Somos Nó(s) escrita por Anny Andrade, WinnieCooper


Capítulo 19
Respirar


Notas iniciais do capítulo

Oiii Leitoras(es) lindas(os), tudo bem?
Certamente estou muito nostálgica. Esse é nosso penúltimo capítulo, cheio de emoções e acontecimentos marcantes.
No final, vamos todos "respirar" e olhar os bons momentos da vida, mesmo que esteja difícil, é importante perceber que até a maior tristeza um dia se transforma em sol.

Boa Leitura!



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Hoje eu pude ver de perto
Que um coração aberto
Torna tudo mais fácil de acontecer

 

Estamos frente a frente.

Seguramos canecas que soltam fumaça, o liquido quente é a única parte reconfortante nesse momento. Faço contagens em minha cabeça para não acabar tornando tudo uma repetição sem fim.

Um.

Não grite.

Dois.

Seja Gentil.

Três.

Ela te ama.

Quatro.

Você a ama.

Cinco.

Já é hora de conversar.

Seus olhos estão em mim, ansiosos. É claro que ela leu a reportagem, todo o mundo bruxo deve ter lido aquelas palavras, o quanto não existia perfeição na família Granger-Weasley. Mas sinceramente não era só olhar para nós para descobrir isso? Sempre estivemos longe de sermos perfeitos. Mas isso não justifica minha parcela de culpa sobre essa situação toda.

Respiro fundo e finalmente consigo acumular a coragem necessária para falar.

― Me desculpe. – Só que sou surpreendida pela voz dela. Ela começou. – Não imaginava que fosse tão horrível. Mas percebi que sou.

Seus olhos vermelhos me revelam que ela já havia chorado, que estava prestes a recomeçar. Me sinto ainda pior do que antes. Ela não era horrível. Só um pouco.

― Mãe...

― Sabe... Eu nunca fui perfeita. – Ela diz empurrando o café para longe. – Eu tive que usar aparelhos para ter dentes perfeitos, para que parassem de rir de mim. E eu também passei longos momentos alisando e mexendo com meu cabelo, momentos que eu poderia ter lido. Eu sei que passava muito tempo lendo, mas eu teria tido ainda mais tempo. Eu nunca fui perfeita.

― É claro que não, porque ninguém é perfeito. – Respondo. Sem gritos. – Principalmente uma garota.

― Por que acham que eu levo a vida perfeita, que escondo as coisas? – Hermione parece mais cansada que o normal. – Por que você me odeia?

― Eu não te odeio. – Respiro mais algumas vezes. – Eu não poderia te odiar, eu só não aguento o quanto você espera que eu seja quem não sou.

― Não quero que seja outra pessoa, só quero te proteger. – Ela segura em minhas mãos. – Não quero que precise passar por tudo que passei, o mundo pode ser cruel.

― Todo mundo espera que o mundo seja cruel, mas não se espera que nossa mãe também seja. – Uso toda minha sinceridade. – Eu já passei por coisas suficientes para aprender a me proteger sozinha.

― Rose...

― Eu vim aqui para me desculpar pelos gritos, pelo artigo daquela morcega velha e brega. Mas talvez seja hora de conversar. Então eu vou falar, tudo bem?

Ela acena afirmativamente.

Eu tento parecer tranquila, mesmo não sabendo que rumo tudo vai tomar.

― Você me sufocava. Sufocava com todas as regras, com todas as palavras duras, com o jeito que me olhava enquanto eu comia, me sufocava a cada visita em lojas de departamento. – Vejo que as lágrimas escorrem em suas faces, mas continuo falando. – Depois que virou Ministra. Tudo só piorou. Me sufocava ainda mais, com aquelas festas, com as roupas bonitas, com aquelas pessoas. E toda vez que chegava nervosa descontava em meu corpo. Tão grande. Tão errado.

Vejo o quanto suas mãos apertam forte as minhas. Muitas vezes gritei com ela, mas nunca gostei de vê-la sofrendo. Não dessa maneira.

― Eu te sufocava?

― Com as dietas. Você passou de mãe carinhosa para controladora de peso, treinadora de comportamento. Era Ministra fora e dentro de casa. E isso me fazia sentir vontade de fugir, às vezes de me afogar na banheira.

― Não... – Seu desespero é perturbador.

― Eu aprendi a controlar minha ansiedade, meus ataques de pânico. Com ajuda de Scorpius, ele reconheceu os sintomas tão rápido. Ele me ajudava sem julgar. Talvez por isso tenha virado amiga dele, já tinha tanto julgamento em casa. Eu só queria ser livre.

Vejo suas rugas, sua pele não mais perfeita. Seus cabelos voltaram a ter camadas, cachos, voltaram para a juba de leão que me lembro de apertar. Nem sempre fomos inimigas, existiu uma breve infância de melhores amigas que foi se perdendo ao longo da vida. Conforme o emprego dela se tornava mais chamativo, conforme eu crescia mais.

― Minha filha, eu te amo tanto. Eu não sabia que fazia tanto mal. Eu não sabia...

― Eu também te amo, apesar de tudo é minha mãe. Eu sei que estava pensando no meu bem. Papai sempre me contava o quanto tinha sido maldoso com você, o quanto você não queria que sofresse. Mas eu não queria que ele me consolasse, porque ele nunca me sufocou. Queria que você me consolasse, me dissesse que tudo bem eu ser quem sou.

― E está tudo bem.

― Mãe, já pensou em fazer terapia? Porque existem bruxos que estão se especializando nisso, porque ninguém parece achar que temos problemas emocionais, mas nós temos. Todos têm.

Vejo sua mente entrar em ação. Certamente está imaginando as manchetes Ministra da Magia procura terapia, estaria ela enlouquecendo?

― Não pense neles, sempre vão arrumar algo para escrever.

― Eu sinto muito. – Aperta minha mãos novamente. – Eu sinto muito mesmo. Eu quero te ver feliz. Te amo. Muito.

― Eu sei. Também sinto muito. Não queria gritar aquele dia, não queria te fazer passar por isso. Eu também te amo, mas preciso que entenda quem eu sou. Sou gorda, vou abrir uma sorveteria, tenho exames ótimos e um namorado maravilhoso. Eu não sou e não quero ser ninguém no ministério. Na verdade quanto mais longe de lá melhor.

Nós nos abraçamos. Sinto seu cheiro. Seu cabelo brincando em meu rosto. O tempo está passando. Não quero perdê-lo brigando o tempo inteiro. Posso seguir em frente.

― Eu te amo, mamãe. – Falo deixando que minhas lágrimas escapem finalmente.

Ela me aperta com mais força. Diz palavras que não consigo compreender. Talvez eu também tenha acabado de libertá-la. E junto também me libertei.

Respiramos.

Podemos finalmente voltar a respirar.

E é tão bom deixar o ar limpo entrar e o contaminado sair. Que sinto uma estranha sensação de necessidade de viver apenas as coisas boas que a vida tem a nos oferecer. Quando a deixo com o café, com seus pensamentos sei que agora em diante temos uma nova chance. E é bom. Muito bom.

.

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Hoje eu me joguei das nuvens
Tirei o pó e a ferrugem
Vi que o sol brilha mais claro se a gente 'tá bem

 

Ele estava mudado, tão mudado, relava em minhas mãos mais do que o normal, me lançava um sorriso cúmplice e estava sempre querendo que eu me sentisse confortável. E Harry parecia ter notado essas pequenas mudanças nele, principalmente depois do amontoado de almofadas que ele me fez dormir em cima. Agora eu estava ali, encarando o teto do Largo Grimmauld e ouvindo todos os barulhos da casa, que estava em silêncio e ao mesmo tempo cheia de sons aterrorizantes, um pingo incessante de uma torneira de banheiro, o ranger da janela assim que o vento batia nela. Eu estava apavorada, olhei para Rony que dormia ao meu lado e tentando me concentrar no som de sua respiração. É impressionante como o respirar de uma pessoa pode ser reconfortante e tudo o que se precisa ouvir no meio de uma guerra, na qual, estávamos entrando. Fiquei olhando sua boca, seu nariz e finalmente seu peito subindo e descendo, num compasso sincronizado, e me foquei nas lembranças boas que tive com ele minutos atrás no casamento. Nossa dança juntos, seu cavalheirismo e falta de delicadeza ao me conduzir e como tudo foi perfeito. Melhor que o baile de inverno ou do baile do Slugue, dançar com Ron era como se tudo o que vinha almejando em minha vida de adolescente amorosa, tivesse se concretizando. Estava sorrindo com as recordações, quando ele abriu os olhos.

― Está acordada? – perguntou reparando em meus olhos casados que não se fechavam com facilidade.

― Essa casa, tem muitos barulhos aterrorizantes.

― Acho que não é só a casa... – disse ele sensatamente e suspirou olhando para cima. – Fico pesando em tudo o que vamos passar, imaginando o que vamos enfrentar.

― Isso não te dá medo? – Perguntei ainda encarando seu rosto, pensativo e preocupado, meu Rony divertido não estava mais lá.

― Eu estou apavorado, você sabe, com minha família exposta, com Harry na linha de frente sendo o principal alvo, com você...

Engoli em seco, e minha vontade louca de o abraçar, como estava tendo e reprimindo muito nos últimos dias voltou. Foi então que ele procurou minha mão, que estava acima da sua devido a quantidade de almofadas que ele havia colocado em meu saco de dormir, e a segurou.

― Mas eu sou grifinório não é? E eu tenho coragem. – Ele sorriu.

Senti meu mundo flutuar, como se meus temores que me assombravam naquela noite voassem para longe, só por causa da mão de Rony na minha e de seu sorriso em minha direção.

― Achei que coragem era tudo aquilo que sentia sem o medo. – Não sabia o que dizer ao certo, só queria encarar as íris azuis dele mais uns minutos e sentir sua mão na minha por toda eternidade.

― Não, senhorita sabe-tudo. Tem uma coisa que não sabe, coragem é tudo aquilo que você faz ou sente mesmo na presença do medo.

Eu sorri, e a presença física dele, além das mãos dadas, se tornou uma necessidade para mim, queria sair do meu forte de almofadas e me deslocar ao seu lado no saco de dormir e o abraçar, sentir seu cheiro e me embriagar em seu aconchego. Mas é claro que minha falta de coragem, não concretizou essa opção.

― É melhor dormirmos. – ele falou e fez menção de soltar sua mão. Não deixei. Segurei ela como se dependesse disso para viver, ou só respirar.

Ele me encarou compenetrado, como que entendendo aonde eu queria chegar no fim daquele casamento, quem sabe o que teria acontecido com nós dois até o fim da festa. Quem sabe ele não me chamaria para conversar e nos beijaríamos. Eu ansiava por isso há tempos. Mas as coisas entre a gente nunca eram simples nem fáceis.

― Tente dormir, vou ficar aqui te olhando... Respirar.

Assenti com a cabeça. Fechei meus olhos, e senti seu polegar se mexer no aperto de minha mão, ele fazia um carinho em mim, e aquilo foi o suficiente para me embriagar no mundo dos sonhos.

 

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Eu abro as asas e preparo a alma pra respirar, pra respirar
Eu abro as asas e preparo a alma pra respirar, pra respirar

 

Harry havia nos levado a sala de Dumbledore, contou todas as histórias que tinha descoberto. A vitória dele, na nossa frente e a grandiosidade do que havia feito refletida em tudo. Depois de ter optado em não usar a varinha das varinhas, da qual era mestre, resolveu ir dormir no dormitório da Grifinória. Eu e Hermione descemos juntos da sala do diretor, eu queria a abraçar, a acariciar, a trazê-la para perto de mim, tentei controlar meus impulsos. Não sei se era permitido sentir felicidade em meio as tristezas de uma guerra que não estava tão distante assim.

― Eu não vou conseguir dormir sozinha. – me pediu com os olhos marejados assim que chegamos de frente ao dormitório dos garotos na torre da Grifinória.

Entramos no quarto, Harry dormia na sua antiga cama, como se não tivesse travado a maior batalha já vista na história atual da magia. Era o descanso dos justos. Peguei todas as almofadas e todos os travesseiros das camas restantes, empilhei numa das camas pra Hermione. Ela me olhou confusa, depois como se lembrasse de dias atrás do Largo Grimmauld e minha pilha de almofadas, sorriu.

― E aonde você vai dormir?

Dei dê ombros e apontei pra cama do outro lado do quarto que pertencia ao Neville. Ela queixou-se e negou com a cabeça pedindo que não fizesse isso. Conjurei o colchão no chão, do lado da cama de almofadas dela. Deitamos. Um déjà-vu me atingiu agora, como no dia que Hermione estava acima de mim, e minha vontade de envolver a mão dela na minha me atingiu e me lembrando do beijo que trocamos, não acho que ela me impedisse de sucumbir minha vontade. Segurei sua mão, comecei a acaricia-la com meu polegar, vi ela suspirar e me olhar de um jeito acalentador como que nostálgica e apaixonada.

Ao mesmo tempo que esse gesto era perfeito, era também incompleto, como se já tivéssemos superado o pegar as mãos, como se a presença física dela muito perto de mim fosse necessária. Puxei levemente seus braços em minha direção, ela me olhou confusa. Não acho que teria coragem o suficiente de me deitar ao seu lado na cama, queria que ela mais uma vez tomasse a iniciativa. E ela com sua mente brilhante, como se lesse meus pensamentos fez isso.

Levantou-se do emaranhado de almofadas e deitou-se ao meu lado no colchão no chão. Virei-me de frente a ela, ainda com nossas mãos entrelaçadas, como se o respirar fosse impossível se não estivéssemos com os dedos juntos. Ela mais uma vez suspirou e me encarou, não com um olhar enigmático, mas sim sorrindo. Não aguentei e meus músculos da face começaram a sorrir com ela. Era permitido eu me sentir feliz em meio a dor das nossas percas? Era possível eu estar feliz, mesmo com o fantasma do meu irmão morto em algum lugar naquele castelo?

Ela mais uma vez, pareceu notar meu desconforto e começou a acariciar meu rosto com sua mão livre. Passou os dedos por minha sobrancelha, por cada sarda do meu rosto, pelos machucados ainda visíveis de uma guerra ainda presente. Não aguentei e comecei a fazer o mesmo em seu rosto, com minha mão livre, desenhei cada traço perfeito em meio as imperfeições de uma guerra que tínhamos acabado de sobreviver. Parei, em seus lábios e comecei a desenha-los com meu polegar. Num vai e vem como numa valsa. Ela fechou os olhos e sabia que naquele momento, eu devia tomar a iniciativa.

A beijei, nosso primeiro beijo pós-guerra, um primeiro beijo cheio de significados, não mais desesperado, não mais urgente, mas ao mesmo tempo salvador. Era como estar sendo içado para a superfície e que, mesmo estando momentaneamente sem ar, me permitia respirar livremente depois de toda tensão vivida por meses. Ela separou nossos lábios depois de segundos e me abraçou. Sua cabeça encontrou meu peito, e me perguntei se ela percebia meu coração descompassado.

Pensei se era possível ser feliz de novo, se era possível eu voltar a ser o Rony que fazia piadas e arrancava risos de todos. Senti medo da resposta ser negativa, então confessei a ela em voz alta.

― Tenho medo. Do que estar por vir, medo de nada voltar a ser como antes.

Ela levantou seu rosto que estava um pouco corado devido aos últimos acontecimentos, suspirou e como se estivéssemos ensaiado me disse o que lhe disse meses atrás, quando as dúvidas dos caminhos que percorreríamos ainda eram uma incógnita.

― Então precisa ter coragem. E viver mesmo que na presença do medo.

Então sorri e concordei com a cabeça. Ela se aconchegou mais em meus braços e suavemente, depois de segundos, estava dormindo. Estávamos exaustos, cansados, ainda sujos da guerra, com grandes problemas ainda para resolver, por hora, sentir ela em meus braços, ouvir ela respirar, era o que precisava para entender que sim. Eu poderia seguir em frente e como um grifinório ter a coragem de enfrentar meu medo. E viver.

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Eu abro as asas e preparo a alma pra respirar, pra respirar
Eu abro as asas e preparo a alma pra respirar, pra respirar

 

O medibruxo saiu. Disse as palavras terríveis e relou em meu ombro. Quando um membro da equipe de urgência do hospital rela em seu ombro, significa que já fez todo o possível e impossível e que eu devia me despedir. Eu me despedir? Não consigo nem imaginar respirar em um lugar que ele não está, imagine pensar em viver sem a presença física dele durante o resto dos meus dias. Eu devia me despedir. Deixei que Rose e Hugo falassem com ele. Parecia uma despedida, não podia ser uma despedida! Vi Rose sair do quarto ampara de Scorpius. Hugo foi logo atrás sem derramar lágrimas, mas elas estavam lá, por dentro o afogando por inteiro. E então me vi sozinha no quarto com ele.

Rony me chamou com sua voz fraca, neguei com a cabeça, com medo de chegar perto dele, dizer o que quisesse dizer e ele me abandonar para sempre. Ele não devia me abandonar, não tinha esse direito.

― Deite aqui comigo.

Não podia escapar para sempre e esse simples pedido me arrastou para deitar ao seu lado na cama de hospital como se ele fosse um ímã e eu um metal. Assim que deitei, ele entrelaçou nossas mãos e começou a acariciar com o polegar a minha. Aquele gesto que se tornou um hábito desde a época que éramos jovens e ainda estávamos descobrindo os sentimentos que nutríamos um pelo outro, reacendeu a vontade louca que tinha de chorar. De me desesperar perto dele.

Rony começou a passar os dedos pelo meu rosto, contornando cada traço cansado e cheio de rugas, passando o dedo pelos meus lábios. Eu chorando sem me conter.

― Você precisa agir com coragem Hermione.

A voz cansada dele disse, ainda com a mão pousada em meus lábios. Neguei com a cabeça relutante, como se fosse uma criança.

― Eu tenho medo de viver sem você. – implorei com a voz falha, as lágrimas inundando meu rosto.

Ele se inclinou em minha direção, e me beijou levemente nos lábios. O gosto salgado devido as lágrimas e o desespero de ser a última vez que o beijava me fez abraçá-lo, não querendo o soltar nunca mais.

― Coragem significa seguir, mesmo com medo. Lembra?

Fiz não com a cabeça, teimosa, não queria o olhar, não queria ver seu olho perder o brilho, parecia que estava perto, não queria viver com coragem.

― Tenho uma carta para você, vai recebê-la no momento certo.

Neguei com a cabeça ainda sem encara-lo.

― Eu te amo, você sabe. – ele passava as mãos pelos meus cabelos e eu ainda teimosa o agarrava no abraço, com medo de encarar a realidade diante dos meus olhos.

Notei que sua voz estava falhando, como se estivesse cansado demais para fazer esse simples ato gigantesco. Ergui minha cabeça apavorada, parecia o último momento possível que o veria respirar.

Como quando adormecemos os olhos dele fecharam. Tentando afastar qualquer possibilidade ruim, pensei o quanto morrer deve ser parecido com adormecer. Fechamos os olhos de repente e perdemos todo o tempo em volta.

Só que quando deito em seu peito e seguro sua mão sei que não está adormecido e as lágrimas descem por meu rosto levando todo o ar com elas. Não consigo respirar.

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Voos podem ser mais altos
Frases podem ser mais belas
Hoje eu vou gritar mais forte a sorte que a gente tem
De ser feliz sem ser refém

 

Quando o vejo correr pela grama em direção ao balanço posso me lembrar do seu nascimento. Não estávamos esperando por aquela notícia tão cedo. Foi como uma brisa do mar em meio ao deserto.

Particularmente pude perceber o quanto a notícia fez com que elas voltassem a respirar. O peso dos dias começando a ficar para trás, os pesadelos aos poucos transformados em sonhos.

Por onde andávamos víamos roupinhas de lã de todas as cores possíveis. Sapatinhos que cabiam perfeitamente na palma da minha mão. Íris ria sempre que me via fazendo careta para as micro toucas com pompons na ponta.

Mas eu tinha que participar de todos os passos, fui escolhido como padrinho e de todas as missões que já ganhei na vida essa era a mais importante. Além de padrinho também seria a principal imagem de homem ruivo que a criança teria.

Rose já havia perdido um filho, então quando ela revelou que estava com oito semanas de gestão, depois de quase seis meses da morte de nosso pai, todas as preocupações vieram como uma avalanche. Foi a notícia que fez nossa mãe começar a reagir. Foi a grande novidade que fez nossa casa voltar a ter vida, ar.

Minha irmã mudou-se para casa de nossos pais, era mais seguro evitar as escadas que tinham que subir para chegar ao apartamento deles. E isso ocupava a cabeça de Hermione com algo que não fosse a morte de nosso pai. Nossos jantares voltaram a ser mais frequentes, nossas conversas longas, nossas esperanças sendo renovadas.

Quando as contrações começaram a aumentar antes do dia previsto todos nós entramos em pânico.  Não estávamos preparados para algo ruim, buscávamos mais do que tudo, felicidade. Meu apartamento com Íris estava lotado de desenhos de minha irmã grávida, Scorpius ao seu lado, mamãe beijando a barriga. Mas meus preferidos eram os que tinham acrescentado papai as cenas, de alguma maneira parecia o certo tê-lo naquele momento. E certamente de alguma maneira ele estava.

Quando o bebe nasceu prematuro parecia que uma nuvem carregada estava rondando nossas cabeças. Eu fiquei andando de um lado ao outro na expectativa. A primeira noite foi a mais difícil, não podíamos entrar para vê-lo ou tocá-lo. Quando Rose me levou até o aparelho em que ele estava pude sentir toda a emoção explodindo de dentro de mim.

― Hoje o observador está chorando. – Minha irmã disse sorrindo.

― Ele é tão pequeno. Frágil. – Disse quase perdendo meu autocontrole.

― Pode colocar sua mão ali, ele gosta de sentir nossa presença. – Rose me ajuda a colocar a mão perto do seu filho.

Seu primeiro filho. E quando ele apertou meu dedo com toda força que um bebê pode ter, terminei de derramar minhas lágrimas.

― Quer saber o nome? – Ela questionou deitando a cabeça em meu ombro. Parecia exausta e feliz.

― Claro.

― Ronald Billius Weasley II – seus olhos ficam tão marejados quanto o meu. – Scorpius disse que teremos mais filhos em que poderá colocar seu sobrenome. Que esse é nosso, todo Weasley.

—―Nem todo. – Digo apontando para a mecha de cabelo tão loiro que beirava o prateado da lua. No meio de tufos ruivos.

Nós sorrimos juntos. Certamente nosso pai estaria sorrindo de algum lugar, dizendo o quanto o neto dele era o mais bonito de todos.

― Fale com ele.

― Oi Ron, eu sou seu padrinho. – Converso com meu sobrinho. – Nós seremos grandes amigos, vou te ensinar a desenhar e também te apresentar os melhores desenhos trouxas. Você é tão forte. Logo estaremos em casa, seu quarto tem vários desenhos que eu fiz. Sua mãe e seu pai são o casal mais harmonioso que conheço. Vovó Hermione vai ler tanto para você. Seu nome é uma linda homenagem ao seu avô. Tenho certeza que você será especial, como essa mecha tão bonita que tem nos cabelos.

Vejo Rose secando as lágrimas. Continuo conversando com meu sobrinho. Tenho certeza que ele é o ar que faltava para que a gente voltasse a respirar.

Fecho meus olhos e respiro fundo. O cheiro de grama me traz das lembranças. Escuto seu riso.

― Padrinho... estou voando. – O balanço vai e volta enquanto ele toma impulso.

Está quase completando três anos. Falta tão pouco. E sua fala é tão nítida. Eu aceno o incentivando.

Em meus braços um embrulho completamente laranja. Mais um sobrinho. Rose faz ótimos filhos e me entrega todos. Sou um padrinho orgulhoso.

― Léo, você e seu irmão serão melhores amigos, sempre vão ter apoio um no outro. Seu irmão traz o legado dos Weasley, você está carregando o legado dos Malfoy. Nome de constelação. Mas é valente como um leão, certamente irá para Grifinória, deixará seu bisavô paterno se contorcendo no caixão. Mas seu avô materno soltará fogos de artifício no céu. Certamente fará com que sua constelação brilhe mais que as outras. Espero que vocês dois quebrem tradições como Rose e eu quebramos.

Sinto suas mãos em meus ombros.

― Influenciando meus filhos? – Scorpius sorri enquanto senta-se ao meu lado.

― Da melhor maneira possível.

Ronald II corre até nós e pula no colo do pai. Nós ficamos conversando enquanto ele brinca com as folhas do chão. Sinto novamente a brisa. Respiramos novamente.

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Eu abro as asas e preparo a alma pra respirar, pra respirar
Eu abro as asas e preparo a alma pra respirar, pra respirar

 

Respirar parecia difícil para ele, estava escondido, num lugar afastado da Toca, mas eu o via, mais do que tudo, prestava atenção em seus atos. James nunca foi meu primo preferido, longe disso, era prepotente e chamava a atenção sendo inconveniente, mas algo estava errado, e a curiosidade me fazia observa-lo. Ele chorava, tanto. Parecia se sufocar com as lágrimas, parecia estar nadando num lago e não conseguindo voltar a superfície. Achei que poderia ajudá-lo. Cheguei perto. Ele não me notou. Relei em seu ombro. Ele me encarou apavorado.

― Calma, eu vim em paz.

Anunciei sentando ao seu lado no chão. Ele não me afastaria. Eu supunha.

Esperei ele inspirar e expirar umas dez vezes. Esperei ele se acalmar e quando ele achava certo, conversar.

― Chegou o seu momento, de fazer tudo o que fiz com você se virar contra mim.

É claro que sua falta de emoção ou mentira tinha que perdurar. Falei:

― Não faço isso. Queria só entender você...

Ele negou com a cabeça e parou de olhar para mim. Seus olhos ainda vermelhos, seu rosto banhado de lágrimas.

― Eu sou apaixonado Rose, pela garota mais incrível do mundo, mas ela me odeia. Odeia tudo o que sou e tudo o que já fui. Então no momento eu estou só me odiando querendo ser outra pessoa.

Ele suspira parecendo conseguir respirar, mesmo em meio ao maremoto em que vivia.

― E ela sabe que você gosta dela?

― Ah sabe. – ele afirmou com a cabeça. – Ela fez questão de contar todos os motivos pelo qual me odeia.

Não sei o que dizer, justo James, o primo que eu não suportava, estava se confessando para mim, estava mostrando seu lado mais frágil.

― Eu posso te dizer uma coisa? – ele confirma com a cabeça não me encarando. – Eu não sei o que ela te disse, mas sei que tudo o que é, tudo o que as outras pessoas pensam sobre você é uma casca. Você é só uma superfície James, como se apresenta, devia tentar mergulhar a fundo em seus atos e pensamentos e se mostrar por inteiro a ela.

Ele me olha, como que tentando acreditar em minhas palavras com toda fé que conseguia reunir.

― Eu não sabia quem eu era, até que encontrei alguém que me permitia ser quem sou sem empecilhos.

Ele concorda com a cabeça. Mas eu ainda não tinha acabado de falar.

― O dia que encontrar a si mesmo, vai voltar a respirar e ela pode te notar e se aproximar de você, como recompensa.

Não sei se ele compreendeu minhas palavras naquele dia. Mas como uma prima não melhor amiga, ou só alguém que sabia o que era perder a respiração de desespero, eu o ajudei a se encontrar, e quando ele se mostrou ser uma pessoa benevolente sem perder sua essência, ela o notou. Sei que ele conseguiu respirar quando vi seus olhos brilharem e seu rosto ficar corado quando Fred II o zoou por estar “amarrado” a uma garota e ele respondeu que sim. Que estar preso o fazia respirar.

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Eu abro as asas e preparo a alma pra respirar, pra respirar
Eu abro as asas e preparo a alma pra respirar, pra respirar

 

Ela escolheu ser mãe solo, como a mulher solo que era, decidiu ser especial, decidiu ser forte por si mesma e ter sua filha sem um pai. E mais uma vez eu estava lá, com toda responsabilidade do mundo, sendo padrinho. Eu não tinha filhos, eu e Íris não achávamos necessário, mas ser padrinho era meu destino, aparentemente as pessoas a minha volta, achavam que eu seria ótimo com crianças. Ela não tinha um homem ao lado para segurar sua mão, enquanto fazia a difícil e mais incrível coisa que só as mulheres eram capazes, parir um filho. E mesmo não sendo o pai, sei que ela precisava de mim ao seu lado para isso.

― Inspire, expire e empurre com força. – dizia a enfermeira ao lado.

Eu nunca havia estado naquela posição, mas sei o quanto era íntimo e grandioso. Me concentrava em ser seu ombro amigo e sua força em meio a tempestade.

Mas ela estava perdendo o ar. Seu rosto vermelho, seus olhos cansados, uma Lily toda frágil que eu não conhecia.

Ela parecia que ia desmaiar. Um feitiço de bolha para respirar foi estrategicamente colocado em seu nariz e boca, como se todo o ar em nossa volta não fosse suficiente para ela.

― O que está acontecendo? – perguntei aos profissionais a minha volta. Minha voz embargada e meu medo transparecendo.

― Tirem ele daqui.

Fui empurrado, literalmente, para fora. Minha visão dela desacordada sem conseguir respirar pairando na minha cabeça.

Ela não havia contado a ninguém que estava grávida, tinha escondido, não éramos mais tão jovens, os trinta e poucos já tinham virado quase quarenta. Desta forma, eu estava sozinho na enfermaria de um hospital. Queria ligar para Íris, dizer que eu não conseguia fazer aquilo, dizer que me sentia sozinho e impotente e que tinha medo dela escapar de meus dedos. Mas existia um feitiço que impedia celulares de pegarem ali. Depois de minutos, que pareceram horas. O medibruxo responsável por ela apareceu ao meu lado.

― Ela nasceu, é uma menina, forte e saudável. – suas palavras flutuavam em minha frente.

 Nasceu.

Forte.

Saudável.

De repente lembrei da mãe.

            ― Como está a Lily?

Pareceu desesperado, porque eu chorava e nem havia notado que fazia isso antes de falar.

― A sua esposa está bem, mas vai precisar esperar um pouco para vê-la.

Queria contar a ele que não era minha esposa, que era minha prima, minha grande amiga, uma das pessoas mais importantes da minha vida. Não minha esposa. Mas não fiz nada disso. Respirei aliviado em saber que ela estava bem.

― Mas você pode ver a bebê.

Ele me levou até a enfermaria e notei o pacote rosa todo laranja deitado em um pequeno berço de plástico. O medibruxo ainda do meu lado, colocou as mãos em meu ombro.

― É como se a vida crescesse na sua frente e toda a responsabilidade do mundo estivesse em suas mãos.

Ele disse e eu me senti um pai, afastei esses pensamentos e confessei a ele.

― Não sou o pai.

Ele ficou mudo pela surpresa da resposta. Então achei que devia emendar a resposta.

― Sou o padrinho. Mas a responsabilidade parece ser a mesma.

Ele riu com o nariz e mesmo não o encarando me disse a última coisa que ficou em meus pensamentos por dias.

― Quando a vida lhe dá limões a maioria das pessoas fazem limonada, vocês estão fazendo todas as outras coisas sem ser limonada.

Então ele se afasta e sinto que sim. Que não éramos comuns e que sim, tínhamos uma vida para cuidar. E que a vida era muito mais do que fazer limonada com limões.

Então depois de duas horas pude vê-la. Estava acabada, como se estivesse lutado na maior batalha de sua vida. Como se o respirar não tivesse sido difícil poucos instantes antes. Ao mesmo tempo ela sorria ao me ver entrar no quarto e apresentar sua filha a ela.

― Sunny.

Me disse o nome com lágrimas cortando seu rosto, pegou seu pacote de responsabilidades e alegrias e me olhou sorrindo agradecendo.

― Meu dia ensolarado chegou.

A vida era assim afinal, um emaranhado de alegrias e surpresas. Cheio de falta de ar e de limões para usar, não numa limonada fácil e óbvia, mas numa infinidade de possibilidades que só o tempo e a sabedoria nos mostrariam.

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Eu abro as asas e preparo a alma pra respirar, pra respirar
Eu abro as asas e preparo a alma pra respirar, pra respirar

 

Nós estamos andando pela grama, indo cada vez mais longe da Toca, chegando aos pés dos morros. Ficamos tanto tempo em silencio. Quando finalmente paro com minhas mãos nos bolsos percebo que ele faz o mesmo gesto. Viro-me para a casa, agora está cheia. Comidas no fogo. Agregados cochichando sobre nossa família, amigos e irmãos unidos em um único teto.

― O que você acha?

― Espetacular, na verdade. – Ele responde com tanta sinceridade, em tão poucas palavras.

― Eu também acho isso, agora. – Respiro fundo. – Na sua idade eu achava que era pequena, torta, completamente errada. Diferente da sua casa. Grande e majestosa.

― Cheia de lembranças ruins, escura e com porões que assustam crianças. – Sua voz é contida, mas sei que está cheia de dúvidas e inseguranças.

Por um momento sei exatamente o que sente. Não seria errado achar sua própria casa o pior lugar do mundo e ao mesmo tempo querer se esconder nela sempre que algo não está saindo conforme o planejado. Será que todo mundo passa por isso em algum momento? Quando se é jovem sabemos tão pouco sobre a vida.

― Todos os lugares carregam lembranças daqueles que passaram por lá, nos resta escolher as lembranças certas para resgatar.

― Sua casa parece ter um monte das lembranças certas. – Ele é tão jovem. Perto de mim seus olhos parecem tão opacos e mortos, mas sei que os vi brilhar momentos antes, como se carregassem estrelas dentro deles.

― Temos muitos mesmo, mas tenho certeza que você também deve ter várias de sua casa. Os anos mudam até mesmo as lembranças.

― De fato temos algumas.

Começamos a andar de volta, mas sei que nossa conversa ainda não terminou, no caminho vejo flores coloridas. Rose gostava de colhê-las quando era criança. Fazia buquês e coroas. As colocava nos cabelos e saia pela casa entregando pequenos buques para minha mãe, para Hermione, Ginny e todas as outras tias. Também deixava um em especial no canto de fora. Quando questionava ela dizia que era para o tio Fred, provavelmente ele gostaria de ser presenteado com flores. Nesses momentos as lembranças vinham com força. E tinha orgulho de cada uma delas, das brigas e gritos, da casa desregular.

Vejo ele se agachando, pegando um punhado delas. Amarelas, azuis, vermelhas.

― Rose gosta tanto dessas flores. – E seus olhos brilham novamente. Ganhando vida novamente.

― Ela realmente gosta.

― Senhor Weasley, sei que não gosta da minha família e do que meu sobrenome representa. – Sua sinceridade é um pouco assustadora. Ele continua agachado perto das flores. – Eu também não gostaria, se tivesse passado pelo que passaram. Eu sinto muito ser justamente dessa família. Porque apesar de amar meu pai e ter orgulho dele, eu sei o que ele fez. Eu sei as lembranças que minha casa carrega. Talvez se o senhor pudesse pensar mais no sobrenome de minha mãe. Talvez, em algum momento consiga aceitar que nós podemos ser pessoas boas. Porque eu realmente amo sua filha, de um jeito que sei que nunca amarei outra pessoa.

Suas palavras me acertam. Eu sei como é amar alguém dessa maneira. E sei exatamente o que Rose sente por ele. Porque ela nunca tinha brigado comigo, mas brigou por ele. E isso é algo muito importante.

― Senhor Malfoy, me esforçarei para ignorar os arrepios que seu sobrenome me dá sempre que o pronuncio. Ignorar a sensação de ter perdido o primeiro lugar no coração de Rose. E tentar sempre me lembrar do momento em que o senhor se abaixou para colher as flores que ela gosta, sem se importar com mais nada.

Scorpius se levanta. Seus joelhos estão sujos, mas as flores em seus braços exalam um perfume suave. Caminhamos até a porta. O silencio havia voltado a reinar entre nós. Mas antes de adentrar e voltar para o aconchego daquele que já tinha sido meu lar, que alguma forma ainda era para onde voltar aquecia o coração e alma. Faço um pedido. Em segredo.

― Cuide bem dela. É o que peço.

― Irei cuidar. Eu prometo.

Rose aparece um segundo depois. Seu sorriso radiante. Ela beija meu rosto, me abraça apertado.

― Acho que o senhor sempre terá o primeiro lugar. – O jovem Malfoy fala exibindo o primeiro sorriso depois de nossa conversa.

― O que? – Rose parece confusa.

― Nada. – Beijo sua testa.

― Papai... – Ela me chama antes que eu possa me afastar. – Obrigada.

Fecho a porta e deixo os dois do lado de fora. Escuto suas risadas, ela vibra com as flores, sei que está as dividindo em pequenos buques. Sei que estão criando as lembranças próprias.

Hermione sorri para mim.

Volto a respirar.

Com a certeza de que Rose fez a escolha certa.

.

.

 

Voos podem ser mais altos
Frases podem ser mais belas
Hoje eu vou gritar mais forte a sorte que a gente tem
De ser feliz sem ser refém

 

Já se passaram seis meses.

Mas a dor continua doendo do mesmo jeito, como se sempre que estivesse prestes a cicatrizar eu enfiasse algo pontiagudo e abrisse a ferida novamente. Não sei se em algum momento conseguirei deixar de sentir e no fundo sei que não quero deixar, talvez queira apenas me acostumar.

As noticias são boas, mesmo que eu não queira criar expectativas. Dá ultima vez as expectativas estavam imensas e a realidade me socou sem piedade. Dessa vez permaneço em casa, repousando, tendo fazer com que a felicidade seja maior que a tristezas, me balançando entre as duas.

Treino minha respiração. Devagar. Constante.

Releio a carta que ele me deixou. Uma de tantas.

Não sei ao certo quantas vezes já a li. Quantas vezes toquei as letras, limpei as lágrimas, guardei no envelope e dentro da caixa.

Hoje preparei uma xícara de chá, mesmo que eu prefira café.

Me ajeito na poltrona e pego novamente a carta. Quero conversar com ele. Contar sobre as novidades. Escutar suas piadas, seus conselhos. Quero sentar na mesa em frente a nossa sorveteria e deixá-lo me confortar. Escutar sua voz assegurando que dará tudo certo. Que dessa vez vamos conseguir.

Então abro o envelope com delicadeza. Pego o papel. E começo a conversar com ele. Nós dois contra o mundo. A camiseta no braço da poltrona.

 

Rose,

Como está minha querida?

 

― Eu estou bem. Um pouco assustada, mas esperançosa.

Espero que esteja bem.

Como vai aquele ser humano que você chama de companheiro?

 

― Scorpius está bem, agora está no trabalho.

Vamos conversar um pouco minha pequena rosa?

 

― Por favor, é o que eu mais quero.

Sei que os dias estão difíceis. Não queria que vocês passassem por isso, eu sei o quanto perder alguém é devastador. Mas a vida é feita de dias bons e de dias não tão bons assim. É complicado de explicar e de entender.

 

― Muito complicado. – Suspiro.

Mas você sempre foi tão forte, vai conseguir superar mais essa complicação. Todo mundo acha que flores são delicadas e frágeis. Ninguém parece lembrar que elas suportam várias lagartas para que possam conhecer as borboletas, e as rosas... essas ainda possuem espinhos poderosos para se defender. E eu me orgulho de cada um dos espinhos, das lagartas, das pétalas. De tudo.

Espero que não esteja chorando, você está chorando?

 

― Sim eu estou. Não pode me culpar, são meus hormônios.

Querida, por favor.

Pare de chorar.

Sei que deve ter chorado muito já. Mas também sei que odeia ordens, então vou permitir que chore o quanto precise, o tempo que for necessário. E depois que chorar tudo, sorria.

Parece impossível sorrir, não é mesmo.

 

― Sim.

Mas saiba que não é.

Quando tudo estiver difícil sabe o que deve fazer. Compre seu sorvete preferido, divida com quem ama. Colha flores, faça coroas. Leia livros trouxas. Sonhe grande. Converse com ela.

Não faça careta.

Me prometa que conversará com ela. Vocês duas serão as pessoas que mais vão sofrer. Infelizmente. E exatamente por isso precisam ficar juntas. Mais do que nunca. Ela vai precisar de você. Vai precisar te ter por perto. Então não se afaste, permaneça mais do que nunca. Permaneça perto dela, deles. Nossa família é como nós. Nós não nos desfazemos facilmente.

Eu sempre estarei guardado em lembranças. Espero que boas lembranças. E mesmo sem minha presença física continuamos sendo nós, daqueles fortes que os marinheiros dão e ninguém consegue soltar.

 

― Eu estou perto deles, nós ainda somos nós. Eu prometo.

Eu sei que gostava de implicar com Scorpius, isso era divertido e deixava sua mãe e você irritadas e a ponto de explodir, enquanto ele permanecia com a mesma face de doninha sem expressão. Não me faça cara feia. Eu vou falar a verdade.

Você fez a escolha certa. Implicar com ele era divertido, ele sabia disso. Uma piada interna. Porque no dia em que conversamos perto dos morros da Toca eu soube que ele era a melhor escolha. Porque ele se agachou para pegar suas flores, ele não se importou em se sujar, ou machucar as mãos. Ele apenas agachou e as pegou, porque você gosta daquelas flores. Soube naquele instante que ele cuidaria de você.

 

― Ele cuida. Desde o começo.

Sei que está cuidando.

Como você está cuidando de sua mãe.

Como Hugo está cuidando de todos.

E sempre que penso nisso, eu consigo respirar.

Saber que os olhos dele brilham por você, que ele te faz sorrir. Que os dois juntos se completam, que são felizes é o que me deixa respirar.

Tive a sorte de um amor eterno.

De uma família maravilhosa.

Vocês terão a mesma sorte.

Então, querida... Respire.

Respire fundo. Limpe as lágrimas. Siga em frente.

Eu sempre estarei no sempre do nó. Abraçando vocês em cada uma das lembranças.

Deixe sua alma respirar. Abras as asas e voe. Viva a vida maravilhosa que sei que viverá.

Com todo o amor do mundo,

Papai.

Ronald Weasley.

 

Eu fecho meus olhos e deixo mais uma vez todas as lágrimas caírem. Respiro fundo. Dez vezes. Deixo a carta descansar em minha barriga. Tenho a certeza que mesmo dentro de mim, o bebe consegue sentir todo o amor que aquelas palavras entregam.

― Eu vou voar papai. – Suspiro fazendo um carinho em minha barriga. – Ou melhor, dizendo, vovô.

Volto a respirar.

Do jeito que somente duas pessoas me ajudam a fazer.

Ambos ocupando o primeiro lugar em meu coração. Em minha vida. Mas bem próximos de caírem para segundo. Ronald Weasley e Scorpius Malfoy.

Tomo meu chá. Já está frio.

Guardo minha carta como o tesouro que é. Esquento mais água. Olho para as flores na janela. Respirar é bom. Respirar é ótimo.


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Notas finais do capítulo

Obrigado por acompanharem até aqui, o próximo é o último e muito especial! Espero vê-los na próxima quinta.
Beijos...



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