Cactos & Girassóis escrita por Sali


Capítulo 26
Vinte e quatro (parte II)


Notas iniciais do capítulo

Parte dois do último capítulo!
E aí? Qual medalha cês acham que a Lena vai conseguir? Estão torcendo pra ela tanto quanto o Jordan ou quase morrendo de preocupação tipo a Marina?
Bora pro capítulo? ♥



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Domingo | 11 de Dezembro

O intervalo antes das finais era mais longo que as pausas simples entre as lutas da primeira fase. Ele, além do tempo óbvio de descanso, era também o momento para limpar o ringue, conferir as contagens de pontos e, claro, para as últimas reuniões entre os finalistas e seus treinadores.

E, naquele torneio, os resultados haviam ficado particularmente interessantes em boa parte das categorias: de um lado, havia várias competidoras da academia a que Helena pertencia. E, do outro, havia quase a mesma quantidade de lutadoras de um time que ─ deixando o espírito esportivo um pouco de lado ─ nutria uma certa rivalidade pelo de Felipe. E, entre elas, a própria Júlia.

Assim, passando pelos vestiários, conversas e arquibancadas, todo o ginásio parecia vibrar em um leve, mas excitante, clima de clássico esportivo.

Helena, porém, estava sentada num dos bancos perto do vestiário e apenas se concentrava em compreender as orientações rápidas e diretas de Felipe. Ela, apesar de não conhecer sua oponente pessoalmente, tinha plena consciência do que a esperava. E, àquela altura, apesar de querer muito a vitória, se daria por satisfeita independente do resultado, apenas pela oportunidade do combate contra a garota ─ que parecia, na mesma medida, ser incrivelmente irritante e uma ótima lutadora.

Não demorou muito, no entanto, para que Lena começasse a sentir seu pulso acelerado, e o nervosismo do último combate vindo em ondas. Para se distrair, ela acompanhava as lutas das outras categorias, tentando adivinhar suas pontuações ─ porque, nas finais, os resultados só saíam depois, no momento da premiação. Porém, o nervosismo realmente só passou no instante em que o locutor anunciou seu nome, num só fôlego, e ela atravessou o pedaço da quadra e subiu ao ringue, sentindo pela quarta vez a lona sob os pés.

À sua frente estava Júlia, os cabelos curtos e rosa-claro bagunçados, ajeitando as luvas azuis e dando pulinhos para se aquecer. E, quando o olhar das duas se encontrou, tanto ela quanto Helena sorriram, e o ar era puro desafio.

Então, a árbitra se afastou e deu a ordem de início. E o primeiro round começou com um chute que, pelo menos por alguns instantes, conseguiu desestabilizar Júlia completamente.

─ ─ ─

Dessa vez, o round realmente pareceu durar apenas dois minutos. Os golpes, tanto de Helena quanto de Júlia, eram extremamente ágeis e consecutivos, e, Marina viu, várias vezes, a árbitra precisar intervir, quando uma encurralava a outra nas cordas. A certo ponto, um chute de Júlia a fez desequilibrar, mas sua queda foi quase tão rápida quanto sua subida ─ a ponto de a juíza nem ter tempo de interromper a luta.

E, assim, quando o primeiro round terminou, as duas estavam ofegantes, sentadas em seus banquinhos, e igualmente inquietas. 

O segundo round, instantes depois, começou tão intenso quanto o primeiro.

Na opinião de Marina, era uma interação curiosa: mesmo de longe, os olhares de Helena e Júlia pareciam se desafiar; mas, quando elas se cumprimentavam, segundos antes do combate, parecia haver também, além da obrigação e do respeito esportivo, um tipo de admiração mútua. Essa, impressão, no entanto, desaparecia no momento do primeiro golpe. E, em seguida, a luta voltava a se tornar frenética.

─ Caralho, a Lena tá com sangue nos olhos mesmo ─ Jordan comentou então, quase no fim do segundo round, quando a garota desferiu uma série impressionante de socos na direção do rosto de Júlia, a ponto de ser quase impossível ver se ela havia, de fato, conseguido se defender de todos.

Mari soltou uma risada com as palavras do irmão, mas seu olhar não deixava o ringue por nem um segundo.

E então, Lena caiu.

Também foi questão de segundos e, inclusive, ela ainda teve tempo de se levantar e desferir um último soco na direção de Júlia antes que a árbitra as separasse, demarcando o fim do round. No entanto, Marina conseguiu ver que, quando ela se sentou no banquinho, em seu corner, o assistente dedicou um tempo considerável analisando seu ombro direito.

Logo, porém, o sinal para o terceiro round cortou o ginásio. E, na mesma velocidade que entraram, os assistentes deixaram o ringue, e em segundos eram apenas Helena e Júlia frente a frente, aguardando somente o sinal da juíza.

O último round começou, curiosamente, com menos movimento, mas com muito mais tensão. Até mesmo a arquibancada, por alguns instantes, ficou em silêncio, pelo tempo em que as garotas apenas se encararam, planejando e esboçando golpes sem muita força.

Até, pelo menos, o momento em que Helena quebrou a breve calma com uma joelhada que, já de início, fez Júlia recuar alguns passos. No entanto, quando ela voltou a recuperar espaço, Marina não deixou de ver que havia um sorriso atrevido em seus lábios.

A sequência de golpes que veio em seguida foi tão rápida que foi quase impossível de acompanhar com clareza: primeiro, Helena desferiu alguns socos e joelhadas que fizeram, novamente, Júlia recuar. Porém, no instante seguinte, Júlia voltou a ganhar espaço e desferiu um único chute, tão alto que atingiu Lena nas costelas e foi o suficiente para a desestabilizar.

E então era Helena que estava encurralada nas cordas, e Júlia distribuía golpes vertiginosamente ágeis com os punhos e os joelhos, de forma que tudo que Lena conseguiu fazer foi apará-los com as luvas ─ até que, em uma pequena brecha, conseguiu envolver Júlia com os braços, num abraço imobilizador.

A árbitra, enfim, interveio ─ para o alívio de Marina, que já sentia dores no estômago apenas de assistir ─ e, em segundos, as duas estavam de volta ao centro do ringue, enquanto, no telão, o relógio anunciava os últimos segundos da luta. 

Júlia parecia ter em seus planos uma última ofensiva, e Marina percebeu isso no instante em que ela armou uma postura de ataque. Ela, inclusive, chegou a desferir um soco ─ mas Lena, apesar de um pouco mais lenta que o normal, a interceptou com um chute incrível.

Então, o sinal do fim do round soou ─ e, no instante em que a juíza as separou, Helena quase automaticamente ergueu a mão. Agora que enfim estava parada, era possível ver integralmente seu estado: a pele clara avermelhada, a respiração completamente ofegante e, apesar do rabo de cavalo, as mechas vermelhas grudando no suor do rosto. E, entre todas elas, o tom inconfundivelmente mais escuro do sangue, que brotava de um corte na sobrancelha.

Quando Lena deixou o ringue, com um salto, a médica e o assistente, já estavam à sua espera, enquanto Felipe parecia querer se certificar de que ela estava bem.

Da arquibancada, Marina apenas conseguia ver Helena, junto ao pequeno grupo, caminhando na direção da enfermaria. E ela tinha o coração disparado a ponto de sentir seu pulso no pescoço.

─ ─ ─

─ Tá sentindo tontura? Algum mal estar ou dor? Consegue mexer a cabeça?

Helena balançou a cabeça com cuidado e soltou uma risada pelo nariz, enquanto a médica terminava de ajustar a tipoia.

─ Não. Não. Sim. Só meu ombro que tá fudido. Fora isso… tá de boa. Posso terminar de ver as lutas?

A médica acabou sorrindo também, mais de leve. Apesar da expressão grave, Lena percebeu que ela não era tão séria quanto parecia.

─ Foi um corte bem superficial mesmo, mas… é importante checar. Fora isso, é remédio pra dor, spray anti-inflamatório e imobilização pra esse ombro e repouso, porque você pode ter certeza que a dor vai chegar quando a adrenalina passar… Sua receita vai estar com seu treinador, ok? Daqui a dez dias pode ir em qualquer posto pra tirar esses pontinhos.

─ Valeu ─ Helena acenou com a cabeça e desceu da maca com cuidado, tentando apoiar-se, principalmente, no braço esquerdo.

─ Melhoras, Helena.

Ela sorriu de lado.

─ Valeu.

Pouco depois, estava de volta ao banco próximo ao vestiário, entretida com a última luta do dia ─ a ponto de só perceber que Júlia estava indo em sua direção, com o pulso enfaixado, quando a garota já estava perto.

─ Foi mal pela sobrancelha e pelo braço ─ ela soltou, sem qualquer introdução, de maneira brusca e meio sem jeito.

Lena torceu um sorriso de lado; conseguia enxergar sua própria inabilidade social, sempre compensada com uma expressão fechada, na forma como o rosto da garota se mantinha severo. Elas, afinal, eram bastante parecidas.

─ Foi mal pelo pulso ─ respondeu, por fim.

Júlia meneou a cabeça e ergueu o punho fechado em um cumprimento ─ que, prontamente, Lena correspondeu, com um soquinho quase amigável. E, por alguns segundos, elas trocaram um curto olhar com ares de respeito, logo antes de a garota de cabelos rosa-claro entrar no vestiário.

No instante seguinte, soou o sinal do fim da última luta do dia. E Lena sabia que, dali a poucos minutos, começaria o momento da premiação.

─ ─ ─

Marina estava um pouco nervosa. Enquanto as categorias do sub-13 e sub-15 eram premiadas, ela havia conversado com Daniel, Gabriela e os outros amigos de Helena ─ e, inclusive, Gabi a tranquilizou sobre o corte e a tipoia, afirmando que, apesar de visualmente desagradável, não era nada de mais.

No entanto, quando finalmente Helena, Júlia e Fernanda foram chamadas para o ringue, no qual o pequeno pódio havia sido montado, a preocupação de Marina era outra: a luta final de Lena havia sido, provavelmente, uma das mais acirradas daquele dia no torneio. E, apesar de torcer muito para ela, Mari não fazia ideia de para quem a vitória iria.

O primeiro anúncio, obviamente, foi da medalha de bronze de Fernanda Wang, que foi amplamente comemorado e aplaudido, inclusive por Helena ─ afinal, Marina descobriu, a garota era a mais jovem da categoria sub-17, tendo completado 16 anos no mês anterior.

Assim, com Fernanda já no degrau mais baixo do pódio, com sua medalha no pescoço, aquele era, invariavelmente, o momento da decisão. 

─ E agora, em segundo lugar, com a medalha de prata, e com a menor diferença de todo o torneio, de apenas dois pontos… ─ o locutor começou a anunciar, arrancando alguns gritos e exclamações da arquibancada. ─ Helena Martins!

A equipe de Júlia explodiu em uma comemoração no mesmo instante, mas, apesar disso, a garota apenas virou para Helena, cumprimentando-a com um aceno de cabeça cortês.

Lena tinha um sorriso leve nos lábios quando subiu ao pódio, ainda aplaudindo Júlia meio desajeitadamente, e agradeceu à árbitra que lhe colocou a medalha de prata. Felipe, ali por perto, também aplaudia, e Marina abriu um sorriso leve ao perceber que ele elogiava a performance de Helena.

E então, diante da comemoração da arquibancada, Júlia quebrou todas as expectativas: subitamente, esticou as mãos e segurou as de Lena e Fernanda, erguendo-as no ar em uma comemoração tripla ─ que arrancou ainda mais aplausos de todo o ginásio.


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