Somos Nó(s) escrita por Anny Andrade, WinnieCooper


Capítulo 10
Colidiu


Notas iniciais do capítulo

Oi leitores lindos, tudo bem com vocês?
Infelizmente tiramos uns dias de folga e tivemos uma breve crise de falta de inspiração para escrever, acontece as vezes quando passamos dias escrevendo sem parar e ai de repente nada para colocar na folha em branco. Nos desculpamos pela demora. Esperamos que gostem desse capítulo e desejamos uma boa leitura.



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Você não era parte dos meus planos

 

Vestidos. Eu odeio comprar vestidos. Mas me esforcei. Preciso ver se meu esforço valeu a pena. Perdi torturantes dez quilos. Minha mãe parece orgulhosa e me leva, apesar de sua agenda cheia de compromissos, para uma loja trouxa com variedades de roupas. Eu sorrio porque nunca tenho esses momentos com minha mãe. Ela me olha cúmplice e começamos a vasculhar as araras com diferentes designers de vestidos nos mais diferentes tecidos. Ela sempre preferiu lojas trouxas. Ainda mais agora que se tornou ministra da magia e quer fugir de qualquer câmera por qualquer lugar bruxo que ela vá. Parece ser livre na Londres trouxa. Ela sorri pra mim magnífica como está. Num casaco azul escuro, com uma saia na mesma tonalidade, uma blusa branca discreta por baixo, e seu cabelo “domado” como meu pai gosta de dizer. Minha mãe é linda. E não puxei nada a ela. Mesmo assim pegamos diversos vestidos para mim, no maior número deles, porque mesmo emagrecendo, ainda parecem tão pequenos. Começo a vestir um a um: um me aperta no seio, outro não fecha na cintura, outro entra, mas fica ridiculamente apertado, outro me sufoca antes de colocá-lo. Nenhum me agrada. Sinto um nó em minha garganta. Começo a chorar. Choro porque por mais que me esforce jamais entro nos padrões de um corpo considerado gordo na indústria padrão. Choro porque ninguém me aceita como sou e acho que nem eu mesma serei capaz de me aceitar um dia.

― Filha você está bem? – minha mãe entra onde estava provando os vestidos. Me olha preocupada pelo choro.

Pega sua varinha e aponta para as vestimentas no chão.

― Posso aumentar onde estiver apertado por magia. – sacudi a cabeça em negativa. Não quero usar magia, não agora, queria encontrar pelo menos um vestido perfeito, um que me caísse bem, somente um. – Podemos ver na sessão plus size.

Ela me sugere e eu confirmo com a cabeça só pra ela sair da cabine e me deixar sozinha novamente. Eu odeio a sessão plus size. Nunca acho nenhuma roupa que seja minha cara ou perfeita para mim, porque é ridiculamente difícil eles fazerem a mesma roupa de magros pra gordos. Começo a recolher todos os vestidos no chão e os guardar nos cabides. Espero minha mãe voltar com alguns vestidos que não gosto, mas que irão ser os que levarei no final do dia.

Ou pior ainda, não levarei nada.

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Você não era parte dos meus planos
Mas eu mudo todos eles por você

 

É o primeiro dia da nova escola. Já não tinha sido difícil me adaptar na escola trouxa que minha mãe obrigou a gente a frequentar. Enquanto nossos primos viviam livremente até os 11 anos, nós passávamos no mínimo cinco horas trancados em pequenas salas de aulas com colegas que nunca gostavam de mim.

Mas não adiantava fingir febres ou dores de barriga. Hermione Granger nunca caía nessa. E quem sempre teve a saúde mais frágil foi meu irmão, febres que viravam convulsões em um piscar de olhos, o que na verdade me deixava muito assustada. Na escola trouxa eu pelo menos voltava para casa todos os dias, eu cuidava de Hugo para que a perfeição não afetasse a cabeça dele como afetou a minha.

Meu pai me abraça apertado. Como se não quisesse me deixar ir para longe. Estou sorrindo por fora, mesmo que por dentro esteja morrendo. Meu primo Albus não parece muito melhor, não o culpo, eu convivo com James poucas vezes ao ano e agradeço todos os dias por isso, as piadas em tom de brincadeira, os constantes apelidos, sempre tentando ser engraçado a custas dos outros. Imagino que morar com ele deve ser horrível. Ser a prima gorda, já era difícil, mas acredito que ser o irmão tímido é ainda pior.

Vejo meus pais acenando com a cabeça e resolvo espiar quais são os fãs do trio de ouro que querem dizer um oi, aparentemente não são tão fãs assim, apenas conhecidos. Pessoas sóbrias demais, exceto a mulher. Ela com seus cabelos negros, olhos brilhantes e tão alta quanto o homem. Eles contrastavam. Quando meus olhos pararam no garoto percebi que não era a única que provavelmente teria problemas. Com seus cabelos esquisitos e quase brancos de tão loiros, com as roupas pretas e sem vida, com as olheiras profundas e aquela magreza excessiva. Quase conseguia imaginar as palavras de James, de crianças como ele. E se eu sabia de algo é que existem mais crianças como ele do que como nós.

Quando escuto meu pai dizer:

― Mas não fique muito amiga dele, Rose...

Penso que é tarde demais. Pessoas estranhas tendem a se juntar para se proteger de pessoas normais.

Dou minhas mãos a Albus e nós dois entramos no trem, ambos em pânico.

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E nessa longa biografia de enganos
Você é o erro que eu insisto em cometer

 

Primeiro dia no trabalho. Estou tão nervosa. Mas mesmo assim vou com minha melhor roupa, acordo três horas antes para me arrumar, estou impecável. Quando chego, sou recebida com regras. Nada de atrasos, almoços rápidos de no máximo meia hora, sempre atenta aos recados, passar os mais importantes imediatamente antes de qualquer outro, resolver os possíveis problemas por si mesma.

Décimo dia no trabalho. Estou exausta. Meu padrão grita o tempo todo comigo. Estou tento crises de ansiedade, bebo mais café do que o costume e como escondida vários bombons durante o expediente, no final do dia recebo mais gritos do quanto estou fazendo tudo errado. Vou para casa e choro no banho.

Um mês no trabalho. Estou triste. Engordei pelo menos cinco quilos desde que entrei. Tudo que faço é errado, não importa o quanto me esforço. Meu patrão faz sempre a mesma piada quando me vê: “Só está aqui porque é filha de Hermione Granger Weasley”. Todos os dias tremo para vir trabalhar, todos os dias torço para que chova ou que algo aconteça para me impedir de me levantar da cama. Todos os dias torço para ser feriado ou fim de semana.

Um mês e meio no trabalho. Estou doente. Tenho feridas pela minha pele, meus cabelos estão caindo mais que de costume, não consigo olhar pra cara de meu patrão sem ter vontade de sair correndo para vomitar. Não estou aguentando mais ficar aqui. Choro todas as vezes que chega um memorando. Não sei o que fazer para me libertar. No fim daquele dia sou recebida com mais uma crise de ansiedade antes de entrar em casa. É quando vejo meu pai me observando na porta da minha casa. Sei que está preocupado. Estou chorando, querendo fugir, correr para bem longe. Ele me estica a mão e diz algo que me liberta.

― Trabalhe comigo nas Gemialidades Weasley? – eu abro um sorriso em meio ao choro e o abraço, porque é sempre ele que vem me soltar das amarras que são me impostas.

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A gente colidiu
Não pude escolher
Tão raro encontrar
Tão fácil foi me perder

 

Estamos no meio da aula de voo.  Sinto meu coração acelerado, sei que isso não dará certo. Eu tentei uma vez com meus primos durante férias de verão. Escutei muitas coisas, vi Hugo com apenas oito anos encarando primos mais velhos, partindo para cima com soco e chutes. Meu irmão ficará descontrolado enquanto eu não conseguia fazer nada além de me sentir sufocando com as lágrimas que não caíam.

E agora estou novamente perto de passar pela mesma situação. Só que meu irmão não está aqui. E eu sinto a falta de ar começar leve, logo após a aceleração. Sinto o suor por meu corpo inteiro. Sinto que posso morrer. Eu sei que vou morrer. Morrerei na frente dessas pessoas que nem se importam comigo. Eu não queria participar dessa aula, minha mãe insistiu que seria bom para enfrentar medos, quem sabe entrar para o time, exercícios fazem bem para saúde.

Como pode fazer bem se eu estiver morta? Minha mente grita. Eu não entendo como tudo acontece, mas estou ajoelhada na grama, tentando buscar ar, não sentindo ele chegar em meus pulmões. Escuto os cochichos. Sinto os olhares. Estou presa dentro de mim.

― Respira. – Escuto sua voz e sinto sua mão tocando meu rosto. – Conta comigo.

Ele me encara.

― Um.

Eu respiro fundo e repito.

― Um.

― Dois. – Ele não deixa de segurar meu rosto.

― Dois...

― Três.  – Seus olhos são cinza.

― Três...

Eu começo a sentir meu corpo voltar a ser controlado por minha mente. Nós vamos até dez. Quando terminamos ele me ajuda a levantar. Quando a bruxa responsável pela ala hospitalar aparece sou levada embora. Escuto ele explicando para nossa professora.

― Ataque de pânico. – A voz é baixa, ele não quer que os outros escutem. – meu pai às vezes também tem.

Sou levada. Sem conseguir agradecer. Mais uma vez penso que é inevitável eu me tornar sua amiga. Talvez a única verdade que eu saiba é que Scorpius Malfoy de alguma maneira acabará de me salvar. De mim mesma.

.

.

 

A gente colidiu
E o que eu sempre quis
Já sei onde vou achar
Já sei quem me faz estranhamente feliz

 

            Eu estou tão ansiosa, ao mesmo tempo morrendo de medo do que vão pensar de mim. Coloco minha melhor roupa cinza, que é o mais perto de preto que tenho, não acho que eles gostem de minhas roupas extravagantes e coloridas. Penso por um instante em desistir, mas Scorpius enfrentou meu pai, que o humilhou no xadrez, então não posso dar para trás sem tentar. Aparato em frente a sua casa. Uma mansão, tão enorme, com um jardim tão esplendoroso. Eu sabia que ele era rico, mas não imaginava quanto. Não dá tempo de tocar a campainha, ele vem me receber, me dá um beijo leve em meus lábios. Parece receoso, me diz algo que embrulha mais ainda meu estômago.

― Meus avós paternos estão aí... – ele tenta parecer natural, mas sua voz está falha, e parece preocupado. – Vai dar tudo certo.

Ele diz para me acalmar, mas acho que está tentando se acalmar. Assim que entro na mansão, dou de cara com sua mãe. Exuberante, linda, chego a ficar sem ar, é alta, cabelos pretos, olhos verdes, com um sorriso tão radiante que não se contém e me abraça. Já havia visto ela antes, mas nunca como sua nora oficial. Me sinto cada vez mais insignificante perto dela.

― Você é muito mais bonita do que Scorpius narrou. – e além de linda é extremamente gentil.

Seu pai aperta minha mão, está lustrando um vaso que a meu ver parece uma relíquia, ele não diz nada, mas olha receoso, para os pais, que me veem e me analisam com seus pares de olhos velhos e cansados, mas ainda muito julgadores e preconceituosos. Vamos comer, dona Astoria sempre tentando me fazer ficar confortável, me pergunta onde comprei aquela roupa, como faço meu cabelo, se estou feliz trabalhando com meu pai. Respondo sempre tentando sorrir e não ter a falha na voz, mas eles sempre dão risinhos sarcásticos todas as vezes que falo qualquer coisa. Quando disse que pretendia abrir uma sorveteria, porque estava dominando várias técnicas de confeitaria e queria reproduzir um sorvete que comia muito na minha infância com meu pai, eles gargalharam. Recebo comentários como:

― É melhor não deixar Scorpius casar com essa daí...

― Pobretona igual o avô, parece até a mulher dele olhando nesse ângulo.

― Ainda por cima tão gorda e fora de moda.

― Aposto que se vislumbrou quando descobriu que éramos ricos e só quer nosso dinheiro.

Foram tantos comentários que começaram a me atingir, um a um, como facas afiadas dentro do meu coração. Comecei a suar frio. Meu coração palpitando tão rápido, perco minha visão momentaneamente, um ataque de pânico, estou tendo um ataque de pânico. Scorpius parece perceber, porque segura minha mão, e começa a sussurrar em meu ouvido.

― Olhe pra mim, olhe pra mim...

Mas meus olhos estão fechados, e não consigo abri-los, sei que estou tremendo e minha falta de ar parece piorar cada vez mais.

― Respira. – Escuto sua voz e sinto sua mão tocando meu rosto. – Conta comigo.

Abro meus olhos e o encaro.

― Um.

Eu respiro fundo e repito.

― Um.

― Dois. – Ele segura meu rosto com as duas mãos.

― Dois...

― Três.  – Seus olhos são cinza, são tudo o que vejo, tudo o que preciso.

― Três...

Eu começo a sentir meu corpo voltar a ser controlado por minha mente. Nós vamos até dez. Ele me salva novamente do meu ataque de pânico e quando vê que estou bem e recuperada levanta da mesa e aponta o dedo para os avós, que nos assistiam como se estivessem vendo um show de comédia, julgando pelos sorrisos em suas faces.

― Isso é o que meu pai tem pelo menos uma vez ao mês. Um ataque de pânico causado porque vocês o fizeram tão mal, na sua adolescência e infância. Vocês o fizeram ser um comensal da morte aos dezesseis anos, colocaram a responsabilidade de matar Dumbledore aos dezesseis anos, fizeram ele assistir a morte de várias pessoas inocentes, fizeram ele escutar gritos de tortura, inclusive da mãe dela na mesma mansão em que moram. Meu pai faz tratamento até hoje e a culpa é de vocês.

― Scorpius... – o pai dele pede, relando no braço do filho.

― Não. Agora eu vou falar. – ele olha pra mim decidido. – Eu quero me casar com você Rose, não me importo se é gorda, ou se sonha em ter uma sorveteria, ou se ganharemos tão pouco dinheiro, que teremos que morar numa casa pequena. Não me importo. Na verdade é o cenário perfeito para mim. Casa comigo?

Aquela pergunta não estava programada, sinto meu rosto quente, nunca diria não para ele. Ele que me ajudou desde sempre em Hogwarts, que nunca se importou com minha aparência, que mostrou que amava todas minhas curvas, muito mais do que eu, muito antes do que eu.

― Eu quero, quero me casar com você.

Respondo e isso parece o ápice do desgosto para seus avós que levantam da mesa indignados. Parece que iam partir no meio do jantar, mas não aguento e preciso falar uma coisa.

― Meus avós paternos são incríveis. Meu avô sempre amando coisas dos trouxas e minha avó a melhor cozinheira do mundo e sempre tão amorosa. Obrigada por me comparar a ela. Aliás, quero lhe agradecer. – Olho diretamente para Narcisa Malfoy. – Você mentiu a Voldemort e salvou a vida do meu padrinho, Harry Potter. Lembra-se? Ele sempre conta essa história a gente, que se não fosse pelo amor de uma mãe ao filho ele nunca teria sobrevivido na floresta. Então muito obrigada.

Parece a gota d’água. O avô de Scorpius puxa a mão da mulher para saírem da sala de jantar. Ela não tira os olhos de mim amedrontada pela verdade que sabia ser dela, que talvez não tivesse contado para ninguém naquela casa. Escuto eles aparatarem já no outro cômodo.

― Eles foram tão piores com você, do que foram comigo. – diz a mãe de Scorpius ao meu lado. – E eu também os coloquei em seu devido lugar falando do Draco. – ela começa a rir, como se lembrasse de fatos do passado muito engraçados. – O ponto fraco deles. – ela me dá uma piscadela. – Vamos finalmente comer sem ter uma indigestão.

E sentamos a mesa, e comemos. Momentaneamente tudo estava bem.

.

.

 

Você não era o homem dos meus sonhos
Porque me faltava imaginação
Reescreve a minha história com sorrisos
Transforma o meu silêncio em canção

 

Estamos de férias. E eu poderia estar feliz com isso, um tempo longe de toda a pressão de Hogwarts, de toda aquela ansiedade para os N.I.E.M.s, como se os N.O.M.s já não tivessem sido horríveis. Mas depois do passeio a loja minha convivência com Hermione apenas decaiu. Ela comprou um vestido preto, um que eu disse que não queria, que não gostei, mas que ela insistiu que mudaria de ideia. O que não aconteceria. O vestido ficaria esquecido no armário para toda a eternidade, ou o daria para vovó ela parecia sempre contente com os vestidos que dava a ela mesmo que quase nunca os usasse. Os Weasley não usavam roupas pretas, depois de tantos anos convivendo com eles minha mãe deveria entender, aceitar. Mas ela não conseguia tirar aquela frase da cabeça, aquela que sempre dizem para as pessoas gordas. Preto Emagrece, disfarça, é ótimo.

Gostaria que ela entendesse que eu sou gorda e não têm como disfarçar isso. Disfarçar isso é como disfarçar quem sou. E quem mais eu seria?

Estamos sem nos falar porque joguei isso na cara dela. Falei que a mulher que luta pelos nascidos trouxas, que mudou a vida dos elfos, que quer melhorias para todos, não é assim tão perfeita. Joguei na cara dela que ela não aceita que as pessoas não sigam suas regras, que as pessoas fujam de suas expectativas. Ela odeia o que ela não pode controlar. E que isso é o que a maioria dos ditadores sentem.

Foi nossa pior briga. Eu me tranquei no quarto. Ela no banheiro. E estou enlouquecendo com vontade de sumir. Contando os dias para a pressão de Hogwarts. Quando a coruja pousa em minha janela demoro um pouco para reconhecê-la. Suas penas amareladas e manchadas de marrom fazem com que eu sorria.

É de Scorpius. Está me esperando na estação de trem. Não sei como chegar lá. Mesmo assim dou um jeito. Saio o mais rápido possível sem que ela perceba, quando passo por Hugo peço silêncio e sei que ele não me dedura nunca. Estou livre de casa. Livre dela. Livre de tudo que representa para mim.

Demoro um pouco para chegar a estação, mas quando finalmente chego ele está lá. Sentado em um banco com as pernas longas tomando mais espaço do que deveriam, com uma blusa de frio vermelha queimada, que o deixa extremamente bonito. Eu de moletom e calça legging. Somos completamente diferentes. E eu balanço minha cabeça tentando não entrar na defensiva, porque não é culpa dele. E também não é culpa minha.

― Rose, você demorou. – Ele raramente sorria, mas quando o fazia parecia que era costumeiro. – Achei que não viria.

― Tive que escapar de fininho.

― Problemas? – Sua sobrancelha ergue questionadora.

― Os de sempre. – Dou de ombros. - o que vamos fazer? Não chamou Albus?

― Não. Seremos só nós dois. Explorando uma Londres trouxa que minha mãe indicou.

Confesso que estou curiosa. Scorpius não costuma me chamar para passeios por lugares trouxas, normalmente eu que faço isso. E ainda mais um passeio indicado pela mãe dele.

Ele pega uma espécie de mapa, vamos seguindo as ruas. Viramos esquinas. Paramos para ele entender os rabiscos. Voltamos e entramos em outras esquinas. Quando finalmente entendo o que estávamos procurando.

― Você está de brincadeira comigo? – Vejo as lojas com manequins gordos, não uma loja, mas mais do que a metade delas. Lojas pequenas, que expõem roupas grandes.

― Você disse que precisa de um vestido. Já comprou? – Ele pareceu chateado.

― Não comprei, mas olha eu não gosto de lojas específicas. – Digo me sentido humilhada.

― Eu só compro em lojas exclusivas. – Ele olhou tentando me entender. Scorpius é bem rico, quando para pensar sobre tal declaração. – vamos dar uma olhada, minha mãe vem aqui com as amigas do clube do livro.

― Sua mãe tem um clube do livro?

― Do livro, de bordados, ativista, do violino e um onde ela é apenas a pianista.

Vejo que a família dele pode ser tão surpreendente quanto a minha.

Aceito olhar algumas lojas. Em um vejo o manequim com uma saia curta e um top que mostra a barriga, na placa anunciando os tamanhos de 46 até 60. Sinto vontade de chorar. Porque não são roupas pretas, nem com estampas esquisitas. Na seguinte um vestido neon grudado ao manequim anunciando a mesma numeração.

Nós entramos em uma que apresenta vestidos longos, estou encantada com os modelos. Ele sorri satisfeito. A atendente é sorridente, simpática, gorda como eu. No final do dia tomamos sorvete. Ele de chocolate. Eu de pistache.

Volto para casa com três sacolas e com menos dinheiro. Sempre acabava tendo dinheiro porque não gastava a mesada com nada. Muito mais feliz. Deixo minha mãe olhar roupa por roupa e conto o quanto foi divertido sair.

.

.

 

Não tenho mais medo do que vem a diante
Você me conduz sem me tirar do volante

 

“Não conseguimos conter o sangramento, seu corpo simplesmente rejeitou o bebê...” as palavras do meu medibruxo me assombravam, durante todas as horas que se seguiram que sai do hospital depois de ter feito um procedimento de limpeza no meu útero. Todos os fragmentos do meu filho foram embora. E eu estou agora sozinha em casa chorando enquanto Scorpius teve que ir trabalhar porque aparentemente o pai não tem direito de sofrer pela morte de um filho que ainda estava na barriga. Passo a mão por cada roupa que ganhei quando anunciei a gravidez, pauso meus dedos no casaco vermelho e dourado que minha avó mesmo muito idosa, e esquecendo das pessoas da família tricotou para o bebê. Um W e um M justapostos na frente indicando o primeiro bebê Weasley/Malfoy. Não me contenho e começo a chorar novamente. É quando ouço a campainha. Não quero atender, certamente é algum vizinho que ouviu meus choros ou ficou sabendo do ocorrido. É quando ouço a voz de minha mãe.

― Rose, sei que está aí...

Quero a ignorar, mas não posso. Desta forma, limpo meu rosto com a manga da minha blusa e me encaminho a abrir a porta. Assim que me vê minha mãe se lança em meus braços me dando um abraço e sei que precisava disso, retribuo a apertando em meus braços. Começamos a chorar ao mesmo tempo. Depois de minutos, que pareceram horas, sentamos juntas no sofá. Ela segura minha mão com o olhar perdido pela casa, que já tinha sinais do bebê, um carrinho recém comprado, um abajur decorado, um bicho de pelúcia jogado no chão. Lembro das palavras dela a mim assim que descobri a gravidez. “Tome cuidado com o que come, gravidez não é motivo de comer o que quiser, sempre opte por legumes e frutas, cuidado com sua diabetes... Sua tireóide está controlada? E sua pressão? Cheque-a a cada duas horas”.

― Eu nunca contei isso para ninguém. Nem para seu pai... – ela começou a falar e olhei para a mulher que me criou, que travei longas brigas a vida inteira, que sempre me alertou sobre meu peso e os malefícios a minha saúde.

― Contou o que?

Ela engoliu em seco e me encarou. Parecia querer compartilhar minha dor com alguma dor que tinha dentro de si.

― Eu nunca quis seu irmão, nunca planejei aquela gravidez, eu o rejeitei. Sim eu o rejeitei. Mas seu pai ficou tão feliz quando contei que decidi só o ter... assim que bati os olhos no seu irmão eu sabia que ele era meu, e que precisava dele... Alguns anos depois. Vocês já estavam em Hogwarts, a casa tão silenciosa, síndrome do ninho vazio. Eu desejei outro filho. Mas não disse nada a seu pai. Parei de tomar as poções preventivas, sabia meus dias férteis e torcia para engravidar. Nunca consegui engravidar. Nunca fui atrás de saber o porquê não poderia ter mais filhos. Sempre achei que seria um castigo, de eu ter rejeitado o Hugo na barriga.

― Mãe. – a chamo sem saber muito o que dizer. Ela estava me contando algo que havia guardado durante tanto tempo dentro de si. Não sabia como reagir.

― Eu só não queria que esse castigo respingasse em você...

― Mãe, pare de dizer coisas absurdas. – peço e ela não me encara, olha para frente como se recordando de si mesma com minha idade.

― Você acredita em Deus Rose?

― Acho que sim...

― Então acredite que nada acontece por acaso.

― Mãe, eu tenho certeza que Deus não pune ninguém, nós ficamos nos punindo ao longo da vida e colocando isso nas costas Dele. Para que seja mais fácil de lidar com nós mesmo. Ele não me castigou por algo que fez, sem querer.

― Me perdoe. – A voz cansada, os olhos vermelhos, todas as palavras cheias de dores.

Em qualquer outro momento estaríamos brigando. Batendo portas. Gritos e lágrimas. Mas nesse momento restaram apenas as mãos sendo apertadas e o aconchego de quem entende a dor de perder um filho.

Me perto deitar sobre suas mãos e descansar. Não existem mais perdões, mágoas. Existe um luto de quem nem havia nascido, mas que trouxe algumas mudanças significativas.

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A gente colidiu
E o que eu sempre quis
Já sei onde vou achar
Já sei quem me faz estranhamente

 

Vestidos. Eu nunca gostei deles. Passei uma vida fugindo das lojas e de tudo que me obrigasse a experimentar roupas. Mas ali estava eu com um vestido longo e cheio de detalhes. Esperando pelas palavras daquele que me ajudou a ser quem sou. Que me resgatou algumas vezes dos piores momentos, que a muito custo me entregou a Scorpius.

Meu pai traz lágrimas nos olhos desde o dia anterior. Sempre que me olha parece querer derrama-las, mas as segura pensando que iria me aborrecer com elas. Como se não tivesse percebido o quanto insistia em ser forte mesmo eu sabendo que era o que mais chorava da relação. Meu pai sempre foi emoção enquanto minha mãe era razão.

Vi eles comentando sobre momentos anteriores, enquanto diziam que Ronald Weasley era insensível. Um legume sem sentimentos. Todas as vezes me perguntava quem seria aquela pessoa, pois o meu pai era o homem que comprava sorvete e sujava o nariz para me fazer rir nos piores dias, era o homem que contava uma piada sem graça para fazer toda a tensão se dissipar dos momentos esquisitos. Era o homem que chorava em desenhos infantis trouxas e não entendia como aquilo poderia ser para crianças.  Era o homem que me ensinara a reconhecer alguém real quando encontrasse essa pessoa.

No meu vestido bonito, com Scorpius Malfoy ao meu lado o vejo sorrir enquanto diz as palavras mais bonitas da minha vida, enquanto se permitia deixas às lágrimas finalmente escaparem.

― Bem-vindo a família Weasley, Scorpius. Que você e minha filha sejam tão felizes quanto eu sei que serão.


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Notas finais do capítulo

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