Na ponta dos dedos escrita por annaoneannatwo


Capítulo 8
Capítulo Final




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—  Uraraka, já tem alguns dias que você não almoça aqui. —  o Todoroki aponta como se estivesse comentando que hoje é um dia ensolarado.

—  Pois é, hahaha, eu… eu tava sentando com a Mina-chan, mas… acho que a Tsu-chan já deve estar cansada de ir comigo e ver a bagunça que os meninos fazem naquela mesa. —  ela explica, sem-graça.

—  O Kaminari-chan carrega uma caixa de palitos de dente, mas nunca o vi palitando os dentes. Vamos dizer que esse é o fato menos estranho que vi acontecendo naquela mesa, ribbit. 

Ochako contou à Tsu o que houve com o Deku, a amiga não questionou absolutamente nada, apenas disse que se ela não estava se sentindo confortável em ficar perto dele, então a acompanharia para aonde quer que a manipuladora de gravidade fosse, a lealdade da Tsu a tocou e também colocou algumas coisas em perspectiva: por mais magoada que estivesse, Ochako ainda não havia pensado em se afastar do Deku. Na hora em que aconteceu o beijo, de fato, ela não queria olhar pra ele, tamanha sua raiva e… vergonha de tudo. O Hiro pareceu chocado e até enojado ao ouvir a história, chegou a se oferecer para conversar com o Deku —  o tom do amigo indicava que não seria uma conversa lá muito civilizada — então ela achou por bem se afastar do Deku por um tempo, a Tsu se oferecer pra não deixá-la sozinha foi a confirmação de que Ochako precisava para saber que estava fazendo a coisa certa.

Mas então… por que se distanciar doeu tanto? Ignorá-lo, tratá-lo com frieza e não lhe dirigir mais que um “bom dia” polido só pro Iida não estranhar muito, chega a incomodar fisicamente. Ela o via na mesa do café da manhã e seu estômago doía só de imaginar que seria mais um dia em que aquele beijo passaria em replay em sua mente e Ochako não saberia como se sentir, que se repreenderia por ter gostado e se ressentiria por ele nem ter se esforçado pra explicar nada, apenas disse “não sei” e ficou por isso mesmo, por três semanas ficou por isso mesmo. Três semanas.

E então algo insano aconteceu: batidas suaves em sua porta tarde da noite e uma voz muito familiar “Uraraka-san, sou eu…” ele nem precisava ter se identificado, não tinha como ela não saber quem era. Ochako entrou em pânico, o que ele estava fazendo ali àquela hora? O que ele estava pensando?

A resposta a essa pergunta veio um segundo depois, quando o Deku despejou uma série de desejos na porta dela: 

“Eu só queria me desculpar...” 

“Eu só queria ter te valorizado antes…”

“Eu só queria te dizer pra tomar cuidado.”

“Eu só quero que você seja feliz, Uraraka-san.”

Tão intenso, tão puro e genuíno, Ochako conseguiu sentir cada uma daquelas palavras, principalmente quando ele disse que entenderia se ela achasse que não há mais lugar pra ele na vida dela, e mais uma vez ela ficou chocada, chegou até a abrir a porta para ver se ele ainda estava lá para poder questioná-lo, mas ele já tinha ido. Será que é isso mesmo? Eles estão num ponto em que não podem mais ser amigos? O Hiro acha que sim, ele disse isso diversas vezes ao longo dessas semanas, que Ochako deveria tomar cuidado, que “esse rapaz” só queria se aproveitar dela e que ele estaria ali pra ela o quanto e quando ela precisasse. Foi gentil e a deixou contente saber que podia contar com alguém, mas às vezes a deixou se sentindo mal, pois há algo na fisionomia do Hiro que a lembra tanto do Deku, ela discordou profusamente quando a Mina apontou a tal semelhança, mas agora é tudo que Ochako consegue ver, e isso é tão injusto com eles todos, mas principalmente, deixa-lhe ainda mais confusa sobre o que fazer. Ela sente que não deveria, mas não quer se afastar do Deku, é a última coisa que ela quer.

Por isso resolveu sentar-se em seu lugar de sempre no refeitório: ao lado do Iida, de frente para a Tsu, o Deku está do outro lado do Iida, mal dá para vê-lo, mas ela não sabe se isso é bom ou ruim.

—  Fico feliz que tenha se juntado a nós, Uraraka-kun. Confesso que considerei bastante te questionar se você estava optando por não sentar conosco devido a algum problema ou intercorrência. Se foi esse o caso e eu, de alguma forma, fui responsável por algo, te encorajo a falar comigo para que possamos nos entender. —  ela sorri, porque apesar do jeito super técnico do Iida frasear isso, ele está sendo gentil e solícito, o ótimo amigo que sempre é. Ela se sente mal por ter se afastado sem falar nada para ele, mas é diferente de falar com a Tsu, Iida se preocuparia muito em se manter imparcial por seus amigos e acabaria pirando, ela o conhece, melhor que não saiba nada até que ela e o Deku se resolvam.

Isso se eles se resolverem. Isso se eles sequer têm solução.

— Você não fez nada de errado, Iida-kun, não se preocupa, ok?

—  Mas alguém aqui nessa mesa fez? —  o Todoroki indaga — Se eu fiz, não percebi, me desculpe.

—  N-não, Todoroki-kun, você não-

—  Então o Midoriya? —  pelo barulho do hashi batendo na tigela, o Deku tomou um susto —  Vocês não estão conversando. — não é uma pergunta, mas uma constatação, e se até o Todoroki percebeu, é porque está bem óbvio.

—  T-tá tudo… tudo bem, Todoroki-kun. —  ela dá uma risadinha sem-graça, conseguindo ver as mãos do Deku sobre a mesa, os dedos dele parecem inquietos.

—  Me parece que não. —  ele rebate, sugando uma porção de macarrão —  Vocês sempre estão conversando.

—  Nem sempre. —  Ochako responde um pouco rápido demais e com certeza, ríspida demais, mas o híbrido não parece se incomodar, a expressão dele não muda, e por algum motivo isso a deixa ainda mais frustrada, foi muita ingenuidade achar que poderia voltar pra essa mesa e agir como se nada estivesse diferente, como se ela sempre se sentasse aqui com seus amigos e um garoto de cabelos verdes cuja existência ela finge não notar —  Com licença, eu vou- — Ochako pega sua bandeja e se prepara para levantar.

—  Se me dão licença, pessoal, eu- —  mas o Deku se levanta antes, a cabeça dele está baixa.

—  Não, eu que peço licença.

—  Não se incomode, Uraraka-san, eu saio.

—  Mas você chegou aqui antes, pode deixar que eu-

—  Mas o certo seria eu-

—  Por que os dois não ficam? —  o Todoroki pergunta.

—  Não é assim que funciona, Todoroki-kun. —  eles dizem juntos, e isso faz o coração dela se apertar mais.

—  Ah, entendo. —  ele dá de ombros —  Eu tenho que sair da mesa também?

— Não… —  o Deku suspira, e se retira tão rápido com a bandeja em mãos que Ochako não pode nem insistir que ele fique, não que ela iria. Ou talvez sim.

—  Uraraka-kun, não se sinta pressionada a partilhar comigo, se não for de sua vontade, mas me parece que algo realmente aconteceu, se há algo que eu possa fazer, pode contar comigo.

—  Eu sei, Iida-kun. Obrigada. —  ela desiste de insistir que está tudo bem, isso seria ofender a inteligência dele a esse ponto.

—  Está sendo um mês estranho. —  o Todoroki diz sem tirar os olhos da tigela —  Seu colega do curso de moda chegou e você e o Midoriya não se falam mais.

—  Como? —  Ochako pergunta, pode não ter sido proposital, mas o jeito que o híbrido fala faz parecer que as duas coisas…

—  Está dizendo que as duas coisas são relacionadas, ribbit? —  a Tsu pergunta o que ela tava pensando.

—  Não. —  ele pensa mais um pouco  — Iida, não foi o Bakugou que falou algo assim no vestiário? —  ela olha pro Iida, naturalmente.

—  Todoroki-kun, não acho que seja apropriado falarmos sobre os assuntos que ocorrem no vestiário masculino, ainda mais considerando que foi o Bakugou-kun que apontou tal fato, e ele não se senta conosco para corroborar sua própria versão,

—  Versão…? O Bakugou-kun- Do que vocês tão falando?

—  Uraraka-kun, como eu disse-

—  Todoroki-kun, me fala exatamente o que você ouviu, por favor. —  ela decide se voltar à pessoa que não a poupará, apenas pelo simples fato de que ele não sabe como fazer isso.

—  Foi há alguns dias, eu não lembro bem, e como não vejo nada de proveitoso no que o Bakugou fala, não dei muita atenção. Mas se não me engano, ele veio questionar o Midoriya sobre uma conversa com o “queijo cheddar” e se ele deu um jeito no  garoto que fica “enchendo a cabeça da Cara de Lua de besteira”. Cara de Lua é você, no caso.

—  É, eu sei. —  ela revira os olhos —  E o que mais?

—  Só isso, o Midoriya disse que conversou, mas não quis dar detalhes para o Bakugou, e disse que “confia na Uraraka para tomar a melhor decisão sobre o Yubi-san.”

—  “E sobre mim”. —  o Iida complementa —  Foi isso, nós não entendemos muito bem, mas o Midoriya parecia um tanto consternado, então preferimos não nos estender no assunto.

—  Entendo… —  não entende nada! Como assim? Por que o Bakugou foi falar sobre ela para o Deku? E o Deku foi falar com o Hiro? Sobre o quê? E “queijo cheddar” é por causa do cabelo laranja? Por que essa conversa faz muito sentido e ao mesmo tempo, nenhum?

O Hiro nunca disse nada sobre ter falado com o Deku, e olha que eles se viram bastante nos últimos dois dias, pois ele está mega empolgado com as provas do traje, vai ver foi por isso que não disse nada? Não, mas ele pareceu ser bem avesso às atitudes do Deku, com certeza falaria se o garoto de cabelos verdes tivesse o procurado, ainda mais pra falar dela. Então… o quê? O Hiro omitiu isso? Por qual motivo?

Confusa e perdida, ela encontra o olhar da Mina do outro lado do refeitório, a rosada também escutou o pedido de desculpas naquela noite, afinal, elas são vizinhas de dormitório. Na manhã seguinte, ela disse categoricamente: “você precisa resolver isso logo, Ochako. Quanto mais tempo deixar passar, pior será. E tem o Yubi-kun também, aceita logo que ele gosta de você.” ela não expressou predileção por nenhum dos dois garotos, dizendo que não ia mais se meter e que confiaria nela.

A morena acha que seus amigos dão muito crédito à capacidade dela de tomar decisões, Ochako está completamente perdida nessa história toda. E talvez esse seja o problema: ela está se deixando levar pela situação estranha ao invés de controlá-la, tá na hora de ser essa menina sensata que a Mina e o Deku acham que ela é e tentar buscar suas próprias respostas.

A começar pelo Hiro.

 

***

O fim de tarde dá um aspecto alaranjado ao ateliê e Ochako admira os manequins expostos na sala, todos estão parcialmente vestidos em cores vibrantes, típicas de uniformes de heróis, inclusive o manequim do Hiro, no qual um traje preto com tons de rosa pode ser visto, é realmente lindo, dá pra ver toda a delicadeza do processo de costura sem deixar de notar o trabalho duro, de certa forma, isso representa quem Ochako quer ser como heroína: sensível, porém trabalhadora. É encantador o que o Hiro fez aqui.

—  Tá bacana, né? Pode falar.

—  Sim, eu tava pensando o quanto gosto e o quanto me reflete na heroína que eu sou, bom, na heroína que eu quero ser.

—  Que bom! Era isso que eu queria: fazer algo que você gostasse e mostrar que, mesmo depois de todos esses anos, eu… eu ainda te conheço muito bem, Ochakolate, melhor que muita gente.

—  Oh, sim… —  ela concorda suavemente, observando quando a única estudante remanescente sai da sala e os deixa sendo os únicos presentes —  Ei, Hiro-kun, hã… posso te fazer uma pergunta?

—  Claro.

—  Você andou conversando com o Deku-kun?

—  Por que eu conversaria com aquele lá? —  ele desdenha.

—  Bom, não sei, eu andei falando com meus amigos e ouvi algo nesse sentido, aí queria saber se rolou alguma coisa que eu não tenha ficado sabendo… você… você parecia muito bravo quando eu te contei do… sabe...

—  Do beijo que ele te roubou depois de ter concordado em lutar com você sem nem saber o porquê? —  ele dispara, deixando-a desconcertada, não que não seja verdade, mas… é estranho ouvi-lo falar em um tom tão acusatório.

— É-é, então… você parecia muito bravo, fiquei preocupada se você poderia ter ido falar com ele pra, não sei, “defender a minha honra” ou algo do tipo. —  ela dá risada.

—  Teria algum problema eu fazer algo assim? —  ele não tira os olhos do manequim, ajustando a roupa.

—  Bom, sim, eu… eu posso me virar sozinha, não preciso de ninguém defendendo minha honra. E, hã… eu mesma tenho que me entender com ele.

—  Se entender? Você tá pensando em perdoá-lo? —  ele para de costurar, suas íris verde oliva se mexem como bolas de gude em um pote e a encaram.

—  Não sei ainda, eu só… não gosto de como a situação está agora, não é só sobre mim e ele, eu coloco nossos amigos em comum em uma situação difícil, e eu… não sei, assim como eu mereço uma explicação melhor, ele merece uma chance de se explicar.

—  Não seja boba, Ochako. O que ele fez com você foi errado, não tem o que explicar! E se seus amigos não entendem e não escolhem seu lado, bom… eles não são tão amigos assim, não é mesmo? —  ela pensa no Iida oferecendo-se para ajudar mesmo não sabendo o que está acontecendo, no desconforto do Todoroki vendo seus amigos brigarem, na Tsu e na Mina que a acolheram sem perguntarem nada. Caramba, até no Bakugou, que aparentemente se preocupou com a situação a ponto de ir questionar o Deku… —  Você não precisa deles se eles não vão te ajudar a se livrar daquilo que te faz mal, ou melhor, daquele que te faz mal.

—  Daquele… que me faz mal? Calma lá, Hiro-kun, o Deku-kun errou comigo, mas ele… ele nunca me fez mal, é meu amigo desde… desde o começo.

—  Ele te desvalorizou como adversária e colega, como você não enxerga isso?

—  E-eu enxergo, mas…

—  Então para de defendê-lo! —  o tom dele sobe, e Ochako arregala os olhos —  Eu não entendo, Ochako, você chorou e me abraçou enquanto contava sobre o que ele te fez, eu ouvi tudo, tudo! —  os dedos dele se esticam freneticamente no manequim, como tentáculos de uma água-viva irritada — Você tem tanto potencial pra coisas incríveis e grandiosas, e fica perdendo tempo com um… com um merda daqueles!

—  Hiro-kun- —  a agulha se move pelos dedos dele.

—  Por que você não dá valor a quem realmente te apoia, hein? Eu sou seu maior fã desde que nós éramos crianças, EU estou aqui por você desde o começo! E não é culpa minha que eu perdi seu telefone antes de me mudar, não é culpa minha, Ochako! —  a voz dele soa cada vez mais alta e ele fala cada vez mais rápido.

—  Eu sei que não, mas Hiro-

—  Não é justo! Eu te vi na TV e foi a prova de que precisava de que tinha que vir atrás de você, a gente até se encontrou por acaso logo no primeiro dia! Tava tudo se encaminhando naturalmente, eu cuidei pra que nada atrapalhasse, ainda mais aquele imbecil que não sabe conversar com você direit-

—  Hiro-kun, cuidado! —  a agulha espeta o dedo dele, mas o Hiro não para de balbuciar de maneira maníaca, parece nem ter percebido, e Ochako observa tudo horrorizada, até que se sente impelida a pegar na mão dele e fazê-lo parar —  Shhh, shhhh. Calma! Olha seu dedo. — ela o faz olhar — Fica calmo, você não pode se machucar assim. — os olhos dele têm um brilho estranho, quase opaco, enquanto ela retira a agulha com cuidado, foi na pontinha do dedo e não chega nem a ser profundo, mas algumas gotas de sangue pingam na mesa de trabalho.

—  Se eu me machuco, você vem em meu socorro. Se é assim, eu não ligo de me machucar. —  o tom dele agora é baixo e lento, mas consegue soar muito mais preocupante do que quando ele estava levantando a voz.

—  Não diz isso, Hiro-kun, isso é… horrível.

—  Mas é verdade! —  ele enlaça seus dedos flexíveis nas mãos dela —  Desde que eu sou criança, sempre que eu chorava, sempre que eu sangrava, eu sabia que podia contar com você pra me curar e me proteger, todos os anos que eu passei longe de você, eu… cresci, Ochakolate, pensando em ser o homem que mereceria sua proteção e amor. —  isso é uma confissão, Ochako nunca recebeu uma, mas sabe reconhecer. Ela sempre imaginou que ficaria envergonhada e, mesmo se não retribuísse os sentimentos, empolgada e lisonjeada. É uma confissão, então por que a deixa tão triste? — Eu faria de tudo por isso, faço e fiz, eu tirei aquele garoto  que não te vê com a mesma devoção que te vejo do caminho, eu… eu te amo, e se tiver que furar todos os meus dedos pra te provar que sou merecedor, eu farei sem pensar duas vezes.

Isso é triste, é horrível e preocupante em diversos níveis, Ochako fica estarrecida diante dessa confissão assustadora.

—  Hiro… o que exatamente você fez pra… tirar o Deku-kun do caminho?

—  Hã? Como assim? Você só percebeu que ele não te valoriza como heroína quando a gente conversou sobre isso, não foi? Aquele dia na chuva, você me contou como as rivalidades são importantes aqui, e que ele não te enxerga como rival. Então aquele dia na enfermaria, quando você saiu pra pegar o termômetro, eu o testei, e ele parecia perdido, Ochakolate, sério, como aquele garoto é influenciável, eu não tive que fazer quase nada.

—  M-mas… mas você fez mesmo assim, você… você o convenceu a lutar comigo? V-você… você me convenceu que lutar com ele era o que eu precisava?

—  E não era?

—  Ta-talvez, mas isso… isso é algo para eu perceber sozinha, Hiro-kun, não pra ser forçada apenas pra repensar minha amizade com ele, e… —  Ochako sente um aperto no coração — e… forçá-lo a algo que ele não queria. Você… você me manipulou! — ela se solta das mãos dele — Você me fez acreditar que minha amizade com o Deku era errada por não ser igual à que ele tem com os meninos, você… você me fez pensar que ele não me valorizava, você colocou nós dois em uma situação tensa que talvez nem existisse, e… me fez sofrer achando que perdi meu amigo.

—  Não, Ochako, não! Eu só te fiz enxergar o que sempre esteve errado! Só dei um empurrãozinho, o resto foi você e as besteiras dele.

—  Mas isso não é direito seu! Minha relação com o Deku-kun só cabe a mim e a ele, você… você não pode chegar do nada e decidir o que é bom ou ruim pra mim!

—  E eu não faria isso se não sentisse que esse garoto só te atrapalha, é que você é muito ingênua pra perceber e-

—  Eu não sou ingênua!  — ela brada — Você achar que eu não posso fazer meu próprio julgamento sozinha me desvaloriza tanto quanto o que o Deku fez!

—  Não me compara com ele! —  Hiro bate a mão na mesa, mas isso não a assusta, muito pelo contrário, a irrita ainda mais. Quando ele era criança, era chorão e birrento assim mesmo, e ela nunca recuava, recuar seria dar a ele o que ele quer, e Ochako não pode fazer isso, não mais —  Eu sou completamente diferente dele, nunca tive dúvidas dos meus sentimentos por você e luto por eles todo dia. Eu… — ele abaixa a cabeça — Por que eu não sou bom o bastante pra você? — e quando a levanta, seus olhos estão cheios de lágrimas, é uma cena deplorável em sua intensidade —  É porque eu sou fraco? Porque fico doente fácil? É o meu cabelo? O alargador? Me diz, Ochako, e eu vou tentar mudar. Eu não sou como meu pai, eu posso mudar por quem eu amo.

—  H-Hiro-kun… —  ela sente sua garganta fechar, não só pela pujança do que ele diz, mas também por se identificar um pouco. No primeiro ano, Ochako se espelhava muito no que o Deku fazia. “O que ele faria nessa situação?” era o pensamento mais recorrente diante de um momento de crise, ter o reconhecimento do amigo tinha peso igual a uma avaliação positiva de um professor. Não que hoje não seja assim, ela ainda valoriza a opinião dele, mas hoje entende que existe uma série de coisas que podem defini-la como uma boa heroína, a aprovação do Deku não está entre elas, é bom, mas não é essencial —  Você não pode entregar sua vida na mão de outra pessoa assim, pode parecer bonito e romântico, mas… isso não é amar, é querer achar a solução dos seus problemas em outra pessoa que também tem seus próprios problemas pra lidar, e isso é muito perigoso, não acha? 

—  Ochako… —  ele esfrega os cabelos —  ...eu não sei como… como dar sentido a quem eu sou sem você… você me fez amar meu nome, eu...

—  Mas já era seu nome antes de eu te fazer gostar dele. Você já era alguém antes de mim, você passou todos esses anos construindo sua história e sua vida sem mim. Você disse que me viu na TV, não foi? E se não tivesse visto? Sua vida continuaria, você ainda seria Yubi Hirotaka, estudante de moda talentoso e inteligente com um corte de cabelo bacana. —  ele ri em meio às lágrimas — e eu seria sua amiga de infância que só te ajudou a ver o que sempre esteve lá.

Fica um breve silêncio na sala nesse fim de tarde, Ochako se sente exausta mental e fisicamente, mas sabe que precisa se manter firme só mais um pouquinho. Por mais errado que o Hiro esteja, as coisas que ele fez não vieram de um lugar de maldade propriamente dita, e sim de muita fragilidade, talvez a Ochako do primeiro ano tivesse feito escolhas tão lamentáveis quanto ele caso não tivesse construído uma relação forte consigo mesma através das amizades e conexões que fez até aqui. Não é necessitar da validação alheia, mas saber que pode contar com quem ama para crescer sozinha.

É isso que ela tem com o Deku. É isso que o Hiro precisa encontrar para ter paz e amor próprios.

—  Eu… eu…  — ele a surpreende abraçando-a, Ochako fica sem-graça, mas não o repele, o abraça de volta como se aninhasse uma criança, algo nisso a faz se sentir meio… materna, é esquisito —  … eu que sou patético, sempre acabo chorando e sendo consolado quando devia estar me desculpando e te protegendo. Você deve me odiar… e com razão.

—  É claro que eu não te odeio, mas… eu preciso ser honesta e dizer que tô bem decepcionada sim, Hiro-kun, não foi certo me manipular como você fez, mesmo que realmente fosse um problema que eu precisava perceber, era algo pra eu resolver com o Deku-kun no nosso tempo. Eu…  — ela o solta do abraço — … você ainda tem dois meses aqui no Japão, certo? Eu não quero perder contato com você dessa vez, mas acho melhor nos afastarmos um pouco, pelo bem da nossa amizade.

—  Entendo… não gosto, mas entendo. Isso significa que você não quer mais ser minha modelo para o projeto?

—  Oh, eu… bom, seu projeto vale nota, eu nunca iria te prejudicar com isso, então…

—  Não, não te quero desconfortável perto de mim, eu hã… vou te dar os esboços e esse protótipo caso você queira mandar para os designers que fazem seu traje, não se preocupe com mais nada em relação a isso.

—  Mas o trabalho…

—  Eu posso começar de novo, tenho um plano B. —  ele coça a cabeça — Aquele Bakugou Katsuki da sua sala… acha que ele toparia trocar umas ideias comigo?

—  Hum… acho difícil, ele é meio bravo.

— Anotado, então preciso colocar uma focinheira no novo uniforme. —  isso surpreendentemente a faz rir — Você vai ficar bem, Ochako?

—  Acho que sim, eu… você me deixou um problemão pra resolver com o Deku-kun, mas… é, vai ficar tudo bem.

—  Ele parece muito burro, mas também não pode ser tanto a ponto de não te ouvir. —  ele resmunga — Ainda acho que ele não serve pra você, você é incrível, mas tem péssimo gosto pra homens, aquele nunca seria um namorado à sua altura.

—  Bom, ainda bem que ele nem deve querer ser meu namorado. —  mesmo com os olhos inchados, o Hiro a olha com tédio.

—  É sério isso?

—  O quê?

—  Você realmente acha que ele não- que ele… ok, vou parar de interferir. —  ele levanta as mãos como se estivesse se rendendo, o sangue do dedo se espalhou e secou, deixando uma mancha vermelha amarronzada na palma da mão dele.

—  Hiro-kun, seu dedo! Você deveria ir à enfermaria, vai que infecciona!

—  Ah, sim. Eu vou.

—  Quer que eu vá c- —  ele ergue a mão novamente.

—  Eu não mereço você me tratando assim agora, Ochako. E preciso me virar, não é? —  Hiro dá um sorriso triste — Vai lá encontrar seu idiota.

 

***

 

Ochako encontra o idiota que com certeza não é dela depois de perguntar para quase todo menino da sala se alguém lhe viu. O Iida e o Todoroki não sabiam, o Aoyama disse que só contaria se pudesse ir junto para assistir de camarote —  ela apenas o ignorou — o Tokoyami e o Ojirou disseram tê-lo visto mais cedo, mas já fazia um tempo. O Kaminari, o Sero e o Mineta ficaram curiosos em saber o que ela queria com ele, e o Shouji e o Koda não disseram nada. Quem a apontou na direção correta foram o Bakugou e o Kirishima, o ruivo caiu na risada ao ver o loiro aparentemente ficar sem-graça e soltar um “Tsk, tanto faz” quando Ochako o agradeceu, ela queria ter ficado e ouvido o Kirishima tirar sarro, mas precisava ir para o Ground Beta logo.

É muito rápido, mas Ochako consegue ver um feixe de luz esverdeada pulando pelos prédios como uma bola de pinball.

— Deku-kun! — ela grita, mas não obtém resposta, ele nem deve ter ouvido. Percebendo que não vai conseguir a atenção do Deku quando ele está em modo treino, Ochako se faz flutuar para que possa chegar ao topo de um dos prédios para ter uma vista melhor. 

Ele não está longe, mas deve estar concentrado, então não vai notá-la, respirando fundo, ela sai correndo e começa a ativar e desativar a Gravidade Zero conforme salta pelos prédios, seu estômago cobrará a conta mais tarde já que isso demanda bastante esforço, mas talvez valha a pena.

Não, com certeza vale a pena. A amizade deles vale muito a pena.

—  Deku-kun!  — ela tenta mais uma vez.

—  U-Uraraka-san?! —  ele grita de volta, correndo pelos prédios paralelos —  O que… o que você...?

—  Oi!

—  O-oi! Tudo bem?

—  Sim, e com você?

—  A-ah, vou levando! —  ele admite — Eu, hã… tô tentando treinar a flutuação, ainda não consigo fixar a posição dos pés quando fico no ar.

—  Nossa, é difícil mesmo, né? Mas assim, tenta se entregar, se você tentar andar no ar, vai se desequilibrar mesmo. Procura sempre manter suas pernas pra cima e dobrar o corpo.

—  Ah, como numa corrida de obstáculos?

—  Isso! —  Ochako concorda animadamente, contente por ele conseguir ilustrar com facilidade o que ela quis dizer.

Eles continuam correndo pelos prédios como se isso fosse algo que sempre fizessem juntos, talvez deveriam, porque é muito divertido. A brisa noturna de verão e o céu em um tom lindo de azul escuro lhe dão uma sensação tão boa e libertadora.

Até que o Deku muda a trajetória do salto e vem em direção a onde ela está, mas ainda se move desajeitadamente, tentando se equilibrar com os braços como se estivesse andando sobre uma corda bamba, a cena é bem cômica e Ochako sente vontade de rir, até que ele não consegue se manter balanceado e cai.

A reação é imediata, ela salta pela borda do prédio em que está, pegando impulso para ir até ele, esticando os braços ao máximo que pode para tocá-lo assim que as pontas de seus dedos chegarem perto o bastante, mas não há necessidade disso, o Deku recupera sua própria flutuação e volta a subir, só que extremamente rápido, a ponto de ela não poder desviar quando eles se trombam no ar, Ochako acaba prensada contra o peito dele.

—  T-tudo bem, Uraraka-san, tá tudo bem. 

—  Deku-kun, a gente tá… sou eu ou você? —  ela pergunta, tentando descobrir se ele está se flutuando sozinho ou é efeito da Gravidade Zero dela.

—  Acho que é você, quando eu tento, acabo ficando muito rápido, sua flutuação é mais lenta e… hã… graciosa. —  ele desvia o olhar um pouco, mesmo com a escuridão da noite, Ochako vê que ele está corando. E então ela se dá conta como eles estão praticamente agarrados um ao outro, o Deku percebe também e, com um gritinho, afasta-se dela. 

—  Você pega o jeito… —  ela murmura, sem jeito, e então se lembra do porquê de estar aqui —  Deku-kun, eu… eu queria falar com você, quero falar com você desde aquela noite que você foi até minha porta, na verdade.

—  Ah, aquilo! —  ele entra em pânico —  Eu fiquei gritando com sua porta, a Ashido-san deve ter ouvido tudo também! Eu… que vergonha! Uraraka-san, eu- —  Ochako leva a ponta de seu indicador à boca, indicando para que ele fique quieto um pouquinho.

—  Eu sou muito grata por aquilo, mesmo que você não soubesse se explicar, eu entendi o quanto você se importava, é só isso que eu precisava saber, que você se importa. Obrigada mesmo, Deku-kun.

—  É claro que eu me importo, Uraraka-san, você… você é uma das pessoas mais importantes da minha vida. —  ele diz naquele tom sério, reservado somente a pessoas a quem respeita muito — Eu… hã… eu falei muita coisa naquele dia, acabei desabafando, desculpe se falei mais do que devia.

—  Não. —  ela o assegura —  Você disse tudo, não se preocupe. Obrigada por se preocupar e por confiar em mim para me resolver com o Hiro-kun, foi… foi doloroso, mas… eu fiz o que tinha que fazer.

—  Oh… sinto muito.

—  É, eu também. —  ela dá um sorriso triste —  Principalmente por você, Deku-kun, você foi jogado em uma situação que não tinha nada a ver com você e… nossa amizade acabou sendo prejudicada.

—  Não, tudo bem, não sinta, você não fez nada de errado. Eu, hã… eu não quero falar nele, mas preciso dizer que o Yubi-san tinha razão numa coisa: eu… eu não te dou o valor que você merece, Uraraka-san, essas semanas que a gente ficou afastado foram bem difíceis pra mim porque eu percebi o quanto eu estava perdendo, e… eu percebi uma coisa. Eu realmente não te vejo como uma rival, Uraraka-san, você é uma rival formidável, talvez a melhor de todas, mas eu ainda assim não consigo te ver desse jeito.

—  Oh…

—  Porque você é muito mais que isso, você é minha aliada, Uraraka-san, minha parceira, aquela pra quem eu sei que posso correr se algo der errado. Alguém que… pula pra me pegar mesmo quando eu consigo me segurar sozinho. Eu, hã… eu gosto muito de você, muito mesmo.

—  Deku… —  ela não consegue nem usar o honorífico, sentindo seus olhos se encherem de lágrimas e o rompante do choro lhe tomar —  Obrigada…

—  Eu… eu que agradeço! —  ele se move no ar, aproximando-se dela novamente, Deku a puxa pela mão para trazê-la para um abraço apertado —  Ei, não chora…

—  Você também tá chorando! —  sua voz sai toda embargada e abafada pelo peitoral dele.

—  Ah, mas comigo não é novidade. —  os dois riem, e mesmo quando ela ergue a cabeça para olhá-lo, eles não se soltam do abraço —  Uraraka-san?

—  Sim?

—  Eu, hã… queria saber se o cinema ainda tá de pé.

—  Oh, oh, claro! Claro, eu adoraria! Vai ser muito legal, e o Iida-kun-

—  Só nós dois, Uraraka-san. No cinema, no caso. —  ele dá um leve sorriso, e ela só consegue concordar com a cabeça.

A luz do luar refletindo nos olhos esmeraldinos dele é qualquer coisa de linda, e faz as borboletas em seu estômago revirarem. Talvez seja vontade de beijá-lo, ou talvez seja só a náusea por usar sua individualidade de maneira tão intensa. Por sorte, uma coisa anula a outra, a ideia de vomitar se beijá-lo a faz querer desistir, e Ochako balança a cabeça para afastar todos esses pensamentos.

Ou quase todos. A manipuladora de gravidade estica um pouco o pescoço e aplica um rápido beijo na bochecha dele, Deku faz um barulhinho engraçado, mas não parece assustado ou desgostoso.

—  Só… pegando de volta o que você roubou… —  ela murmura, evitando o olhar dele.

—  É… é justo. —  dá pra ver o pomo de adão dele subir e descer quando engole a saliva  — Uraraka…

—  Sim?

—  A gente tá muito alto. —  ela olha pra baixo e percebe que os prédios do Ground Beta não são mais que pequenos quadradinhos cinza azulados, eles continuaram subindo enquanto conversavam, e nem perceberam, mas assim que Ochako se dá conta, começa a sentir o quanto está frio aqui em cima.

—  Nossa! E… e agora?

—  Ah, é fácil! É só você liberar a gente!

—  Quê? —  ela se tensiona —  Tá muito alto, Deku-kun!

—  Não tá mais alto que daquela vez no exame de admissão da U.A., lembra? Que você me impediu de me espatifar no chão?

—  Com um tapa na sua cara! —  ela esconde o rosto nas mãos, tentando não pensar no quanto ama a risadinha que ele solta —  Então… deixa eu ver se entendi o plano: eu libero a gente, e quando estivermos pra cair, reativo a individualidade, certo?

—  Isso! Qualquer coisa, eu posso me flutuar também, então a gente vai ficar bem.

—  Sim, a gente vai… —  ela concorda, não se referindo necessariamente à loucura que estão pra fazer.

—  Ok, então… no três, tá bom?

—  Tá bom. —  Deku a segura firmemente contra seu corpo quando Ochako envolve o pescoço dele com suas mãos, os dois se olham e acenam com a cabeça.

—  Um. —  ele diz.

—  Dois. —  Ochako segue. 

E os dois dizem em uníssono antes de caírem pela noite:

—  Três!


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Notas finais do capítulo

E é isso ahahshshshs
Essa fic era uma experimentação que eu queria fazer, então qualquer resultado que eu tivesse com ela seria positivo em grande parte. Eu queria escrever uma short Izuocha, queria desenvolver um OC nessa trope de amigos de infância e o que saiu foi isso aí. Agradeço de coração ao pessoal do Kacchako Project que sempre me apoia muito mais do que eu mereço, à shinazugawaz que refez a capa dessa fanfic e me deu esse banner lindo de capítulo (obrigada por tudo, Sami, você é um anjo)
O Hiro possui uma ficha com informações extras, quem quiser vê-lo e conhecê-lo melhor, só me procurar PV e eu mando o link, mas entendo quem não quiser, já que ele é... Um cretino, basicamente hsjsjshshshs
Obrigada por ler, comentar e acompanhar! Nos vemos por aí :)



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