Junto com o resto escrita por Biazitha


Capítulo 5
No dia 48




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Daehyun abriu os olhos e espreguiçou-se; sentia o aperto no peito cada vez menos sufocante. Sua nova rotina não exigia muito de suas capacidades, mas também não dava aberturas demais para que se perdesse em pensamentos depreciativos de novo. Queria mostrar para a família — e para si mesmo — que conseguia sozinho resolver essa situação, e quando estivesse frente a frente com os pais em Orisim tiraria a história à limpo. 

Precisava de mais um tempo para traçar o plano correto, todavia, de qualquer forma, precisava esperar que as naves voltassem para que as passagens começassem a ser vendidas de novo.

Depois de passar a manhã andando pelo jardim, cheirando algumas flores e observando Youngjae colher as doces frutas, entrou para continuar acompanhando os movimentos do outro enquanto cozinhava. O Yoo era confiante e certo no que fazia, mexendo as panelas ferventes com certa graciosidade; ter a companhia dele era agradável, de um modo surpreendentemente bom. 

Sentaram-se para almoçar juntos. De modo geral, não conversavam muito durante as refeições, apenas apreciavam o momento. No entanto, o Jung sentia-se falante naquele dia: 

— Como veio parar aqui?

— Trabalhando aqui, você quer dizer? — indagou depois de um gole da limonada. O homem assentiu, esperando a resposta. — Eu trabalhava com o meu irmão em um restaurante, mas o proprietário fez um corte de pessoal e eu estava no meio. Uma das minhas vizinhas era auxiliar de cozinha aqui e disse que tentaria arranjar um espaço para mim, acabei ficando com o jardim e com a promessa de que uma hora estaria na cozinha também. Não posso ser hipócrita e dizer que não gosto do que faço, é realmente um sonho estar em contato com a natureza assim. 

— Mas você não tem vontade de fazer outra coisa?

— Queremos abrir um restaurante próprio, mas estou feliz onde estou. Plantei e cuidei do jardim por dois longos anos sem parar, é a minha grande criação. — Foi sucinto, sem expor demais o resto de seus pensamentos. Daehyun sorriu de forma amistosa, concordando com o que ouvia. — Acredito que todos começam de algum lugar. 

— Você chegou a fazer uma faculdade?

— Nunca tive interesse. Trabalho desde muito novo para ajudar em casa, tudo o que sei é fruto de experiência e alguns cursos que consegui pagar. 

— Você ainda mora com os seus pais?

— Eles construíram duas casinhas para mim e para o meu irmão nos fundos do terreno, então, vivemos juntos, apesar de separados. 

— Parece divertido.

Youngjae assentiu, sentindo-se quente com a repentina demonstração de interesse do outro. Sempre que Daehyun perguntava um pouco sobre a sua vida, sentia-se diferente. Era bom

 

— Você precisa assistir isso! — Youngjae chegou de supetão na sala arrancando o controle de sua mão e apontando para a tela fixada na parede com grande desespero. Confuso e ao mesmo tempo tomado por uma preocupação horrível, Daehyun saltou do sofá e ficou de pé para prestar atenção. 

— O que aconteceu?

— Eu só escutei um pedaço, eles citaram o seu nome. Vão repetir o vídeo. 

Atrás da âncora de faceta séria havia a figura de Jongup pausada. Ele vestia roupas claras e tinha o cabelo para baixo, diferente do usual topete brilhante de gel. Daehyun bem sabia que o esquema de cores e a imagem “limpa” eram pura manipulação; a primogênita dos Moon entendia muito sobre o assunto, já que trabalhava com assessoria de imagem de diversas celebridades. Não sentia que viria algo bom dali. 

— O Secretário de Segurança da cidade de Incheon, Moon Jongup, emitiu um comunicado em suas redes sociais oficiais, à caminho de Orisim, sobre a atual situação da Prefeitura. Vejamos à seguir — explicou a mulher, logo sendo substituída pelo citado vídeo. 

— Recebi muitas mensagens sobre a minha importância na Prefeitura, mas peço que não se preocupem. — Jongup estava sentado em uma poltrona, sozinho, olhando diretamente para a câmera do celular. — Mesmo distante, eu estarei sempre cuidando do meu povo e deixo em meu lugar outra pessoa igualmente qualificada: Kim Himchan. 

Eram tantas mentiras disparadas de um modo deslavado e irresponsável. Daehyun não sabia quem era Himchan, nunca havia ouvido falar nele antes. 

— Entendam que o momento agora é de união, precisamos trabalhar juntos para termos condições melhores. E boas atitudes refletem em nossos representantes, por isso vim aqui fazer uma denúncia séria: peço para que investiguem com prudência os gastos da Secretaria da Justiça e da Educação. Eu não consegui dormir esses dias tamanho desespero, pensando em como isso é injusto com a cidade que amo tanto.

O mundo ficou mudo por um instante enquanto Jung tentava compreender as palavras que ouviu. Era como se tivesse tomado uma sequência de socos no rosto e por isso os sons, as cores e os sentidos iam e voltavam. Youngjae mexia os olhos do vídeo para o homem, percebendo como seu rosto estava mais pálido e os lábios esverdeados. 

— Por fim, digo isso como incentivo a todos os cidadãos, não apenas de Incheon: trabalhem duro e venham realizar os seus sonhos aqui. Vocês podem!

Daehyun não conseguia compreender mais a realidade como antes, as suas costelas pareciam ter grudado nos órgãos, deixando o seu interior comprimido e dificultando a respiração. O nariz puxava pequenos golpes de ar que não eram suficientes para fazer o seu corpo funcionar corretamente, então, a vista começou a escurecer e as pernas amoleceram.

— Eu não fiz isso! — gritou desesperado para a televisão, tentando fazer com o que o resto da cidade ouvisse a sua voz também. — Por isso bloquearam a porra dos meus cartões. Eu não preciso de dinheiro, olha o tamanho dessa merda de mansão. As pessoas podem me acusar de tudo, menos de corrupto!

Nos três anos que estava na Prefeitura, nunca esteve envolvido em qualquer escândalo ou acusação do tipo; mal trabalhava ou administrava o que era preciso, como poderia fazer parte de algum esquema de desvio de verba? Nos dias em que ia para lá, passava mais tempo atormentando os subordinados do que conversando com os outros Secretários e o Prefeito. Não era burro, sabia que havia muita sujeira envolvida, mas não conseguia participar porque não entendia a necessidade. Todos já eram bem ricos e bem de vida, fazia pouco sentido correr o risco de perder o cargo ou ser preso por alguns milhares de dinheiro. 

Algumas vezes — principalmente no último mês  — perdeu a paz pensando se o seu pai era tão santo como tentava parecer e questionava se fazia parte de esquemas corruptos em Seul, contudo, sempre levou consigo um dos ensinamentos políticos que o homem falava em seus discursos de modo repetitivo: jamais deixe-se destruir pela mesquinhez, avareza ou ganância. 

Se o próprio pai seguia isso não podia afirmar com certeza, no entanto, as palavras acompanhavam-no na política. E unicamente na política, porque em outros aspectos de sua vida Daehyun não podia se importar menos se estava sendo mesquinho, avarento ou ganancioso. 

Os tempos — agora — eram outros, ele sentia isso.

— Tente se acalmar — aconselhou o Yoo, surpreso com a figura transtornada em sua frente. Ele não colocaria a mão inteira no fogo pelo homem, entretanto, sabia reconhecer o desespero de uma acusação infundada de longe. Arriscaria dois dedos no fogo, pelo menos. 

E era assim que o Jung estava: fora de si ao ouvir as palavras maldosas de um amigo próximo. 

— Eu trabalhava na Prefeitura porque queria me sentir útil, fingir que tinha controle sobre algo, sobre alguém... Eu queria mandar, mesmo que por poucas horas, em alguma coisa. Você entende isso?

— Eu... Sinceramente, eu acho que não. Mas a sede pelo poder é destrutiva, disso eu sei — contemplou por um instante, dando-se conta de algo que talvez ainda não estivesse muito claro para o outro. Parecia que Daehyun nunca tivera escolhas próprias na vida, sempre jogado de um lado para o outro satisfazendo as vontades da família; quando ele expôs que queria se sentir no controle por um tempo, Youngjae percebeu que o buraco era bem mais embaixo e reconhecia que não era a hora certa para apontar àquilo na conversa.

— Eu não desviei verba nenhuma, Youngjae. Eu não posso ser preso por algo que não fiz. 

— Você não será preso. Os seus pais... A sua família ainda é muito influente, provavelmente devem estar sabendo e cuidando de tudo. Não te prenderão sem provas concretas. 

— Você acha que a minha família se importa com isso? Eles nem se importaram por eu ter ficado para trás! Eles me abandonaram... — Foi como se algo tivesse quebrado conforme a voz do homem ficava cada vez mais fraca. A realização caiu como uma bigorna em cima do Yoo, as peças que faltavam se encaixando no quebra-cabeça. Daehyun parecia destruído, com as mãos avermelhadas agarrando os próprios cabelos despenteados e murmurando lamúrias baixinho; toda a postura confiante e forte que tentou construir naqueles dias foi destruída com um conjunto de palavras mal-intencionadas.

Youngjae não sabia se deveria tocá-lo ou dizer palavras de conforto, nada parecia adequado para o momento. Optou por empurrá-lo com delicadeza para sentar no sofá e ocupou o lugar ao lado dele, mantendo a mão em seu ombro como forma de apoio; não mexeu os dedos ou fez pressão, só manteve o calor da sua palma em contato com o tecido da camiseta do outro.

Escutava os murmúrios incompreensíveis, mas queria dar o espaço necessário para que ele se reencontrasse sozinho. 

A visão de Yoo sobre as coisas estava mudando e queria aproveitar os minutos silenciosos para analisar melhor a situação: a família Jung era mais fria e insensível do que imaginava, Daehyun era espectador da própria vida e Jongup queria a sua cabeça. Os motivos para as ações desorientadas de cada um eram obscuros ainda.  

— Eu não sei o que fazer.

— Primeiro, você precisa entender a situação direito, conversar com alguém da Prefeitura ou seus advogados. Depois, pense em como provar a sua inocência. É melhor evitar sair daqui de dentro, os jornalistas continuam lá fora ainda mais sedentos. Talvez você possa conversar com eles, agora não é o momento.

Permaneceram do mesmo jeito por um certo tempo, digerindo a situação. Youngjae sentiu que o homem estava mais calmo, então decidiu deixá-lo sozinho novamente para que pudesse pensar, mas completou antes de levantar do sofá: 

— Não faça nada de cabeça quente ou se arrependerá depois. Acredito que você já tenha pesares demais acumulados sob os ombros para carregar mais um. 

— O que você sabe sobre mim? — perguntou sem levantar a cabeça, mantendo os braços apoiados nos joelhos e apertando os fios castanhos do cabelo. Não era uma pergunta estupida ou agressiva, ao contrário do que fez parecer; estava um tanto surpreso pelas palavras amigáveis do outro até o momento. 

— O suficiente, Daehyun.


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