Coco escrita por Jupiter vas Normandy


Capítulo 2
Más Vendas




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Como posso descrever a primeira semana de atividade da doceria Dulcedomme? Em uma palavra: frustrante. Todos os dias, a semana inteira, Coco acordava cedo como nunca fizera na vida, descia saltitando pelas escadas, trocava a placa de “fechado” para “aberto” e ia para trás do balcão, aguardar ansiosamente pelos clientes do dia.

Não houve um único cliente.

Aquela voz irritante no fundo de sua consciência insistia em insinuar que provavelmente ela não teria clientes agora ou nunca. Então Coco imaginava que essa voz pertencia a uma pessoa, um corpo físico como o dela, e então se imaginava pressionando um travesseiro contra o rosto dessa pessoa, até que a voz sufocasse e o mundo voltasse a ser alegre e despreocupado. Sua mãe dizia que ela não podia viver “sufocando” todos os seus receios e sentimentos negativos, mas ela vinha fazendo isso a vida inteira e estava muito bem, obrigada! E como a semana chegou ao fim sem uma única venda, Coco se dedicou a essa questão, chegando à única conclusão lógica possível: a placa da doceria não era grande o bastante.

Pegou sua varinha e também seu chapéu, pois uma bruxa nunca sai sem seu chapéu, mesmo que fosse apenas até a calçada da própria casa. Saiu, deixando as portas de vidro abertas, e se pôs a analisar o letreiro. Era uma placa bem chamativa, decerto não era o motivo da falta de clientes. Bem, nós sabemos o motivo, mas Coco se recusa a acreditar. Talvez o nome não fosse legal. O sobrenome Dulcedomme era muito associado a sua mãe, e de maneira alguma seria inteligente usar o sobrenome do seu pai para marketing. Talvez Encanto de Sabor? Hm… Cliché. Doceria Suspiro? Pouco atrativo. Doces Estrelados? Brega demais. Nuvens de Açúcar (uma de suas receitas preferidas, por sinal)? Coco suspirou desanimada, como mostrava o biquinho contrariado que ela fazia com os lábios de maneira pueril. Cruzou os braços e voltou para a loja. Pensaria sobre o nome mais tarde.

Mal havia passado pela porta e o grasnado de um corvo a surpreendeu, atraindo seu olhar para Nanquim, sobre uma estante atrás do balcão. Reprimindo a impaciência, Coco murmurou entredentes o seu descontentamento:

— Você sabe que não pode ficar aqui! – reclamou, vendo-o mover silenciosamente os olhos negros em sua direção, desafiador. Ah, aquele bicho sabia ler seus sentimentos, ela tinha certeza disso. – Volte lá para cima.

Nanquim grasnou uma segunda vez, soando como a palavra final de uma discussão imaginária, e voou pelo salão da doceria antes de voltar aos fundos e subir para o andar de cima. Coco ainda observava o pássaro desaparecendo na escadaria quando um vulto cruzou a entrada velozmente, e ela ficou tão surpresa que até demorou para reagir. Virou-se para o possível cliente, que estava abaixado atrás da vitrine da entrada, olhando os doces. Um rapaz jovem, mesma idade que a sua, de cabelos castanhos, e ávidos olhos negros, chamado Kevin. Coco aproximou-se, esperando ser prestativa, mas ele não percebeu sua presença.

— Olá! – iniciou, tão animada que nem mesmo controlara o tom de voz, assustando o rapaz, que deu um salto sem sair do lugar. – Posso ajudar em algo? – perguntou. Kevin a olhou por cima do ombro, sem muito interesse.

— Não, estou bem. Obrigado. – E continuou estranhamente entretido com os doces da vitrine. Coco esperou quase alguns segundos em pé, mal conseguindo conter o entusiasmo, e logo se agachou ao lado dele, sem a menor paciência ou respeito por espaço pessoal.

— São trufas – indicou os pequenos pacotes na frente dele.

— Eu sei, obrigado – respondeu, tentando não soar ríspido e afastando-se uns poucos passos, ainda agachado. Coco o seguiu.

— Esses são brigadeiros…

— Moça! – Ele se levantou, logo sendo imitado por ela. Estava para começar uma longa reclamação junto a uma aula sobre comportamento inconveniente, quando algo chamou sua atenção do outro lado da rua. Kevin parecia apavorado quando se abaixou novamente, puxando Coco para que também se escondesse, e, no movimento desajeitado, acabou derrubando uma das amostras da vitrine (uma grande torta enfeitada com bastante glacê no formato de suntuosos cisnes, que bateram as asas em irritação). Surpreendido pelos doces animados, o rapaz tentou segurar os que caíram juntos, mas só conseguiu danificá-los com as mãos. Ele olhou para Coco, com um olhar cheio de receios e desculpas, mas não chegou a falar nada, voltando sua atenção para a rua.

Coco o encarou, boquiaberta com um olhar exasperado! Ele nem mesmo chegou a pedir perdão! Um dos cisnes de glacê se movia de um modo bem triste, com a asa direita arruinada; virou a cabeça em sua direção, suplicante, antes de cair de lado e não se mexer mais. Com o coração apertado, Coco o pegou nas mãos, ressentida com o desconhecido que ainda não a encarava. Curiosa, ela seguiu seu olhar. O que seria tão apavorante assim? Lá fora estava quase deserto, exceto por uma jovem caminhando junto a uma criança, do outro lado da rua, totalmente alheia ao rapaz estranho que se escondia dentro da loja de uma bruxa só para evitar seu olhar. Ela tinha uma aparência angelical, então não passava boas impressões para uma bruxa, mas, ainda assim, parecia inofensiva. Coco sentiu crescer sua irritação. Voltou-se para o rapaz, com a frustração explícita. Percebeu que, na verdade, ele não estava apavorado. Ele estava apenas tímido, encabulado.

— Você não é um cliente! – Empurrou-o pelo ombro, levantando-se, decepcionada. Kevin desequilibrou-se e caiu no chão, mas sem causar nenhum estrago dessa vez. Ele a encarou, bastante confuso com a repentina mudança de comportamento. Acredito que o empurrão foi bem-merecido, mas ele, apesar de reconhecer parte da culpa, não achou muito justo; levantou-se e a seguiu, um pouco ofendido pelo tratamento grosseiro.

— Eu nunca disse que era!

— Por que entrou aqui se não queria comprar nada? – Ela questionou, um pouco alto demais, colocando o cisne de glacê no balcão enquanto pensava se ele ainda podia ser salvo.

— Eu entendo a irritação por causa dos doces que eu derrubei, mas antes disso? Eu sou obrigado a comprar algo só porque pisei na sua loja? Olha, eu não acho que seja assim que o comércio funciona!

— Você ao menos vai pagar pelo prejuízo da vitrine, não é? – Ambos já discutiam aos gritos, porém, nesse momento, Kevin abaixou a voz e o olhar, parecendo realmente envergonhado.

— Desculpe, eu não estou com dinheiro… – Ele murmurou, mas Coco estava irritada demais para ser complacente.

— Isso é um falta de consideração! Você sabe o quanto eu esperei por um cliente? Custava comprar alguma coisa?

Kevin decidiu não comentar que compras geralmente custam algo sim.

— Ah, me desculpe, eu magoei seus sentimentos? – Agora o tom dele não parecia nada com um pedido de desculpas. Realmente sentia pelo prejuízo, mas não aceitava ela falar como se ele só pudesse entrar em uma lanchonete se fosse um cliente. Coco se cansou, agarrou-o pela gola da camisa e começou a puxá-lo para a saída.

— Moça! Tem um esquisito lhe observando! – Gritou para a desconhecida do outro lado da rua.

— Que está fazendo?! – Ele reclamou enquanto tentava se soltar das mãos surpreendentemente firmes de Coco. A bruxa irritada somente parou porque naquele momento seu telefone começou a tocar, e, acredite, os familiares dela não são pessoas que você pode ignorar. Com um suspiro ainda mais irritado, ela parou sua pequena e fútil vingança contra o invasor (não mais “cliente”) e se afastou sem falar nada mais com ele.

O número pertencia à sua tia preferida, Mercuria, irmã gêmea de sua mãe. Assim como Coco, também era uma bruxa com hobbies considerados estranhos. Enquanto Coco gostava de cozinhar, Mercuria gostava de cultivar rabanetes. Bom, viva e deixe viver, não é?

Olá, querida! Como você está? Sua mãe me disse que você fugiu, então fiquei louca para lhe dar os parabéns! – A fala animada foi respondida em tom baixo, já que Coco ainda estava chateada.

— Eu não fugi, tia. Sou maior de idade, isso não é fugir, é só sair de casa.

Qual é a diferença?— Mercuria deu uma risada despretensiosa. Ela tinha umas ideias conturbadas com relação à maternidade. Sua filha, Rapunzel, só agora conseguira convencê-la a fazer uma sessão semanal de terapia familiar. Mas 50 minutos por semana não são nem perto de ser suficiente (e eu ouvi dizer que a psicóloga aumentou o valor da consulta depois que as duas começaram a fraquentar seu consultório). – Mas como você está? Você abriu uma loja, não? Como está indo? Tudo certo?

— Não muito, tia… – Então Coco desabafou sobre a desilusão que fora sua primeira semana até a recente briga com um invasor desconhecido.

Ele destruiu seus doces?! Ah, querida… Faça-o pagar por isso! Cobre o primogênito dele como indenização.

— Eu… tenho certeza que isso é ilegal. E o que eu faria com o primogênito dele?

Ah, as possibilidades são infinitas! Você não gosta de cozinhar? Sua mãe tem ótimas receitas nos livros dela, você deveria…

— Ok, ok! Obrigada, tia, te amo, tchau! – Coco desligou mais rápido que um raio. Sua família tinha membros estranhos e membros macabros. Coco lutava para não pertencer ao grupo dos macabros. Sua tia, obviamente, pertencia a ambos.

Mas, por incrível que pareça, a conversa com a tia Mercuria fez surgir em Coco uma ideia interessante.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado ♥