Um mar de distância escrita por Kacchako Project


Capítulo 2
Capítulo 2 - Encontros




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— Como vão seus amigos, Katsuki? — Ryuko perguntou enquanto o observava tipicamente mal humorado na poltrona à frente.

Essa, sem dúvidas, era a pior parte do seu dia. Encontrar a psicóloga duas vezes por semana, ao final da tarde, era mil vezes pior que levar um caixote na praia, e olha que Katsuki conhecia bem a sensação, já que estava tendo aulas de surf praticamente todos os dias. Só que ele sabia muito bem que tipo de informação a mulher queria extrair dele, até porque, agora, não era mais o garotinho “inocente” que falava, para quem quisesse ouvir, ser amigo de uma sereia. Aos dez anos já sabia como contornar, pelo menos em parte, a confusão que causara a quatro anos atrás, no dia do acidente. 

Porém, nada do que ele fizesse ou dissesse fazia Mitsuki mudar de opinião e tirá-lo daquelas malditas sessões de terapia. Mesmo assumindo para a psicóloga que tinha uma amiga imaginária, e que na época tinha se perdido de propósito por estar triste pela ausência do pai; a mãe jamais interrompeu as sessões. Mas o que diabos essas mulheres queriam? Para ele, a resposta só podia ser uma: Mitsuki estava empenha em castigá-lo até o fim dos seus dias. 

— Devia perguntar você mesma — respondeu, curto e grosso.

— Eu perguntaria se eles precisam de terapia — retrucou elegantemente. 

— Talvez precisem, Kirishima disse que viu um Umibozu na praia esses dias.

— O que seria um Umibozu, Katsuki? — perguntou séria, fazendo uma anotação no caderno.

Droga! Ele não devia ter usado esse termo, já que era uma palavra que Ochako lhe havia ensinado. Katsuki bufou, frustrado, devia ser por isso que sua mãe não o tirava da terapia.  

— É um monstro marinho que mora na costa do Japão, ele devora pescadores, pessoas enxeridas e surfistas que não sabem fazer um pop-up. — Ela arqueou as sobrancelhas e fez sinal para que ele explicasse. — Tsk... É uma manobra básica de surf… um movimento pra subir na longboard. Tem que empurrar ela pra baixo e firmar os pés para conseguir subir.   

— Hum… — disse, fazendo outra anotação. — Sua mãe me contou que você e o Kirishima têm surfado juntos, e que você tá ajudando ele com a lição de casa.

Mitsuki compartilhava com Ryuko todos os detalhes que julgava importantes,  só queria se livrar das preocupações. Apesar da psicóloga lhe dizer, constantemente nos últimos dois anos, que não havia motivos para se preocupar com amigos imaginários ou conversas com sereias, pois isso apenas significava que Katsuki era uma criança saudável e com muita imaginação, ela não podia evitar a angústia que sentia.

Afinal, foi muito estranho ver o filho tão empolgado para voltar ao mar logo após um acidente, crianças normalmente ficam traumatizadas e nunca mais querem voltar a nadar. E vê-lo falar sem parar sobre sereias, assim como sobre fantasias submarinas, seria até trivial se ele não fosse tão convincente. Katsuki acreditava com todas as forças que tinha uma amiga sereia que ela não podia conhecer, por sua vez, Mitsuki ficava com receio de seu filho ter ainda mais dificuldades de fazer amigos reais, visto que já era ranzinza por natureza e não fazia amigos facilmente.  

Além disso, a sereia e todo esse ‘faz de conta’ aparecera justamente quando seu marido morrera, fato que a deixava ainda mais aflita. E se Katsuki estivesse com problemas emocionais? E se eles não conseguissem superar isso? Eram coisas demais em sua cabeça, por esses motivos decidira fazer terapia, e  por essas mesmas razões, manteria as sessões até que tivesse a certeza que estava tudo bem. 

Porém, Katsuki não entendia tais inquietações, apenas tentava ao máximo evitar o assunto perto da sua velha, pois sabia que de alguma forma isso a estressava. Mas por que ela tinha que ficar falando dele e de todos os passos que dava? Mas que droga! Mitsuki devia falar apenas dela mesma, afinal era tão problemática quanto ele.

Ainda bem que não faziam mais as sessões nos mesmos dias, se não ele explodiria de raiva agora mesmo, do mesmo jeito que explodira no dia que ambos foram expulsos do consultório e foram proibidos de aparecerem ali juntos. Ele nunca esqueceria, mas também não ousava repetir a dose, afinal, Ryukyu parecia um verdadeiro dragão quando se irritava — que ela não ouvisse tal comparação —, imponente e impetuosa, não era uma cena que Bakugou gostaria de ver com frequência.

— Até tento, mas ele é muito burro. — Deu de ombros e virou o rosto em direção à janela. Maldição! Já era final do dia, ele perderia o pôr do sol.

— Não deveria falar assim dos seus amigos — advertiu-o. 

— Ele não é tão meu amigo assim, não como a Och… — interrompeu-se, como se tivesse tido um surto de lucidez. — Minha longboard… é nova.

— Hurum — disse, olhando-o nos olhos. — Fico contente que esteja gostando de surfar, mas uma prancha…

Longboard! — corrigiu, interrompendo-a de propósito.

— Mas uma longboard ou uma sereia não podem ser mais suas amigas do que uma pessoa real. É ótimo que tenha imaginação e criatividade na hora das brincadeiras, nossa imaginação é a primeira fonte de felicidade que temos¹, podemos contar com ela pra tudo, mas não podemos nos esquecer das pessoas que estão perto de nós, principalmente, a família.

Droga de psicologia barata! Como ela podia fazê-lo se sentir tão culpado? Por isso, talvez, só talvez, pegaria mais leve com Kirishima, talvez um dia também levasse sua mãe para ver o sol se pôr das pedras. Claro, um dia que não estivesse surtada, quem sabe depois da escola…

— Tanto faz — resmungou, derrotado.

— Excelente! — Ryukyu sabia que aquilo era o máximo que conseguira dele, podia não parecer, mas haviam feito um bom progresso hoje.

 

[...]

 

Bakugou finalmente estava livre! Tão livre quanto uma criança pode ser em uma sexta-feira à noite. Tinha autorização para fazer o que quisesse após a terapia, um momento de descanso tanto para o menino quanto para mãe; e ele não queria desperdiçar nem mais um minuto da sua liberdade. Na verdade, já estava até atrasado para o segundo encontro do dia, que diferente do anterior, causava-lhe extrema satisfação. Só quem não deveria estar nada contente era Ochako, pois já havia passado duas horas do horário combinado; teria sorte se ela ainda estivesse lá e somente o derrubasse da prancha.

Por isso, correu até a praia o mais rápido que suas pernas infantis permitiam. E se tinha uma coisa que Katsuki adorava em Joudagahama, era o fato de que todas as ruas pareciam um rio, todas desaguavam no mar. Nenhum lugar era longe demais da praia, inclusive o consultório, mas não podia dizer o mesmo do ponto de encontro, que era sempre o mesmo: a Sansuton ou Pedra do sol; local em que se conheceram e compartilharam o primeiro pôr do sol. Desde então, tornou-se o lugar favorito da dupla, simplesmente, o melhor lugar entre os dois mundos. 

Contudo, para chegar na Sansuton, Katsuki tinha que remar até o final do rochedo, contorná-lo e passar pela Gruta Azul. Apesar de ser longe, era teoricamente fácil pois conhecia o caminho como a palma de sua mão; a única coisa que o deixava apreensivo era a falta de luz durante o caminho. Ao vislumbrar o crepúsculo do dia, no horizonte do mar de Joudagahama, Bakugou hesitou em entrar no mar. Em hipótese nenhuma estava com medo! Era só um frio na barriga, afinal era a primeira vez que percorreria aquele trajeto sozinho ao anoitecer.

Havia um misto de ansiedade e nervosismo; sentimentos normais para qualquer explorador, principalmente para aqueles que, assim como ele, faziam descobertas incríveis e tinham um segredo para guardar. Por esse motivo, respirou fundo, alongou o corpo, segurou firme sua longboard, e entrou com tudo no mar. As águas frias de outono logo o banharam por completo, sentiu o frio aumentar — devia ter vindo com uma roupa apropriada para nadar —, mas nada nunca o impediria de encontrar Ochako. Talvez, só o fato de ela não estar mais lá. Não, ela estaria! Tinha certeza!

E com toda essa certeza Katsuki remou por todo caminho o mais rápido que pôde. Teve alguns contratempos: esbarrou algumas vezes nas rochas, caiu da prancha, quase ficou preso na entrada da gruta, mas, definitivamente, nenhuma dificuldade impossibilitava o destemido Bakugou Katsuki! E a recompensa não foi outra senão Ochako lhe esperando, sentada na pedra e contemplando a chegada do céu estrelado.

— Tá atrasado, Kacchan! — repreendeu-o — Perdeu a despedida do sol.

— Tsk… pelo menos eu vim, Bochechas!

A sereia cruzou os braços, irritada; odiava o apelido e odiava ficar esperando.

— Eu ia te dar uma coisa, mas não vou mais! — Mostrou a língua.

— Eu também ia te dar uma coisa, mas não vou te dar mais, bochechuda! — declarou, aproximando-se e sentando ao lado da sereia. — Vou comer essa jujubas cheias de açúcar sozinho!

Sacudiu a pequena embalagem fechada que trouxera escondido no bolso da bermuda, que por sorte não se perdeu no mar, bem na cara de Ochako só para provocá-la, até porque ele não era fã de doces. E tão certo quanto o pôr do sol dia após dia, ela virou-se para ele com olhos brilhantes e falou:

— Ah, Kacchan, me dá! Por favorzinho! — choramingou.

— Não! — recusou abrindo o pacote.

— Ah, Kacchan! — choramingou mais uma vez — Se você me der as jujubas… eu te dou isso.

Ergueu um dente de tubarão do tamanho do dedo indicador deles. E sem hesitar, nem por um segundo, Katsuki trocou as jujubas pelo dente de tubarão.

— Uau! — exclamou maravilhado. — Como conseguiu?

— Eu achei no fundo do mar… — respondeu rápida, enquanto se deliciava com a guloseima.

Não era a história emocionante que Katsuki esperava, mas não deixava de ser irrado, muito irado, o fato de ter um dente de tubarão. Afinal, quantas pessoas tinham um? Ele só teria que inventar uma história bem convincente para sua velha e para Kirishima, sem dúvidas, eles o importunariam por causa disso.

— Dá pra você fazer um… um… Como é mesmo o nome? — Ochako batia o dedo no queixo pensativa.

— Um cordão? 

— Isso! Um cordão! Os humanos inventam tantas coisas legais… — disse, comendo a ultima jujuba do pacote. — Você podia ter trazido mais, Kacchan!

— Tsk… — resmungou, revirando os olhos. — Você devia ser uma formiga, não uma sereia.

— O que é uma formiga?

E lá ia ele explicar o que é uma formiga; era assim que passavam a maior parte do tempo. Brigavam, provocavam-se, e conversavam por horas. Ochako sempre queria saber tudo sobre a superfície, e mesmo impaciente, Katsuki falava e explicava tudo que sabia. Não havia assunto chato, segredos ou dificuldades para eles; eram os amigos mais improváveis da face da terra, por isso, nada parecia impossível para os dois.

— Se eu fosse uma formiga, não precisava migrar no inverno.

— É… — concordou tristonho.

Por mais inseparáveis que fossem, sempre havia algo que os distanciava, o inverno era um bom exemplo. Na estação, todas as sereias que moravam no Pacífico migravam para as águas quentes equatoriais do Oceano Atlântico, e só voltavam na primavera. Katsuki já odiava frio, e não poder estar com Ochako o fazia odiar ainda mais.

— Mas se fosse uma formiga, não íamos conseguir brincar e nem...    

— Olha, Kacchan! O céu tá caindo! — interrompeu-o, assustada, e apontou para o céu estrelado.

— Quê? 

— Ali! — respondeu, virando o rosto dele na direção correta.

— Ha! É uma estrela cadente, Bochechas! — Riu da cara assustada que ela fazia. — O céu não tá caindo…

— Então, será que é assim que as estrelas chegam no mar? — A sereia estava deslumbrada com o fenômeno.

— Claro que não… — Revirou os olhos. Quantas vezes ele teria que explicar que uma não tinha nada a ver com a outra? 

— Eu acho que sim! — afirmou, convencida.

Sereia cabeçuda! Quando colocava uma coisa na cabeça não tinha ninguém que a fizesse mudar de ideia. Katsuki nem perderia seu tempo tentando.

— Mas você pode fazer um pedido, minha mãe disse que elas realizam desejos.

— Oh... que expetacular! — revelou, encantada com a notícia. — Eu desejo que eu e o Kac…

— Não pode ser em voz alta, sua tonta! — Ele a interrompeu, mas foi totalmente ignorado.

— Eu desejo que eu e o Kacchan sejamos melhores amigos para sempre! — falou, abrindo um largo sorriso em seguida.

A declaração pegou Katsuki de surpresa, fazendo-o ficar um pouco corado e envergonhado, mas não era nada que já não pretendesse fazer ou manter pelo resto da vida. Ochako era a parte mais emocionante e fantástica da sua vida, na sua opinião, não era necessário fazer tal pedido a uma estrela cadente.

— E você, Kacchan, o que vai pedir? — questionou, curiosa.

Se ele pudesse realmente ter um desejo concedido, obviamente, seria ter seu pai de volta. Porém, ele sabia que isso não era possível. Suspirou profundamente e encarou o céu. O que ele poderia pedir? Já morava em um lugar lindo, um verdadeiro paraíso na terra; tinha um quarto enorme com todo tipo de coisa que uma criança poderia querer; apesar de toda loucura, tinha uma mãe que sempre cuidava e se preocupava com ele; já sabia nadar; e melhor de tudo tinha uma amiga sereia. Talvez pudesse pedir que ela não fosse para o Atlântico no inverno desse ano, mas isso colocaria a vida dela e da família em risco. Não, ele jamais desejaria isso! Poderia pedir que as sessões de terapia acabassem, mas sabia que nenhuma estrela cadente mudaria as vontades de Mitsuki. Então, depois de brevemente pensar e refletir, deu de ombros e disse:

— Nada, Bochechas. Eu já tenho tudo que preciso aqui! 

 


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Notas finais do capítulo

Então, o que acharam?

Eu amo demais interações infantis! Eles são uns pestinhas, mas não deixam de ser inocentes e encantadores. Aliás, perceberam que eles estão mais velhos? Isso será recorrente durante toda a história, ou seja, a cada capítulo estarão um pouco mais velhos.

Gostaria de agradecer os favoritos e comentários do ultimo capítulo, são todos muito importantes para mim. ♥

Agradecimento especial à @annaoneannatwo por sugerir a Ryuko como psicóloga, só ela mesmo pra aguentar a família Bakugou... rs' Obrigada! ♥


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É isso... Muitíssimo obrigada e até mais! ♥



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