“Sempre sabe o que vou fazer, não é?”

 “Quase sempre”

 “Um dia destes vou surpreende-lo.”

 “Não faça isso. Eu adoro que seja previsível.”

 “Eis o que uma mulher quer ouvir.”

 “O que é que uma mulher quer ouvir?”

 “Quem dera eu soubesse”

Essas foram as palavras que viraram a chave dentro de mim.

Eu notava que o Jane estava um pouco enciumado com meu namoro, mas isso seria normal porque trabalhamos juntos a muitos anos. E eu meio que gostei de vê-lo desconfortável com essa situação porque não acho que seria diferente comigo.

Jane raramente sai do “personagem” de homem distante e irônico, embora charmoso. Me deu um prazer intenso vê-lo evitar conversar sobre minha mudança de estado porque não ficava a vontade, porque eu também não ficava a vontade para falar com ele sobre isso.

Então ontem tivéssemos esse diálogo onde não dissemos muita coisa, mas nossos olhares não se desgrudaram. Não lembro do Jane ter olhado para mim daquela forma antes. Eu nunca olhei para ele daquele jeito.

De onde diabos surgiria um clima entre a gente?

Somos amigos a mais de 10 anos, já passamos por muita coisa juntos. Eu o ajudei a obter sua vingança contra Red John, sempre me preocupei com ele, mas nunca antes houve indícios de que teríamos um romance em algum momento de nossas vidas.

Eu sequer pensei nisso.

Bem, sequer não é a palavra. Eu já pensei no Jane como homem. Seria impossível não fazer isso trabalhando ao lado dele o tempo que trabalho. Ele é um homem bonito, basta olhar para ele. Olhos de um azul profundo que me fazem ter vontade de chegar perto pra ver porque brilham tanto, um sorriso que derrete qualquer geleira e claro, aquele charme irresistível que tanto faz a gente ter vontade de beijá-lo quanto de bater nele.

Durante os anos que trabalhamos juntos vi muitas mulheres ficarem fascinadas pelo pacote que ele oferece. Acho que por isso eu nunca achei que fosse algo de outro planeta achar meu parceiro de trabalho um homem interessante.

Jane foi mudando neste tempo conosco. Do homem quebrado que chegou a CBI até o homem que atirou contra o Xerife foi um longo caminho. Ele não perdeu toda a arrogância, mas não tem mais vergonha de mostrar o quanto se importa com as pessoas que lhe são caras. Agora eu acho que o Jane está buscando o que fazer daqui pra frente. Inclusive amorosamente.

Antes dele terminar com o Xerife não havia espaço em Jane para um relacionamento. A morte de sua esposa e filha era uma ferida aberta, escancarada para quem se aproximasse. E poucas se aproximaram, que eu percebesse. Cristina Frye, Erica Flynn, Lorelei. Destas, Cristina foi a única que eu acho que gostou do Jane de verdade, as outras só queriam usá-lo, o que justificava meu ciúme. Eu assumo meu ciúme nestes anos, mas eu estava muito perto do Jane o tempo todo. Eu era como uma enfermeira que não deixava a ferida amorosa do Jane infeccionar, o que poderia acontecer se uma mulher errada o conquistasse.

Ah, Jane, Jane. Tantos anos, porque agora você olhou para mim daquela forma, como se me desnudasse inteira?

Porque agora que eu namoro um cara perfeito ?

Ou porque você concluiu sua vingança pessoal e pode seguir em frente ?

— Teresa ? Está realmente tudo bem ?  Ouvi a voz de Marcus me chamando longe, mas ainda assim demorei a sair do transe. Meu namorado olhava para mim amorosamente. Eu sorri pensando no que dizer.

Meu namorado é uma pessoa maravilhosa, o problema ultimamente estava comigo. Eu que andava com a cabeça em outro planeta.

Pike me atraiu de cara, gosto de homens como ele, seguros, morenos. Não achei que nosso namoro fosse durar, mas já estamos juntos a um tempo. Gostamos de ficar juntinho, ver filme, jantar em locais especiais. A gente se entende bem, nunca tivemos uma briga. Acho que jamais vou conhecer alguém tão compreensivo.

Mas hoje eu não estava num bom dia. Eu estava aérea, irritada. Meu namorado quis ver Casablanca, mas diante da historia do filme optamos por um ver um jogo de baseball, mas em algum momento eu fiquei ali olhando o placar e voei. 

Algo muito errado estava acontecendo comigo, eu sabia. Desde que meu namoro começou eu percebi que tudo indicava uma relação séria e responsável, como eu sempre sonhei. E curiosamente tudo deveria estar bem comigo. Mas não estava, desde ontem não estava mais.

Eu deveria estar comemorando, explodindo de alegria e distribuindo felicidade porque o cara que me namora quer ter, cada vez mais, uma relação séria. Eu namoro um cara que me ama, que me respeita, está sempre comigo e muitas outras qualidades.

Mas tudo que eu sinto é um aperto no peito como se nada fizesse sentido.

Fiquei olhando pra cara do Pike pensando no que responder ali na sala do apartamento dele, numa noite onde eu não estava com clima para nada.

— Quem dera eu soubesse. Eu respondi para o Marcus a mesma frase que disse ao Jane. Era o meu lema pelo visto.

Quem dera eu soubesse o que me deu naquela mesa onde eu não consegui tirar os olhos do meu parceiro profissional. Quem dera eu soubesse por que não digo, sem dúvida alguma, que me mudo para Washington, que vamos ser felizes. Quem dera eu soubesse por que não consigo simplesmente dizer sim sem me preocupar com mais nada. Quem dera eu soubesse o que é isso que há dentro de mim, como se esperasse algo que eu nem sabia que havia possibilidade.

— Tá tudo bem, eu entendo. Pike falou compreensivo e eu quase senti raiva dele. Que droga de homem é esse que eu estou aqui pensando em outro e ele entende ? Na verdade o Pike não sabe que penso no Jane, ele não sabe o que nossa relação significa na minha vida, embora tenha ideia de que gostamos um do outro. Mas Pike nunca perguntou nada do Jane para mim, ele confia quando digo que não há nada entre eu e meu parceiro. Pike apenas acha que tudo isso é pela mulher independente que sou, que essa mulher tem medo de encarar uma vida em comum com ele.

Não há como contar ao Marcus o que está me afligindo. Como posso dizer :  Olha, Marcus, o Jane hoje me olhou fundo nos olhos e me perguntou o que uma mulher quer ouvir, como se me pedisse uma direção. E desde então eu só consigo pensar nos olhos azuis do Jane e porque não nos beijamos naquela mesa.

Não posso fazer isso com o Marcus, ele é um bom cara. Um homem bom, honesto, comprometido. Num futuro próximo quer se casar e ter uma família comigo.

Estranha sou eu que não consigo entender porque isso não me satisfaz.

— Eu preciso ir para casa, hoje foi um dia cheio no trabalho. Sinto muito não ser uma boa companhia essa noite. Eu dei um beijo no meu namorado, não pensando na mentira de culpar o trabalho por algo que não era nem um pouco profissional.

— Você ainda não perdoou o Jane por mentir para você sobre o julgamento? Pike me olhou e eu espremi os olhos, como o Jane dizia que eu fazia quando algo me irritava profundamente. Como seu eu criasse antenas. O que eu posso fazer para te ajudar sobre isso, Teresa ?

Eu olhei em espanto para o meu namorado. Qual é o problema masculino que é preciso que as mulheres sempre digam o que querem ?

Sem conseguir responder, apenas acenei e fui embora para casa. Eu precisava ficar sozinha e ele não poderia realmente fazer nada para me ajudar. Não ele.

—

Eu cheguei em casa depois de dirigir devagar pelas ruas, olhando as vitrines, as pessoas nas ruas, pensando se elas sabem o que querem ou se são como eu, indecisas diante da melhor oportunidade da vida pessoal.

Se as pessoas também querem fugir sempre que a vida parecer querer dar um salto em direção a algo novo.

Me sinto mais calma quando deito na minha cama sem ao menos tirar a roupa de trabalho do corpo. Eu só preciso de escuridão e silencio.

Marcus me mandou uma mensagem perguntando se eu cheguei bem em casa, me desejando boa noite.

Jane ? Nenhuma palavra sobre nada. Age como se nada houvesse acontecido.

Soube que ele foi a uma boate com a Kim para tentar criar confusão com o suspeito, o que é bem a cara do Jane.

Será que a Kim era o tipo dele ? Será que ele gostava de mulheres dengosas, sempre prontas a dar um piti porque a unha quebrou ? Sexy sim, bonita, mas mimada demais. Eu não, não tenho essa verve sexy , eu sou básica, sou uma mulher decidida, forte.

Acho que estou enlouquecendo, só pode. Como posso permitir que o Jane fique no meio do meu relacionamento com o Marcus dessa forma, meu Deus. Estou aqui pensando no que o Jane estaria fazendo com a Kim numa boate.

E o Jane ainda deve saber que estou aqui pensando nele. Desgraçado. “Não faça isso. Eu adoro que seja previsível.” Odeio ser previsível, principalmente para ele. Eu gostaria de ser uma mulher misteriosa, provocante, que agora estivesse tirando o sono do todo convencido Patrick Jane tanto quanto ele está tirando o meu.

Meu celular vibrou aqui, deve ser outra mensagem do Pike, coitado, preciso dar alguma explicação. Embora eu não tenha uma.

EI LISBON,

TUDO CERTO AQUI COM A FISCHER.

O MAFIOSO VAI QUERER ME MATAR, VAMOS PEGA-LO AMANHA.

TENHA UMA BOA NOITE.

J

Ora ora, então Patrick Jane lembrou de me dar notícias. Acho que eu ficar brava com ele mais cedo, antes do jantar, fez algum efeito.

Devolvi apenas um OK. Não era uma boa hora para falar com o Jane, não com essa confusão toda dentro de mim.

— DIAS DEPOIS

Nós pegamos o culpado, assim como Jane previra. Ele raramente erra.

Quando muita gente me pergunta como dei conta de trabalhar com um cara de soluções pouco convencionais como ele eu gosto de dizer que a taxa de solução dele faz a gente aceitar qualquer maluquice que ele proponha para resolver um caso. Mas a verdade é que trabalhar com o Jane muda a gente. Eu seria muito mais protocolar se ele não fizesse parte da minha equipe. Ele nos tornou mais perspicazes, nos tornou policiais melhores. E nós também o melhoramos, Jane não era a pessoa mais honesta que conhecíamos. Longe disso. Eu gosto de pensar que o tornamos até menos arrogante, embora quando o veja aprontando aqui no FBI eu tenha minhas dúvidas.

O dia de hoje foi melhor para mim, depois de passar uma noite sozinha eu decidi que o Jane não iria mais perturbar os meus pensamentos. Ele estava com ciúme do meu namoro, eu estava confusa com esse ciúme dele, tivemos um momento, ponto final. Não vai mais se repetir.

Eu até pensei em chamar o Jane para jantar, conversar com ele, tentar descobrir o que estava acontecendo comigo, mas como ele age como se nada tivesse mudado entre nós eu fiz o mesmo e tão logo acabamos com a prisão eu vim correndo pra casa.

Agora estou aqui fazendo um jantarzinho para o Pike que me aguarda na sala escolhendo música pra ouvirmos. Não era um pedido de desculpas, nós sequer brigamos, mas eu devia uma explicação sobre a noite de ontem. Uma explicação que eu sabia que ele aguardava. Eu diria que Jane estava enciumado e estava agindo diferente comigo por causa disso. E eu, como amiga dele a anos, não estava me sentindo confortável.

E que eu não estava fugindo de dar uma resposta ao pedido do meu namorado para mudar de cidade, eu apenas estava pesando as opções.

Minha fase de fugir já havia terminado, isso eu não diria a ele, mas concluía para mim apenas.

Durante anos eu fui perita em fugir de relações e explicações, fugi dos meus irmãos, quando eles cresceram e eu não podia mais ser mãe deles.

Depois fugi quando não quis concretizar meu noivado e me casar, fugi para não magoar meu ex noivo ao dizer a ele que não queria ter a vida que meus pais tiveram.

Fugir do interesse do Bosco foi o correto. Ele era comprometido e eu não queria me meter no relacionamento dele. Mandy era uma mulher maravilhosa.

E Walther Mushburn não foi fuga, foi uma noite para saciar minha curiosidade. E a dele. Foi uma deliciosa aventura com um homem que usava gola role, francamente, quem poderia resistir ?

Então agora eu queria fugir do Pike pensando que estou atraída pelo Jane. Mas seria um erro. Eu merecia o Pike e a vida que ele me oferecia.

E o Jane nem faz meu tipo, para começar. Eu gosto de homens muito altos, másculos, fortes, seguros. Jane não é nada disso. Tem altura normal para homem. Não é moreno, ao contrário, tem cabelos de um loiro ártico, pelo bronzeada de sol, cachos dourados, sobrancelhas loirinhas, dentes muito brancos.

O que estou fazendo ? Apaga isso tudo, não vou enumerar as características do Jane. Eu gosto do Marcus e seus braços bem torneados, seu jeito doce e protetor, sua segurança. Eu estava vivendo uma fase de dúvida. Acontece muito. Mas tudo que eu precisava estava comigo ali naquele momento. Marcus Pike.

— Teresa ? Estava longe de novo. Pike estava me chamando a algum tempo, creio eu. Ele estava na cozinha olhando para mim com uns CDs nas mãos, me pedindo para escolher entre Michael Buble ou Spice Girsl.

— Estava ? Me desculpe, estava ordenando as ideias para falar com você. Eu te devo uma explicação do que anda me incomodando estes dias e agora eu....

A campainha interrompeu minha fala.

— Você está esperando alguém ? Ele perguntou solícito e quando eu disse que não  ele me disse para continuar mexendo a panela e foi em direção a sala.

Ouvi sua voz me informando.

— Teresa, é o Jane.