Na Mira do Vampiro escrita por construindoversos
— Ih, Duda, o Toninho ficou uma fera por você não ter deixado ele vir com a gente - observou Da. Dalila, enquanto pilotava seu belíssimo Puma vermelho conversível.
— Não sei por quê! Ele não tem nenhuma experiência nesses assuntos e fica logo com medo. E, além do mais, alguém tinha de ficar na retaguarda embromando a minha mãe, no caso de ela querer saber onde eu estou...
— E você, tem experiência com vampiros?
Duda sorriu levemente, sem responder.
— Ai, Duda, você me diverte! Sua mãe também vai me odiar se descobrir que eu ajudei você - volveu ela com um sorriso maroto.
Da. Dalila era uma senhora de 50 anos, alegue e esportiva, com um gosto especial por carros de corrida. O oposto da filha, Amanda, que às vezes fazia mais o papel de mãe.
— Chegamos. A rua é esta.
— Cadê a loja? - perguntou Duda, ansioso.
— Logo descobriremos. Deixa eu estacionar aqui nesta vaga mesmo. É muito difícil conseguir um lugar na cidade.
Duda saiu do carro e ficou orientando a avó, que, com alguma dificuldade, tentava encaixar o pequeno carro num imenso espaço.
— Deixe-me ver o número - pediu Da. Dalila, saindo do carro e estendendo a mão para o neto, que lhe passou o pequeno pedaço de papel.
Os dois caminharam pela rua e rapidamente Da. Dalila avistava a discreta fachada da loja.
— Funerária Além da Vida. É ali, Duda. Está vendo uns caixões na entrada? - disse Da. Dalila, encaminhando-se com o neto para a loja.
— Não esquece, hem, vó! O sujeito vai tratar a senhora com muito respeito e, enquanto você o distrai, eu vou fazendo as minhas investigações...
— Como você tem tanta certeza que o rapaz vai me tratar com educação?
— Ora, vovó, ele é vendedor; e, além disso, é assim que os vilões fazem nos filmes.
— E se nós dermos de cara com o vampiro? - perguntou Da. Dalila, assustada, acreditando na história do neto.
— Ele não é trouxa de aparecer em público. Fica fria, vó.
Entraram na loja.
Da. Dalila começou a fingir que estava interessada nos caixões, e assim foi andando pela funerária.
Duda, ao contrário da avó, não tinha a mínima discrição; observava tudo sob os olhos do criado do vampiro, que o vigiava continuamente.
Por fim, ele aproximou-se de Da. Dalila e cumpriu todo o ritual do bom vendedor:
— Bom dia, senhora. Em que posso servi-la?
Apesar da tentativa de ser gentil, Da. Dalila pôde perceber que a simpatia não era uma das virtudes do homem.
— Bom dia. Estou procurando um caixão...
— Para quê? - disse o criado do vampiro, automaticamente.
— Para nada - respondeu Da. Dalila, traída pelo nervosismo. - Hã... quer dizer, como? - indagou ela, tentando retomar a conversa.
— Desculpe-me, senhora. Na verdade, a minha pergunta não foi adequada. É evidente que a senhora procura um caixão para alguém, não é mesmo?
— Não... - disse ela, hesitante.
O criado do vampiro espantou-se.
Então, ela murmurou:
— É... é para minha irmã, coitada. Faleceu há um mês...
— Há um mês! - estranhou ele.
O criado do vampiro indicou uma cadeira para Da. Dalila, em frente a uma pequena escrivaninha, e em seguida também se sentou.
Sua dúvida, porém, não se dissipara:
— Sua irmã morreu há um mês e a senhora ainda não a enterrou?
— De certa forma, sim - continuou ela -, pois há coisa de um mês ela entrou em coma quando caiu no banheiro...
— Ela entrou em coma quando caiu no banheiro... - repetiu o homem, estranhando a história.
— Ela não caiu simplesmente; ela pisou no sabonete...
— O quê?!
Enquanto Da. Dalila tentava distrair o criado do vampiro com aquela conversa sem sentido, Duda xeretava por todo lado à procura de alguma coisa que pudesse incriminar o homem que, segundo ele, camuflava suas atividades demoníacas disfarçando-se de agente funerário.
O criado do vampiro mantinha Duda sob vigilância. mesmo conversando com Da. Dalila.
— Pois é - insistia ela -, minha irmã estava tomando banho calmamente, quando pisou no sabonete e escorregou...
— Ah! Ela caiu no banheiro, bateu com a cabeça e por isso entrou em estado de coma...
— Pois é, bateu com a cabeça na borda da banheira, teve uma hemorragia interna. Parece que um dos vasos sanitá... digo, sanguíneos do cérebro rompeu-se. Segundo o médico, a situação piorou e aí...
— Já entendi - disse ele, compreensivo. - Não precisa continuar a me contar tão terrível tragédia, minha senhora, eu compreendo que essa história deve deixá-la transtornada... Bom, já que ela vai morrer com certeza, eu vou lhe mostrar uma coisa...
O agente funerário tirou um livro preto de uma das gavetas da escrivaninha e, quando ia passá-lo a Da. Dalila, viu Duda abrindo o velho armário que ficava ao fundo da loja com documentos e outras papeladas.
— Ei, garoto! Não pode mexer aí, não! - falou ele em tom severo.
— Duda! Não seja metido, menino! - reforçou Da. Dalila, tentando disfarçar. - Saia já daí!
Duda saiu do armário e foi sentar-se num banco de madeira que ficava em frente a uma paisagem pintada na parede. Ficou admirando a pintura.
— O senhor me desculpe - disse Da. Dalila -, eu não queria trazê-lo, mas não tinha com quem deixar...
— Não tem problema, crianças são assim mesmo - retrucou ele com falsa compreensão. - Voltemos aos caixões...
— Pois não - concordou Da. Dalila.
O criado do vampiro abriu o livro preto mais ou menos no meio e colocou-o ao alcance dela. Havia vários tipos de caixões desenhados.
Da. Dalila folheou o livro como se estivesse realmente interessada em comprar algum.
Duda levantou-se do banco de madeira e começou a examinar a parede pintada, que ia desde o teto até o rodapé.
O criado do vampiro, inquieto, olhava constantemente para trás, a fim de vigiar o garoto.
Duda continuava a examinar a parede. Passava o dedo indicador pela pintura como se tivesse percebido algo.
A mulher escolheu aleatoriamente um dos caixões do mostruário e indicou o modelo ao agente funerário, que estava cada vez mais preocupado com a investigação de Duda.
Da. Dalila percebendo a excitação dele, tratou de agir...
— Eu gostei muito deste modelo aqui - disse ela, como se estivesse escolhendo um vestido novo e não um caixão, tal o entusiasmo.
— Sei... - disse o criado do vampiro, profundamente incomodado com Duda. - Olha, minha senhora, não vou enganá-la, este modelo que a senhora escolheu é um dos mais caros. A senhora pode ter uma noção de como ele ficará depois de pronto pelo desenho. Repare como ele é todo trabalhado manualmente. É um trabalho de artista!
— É muito caro, é? - perguntou ela, representando um desânimo digno de uma grande atriz.
— Depende. Qual é a altura da sua irmã?
— Mais ou menos a mesma que a minha - volveu Da. Dalila, levantando-se e fazendo um estardalhaço proposital.
Nesse momento, Duda acabava de achar uma passagem secreta na parede pintada. Mas, quando se preparava para abrir a porta, o homem se levantou e disparou para lá, fumegando.
— Feche isso, garoto!
Duda pulou para trás, assustado.
— Que que tem ali?
O criado do vampiro postou-se à frente da porta secreta.
— Não tem nada, garoto - disse ele, ofegante.
— Então por que o senhor não deixa a gente ver?
— Minha senhora, quer fazer o favor de pedir ao seu neto para não ficar bisbilhotando, quer?
— Duda! Não faça isso, menino! Venha sentar-se aqui do meu lado - ela continuava a fingir.
— Vó, aqui tem uma passagem secreta! - falou Duda com falsa ingenuidade.
— Que passagem secreta o quê! - gritou o criado do vampiro, tentando abafar o assunto.
Ele tirou uma chave do bolso do paletó preto e fechou a tal porta com ela. A fechadura estava muito bem camuflada pela pintura.
— Assim ninguém pode trabalhar em paz! - praguejou o homem.
Duda foi para junto da avó.
Quando o criado do vampiro voltava para seu lugar a fim de continuar o negócio, Da. Dalila levantando-se, sugeriu:
— Vamos fazer uma coisa, moço. Podemos deixar para resolver isto amanhã, na parte da tarde; eu virei sozinha e então nós acertaremos tudo com detalhes, correto?
— Como a senhora quiser. Mas eu pensei que sua irmã precisasse do caixão logo...
— Não. Ela pode esperar até amanhã - disse Da. Dalila, convincente.
— Bem, faça como a senhora achar melhor.
— Está bem. Então amanhã, na parte da tarde, eu venho. É melhor. Meu neto vai estar na escola e assim não importunará.
— Tudo bem. Eu estarei aqui. A senhora me desculpe, mas é que eu não tenho paciência com crianças; não estou acostumado com elas.
— Eu é que peço desculpas ao senhor.
— Nem pense nisso. O problema é comigo mesmo. Às vezes eu penso que já nasci deste tamanho.
— Então até amanhã, seu...
Da. Dalila estendeu a mão, mas ele não retribuiu, confirmando a impressão que ela havia tido dele no início.
O criado do vampiro não disse mais nada, nem os cumprimentou.
Da. Dalila e Duda saíram da loja.
— Não tem paciência com crianças, hem! - murmurou Duda. - Só quer o sangue delas para o mestre, né?
Os dois foram caminhando em sentido contrário ao do tráfego, até chegarem onde estava estacionado o Puma conversível.
— Viu como o cara tem culpa no cartório, vó? - comentou Duda, entrando no carro.
— Você tem razão - retrucou Da. Dalila, com a atenção voltada para o trânsito. - Ele ficou nervoso quando você descobriu aquela passagem secreta na parede! Ali deve ter alguma coisa muito importante, meu filho...
— Eu acho que o caixão do vampiro está escondido lá dentro. Que que você acha?
— E o que mais poderia ser?
— É por isso que devemos voltar pra investigar...
— Ah, não, Duda! Eu não aconselharia você a se intrometer nisso. Agora é que seria a hora de convocar o Ferretti e o Elias. Eu poderia testemunhar que a atitude do homem da funerária foi muito suspeita diante daquela passagem secreta, mas eu não gostaria de ver você metido em confusão. Sua mãe me mataria!
— Por que você não quer me ajudar, vó?
— Não, Duda, amanhã eu viajo para Goiânia; vou acompanhar todos os movimentos da próxima etapa do Campeonato Brasileiro Fórmula 3. Você promete pra mim que não vai se meter em confusões?
Duda, colocando a mão direita para trás do banco e cruzando os dedos, disse cinicamente:
— Palavra de escoteiro.
Da. Dalila e Duda continuaram o trajeto de volta.
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