, havia me informado estar fazendo um trabalho de Biologia com suas duas amigas no quarto de uma delas. As vozes agudas das tais ecoavam mesmo do local onde residia.

Assim, deitada ali, deixei as horas passarem.

Na primeira aula do dia, partilhei a classe com Jimmy e tivemos a oportunidade de conversarmos um pouco sobre as possibilidades do que poderíamos enfrentar na corrida contra Johnny Vicent, imprevistos são inevitáveis a se sobrevir – contudo, se preparar nunca é algo negativo. E quanto as bicicletas que usaríamos para esse evento em questão, em uma única rodada de “papel, tesoura e pedra”, consegui vencer nossa aposta para que ele fosse o responsável por pegar duas bicicletas funcionais na oficina.

O ponteiro do relógio frente à minha cama rastejava em um fluxo vagaroso a minha perspectiva afobada. Gradualmente, após longas instâncias em que me retive a brincar com os bilhetes misteriosos entre meus dois dedos de maneira descontraída, tentando levantar hipóteses de quem seria o responsável por eles. A passagem do tempo por fim trouxera o horário das seis e meia da tarde para eliminar meu ócio.

Erguei-me da cama em uma elevação desnecessariamente abrupta e removi o meu conjunto do uniforme, substituindo-o por uma calça jeans azul clara e uma camiseta regata preta. Meu calçado era um tênis de corrida propício para longas caminhadas e ideal para a pratica de ciclismo.

Antes de concluir minha troca de vestimenta, vim a recortar algumas tiras da fita fisioterapêutica kinésio a qual tinha trazido comigo para aliviar a pressão da musculatura do meu braço lesionado. A bandagem auxiliava na recuperação de hematomas, fora que também ajudava a reduzir inchaços.

A compressão da fita vinda da tração na pele era o que resultava na redução de dores musculares. Tinha-me sido recomendado o uso moderado desse curativo especial para lesões articulares, pois utilizá-la continuamente poderia provocar efeitos contrários aos benefícios listados no meu caso. Optei em usá-la nessa ocasião específica, tentando prevenir não acabar perdendo essa maldita corrida por conta de fragilidades fora do meu controle. Para aprimorar ainda mais os cuidados com minha condição, também havia tomado meu remédio entorpecente no horário adequado.

Em último lugar, interpus uma jaqueta esportiva de coloração anil e mangas acinzentadas, a qual que possuía o emblema de Bullworth estampada no canto direito. Esta peça de vestia me servia para uma proteção aprimorada para meus braços. Propriamente trajada, enfaixada e medicada, parti a fora do meu quarto de forma disparada para chegar no estacionamento da academia.

Entretanto, imprevistos quase sempre se provam ser inevitáveis em quaisquer circunstâncias. Pois antes que eu pudesse atravessar a porta de saída do dormitório, acabei esbarrando na líder de torcida tirana cujo quase sempre vinha a me desestabilizar ou a disputar dominância sobre minha pessoa.

Mandy Wiles, a abelha rainha cobiçada por maioria esmagadora da escola, foi detida de se deslocar após ter subitamente saído de seus aposentos devido a interrupção da colisão provinda do meu corpo agitado contra o dela. Reagindo ao nosso desarranjo com uma ira destemida, a líder de torcida me puxou pela gola alta da jaqueta e me pusera para vislumbrar a magnitude áspera de seus olhos amendoados ao alertar:

— Ei! Olha por anda, imbecil! — Vociferou junto a um rosnado hostilizador capaz de desestruturar até o mais bruto dos bullies que enfrentei até então.

Os cabelos levemente ondulados a decair em lustrosas cascadas castanhas sob seus ombros e a camisola curta azul-celeste invocava um aspecto efêmero a sua essência, contrastando a sua aura inamistosa a ser exibida naquele instante. Ao seu olhar se ajustou melhor a minha figura, um pouco de sua impetuosidade veio a ser moderada.

— Ah, é só você, Walsh.

O aperto em minha jaqueta se afrouxou, mas os dedos com unhas curtas pintadas de vermelho-vinho se mantiveram crispados no tecido a me restringir movimento. Percebi a ausência de um pedido de desculpas pelo desferir daquela ofensa contra mim. Mas não estava surpresa com tal grosseria, parecia intrínseco da garota.

Contrária a postura defensiva a que utilizava para combater indivíduos boçais tais como os bullies e os greasers, acabei adotando uma atitude um tanto desatada – mas deliberadamente complacente para conciliar melhor com o ego autoritário da líder de torcida enfurecida. Dessa forma, podia desarmá-la com investidas inesperadas ao longo em que permaneceria sem ser o foco de sua agressividade. Adaptação é verdadeiramente um poder sobrestimado.

— Perdoe minha insolência. Não quis esbarrar em você, Vossa Majestade. — Rendida a conservar minha faceta obediente, me desculpei pela inconveniência com a voz abrandada sustentando uma doçura melindrosa – enquanto ainda me mantinha fixada sob a prisão efetuada pelas garras da abelha rainha de Bullworth.

— Consigo varejar sarcasmo em você de longe, Walsh. É bom que me respeite, mesmo entre esse seu deboche transparente. — Sua observação fora certeira e o retorno do aperto aplicado em minha jaqueta denotava o fundamento daquela ameaça.

Com um meneio de cabeça conjuntado por um sorriso cortês desdenhando meus lábios, tentei demarcar minha submissão fingida perante a intimidação de Mandy. Relembrei-a que sim, iria respeitá-la, tal como havíamos estabelecido em meu primeiro dia. Considerava ser excessivo o modo como ela precisava reivindicar dominância em todos os momentos possíveis. Mas creio que alguém não chega no topo da hierarquia escolar sem exercer essa visceralidade avassaladora.

Demonstrando-se um tanto satisfeita com a minha disposição pendendo ao reverencial, Mandy ergueu o cenho e interrogou-me:

— Aliás, para onde você pensa que está indo com tanta pressa–... Oh! — Seu tom inquisitivo esvaziou-se ao ter já obtido a resposta que buscava através de memórias das fofocas espalhadas ao redor dela. — É por causa da sua corrida contra o Johnny.

O olhar arteiro que Mandy me lançara ao ter relembrado da minha corrida me pegou desprevenida. Especialmente por senti-la incrementando nossa aproximação. A partir de tal iminência exuberante, pressenti o calor límpido emitido pelas suas curvas atléticas pouco cobertas, juntamente do aroma de sabonete amadeirado o qual transmitia um frescor quente que só poderia vir de um banho recém-tomado.

Contudo, esse modo íntimo que ela tende a anular o espaço existente entre nós duas me faz refletir quanto um questionamento: Será que Mandy costuma ameaçar outras pessoas da mesma forma evasiva como faz comigo? Ou sou um caso à parte?

O pensamento súbito foi-se, porém, diluído pela proclamação seguinte daquela.

— Até poderia te desejar boa sorte, mas seria contraditório, visto que estou torcendo para que ele ganhe. — Austera, ela disparou sua torcida contra mim.

Enfim Mandy havia conseguido o que tanto aparentava querer – me desestabilizar. Não existia muitas coisas que me deixam para baixo tanto quanto perder competições. Aprendi a lidar com derrotas de forma mais coesa e produtiva, principalmente após tudo o que experienciei no passado. Mas isso não significa que não daria tudo de mim para sair vitoriosa de um combate. Ainda mais um onde as consequências poderiam resultar no massacre da minha integridade. Ouvi-la desferir azar daquela forma severa me irritou profundamente e não consegui controlar meu dissabor.

Brusca, desvencilhei-me da rédea dela e me afastei de seu contato.

— Mais um motivo para que eu o vença então. — Aleguei, evidenciando apatia frustrada na mesma instância em que transportei meus punhos para o repouso dos bolsos da jaqueta.

— Quais são os outros motivos que a levaram a esta competição? — Sem demonstrar-se incomodada pelo meu comportamento defensivo, a líder de torcida continuou a pressionar sua indagação provocativa de maneira desenfreada. — Está sentindo falta das competições de esgrima ou quer mesmo disputar pelo coração da vadia da Lola?

Rolei os olhos pelas perguntas intrometidas daquela e atentei em me retirar da presença desafiadora da rainha exigente para seguir adiante com meu rumo. Só que antes que pudesse de fato dar meu primeiro passo distante dela, Mandy antecipou meus atos e me segurou firme pelo braço, tornando-me a confortá-la de novo.

No entanto, a outra mão da líder de torcida, rumou percurso até alcançar a minha clavícula exposta. Lá, ela segurou o pingente azul do colar que Pinky havia me concedido entre seus dedos em uma delicadeza proposital. As suas órbitas oculares amendoadas transfixaram-se no meu pescoço com intento investigativo.

— Ou será que o coração que está disputando é o da princesinha rival dela? — Ponderou com a voz baixa, como se estivéssemos a partilhar um segredo mútuo. Retomando a proximidade exagerada a qual minava praticamente maior parte dos espaços vazios entre nossos corpos.

— Pinky me emprestou o colar dela para me dar boa sorte. — Pela primeira vez, correspondi Mandy ao justificar o motivo de estar usando o colar tão característico da preppie. De ímpeto firmado, conclui. — Eu e ela somos amigas. Nada além disso.

Dessa vez fora Mandy quem rolou os olhos, aparentando não estar convencida pelo o que a informei, apesar de não entregar exatamente porque. A mão que estava a segurar meu braço tinha já se soltado dele, mas os dedos a prender-me pelo colar de Pinky permaneceram. A abelha rainha me reservou uma última contestação.

— Mal chegou em Bullworth e já está atolada de amiguinhas. Que curioso.

Por alguma razão desconhecida, o tom desgostoso de Mandy foi o estopim para trazer de volta minha postura debochada. Existia algo nas entrelinhas da insistência da garota em desvendar aspectos meus que nem eu mesma estava preparada para enfrentar – afinal, Lola e Pinky me faziam descomposta por distintos motivos. E não desejava decifrar as extensões da minha relação com qualquer uma das duas até dado momento. Um receio de ferir ou ser ferida em retorno me estagnava nesse sentido.

No entanto, ficava nítido através das feições aborrecidas de Mandy que eu era capaz de embaraça-la, quase do mesmo modo que a própria líder de torcida era capaz de me desestruturar também. Um jogo de poder silencioso dava indicativos de estar a se estruturar, a se desenvolver e expandir-se dentre cada interação nossa. E estranhamente, não me sentia nem um pouco receosa por isso.

— Também sou sua amiga agora, Vossa Majestade. Não precisa ter ciúmes. — Me atrevi ao inclinar meu rosto para sussurrar o asseguramento diretamente no ouvido de Mandy.

Vim a ser empurrada nos ombros pelas mãos ágeis da rainha de face claramente ruborizada e olhos dilatados. Assim que ela se afastou de mim para trilhar caminho pelo hall do dormitório, não a detive. Simplesmente me dispus a fechar o zíper da minha jaqueta, e logo em seguida, ergui minha gola para que ela cobrisse o colar de Pinky, protegendo-o de olhares alheios. Me permiti a contemplar os músculos rígidos das costas a mostra de Mandy se contraindo em cada passo tirânico que aquela dava até avistá-la dissipando-se do meu campo de visão.

No desfecho dessa interação, um sorriso de satisfação moldou meus lábios.

E a causa deste deleitar insondável fora ofuscada pela urgência a se alastrar em meu peito quando me prestei a lembrar da corrida que necessitava vencer a todo custo.

~

Ao comparecer no estacionamento da academia, a primeira pessoa que identifiquei por lá fora Jimmy, o garoto ruivo de corte quase calvo recheado de sardas que se encontrava vestindo uma jaqueta bege um tanto larga para seu porte e calça acinzentada com remendos nos joelhos. Ele estava à minha espera com duas bicicletas amarelas de cano baixo depostas ao seu lado. Após nos cumprimentarmos, de imediato viemos nos escorar lado a lado na parede do muro a lateral da área.

Jimmy me avisou que a rota que teríamos de percorrer na corrida seria pelas redondezas de Old Bullworth Vale inteira até chegarmos de volta no estacionamento. Só que a conversa que partilhávamos transitou para além dos nossos planejamentos.

— Então, você matou alguém mesmo? — Jimmy perguntou, não dando indicativo de estar sendo acusativo – somente demasiado curioso para entender os rumores que Johnny ajudou a propagar.

— Não, eu não matei ninguém. — Sem preâmbulos, informei com um suspiro exasperado, coçando minha nuca em desconforto em meio ao que dizia — Uma sugestão? Jamais rivalize com a capitã do seu time de esgrima com entusiasmo demais. Pois se por infelicidade do destino ela acabar sendo assassinada na proximidade da sua residência e você não tiver nenhum álibi, você terminará tão fodido quanto eu.

O olhar alargado do rapaz enfatizou a perplexidade estampada na sua face sardenta por segundos interruptos. Deixei com que ele digerisse o que informei por um tempo. Quando enfim Jimmy se pronunciou, sua voz dotada de casualidade me confortou.

— Cara, que pesado. E eu aqui achando que já tava todo fodido por ter sido expulso de todas as outras escolas que fui matriculado.

Cessei o bagunçar que fazia em minhas madeixas arruivadas sempre que visava amenizar minha inquietação em tópicos constrangedores e cruzei meus braços descontraidamente, me deixando repousar mais a fundo minhas costas nas pedras gélidas do muro ao dar continuidade no diálogo.

— Creio que ninguém nesse colégio tenha uma vida de fato fácil. — Pontuei, um tanto reflexiva. — Provável que tenhamos feito algo de muito errado em nossas vidas passada para merecermos a penitência de estudarmos aqui nesta encarnação.

— Podia ser pior. — Jimmy encolheu os ombros ao contra-argumentar, a modo bastante relaxado.  — Poderíamos ser cornos possessivos que nem o Vicent.

Tal comentário zombador desencadeou um riso eminente a escapar de mim. Jimmy não definitivamente não aparentava ser um cara com muito tato para relações interpessoais, mas a naturalidade espontânea que ele se desdobrava me rejubilava a prumo excepcional. Chegava até ser um tanto peculiar, mas sentia como já fosse amiga dele há anos, mesmo sendo curto o tempo que de fato nos conhecíamos.

— Inclusive, você pegou a Lola no fim das contas? Tirou alguma lasquinha dela? — Deslocando-se do encosto do muro, Jimmy inquiriu, exalando uma ânsia maior em saber essa informação do que a da possibilidade de eu ter matado alguém.

Encarei-o de cenho erguido, estonteada.

— Não tirei “lasquinha” nenhuma da Lola, seu fofoqueiro em potencial. — Aviltada, revelei. — Ainda que ela esteja aparentemente determinada a me conquistar.

Antes que Jimmy pudesse arrancar mais detalhes quanto minha revelação, acabamos ouvindo o som de salto alto pisoteando as extremidades do chão e entrevemos Lola Lombardi em toda sua glória luxuriosa caminhando em nossa direção. Os passos daquela denotavam intento apurado, o balanço de seus quadris acentuados pela sua usual calça de couro tão harmonizada a sua forma entregava sua aura sensual. E o foco de seu olhar arrebatador despendia-se em mim, de maneira demasiada exclusiva.

Assim que chegou ao meu alcance, ela parou a minha frente. Sem resquícios de qualquer pudor, a greaser ajaquetada dona de um habitual sorriso inescrupuloso a lapidar seus lábios preenchidos por um batom de tom carmim trilhou seu olhar ávido pela minha forma, ainda sem se prestar a reparar no garoto localizado ao meu lado.

— Oh, querida, você está simplesmente deliciosa hoje! — Lola exclamou deleitosa sua apreciação pelas minhas vestias atuais. Involuntariamente, meu rosto veio a esquentar pelo seu louvor devasso. Ainda sem remover os olhos acastanhados dos meus, a greaser levantou a questão ao rapaz a minha direita. — Não concorda, Jimmy?

Percebendo meu constrangimento, Jimmy deu corda a interrogativa de Lola.

— Nossa sim, se eu olhar demais para ela posso acabar me apaixonando também.

O tom zombeteiro de Jimmy fez com que eu acabasse socando seu braço com uma força moderada – meu golpe resultou no resmungo do garoto faceiro. Devido sua resposta, Lola o entreolhou com um ressentimento possessivo a abrasar sua essência, reagindo como se Jimmy tivesse desferido a mais obscena das ofensas contra ela. Seu semblante indignado calibrou sua fala ao demarcar:

— Você não ousaria.

A voz incrédula da greaser realçou seu aborrecimento por aquela hipótese. Jimmy não parecia intimidado, mas ainda elevou as mãos em gesto de rendição para acalentá-la.

Achei curioso para dizer no mínimo, o quão territorial Lombardi conseguia ser mesmo sendo tão entregue a consumar os seus próprios desejos – embora não demonstrasse ter muita consideração pelos sentimentos alheios. Se bem que, pelo raso conhecimento o qual cultivo, Lola dava indicativos de ser uma pessoa insegura e necessitada de aceitação, provável consequência da ausência de amparo em sua vida. Me pegava inconscientemente intrigada em desvendá-la além dos boatos e das sombras voláteis de suas relações passadas.

— Ele está só brincando, Lola. — Mencionei de maneira serena na medida que me aproximava mais daquela, trazendo seu olhar para o meu novamente.

— Fico aliviada em saber. — Suspirou, abrandada. Logo recuperando seu ar sedutor assim que veio a tirar proveito da nossa proximidade para traçar seus dedos cálidos pela minha bochecha até o maxilar. Despejando carícias regadas de desejos entremeados ao confessar. — Ficaria devastada em ter mais competição pelo seu coração.

Absorta pela ternura flamejante a permear o dedilhar envolvente de Lola na minha pele, tive meu transe quebrado quando me atentei aos ruídos de bicicleta emergindo em direção do estacionamento. Jimmy, que antes estava de escanteio enquanto eu e Lola partilhávamos uma atmosfera um tanto íntima – agora havia tomando posse de uma das bicicletas que ele mesmo havia trazido para o local. Ele me deu um aceno de cabeça para que o acompanhasse e eu o assegurei que já iria.

Antes que pudesse fazer tal feito, Lola segurou-me pelo queixo entre seu polegar e dedo indicador, perdurando meu olhar para ela ao advertir:

— Fique muito atenta com os obstáculos na estrada. Não fiquei sabendo ao certo o que eles planejaram para detê-la. Mas não deixe com que eles te intimidem de forma alguma. — A sobriedade de seu timbre me surpreendeu. Com meu olhar mais atentivo possível, assenti com a cabeça para indicar levar a sério sua sugestão.

Saciada pelo meu evidente entendimento, Lola encerrou nossa interação com um incentivo proclamado a partir de um ronronado insidioso:  — Confio tanto no seu potencial, querida. Não há o que temer. Sua vitória é mais do que garantida.

Confio no seu potencial”, Lola declarou e suas palavras foram iguais ao estímulo encorajador que Pinky tinha me devotado naquele dia mais cedo. Esse fato me trouxera à tona sentimentos tão conflituosos. Tantas semelhanças e diferenças as separavam, e em meio a isto, eu acabava atorada por anseios intercalados acerca das duas – tais almejos irascíveis os quais não tinham espaço para se manifestar agora.

Ao se afastar de mim no mesmo instante que Johnny Vicent estava prestes a estacionar sua bicicleta defronte para nós duas, Lola ainda delongou sua atenção fissurada em mim, mesmo ao seguir se distanciando em direção do portão de saída do estacionamento. Seu sorriso assegurador aguçou meu senso competitivo e me peguei retribuindo a certeza que a greaser depositava na minha vitória ao sorrir de volta para ela antes de findar nosso contato ao prosseguirmos com nossos caminhos individuais.

Confiança recarregava meu espírito e me tornava mais convicta para encarar Johnny quando ele se dirigiu a minha pessoa com agressividade ressonando sua energia.

— Walsh! — Vociferou, proferindo meu nome em um chamado raivoso. — Pronta pra aprender a não mexer com a garota dos outros?!

Johnny declamou sua interrogação através de sua voz cáustica, tentando emanar uma presença viril de forma exagerada e beirando ao teatral. Senti que até mesmo Mandy em sua camisola curta poderia ser mais visceral que ele ao ameaçar-me.

Contudo, as aclamações vindas dos seus companheiros greasers cujo estavam a circular a área do estacionamento em suas bicicletas faziam o ego do líder deles inflamar a tal modo que o impedia de sequer considerar sua eventual derrota.

Resoluta e de queixo erguido, tomei o assento do selim da bicicleta a minha disposição e rondei com ela até parar mais próxima de Vicent. De perto, o rapaz transparecia uma aura mais jovial do que sob a distância. Trajando tanto uma jaqueta quanto uma calça de couro, sua blusa branca possuía rasgos espalhados nas laterais e os seus calçados de coturno apoiavam-se fortemente no pedal. A completar sua fisionomia, na parte traseira de sua orelha direita, residia também um cigarro amassado.

Os cabelos amarronzados daquele dessa vez estavam bagunçados, como se recém tivesse saído de alguma luta – da qual saíra vitorioso e sem fermentos aparentes. Seu peito inflado exasperava o ar pelas narinas com uma compressão exagerada para executar a inalação do ar que consumia. Ao me confrontar daquela forma direta, a tempestuosidade presente em seus olhos castanho-escuros e todos esses aspectos a compô-lo remetiam tanto a visão do olhar de Lola quando ela aparentava enciumada.

Refleti a cerca desse detalhe. Johnny parecia uma versão masculina – mais histérica, mais territorial e bruta – de Lola. As similaridades entre os dois chegavam a ser gritantes por vezes. Fosse em trejeitos ou aparência. Isso me fazia ainda mais segura que, se eu era capaz de lidar com Lola em toda sua discrepância evulsiva; talvez fosse capaz de derrotar Johnny e fazê-lo parar de me perturbar.

— Só pararei quando você deixar de compensar sua masculinidade frágil tentando intimidar todos os envolvidos com uma garota que não é mais sua. — Rebati, transpassando meu desprezo pelo escândalo excêntrico do líder dos Greasers.

— Então esteja marcada a sua sentença!

Johnny rosnou após minha retaliação e avançou sua bicicleta para frente, quase me atropelando no processo. Segui-o com uma fúria a se temperar em meu interior até chegarmos onde os outros greasers e Jimmy haviam se colocado para iniciar a corrida.

Lola havia se deslocado até o portão que dividia o estacionamento e a rua fora da academia. A greaser dera uma última tragada em um cigarro recém acendido e logo o pisoteou ao tê-lo arremessado no chão. Logo, ela posicionou-se para o centro de onde todas as bicicletas estavam a se alinhar.

Sua expressão endureceu ao encarar Johnny pela primeira vez desde que ele tinha chegado. Acompanhei a troca de olhares entre eles, e percebi o quão Johnny encasulou o corpo de forma rabugenta sob a vigia ríspida imposta pela sua ex-namorada. Era palpável o quão a dinâmica deles tinha se tornado amargurada devido todo o contexto da relação explosiva dos dois.

Lola desvencilhou seu olhar de Johnny no mesmo período em que desenlaçara o laço escarlate a envelopar seu pescoço. Tendo o tecido solto, ela me contemplou com uma feição desejosa e ergueu o braço, manobrando seu laço como se tal fosse uma bandeira de pista de corrida. Não demorou para que viesse iniciar uma contagem cronometrada até dar a largada ao abaixar o laço, sinalizando a deixa para que todos os competidores avançassem em busca da linha de chegada.

Sem qualquer hesitação, impulsionei o corpo para conduzir o pedal asperamente. Jimmy me acompanhava em sequência, e os greasers já se encontravam na nossa cola em uma disputa acirrada para mobilizarmos a mesma travessa da rua.

— Se você acha que pode tirar com minha cara e sair ilesa, está muito enganada! — Johnny desferiu seu afronte. Tendo se aproximado o suficiente de mim, o líder dos Greasers utilizou seu cotovelo troncudo para me desequilibrar do meu assento.

Grunhi para ele enquanto centralizei minha concentração na condução de pedaladas mais vistosas. Minha mão apertava o guidão com uma força desnecessária e minha respiração descompassava dentre as golpeadas ríspidas do ar noturno.

Quando conciliamos com o momento que teríamos de percorrer nossa primeira curva em conjunto, empurrei Vicent de volta com uma cotovelada e destilei:

— Cala essa sua boca sarnenta, e larga de ser um arrogante prepotente, Vicent! — Enfurecida, apressei minha bicicleta em potência total, visando deslizar a curva na manobra mais límpida possível, a fim de ultrapassar Vicent no resto do percurso.

Entretanto, minha velocidade atual não tinha sido o suficiente para tal feito.

Johnny me alcançou em meio a curva e ultrapassou minha posição atual em uma derrapagem bastante dextrorsa. Os outros greasers vieram a se posicionaram nas minhas laterais, exercendo o papel de Vicent em perturbar meu equilíbrio.

— Você não sabe com quem está se metendo, Walsh. Vai se arrepender de ter me desafiado. — Garantiu, presunçoso. — Não há ninguém mais rápido do que eu!

Os lampejos de luz vinda dos postes da estrada passaram a destoar minha percepção devido a agitação a me sobrecarregar. Johnny conseguiu superar todos com suas pedaladas furiosas, a tal ponto que estava perdendo-o de vista. Rangi os dentes e passei a distribuir cotoveladas e empurrões nos greasers inconvenientes a minar minha chance de avançar, tentando afastá-los de mim a todo custo.

Felizmente, Jimmy me deu a cobertura imperativa para liberar-me da turbulência ocasionada pelos lacaios de Vicent. Com um tiro certeiro de estingue, o rapaz acertou atrás da nuca de cada um dos desordeiros, desnorteando-os e me trazendo a vantagem de propulsionar meu pedal avante na estrada.

— Alcance o Johnny logo! Eu atrasarei esses merdinhas aqui! — Incentivou em brado altivo. Se deslocando com dificuldade devido os greasers que antes estavam a me transtornar, tinham se adaptado para importunar a condução de Jimmy.

Agradeci em voz alta pela assistência daquele e conferi minha rapidez de locomoção, empregando maior voltagem nas minhas pedaladas. A agilidade intensificada me aproximava do percurso que Johnny estava a navegar, o líder dos Greasers ainda conseguia manter o ritmo impetuoso que utilizou para atingir liderança na corrida.

O trajeto que decorríamos atrelava-se a área comercial da cidade. Os cruzamentos se tornavam mais frequentes na medida que transitávamos aquela região, exigindo atenção redobrada nas manobras de desvio e derrapagens.

Ainda estava afastada demais de Vicent para ultrapassá-lo, a frustração palpitante bombeava meu sangue e estimulava a arrancada propulsora que tomei ao engatar a engrenagem da bicicleta, reforçando rigorosamente a expansão da minha pilotagem.

Adiante em sua ronda acelerada e objetiva, Johnny tomou a curva de atalho oposta à via da estrada asfaltada, invadindo a calçada e adentrando as ruas estreitas que davam caminho direto para a área beira-mar de Old Bullworth Vale. Sob a pressão endossada pelas minhas pernadas energéticas, acompanhei a mesma trajetória realizada pelo greaser. Por vezes tive que elevar o corpo e arquear as rodas do veículo, visando amenizar o impacto da percussão contra a pavimentação lúrida daquele terreno.

Gradualmente, minha distância entre Vicent se anulava cada vez mais.

Só que de repente, quatro sujeitos ajaquetados se puseram na minha rota e passaram a arremessar ovos contra mim com uma brutalidade viscosa. Controlei meu ímpeto agressivo para calibrar minha deflexão das disparadas a obstruir minha trilha.

As viragens bem executadas que manejei tiveram esplêndido resultado, pois logo os rapazes enfurecidos tiveram o estoque de ovos esgotado. Minha satisfação pelo meu desempenho em ter me livrado da interrupção sem ter recebido uma ovada sequer me dispersou de averiguar o que estava bem a minha frente, obstruindo meu horizonte que estava prestes a se expandir da calçada a entrada da esplanada.

Uma armadilha modelada por painéis de madeira e arame farpado se fazia posta entre os dois lados na fronteira da rua estreita. Subitamente, o ecoar das palavras de Lola me envolveu: “Fique muito atenta com os obstáculos na estrada”, e céus, como quis ter sido mais atenta de fato. Pois agora só me restava duas opções.

Avançar brutalmente e romper os painéis de madeira com meu corpo, não perdendo assim a consistência do meu pedal. Ou me reter, retomando o caminho que já trilhei até encontrar a saída daquela via – perdendo assim a chance de alcançar Johnny.

Tomei minha decisão sem refletir duas vezes e impulsionei a bicicleta até colidir com a armadilha com o cotovelo do meu braço dominante protegendo minha face.

Estilhaços de madeira empoeiraram meus arredores, o rompimento da arapuca improvisada a barrear meu percurso acabara sendo devidamente expurgada. Mas não sem sequelas relevantes a configuração da minha autonomia infligida.

O arame farpado havia rasgado boa parte da minha jaqueta, perfurando tão profundamente essa minha camada protetora que tinha atingido minha pele. Tive de remover essa minha peça de roupa do meu corpo após tal ter se prendido nos vestígios destroçados da armadilha. Estando só de regata a insistir na alavancada da minha condução, senti os cortes frescos distribuídos em meus antebraços ocasionado uma ardência afligidora – juntamente da dor notável a se concentrar no meu cotovelo. 

Localizei a figura de Johnny ao termos chegado ao mesmo tempo na esquina à beira da praia. A passagem trazia consigo uma brisa revigorante, a qual veio a reconfortar minhas feridas abertas. Nessa instância, recordei do colar de Pinky alojado contra meu peito e do “lugar seguro” que me fortalecia.

Jimmy e os outros greasers competidores estavam nos acompanhando em uma disputa acirrada por liderança, conseguia escutar nitidamente os xingamentos que o rapaz ruivo proferia aos seus oponentes persistentes em incomodá-lo.

Focada na pista situada à minha frente, tentei sustentar minha vigilância para qualquer interferência no meu perímetro. Contudo, fui pega de surpresa novamente.

Devido ter me concentrado tanto em perdurar minha cautela nos meus horizontes, não antecipei o momento em que Johnny tinha deixado uma armadilha no asfalto que percorri. Pinos grossos perfuraram as rodas traseiras da bicicleta, tornando-a incapacitada de permanecer se locomovendo no chão.

Virando o rosto para me contemplar, Vicent soltou uma risada impiedosa durante o momento em me percebeu parando de acompanha-lo.

— Falei pra não me subestimar, Walsh! Todas essas ruas me pertencem e a Lola é toda minha! — Johnny cantou vitória, afastando-se mais da minha ótica a cada pedalada que impulsionava. — Farei questão de beijá-la na sua frente para te provar isto!

Pela primeira vez, senti meu âmago pulsar de fúria com a hipótese de presencia-lo entrelaçando aqueles revoltantes lábios truculentos nos de Lola mais uma vez.

Minha repulsa por tal visão grotesca me fez rosnar profundamente e meus punhos cerrados fizeram com que minhas unhas apertassem a pele sensível de minhas palmas, deixando marcas de luas crescentes vermelhas nelas.

Não me dei por vencida, de forma alguma desistira.

Eu o faria engolir do próprio veneno. Custe o que custar.

Tornei-me para dirigir o olhar aos restantes dos competidores que se aproximavam através dos pedais afoitos. Um dos greasers tinha disparado largada à frente de Jimmy. Antes que ele pudesse considerar desviar, parti para cima da sua rota fronteira.

Tive um breve vislumbro do espanto selando o semblante do rapaz com um topete volumoso no exato instante em que consegui alcança-lo e atingi-lo com um golpe desferido firmemente no seu maxilar, derrubando-o do seu veículo de modo mordaz.

Não perdendo tempo, imediatamente tomei posse da bicicleta agora a minha disposição e embalei a impulsionar pedaladas violentas em direção a Johnny.

O sangue a fluir em minhas veias era expelido nos machucados repartidos na minha pele. Estávamos cada vez mais próximos da linha de chegada – a silhueta do estacionamento da academia Bullworth surgia na minha ótica avulsa.

Era tudo ou nada.

A velocidade que atingi a partir das minhas impulsionadas era brutal tanto quanto o soco visceral o qual havia recém aplicado no greaser de bicicleta perdida. Minha respiração pesava, meu corpo inteiro doía. E estranhamente, me sentia tão viva.

— Vicent! — Esbravejei, tendo enfim sucedido em alcança-lo na estrada das proximidades da entrada de Bullworth. Dessa vez, eu que vim a empurrá-lo para que desequilibrasse do seu selim. Dentre meu ataque, proclamei: — Nada do que mencionou pertence a você. Você não é homem o bastante para isso!

Os olhos escuros do líder dos Greasers me encararam perplexos. Seu ranger de dentes demarcando sua mandíbula afiada. Com nossas bicicletas grudadas, disputávamos pela imposição da liderança. E nessa contiguidade proveitosa, cutuquei a ferida interna de Johnny deliberadamente.

— E posso te garantir que Lola preferiria me beijar a noite inteira do que aguentar um único selinho de um covarde como você!

Isso fora o suficiente para desestabilizar Vicent e fazê-lo passar despercebido o momento que frei minha condução abruptamente para empurrar minha bicicleta com força total contra o corpo dele. Ao tê-lo derrubado com o peso do meu veículo e o dele, desloquei meus pés agilmente contra o chão e disparei uma corrida veloz até atravessar o portão do estacionamento a frente dos meus outros oponentes.

Sangrenta, de vestias arruinadas e cabelo em estado caótico a repousar sob meus ombros. Era assim que tinha obtido vitória. E segundos depois, os demais competidores chegaram na determinada linha de chegada sem poderem desfrutar da mesma glória prestigiosa que tanto preenchia meu peito de regozijo.

Jimmy foi o único a descer de sua bicicleta e comemorar ao meu lado. Partilhamos de um “hi-five” firme e ele aclamou o modo como tinha revidado tudo o que estava no nosso caminho. Sua voz alta pronunciou algumas ofensas pesadas aos greasers que estavam a impedir o trajeto dele e como tais estavam a escutá-lo claramente, os dois resolveram correr em direção de Hopkins para calá-lo.

Avistei o roxo implacável presente moldando o rosto do greaser que tinha apunhalado certeiramente, mas o reparei estremecer quando o encarei com dureza, evidenciando seu receio em me confrontar mais uma vez. Por conta disso, quase me preparei para combate-lo a fim de impedir com que ele fosse ferir Jimmy. Mas o garoto ruivo me restringiu ao dizer:

— Deixa com que eu lide com esses gados. A gente se fala amanhã, Thea!

Seguidamente, Jimmy correu apressado no sentido do dormitório masculino com os dois greasers empenhados a abate-lo. Mas tive certeza que eles não conseguiriam o que queriam.

Johnny Vicent apareceu cabisbaixo segurando o próprio braço contra seu corpo tonteado e levemente descabelado. Sua feição amargurada emanava uma tristeza tangível a percepções. Ele não me entreolhou nem um segundo, e marchou para o esconderijo dos Greasers para provavelmente sanar a ferida de seu ego com álcool e cigarro em abundância.

Quando ele saiu de vista, meu olhar cruzou com o de Lola.

As pupilas dilatadas, os lábios de carmim desdenhados em um sorriso aparentemente cheio de orgulho e a expressão extasiada revelava o seu fascínio pela minha forma. Engoli seco em reação a maneira como a greaser me contemplava – existia uma tensão tão irresistível a empeirar entre nós. A adrenalina traiçoeira alojada em minhas entranhas contribuía a minha sede de sucumbir aos meus desejos mais perigosos.

Lola não esperou com que eu me pronunciasse. Ela simplesmente se lançou contra mim, encobrindo-me em um abraço regado de euforia. Surpreendendo a ela, e a mim mesma em sequência, eu a envolvi com meus braços e a ergui do chão.

Segurei-a em meu colo, tal como havia feito em nosso encontro. Espalmando uma mão em suas coluna e com a outra sustentando seu peso através das costas de seus joelhos. Imediatamente, senti um ronronado de satisfação sendo emitido pela garganta de Lola. Os dedos tantalizados daquela transitaram para dedilhar carícias libidinosas na minha nuca e por todas as regiões ao seu alcance.

Calafrios arrojados afloravam pelo seu toque, de rosto deposto contra o ombro da greaser, me percebi embriagada pelo aroma de lírios e cigarro de cerveja a rondá-la. Sem a contenção ponderada que normalmente conduz minhas ações, permiti-me a audácia de apertar o corpo esbelto daquela contra o meu com mais vontade.

Uma respiração entrecortada permeou minha audição. Ajustada em mim, pressenti os arrepios a se alastrarem pela forma curvilínea de Lola. Esse contato incrementado prevaleceu prolongadamente, até a greaser se afastar um tanto para transfixar sua visão na corrente do colar que estava a enfeitar meu pescoço exposto sem a cobertura da minha jaqueta, a qual tinha sido descartada por conta da armadilha a transtornar meu trajeto percorrido.

— Oh, eu conheço bem esse colar. — Apontou, emanando uma dosagem extrema de sua abordagem provocativa. Suas unhas curtas pintadas de preto da mão esquerda residida nas minhas costas cravaram-se sem força no local. Enquanto sua mão direita averiguava avidamente o pingente azul-dourado a domínio de seus dedos examinadores.

Os olhos incandescentes daquela difundiam intenções viscerais. Identifiquei derivados sentimentos assolando-a naquele instante. Ciúmes, inveja e cobiça. Mesclado a essas emoções fugazes ainda existia a ânsia turbulenta da exuberância ocasionada por nosso entrelaço. Involuntariamente, umedeci os lábios, me afogando em tensões acumuladas.

Quis declarar algo, informar qualquer coisa que pudesse aliviar aquela tração intensiva a nos rodear. Entretanto, refreei minha fala e dei espaço para que Lola manifestasse-se.

— A princesinha mimada está tentando te marcar só para ela, não é? — Ácida, ela interrogou. Desvendando a origem do colar tal como Mandy tinha feito antes. Ao longo em que apertava sutilmente minha garganta pelo seu segurar rígido na corrente dourada, a greaser irradiando uma energia dominadora e territorial declamou em tom instigador. — Veja só, Thea Walsh, uma bela gatinha perdida de pelagem laranja, usando a coleirinha de uma dona rica.

O asco notório no palavrear que ela exalou na parte onde dissera “dona rica” chegou a me deixar oscilada. Existia uma repulsa palpável a se deslocar de toda a essência daquela, em especial ao imaginar a suposição de que eu pertencesse a Pinky.

Subitamente, Lola descendeu do meu colo. Somente para se dispor a rechear suas palmas ciumentas com a posse da minha cintura. Meus sentidos entorpecidos me paralisavam. Minha resistência se esvaziava. A maneira como o olhar dela vinha a devorar-me esconjurava uma queimação maciça a se disseminar por todo meu ser. Não conseguia mais me afastar. Estava hipnotizada pela magnitude esfomeada da garota a me confiscar. Minha respiração desmoderada entregava com plenitude o meu estado embevecido.

— Sabe, talvez eu esteja pegando leve demais nas minhas investidas. Visto que Gauthier está te dando presentinhos, eu também quero lhe dar algo. — Lola cogitava as alternativas. Sua malícia impregnando todos os seus trejeitos.

Reparei-a mordiscando o lábio inferior com sutileza, acentuando a nitidez de seus desejos carnais. Seus olhos revezavam sua atenção entre o meu olhar e minha boca. Suas garras apuradas divagavam pelo meu corpo e o conduzia para que minhas costas esbarassem no muro mais próximo. Aprisionando-nos em um cenário similar ao de quando precisamos despistar policiais dentre o beco escuro.

Agora, os seios deleitosos de Lola – cobertos somente pela fina camada de tecido da camiseta que exponha sua barriga – estavam a espremer os meus com o intuito acalorado de me absorver contra ela. Uma de suas mãos se manteve a me segurar pela cintura. Mas a outra, repuxou-me pelo colar, fixando nossos olhares com impetuosidade.

— Mas o que devo te dar? — Ponderou. Sua respiração quente batia no meu rosto, me desnorteando em perdição desejosa. A voz maliciosa daquela era emitida em frequência baixa e insinuante. — Não tenho dinheiro para cortejá-la com presentes caros. Poderia roubar, mas sei que você reprovaria esse comportamento.

Interrompendo minha fala de se desdobrar, Lola elevou sua perna para alojá-la no vão entre minhas pernas. O encaixe de nossos corpos me trouxera de volta arrepios escaldantes a decorrer meu interior e arrancara uma leve arfada mim.

— Então é um fato que preciso de uma outra abordagem para conquista-la.

Ao salientar sua afirmação convicta, ela afrouxou seu aperto no colar e aproximou-se ainda mais da minha face. Seus lábios roçaram suavemente nos meus, instigando a margem dos meus limites e testando minha resistência. Meu âmago latejava para provar aquela boca, degustar da sensação de derreter em seu beijo efervescente. Era como se estivesse febril de tanta vontade.

Porém, Lola não selou nossos lábios. Seu rosto realçado por anseios purgantes possuía uma feição formosa e assanhada. Tudo o que queria era agarrá-la pelos seus cabelos curtos sedosos e conduzi-la para beijar-me como nós duas tanto almejávamos.

Minhas mãos se mantinham detidas, meus punhos cerrados apertavam minhas palmas e as feriam tal como tinha feito em frustração em meio a corrida. Refogada de contenção, a estagnação retedora era o único fator a me refrear da devastação absoluta.

Porém, percebi que a competição mais mordaz a qual já participei estava a se ocorrer sem qualquer plateia. A lua sobrevoando o manto obscuro dos céus sendo a solene testemunha da minha fraqueza perante às necessidades soterradas no meu âmago enfatuado.

Lola aprimorou nosso entrelaço apertando-me pela cintura, mesclando as curvas dela nas minhas, me fazendo fraquejar como nunca antes. Seu rosto desviou-se dos meus lábios e deslocou-se para sussurrar a provocação no meu ouvido:

— Você quase me beijou ontem, Thea. Você sempre estremece sob meu toque. — Denotou de modo convencido. E me doía saber que ela estava absolutamente certa.

Agora, as duas mãos daquela deslizavam-se pela área da minha coluna e cintura. A greaser se apossava dos meus arrepios, e propagava-os com propriedade. Ela parecia se deliciar com as reações do meu corpo pelo seu toque fugaz. Sua respiração carregada fora o maior indicativo disto. Quando uma coxa firme pressionou no centro entre minhas pernas, um gemido escapuliu do fundo da minha garganta sem que pudesse conter-me. Meus quadris involuntariamente afundaram naquele enroçar, desejando sentir a extensão completa de tal contato sem nenhuma peça de roupa para atrapalhar a pressão deliciosa na região onde mais latejava e pulsava por amparos.

Meus dedos trêmulos se crisparam na jaqueta de Lola como se buscassem ancoragem da urgência abrangente a intoxicar-me. Meu corpo responsivo a esses estímulos intensos estava rendido pela rédea sedutora e demasiada avassaladora de Lola. E o ronronado dela retomou a superfície assim que veio a me sentir rebolando sutilmente contra sua coxa.

— Ela te faz sentir isso também? — Inquiriu, lasciva. Mas não quis saber minha resposta. Quis enfatizar o que fizera em seguida.

Lábios mortíferos rasparam a zona sensível do meu pescoço. Lola salpicou beijos lentos até meu ombro, provocando mais calafrios e respirações profundas dos meus pulmões. E quando retornara ao local onde a minha pulsação era mais tonificante, ela mordera minha pele com volição – arrancando mais um gemido quebradiço meu e sucedendo em fazer meu ventre fervilhar.

A sucção vagarosa que ela aplicou em meio a mordida envolvente me levara a apertar seus ombros, exigindo mais do flamejar provindo de seus chupões ardentes. Senti-me sendo levada a completo delírio diante de tamanha tentação. Prestes a explodir e evaporar em um incêndio de almejos irrefreáveis.

Inevitavelmente, me percebi virando a garganta para o lado. Oferecendo assim espaço para que Lola mordiscasse e beijasse toda a prorrogação da minha carne derretida pelas provocações a envolvê-la.

Aquele momento esplendoroso pareceu perdurar por uma infinidade. Em chamas a abrasar um verdadeiro fogaréu indomável, essa sensação acobertava todas as extremidades a compor-me. Contudo, a greaser tentadora a me despejar tais carícias obscenas encerrou-as de repente para comentar:

— Pronto, sinto que assim marquei meu território. Toda vez que a princesinha for olhar o lugar onde se estará o colar dela, haverá a minha marca. — Lola vangloriou sua vitória ao se exibir reivindicada pela marca roxa esculpida pelos seus lábios disseminadores de concupiscência. Sua voz rouca audaz refulgia um fervor desenfreado para me consumir e devastar.

E assim que ela quis retomar seus lábios a encapsular mordidas e beijos sedentos naquela mesma área após realizar sua vindicação, eu a empurrei abruptamente, quebrando o vínculo cheio de ardor que nos acondicionava.

— Você é absurda. — Desatei, enfadada. Tentando meu máximo para regular as arfadas ofegantes a escapulirem da minha transpiração – tais que eram vestígios sinuosos do impacto que Lola possuía sobre mim.

A disputa de Lola e Pinky pela minha afeição estava a tomar proporções extremas a cada vez que cedia as vontades que poderiam ser danosas a longo prazo. Estava marcada pela greaser agora. Tanto interna quanto externamente. Só que não poderia me entregar mais do que já me entreguei. Se um dia fosse sucumbir a tudo o que sentia, deveria ser somente quando obtivesse certeza de que não machucaria ninguém ao meu redor pela minha escolha. E também seria se Lola de fato provasse ser alguém digna de confiança e consistência.

Era tudo ou nada.

— Se você acha que sou tão fácil assim, está tremendamente enganada. — Com a respiração mais moderada, ergui o queixo ao pontuar. Afastei-me do muro que havia sido escorada e mesmo de pernas bambas, visei exceder minha retirada de onde estava.

Meu rosto permanecia ruborizado e esquentado. Mas minha postura não incumbia vergonha ou embaraço qualquer. Antes de me remover por completo de Lola, delonguei meu foco para fitá-la ajeitando sua jaqueta em seu corpo voluptuoso. Nossos olhares difusos se entrelaçaram em contrabalanço a palpitações aceleradas dentre as caixas torácicas abrigando nossos corações igualmente descompassos.

— Leve o tempo que precisar. Eu poderia aguardar a vida inteira para tê-la.

A convicção fulgurante anexada naquela proclamação por pouco me fez crer nela.

E ardi em saber que no fundo, talvez eu desejasse que tal testemunho fosse verdadeiro.


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