Coco escrita por Jupiter vas Normandy


Capítulo 7
Contrato em Branco


Notas iniciais do capítulo

Depois da quase revolta dos ursinhos caramelizados, a entrega da encomenda. É claro que sobrou para o Kevin. Boa leitura! ♥



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Aquele deveria ser o endereço errado, mas Kevin havia conferido várias vezes. A localização era excelente. Ficava na capital, porém não muito ao centro, sendo uma vizinhança tranquila e quase à beira da floresta, mas cheia de casas luxuosas. Kevin segurava dois pacotes com quatro caixas da doceria da Coco, uma em cada mão. Tocou a campainha assim que encontrou a casa certa, o que não foi difícil (dava para ouvir a música alta e ver as luzes sem precisar se aproximar) e aguardou.

Vermelha abriu a porta, o sorriso alegre sendo substituído por uma expressão de desagrado quase em reflexo à presença dele. Apesar da roupa de festa, ainda tinha a capa vermelha em torno dos ombros.

— Ah. Você.

Kevin, por outro lado, assumiu uma expressão satisfeita ao perceber que sua presença a incomodava.

— Coco não podia deixar a doceria – explicou, falando alto para ser ouvido acima da música, e estendeu os pacotes para ela. – Essa casa é sua? Uau, acho que eu devia começar a mendigar descontos por aí… Parece que é bom para as finanças. – Ignorou o olhar fulminante dela como se apenas tivesse elogiado a casa, sem nenhum pingo de ironia em sua fala. Com um olhar cético, questionou: – É mesmo a festa da sua avó?

— Você é o quê, um detetive? É claro que é a festa da vovó. – Ela abriu a porta um pouco mais, e Kevin pôde ver um grupo de senhorinhas rindo e dançando juntas, algumas apoiadas por bengalas. – Quer inspecionar o que mais?

Kevin não esperava as vovós roqueiras. Achou que Vermelha estava tentando enrolar Coco e que a festa era dela, mas, pelo visto, ele se enganara. Músicas em volumes torturantes eram usadas não apenas em baladas de jovens adultos meio bêbados, mas também em festas de aniversário de idosas parcialmente surdas.

— Então… – Vermelha perguntou. Seu olhar expressava o que a voz não dissera. “Por que você ainda está aqui e o que faço para você sair?”

— O pagamento – respondeu.

— Eu já paguei.

— Aquilo foi o sinal, você deveria pagar a outra metade ao receber a encomenda.

— Ah, é? – O tom quase sincero fez Kevin contrair os lábios, impaciente. Ela tentaria mesmo convencê-lo de que não sabia disso? – Olha, sinto muito, eu não estou com dinheiro agora, vou ficar devendo essa vez.

— Claro… A encomenda estará lhe esperando quando você trouxer o dinheiro. – Kevin fez menção de pegar os pacotes de volta, mas ela recuou.

— Você não pode pegar de volta, eu já paguei pela metade!

— Tem razão, desculpe. Estou sendo infantil… – Kevin arregalou os olhos, preocupado, encarando algo atrás dela. – Vermelha, aquela senhora que caiu foi a sua avó?

— O quê…?!

Quando ela olhou para trás, Kevin agarrou um dos pacotes e correu. Ela realmente pagou pela metade, então que recebesse só a metade. Ouviu o grito irritado atrás de si, mas não virou para olhar se estava sendo perseguido. Algo passou cortando o ar ao lado de seu ouvido, mas só percebeu o que tinha sido quando o machado se cravou na árvore à sua frente.

— Você errou! – gritou, continuando a correr.

— É óbvio que não mirei em você!

Kevin não achou assim tão óbvio, portanto não desacelerou até alcançar a linha do bonde elétrico e embarcar imediatamente, mas Vermelha tinha desistido da caçada e já voltara para dentro da sua mansão. Podre de rica e caloteira. Aturar esse tipo de cliente sem se revoltar era exigir demais de sua paciência e sensatez. Já encontrara alguns assim, mas nunca havia se irritado ao ponto de aprontar uma dessas. Geralmente sério, Kevin se pegou rindo sozinho após arranjar um assento vago no bonde. Kevin olhou para o pacote em suas mãos, e sua risada diminuiu até voltar a seriedade habitual.

— Ah, eu super vou ser demitido…

Nem mesmo Coco relevaria algo assim. Ou relevaria? Ela era bem flexível, mas Kevin, que jurava de pés juntos que estava se esforçando, não era o melhor dos funcionários. E essas não eram palavras dele, mas de seus ex-empregadores. Uma coisa era errar a quantidade de caramelo em que banharia os docinhos, mas deliberadamente destratar um cliente era bem distinto disso.

Desceu do bonde assim que se viu em uma área segura. Haviam muitas testemunhas ali para que Vermelha cometesse um crime em plena vista, então Kevin não se preocupou com ser seguido. A praça estava cheia de pessoas andando de um lado a outro, dos mais diversos tipos. Alguns chapéus pontudos denunciavam a presença de bruxas, cujas vassouras estacionadas em um canto esperavam por um passageiro, mas Kevin não se aproximou. Odiava vassouras voadoras. Não tinham cinto de segurança. Preferia andar. Os arbustos da praça eram todos vistosos e floridos, cuidados pelas pequenas fadas florais que os habitavam. Um vendedor de bugigangas (“artigos raros”, dizia ele) oferecia um leque de produtos de R$1,99, desde espelhos encantados à lâmpadas mágicas.

— Senhor, tenho certeza que isso é falso… – Kevin se esquivou, ao ser abordado pelo vendedor insistente com uma lâmpada do tipo incandescente na mão em vez da lâmpada tradicional. Imaginou se a falsa lâmpada precisaria estar ligada para “funcionar” (com muitas aspas), e lamentou pela mão do desavisado que acreditasse naquela balela.

— Não quer dar uma olhada em outras coisas? Eu tenho uma maçã envenenada para seus inimigos!

— Eu gosto dos meus inimigos vivos, mas obrigado!

Tudo ali era extremamente trivial para Kevin. Era o comum. Portanto, ele nem empregava sua atenção por mais do que alguns segundo a cada estranha figura naquela praça. Mas uma pessoa ele reconhecia de longe.

— Droga… – murmurou ao avistar a garota com as mechas azuis-escuras, acompanhada da irmã menor. Olhou ao redor. Não tinha nenhuma doceria de bruxa por perto para que ele pudesse se esconder de Pâmela daquela vez.

Não que ele não gostasse da Pâmela, muito pelo contrário. Ah, Pâmela era a única pessoa da turma que ele não odiava e que não o odiava também. Sua única amiga e, talvez, gostasse dela um pouco mais do que isso. Infelizmente, Kevin gostava dela também um pouco mais do que ela gostava dele. Não era apenas impressão, a irreciprocidade ficara bem clara da penúltima vez em que haviam se falado. Kevin aceitou bem e dignamente, chorando apenas um pouco… Preferiu evitar Pâmela por um tempo, o que o levou a esconder-se na doceria de Coco e acabar preso naquela dívida. Não era um grande problema agora. A vida é curta demais para perder tempo preocupado com “quase” humilhações públicas e desilusões amorosas. Suspirou, resignado. Tanto faz. Como ele mesmo costuma dizer, todos viemos ao mundo para passar vergonha, e isso não mata ninguém.

— Kevin! – Quem o viu primeiro foi a pequena Letice, de oito anos, que correu em sua direção com os cabelos loiros presos em um rabo e o vestido com um padrão tão assimétrico que só poderia ter vindo do País das Maravilhas. Kevin se abaixou, recebendo um abraço animado. Pâmela veio logo atrás, com um sorriso amigável, que ele se forçou a retribuir. Parece que tinha calculado errado. Era cedo demais. – O que você está fazendo aqui?

— Trabalhando, Leti. – Bagunçou o cabelo da pequena, grato por ter uma desculpa para desviar o olhar de Pam. Letice se afastou parecendo irritada, como sempre que ele fazia isso.

— Como está indo o novo emprego? – Pâmela perguntou.

— Olha… Sinceramente, quase não está “indo”, mas vamos chegar lá.

— Lá aonde?

— Eu sei lá. Primeiro vamos conseguir alguns clientes e depois nos preocupamos com as metas.

— Ele está trabalhando com o quê? – Letice cochichou a pergunta para a irmã. Às vezes ficava tímida para algumas conversas. Kevin a ouviu e abriu uma das caixas, exibindo os ursinhos cobertos de calda e percebendo o brilho nos olhos dela.

— Pode pegar alguns, são roubados. – Letice o olhou com dúvida. – Pode pegar, eu não sou a Rainha de Copas.

Ela sorriu, pegando um punhado com cada mão. Agradeceu e voltou a correr pela praça.

Deixando-os sozinhos.

Ah, que traidora.

Era demais comer os doces ali com eles?

— … não acha?

— Hã? Não ouvi. Estava pensando em como sua irmã podia ter ficado aqui um pouco mais para evitar silêncios constrangedores, mas já era – revelou, sem o menor caso. Pâmela riu.

— Transparente como sempre. Assim não dá para ficar constrangedor.

— Nem vai, porque nós dois vamos combinar de fingir que a festa de formatura não aconteceu – impôs, rindo. – Ficou provado depois que a bartender jogou umas poções de sentimentos nas bebidas, ela até foi demitida.

— Que bom, já estava na hora!

Sim, as bebidas haviam sido enfeitiçadas, mas o que ele dizia não era de todo verdade. Afinal, Pâmela havia bebido do mesmo copo que Kevin naquela festa e não falou nenhuma das bobagens românticas que ele despejara sobre ela. Ele preferiu aquela narrativa, pois aceitar que o sentimento era real o fazia querer embarcar rumo à Oz para que o Mágico tirasse seu coração e entregasse ao Homem de Lata.

Ah, quanto drama adolescente. Ele mesmo não tinha paciência para dramas adolescentes, e era o cúmulo do ridículo se ver no meio de um deles. Com certeza estava exagerando. Ninguém nunca morreu de coração partido.

— Mas o que você tinha dito?

— Você disse que estavam sem clientes. Eu falei que não deve durar muito por causa das notícias. Você não acha?

— Como assim?

— Bom, a Coco recebeu uma divulgação muito maior do que vocês poderiam planejar sozinhos, o nome dela está ligado a todas as notícias da futura princesa.

Kevin ergueu a sobrancelha, cético.

— Pam, sendo sincero, acho que as pessoas evitam a doceria porque a Coco é uma bruxa – respondeu. Não esperava entrar naquela conversa com ela, mas o tema o deixava mais confortável. – Os jornais foram bem depreciativos quanto às bruxas porque são contrários à entrada da Rapunzel na realeza. Não sei se foi uma propaganda positiva.

— Toda propaganda é positiva, Kev! Acredite, logo as pessoas vão aparecer aos montes.

— Espero que sim.

— Sempre tem aqueles dispostos a aceitar o que todos os outros rejeitam. Tipo eu, vamos lá agora! – Ela sorriu, começando a andar.

— Pam, a sua irmã…

— A minha irmã, muito bem lembrado! – Ela deu a volta sem nem diminuir o passo, esquadrinhando a praça agitada, procurando por Letice. Ela estava brincando com outras duas crianças, irritando as fadas. – Vou lá amanhã, então.

— Certo. – Kevin riu.

— De qualquer forma, não precisam se preocupar. Afinal, se a princesa aprecia os doces da prima bruxa dela, você acha mesmo que as pessoas não vão ficar curiosas?

Pâmela havia falado sem muito interesse, mas Kevin, assentindo, percebeu algo.

— Pam, você é um gênio!

— Eu sei. – Pam concordou, ainda sem tirar os olhos de Letice, mas franziu a testa, sem notar ter dito algo relevante. – Mas, só para confirmar, por que você disse isso?

— Você me deu uma ideia! – Kevin gritou, já se afastando.

 

.

 

— Você fez o quê? – Coco perguntou, atônita, vendo o pacote que ele roubara da Vermelha.

— Eu sei, eu sei! Não devia ter feito isso, mas me escuta… Não me demita ainda.

— Demitir? – Ela riu, tirando as caixas de suas mãos e começando a colocar os doces prontos na vitrine. – Eu adorei! Você vai é ser promovido. Para a vaga que quiser! – Ela estalou os dedos, fazendo um contrato surgir do ar. Um contrato em branco para que Kevin o preenchesse com os detalhes de seu interesse.

Onde estava Coco em seus empregos anteriores? Uma chefe que permitia destratar clientes irritantes era tudo o que Kevin precisava para ter alguma paz na vida.

— Então você não viu problema no que eu fiz?

— De forma alguma. Eu não gosto de ser feita de boba. – Ela sorriu. Aprendera com seu pai a não aturar clientes caloteiros. – Eu amo trabalhar com isso, mas amor não paga as contas. E mesmo os materiais são bem caros, como você já sabe…

— Uau. Eu queria ter sido contratado por você em circunstâncias melhores. É de longe a melhor chefe que já tive, tirando o fato…

— O quê? – Ela arregalou os olhos, preocupada. – Fiz algo ruim? Qual o problema? Sou uma chefe ruim?

Tirando o fato… — retomou, enfatizando pela interrupção – …de você confiscar o meu salário com essa dívida. Não é diferente do que a Vermelha tentou fazer com você. Acho até que isso é ilegal.

— Pff, é totalmente diferente! – Coco deu de ombros.

— Empregador explorador é pior que cliente caloteiro, senhorita Coco – desdenhou.

— Exploradora, eu?! Ora, seu…

— De qualquer forma, vamos voltar ao que interessa. Tive uma ideia. – Kevin apoiou-se no balcão, encarando Coco com algo curioso no olhar. – Você e sua prima são próximas?


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Notas finais do capítulo

Petição para a Coco pagar o pobre do Kevin só tem uma assinatura até agora. A dele.

EDIT: Eu esqueci de mencionar nas notas de TODOS os capítulos anteriores e esqueci nesse também, mas voltei rapidão. Só para a curiosidade, Coco e Kevin já tinham aparecido em uma oneshot minha antes de eu começar a postar essa longfic. É um conto bobinho (dá para ver pelo título), foi escrito para um desafio em 2019. Vou deixar o link se alguém tiver curiosidade.
Título: A Noiva fugiu, o Noivo também!
Sinopse: Forçada a se casar com o herdeiro do reino vizinho, que nunca conheceu, Marjorie de Ravensthorns está decidida a escapar. Marjorie prepara sua fuga através da janela, mas parece que o seu noivo planejou exatamente a mesma coisa.
Link: https://fanfiction.com.br/historia/784243/A_Noiva_fugiu_o_Noivo_tambem/