Junto com o resto escrita por Biazitha


Capítulo 4
No dia 32




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/791889/chapter/4

 

O frango com batatas perfumava a cozinha e os cômodos próximos enquanto assavam no forno. Daehyun não conseguia evitar as comparações de como as outras cozinheiras não deixavam a comida cheirar. Ou será que nunca havia prestado atenção naquilo? No simples cheiro de uma comida sendo preparada...

Desde que Yoo Youngjae começou a organizar suas refeições, sentia-se um poucomelhor, então tinha mais tempo e espaço ocioso na cabeça para observar o que não observava antes. Estava tentando viver um dia de cada vez com calma. 

Almoçou em silêncio, saboreando o frango e as batatas que lhe eram oferecidos. Tomou o suco fresco de laranjas recém-colhidas do jardim e em seguida ajeitou-se no sofá da sala. Tentava assistir um pouco de série ou algum documentário neutro na esperança de ocupar a cabeça com outra coisa além da escuridão que espreitava dentro de si. Sentia que a qualquer momento poderia esmaecer novamente.

Mantinha-se longe dos jornais, o pouco que viu deixou-o com o estômago revirado e o coração pesado. Só teve contato com as notícias da cidade porque Youngjae assistia no celular enquanto preparava a comida; um dia, sem ter muito o que fazer, Daehyun ficou na cozinha para passar o tempo e ouviu as barbáries que estavam acontecendo. Os repórteres diziam como em alguns dias as autoridades policiais não conseguiriam conter a onda de arruaceiros que tentava atacar e derrubar qualquer coisa que viam na frente, ameaçando a segurança da população que seguia com as suas vidas. Outra parcela de pessoas — a realmente bem intencionada — clamava por ajuda, já que seus representantes haviam sumido da Terra e os que sobraram não davam conta da demanda. 

Fugindo daquela lembrança, passeou pelos canais até encontrar algo que agradasse; ficou por vinte minutos assistindo um programa sobre as alcateias de lobos no gelo do Canadá até Youngjae aparecer. Bem mais arrumado e perfumado do que comumente estava, o homem de sorriso brilhante vestia uma calça preta apertada nas coxas e uma camisa azul de botões com as mangas dobradas; a franja caía-lhe bem ajeitada em cima dos olhos. Parecia simples, porém deixava-o ainda mais delicado — na opinião do observador. 

Daehyun o admirou quieto por alguns minutos, depois olhou para os próprios trajes: uma calça jeans e um moletom amarelo. Balançou a cabeça em negação, não querendo pensar demais nos pequenos detalhes. Não vestia-se adequadamente há tempos, que problema tinha nisso? 

Desceram juntos até a garagem e Jung optou por usar o carro de uma das tias: era mais discreto. Depois de ajeitar-se no banco e apertar o botão para ligar o motor, hesitou. Segurou o volante de couro com as duas mãos, movimentando-as por toda a circunferência tentando juntar coragem. Precisariam ser rápidos para passar pelos jornalistas que acampavam fora da mansão — sedentos por qualquer furo ou foto borrada que pudesse lhes garantir uma notícia especulativa sobre o mistério do filho recluso dos Jung —, mas eles não eram o único problema...

— Está tudo bem?

— Sim — automaticamente respondeu e, após um longo suspiro, abriu o portão da garagem. Haviam menos pessoas ali, mas os flashes eram rápidos, assim como os gritos e perguntas; eles tiveram bastante tempo para aprimorá-las.

Esforçando-se para ignorar cada palavra provocativa que tentava arrancar qualquer informação sua, acelerou para longe mais uma vez. 

Daehyun estava com medo porque, pela primeira vez em vinte e sete dias, estava dirigindo pelas ruas de sua cidade sabendo dos ataques e violência decorrentes. Não sabia se encontraria manifestantes pacifistas ou violentos. 

Era assombroso, também, dirigir até o mercado. Uma tarefa que antes não lhe competia a responsabilidade, todavia, agora, ter comida na mesa dependia totalmente de sua boa vontade de ir até lá e comprar.

Bom, dependia da boa vontade de Youngjae. Contudo ainda estava bancando os gastos. 

As ruas de Incheon tinham um trânsito chato, mas naquele final de tarde estavam tranquilas. As avenidas mais importantes estavam fechadas com barricadas de cimento e camburões pretos, deixando o clima de guerra em maior evidência. Quando encontrava alguma loja destruída ou queimada, acelerava um pouco mais. Não estava gostando daquela realidade, queria fugir dela. 

Pararam no estacionamento e o homem deitou a cabeça no encosto, preparando-se para ficar um bom tempo ali, sozinho.

Youngjae soltou o cinto de segurança e esperou que o outro fizesse o mesmo, entretanto percebeu que não seria como havia imaginado. Virou de lado no banco, logo indagando: 

— Você não vai? 

— Eu não posso sair. 

— Como eu vou pagar? Não acho que vai me dar a senha do seu cartão, não é? E como vou pegar as comidas do seu gosto? Se eu cozinhar algo que você tenha alergia, ficamos como? — Começou a listar exasperado; não aceitaria que alguma reclamação caísse em seus ombros de forma gratuita. Trabalhava, sim, como jardineiro e cozinheiro, porém esperava que o outro entendesse que precisava ser feito em conjunto e em comum acordo. Pelo menos na parte do supermercado. 

— Não quero ser reconhecido. 

Youngjae retorceu a boca em desaprovação e revirou os olhos antes de falar a solução rápida para os receios do homem: 

— Coloque óculos de sol e aperte bem o capuz em volta da cabeça. Você vai sobreviver. 

A experiência de fazer compras foi interessante e sossegada. Não que nunca tivesse entrado em um supermercado, porém fazia tanto tempo que não precisava se preocupar com aquilo que nem lembrava o que era ficar longos minutos tentando escolher uma simples barra de chocolate.

Todo o passeio pelos corredores cheios de alimentos diferentes deixou seu estômago agitado, implorando por um pouco de carboidrato gorduroso. Pediu para que Youngjae ficasse com o carrinho enquanto ia comprar saquinhos de pretzels em uma das barracas. Quando estava pagando, foi pego de surpresa:

— Desculpe, senhor. Foi recusado.

— Mas eu acabei de pagar as compras — explicou-se genuinamente confuso. Abriu a carteira e deu outro cartão para a mulher, sendo mais uma vez negado. Estava tão acostumado com os cartões ilimitados que nunca andava com notas de dinheiro.

Pensava em quais eram os motivos para que não conseguisse pagar e a expressão em seu rosto caía cada vez mais, sentindo vergonha conforme os segundos.

— Deixa comigo. — Youngjae apareceu ao seu lado com um toque afável em seu ombro, esticando o dinheiro e pegando os dois saquinhos. Deu um ao outro que, de repente, sentia-se sem fome e optou por só segurar a comida nas mãos suadas.

Caminharam de volta ao carro com as compras e começaram a guardá-las no porta-malas com a mão livre. 

— Mamãe, eu quero um, por favor. 

A menininha saiu do carro ao lado junto com pais apontando para a barraca doce lá na frente, pulando de um lado para o outro sem conter a animação. O vestido verde largo demais no corpo pequeno e magrelo.

A mãe mexeu na própria bolsa por um momento e tirou uma moeda pequena; não era o suficiente, a expressão aflita em seu rosto expunha os pensamentos. Depois olhou para o marido questionando em silêncio se podiam comprar. O homem fez que não com a cabeça andando um pouco mais rápido na frente, e as duas ficaram para trás. Daehyun não conseguia nem disfarçar como estava hipnotizado com a cena, sentia o amargor em sua boca ainda mais evidente. Não sabia o que fazer. 

— Outro dia nós comemos, pode ser? Papai está com pressa — tentou explicar para a filha com uma mentira boba. O sorriso da pequena foi diminuindo aos poucos até sumir, assentiu quieta e fez menção de andar até o pai. 

Quando passaram atrás dos dois, Youngjae chamou-as energético estendendo o próprio saquinho de pretzels

— Por favor, peguem. Eu ainda não comi, está quentinho.

A mãe avaliou a situação por um momento, desconfiada com o ato de bondade repentino. No entanto a expressão doce e gentil do Yoo conseguiu desarmá-la, juntamente com a risada alta de felicidade da própria filha. Quando a mulher agradeceu a primeira vez, a menina agarrou os doces e abraçou a cintura do homem. Depois de dizer mais alguns “obrigada” emocionados, as duas entraram no supermercado. 

O saquinho de pretzels de Daehyun — ainda morno — estava caído no asfalto, assim como a sua postura por debaixo do moletom. Sentia-se doente e não sabia nem como explicar que sensação era aquela. 

Quando a hora da sua última refeição do dia estava chegando, Daehyun desceu as escadas indo direto para a sala de jantar; o ambiente era todo iluminado e cheio de porcelanas de gosto duvidoso penduradas nas paredes brancas. Andou em volta da mesa nomeando mentalmente o lugar de costume de cada um, apoiando-se na cadeira da ponta que o pai usava. Sorriu com tanta angústia dentro de si que os olhos ficaram cheios de lágrimas. Para um pai que exigia que comessem juntos todo o final de semana e gritava para a imprensa que sua família estava sempre em primeiro lugar, abandonar um filho para trás sem saber se ele tinha condições de viver ou de se proteger chegava a ser ridículo. 

Torcia para que a comida da nave fosse horrível e que o espaço causasse muito enjoo, assim ao menos estariam sofrendo um pouco.

Acomodou-se na cadeira do meio quando Youngjae trouxe o seu prato fumegante. Antes que ele pudesse sair, porém, pediu: 

— Sente-se — e indicou a cadeira ao seu lado. Se seus pais ou avós vissem que estava convidando um empregado para jantar na mesa principal teriam um ataque fulminante no coração. 

Mas eles não estavam ali, não ligavam mais para o que fazia ou deixava de fazer. Daehyun precisava de companhia e a única disponível — e agradável o suficiente — era Youngjae. Não queria outro alguém.

— Faça um prato e jante comigo — tentou ser mais claro. Em silêncio, o outro fez o que foi sugerido (ou mandado, não tinha certeza ainda) e puxou a cadeira pesada para sentar. — Quem te ensinou a cozinhar?

O interesse repentino deixou Yoo meio cismado, contudo sentia uma pequena chama de esperança brilhar. Desde o primeiro encontro com Daehyun, o mesmo falava só o que era necessário e andava como uma carcaça vazia pelos cantos. Assim que começou a passar mais tempo com ele, começou a ver uma mudança pequena em suas atitudes e comportamentos. Desde que voltaram do supermercado ele parecia pensativo e... diferente. Haveria salvação? 

— O meu irmão. 

— É bom — murmurou e comeu mais um pouco de jjajjangmyun. O resto do jantar foi silencioso, só o barulho dos assopros e mastigação preenchiam o ambiente.

O Jung terminou primeiro e, sem se preocupar se estava sendo indiscreto ou inconveniente, apoiou a cabeça na mão para observar melhor o outro. Não tardou em expor suas ponderações: 

— Por que fez... aquilo no estacionamento? 

— Não precisa existir motivo para fazer o bem.

Youngjae respondeu cheio de estabilidade e seriedade, como se tivesse sido treinado durante a vida toda para responder o questionamento. Só não tinha certeza sobre o que Daehyun estava falando: se era sobre a criança ou o dinheiro. 

Mas poderia pensar melhor sobre isso no caminho para casa, já havia passado da hora e seus pais deviam estar preocupados. 

— Até amanhã, senhor Jung.

Por um instante doeu, na verdade os ouvidos de Daehyun parecerem arder. Lembrou de seu pai e de como seu sorriso ficava gigante quando ouvia outros parlamentares saudarem-no com o infame “senhor Jung” acompanhado de um tapa nas costas, para depois discutir aos cochichos sobre estratégias e fazer acordos — assim era a política, ele sabia como funcionava, no entanto, lembrar daqueles momentos deixou-o atormentado. “Senhor Jung” carregava tantas mentiras e falsidade nas entrelinhas.

Ele nem mesmo se sentia parte da família, como poderia sustentar o sobrenome? 

— Não me chame mais assim, me chame de Daehyun — pediu com a voz imutável antes, também, de seguir o seu caminho para fora da sala de jantar. Assentindo, o Yoo adicionou mais aquele momento para analisar na volta para casa.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Já temos mudanças de comportamento porque aqui trabalhamos nos bastidores kjkkkkk
Mas, enfim, não quero enrolar demais. As coisas serão mais bonitinhas daqui pra frente. Youngjae faz nascer no Daehyun uns sentimentos que ele não sabia que podia sentir, bem namoradinhos



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Junto com o resto" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.