Cactos & Girassóis escrita por Sali


Capítulo 18
Dezessete


Notas iniciais do capítulo

Ei, gente!
Espero que gostem do capítulo! ;)



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Quinta-feira | 15 de Setembro

O tempo correu, daquele jeito que costuma correr quando se está atarefado demais para atentar-se à passagem dele. Marina, quando não estava em sala de aula, estudando ou fazendo provas e mais provas, se alternava na biblioteca, na escrivaninha de casa ou na sala do cursinho intensivo, que havia começado por influência da mãe ─ e, assim, só percebeu que o primeiro mês de aulas do segundo semestre havia passado quando viu, no calendário, que já estava na metade de Setembro.

Ela ainda via Helena. Na sala, nos corredores, na biblioteca, no banco sob a árvore, na hora do lanche; ela estava quase sempre lá, com os cabelos arruivados, os olhos verde-musgo muito profundos, a habitual expressão fechada ─ que Marina, àquela altura, conseguia dissecar: enxergava o cansaço nas olheiras mais fundas, a tensão entre as sobrancelhas, que sumia quando não estava na escola, a leveza do lábio, que parecia mostrar que, apesar de não o fazer naquele ambiente, ela tinha, sim, o hábito de sorrir.

Mari tinha a sensação que gastava, olhando para Helena, todo o tempo que não podia usar estando com ela. A questão era que as coisas ainda estavam complicadas: era como se ela estivesse constantemente em um quarto caótico, tentando resolver qual parte dele arrumar primeiro. O Enem, claro, existia como uma de suas prioridades ─ não só pelo valor acadêmico, mas pela importância quase exacerbada que a escola e sua mãe davam para ele. Além disso, o conselho de Jordan sobre fazer as coisas com calma lhe vinha frequentemente à cabeça.

No entanto, nenhum tipo de tentativa de organização ou priorização parecia fazer sentido quando Marina estava sentada em sua mesa, na sala, e via Helena se espreguiçando, daquele jeito habitual, e as memórias das férias e do semestre anterior invadiam sua cabeça. Esse era o momento em que seu coração disparava, dividido entre a vontade de jogar tudo para o alto e voltar ao que era antes e o absoluto pavor que esse desejo lhe inspirava. E, diante dessa bifurcação, ela continuava em silêncio, congelada. E não fazia nada.

─ ─ ─

─ Gente, dessa vez vocês podem escolher um, entre os temas dessa lista, pra fazer a próxima redação, ok? Aqui no cursinho, também é importante, pra mim e pra vocês, entender como vocês lidam com um tema que é confortável pra escrever. Podem entregar segunda. Liberados!

Marina soltou um suspiro, jogou o caderno e o estojo na bolsa e saiu da sala num passo lento, apesar da movimentação do corredor, sem conversar com ninguém. Ainda era quinta-feira, mas o cansaço da semana já começava a se abater sobre ela; os ombros doíam e, às vezes, ela sentia que sua cabeça já não guardava metade do que precisava estudar. 

─ Ei! Seu nome é Marina, né?

Mari se sobressaltou com uma garota surgiu do seu lado; branca, de cabelos cacheados cortados num chanel irregular, um sorriso gentil nos lábios e o mesmo uniforme que o seu. Não se lembrava de já tê-la visto pelos corredores da escola, mas, aparentemente, era conhecida o suficiente para que a garota soubesse seu nome.

─ É sim. Desculpa, mas você é…?

A jovem deu uma risada baixa com a confusão de Marina.

─ Ana Carolina, pode me chamar de Ana. Desculpa se eu te assustei. É que fiquei feliz de ver mais alguém da escola aqui… eu tô no 1° ano, tô aqui pelo técnico. ─ ela riu baixo e encolheu os ombros. ─ Às vezes vejo você com a Helena por lá, por isso sei seu nome.

Mari ergueu as sobrancelhas, diante da pequena torrente de informações, e apenas uma se destacou em sua mente.

─ Você conhece a Helena?

O rosto de Ana adquiriu um tom levemente mais rosado que antes.

─ Você é amiga dela, né? ─ indagou, ao que Marina respondeu com um movimento de ombros. ─ Promete não espalhar?

Àquela altura, Mari já estava genuinamente curiosa em relação a que tipo de segredo uma garota de provavelmente 15 anos tinha sobre Helena. Ela fez que sim com a cabeça.

─ É que… eu tenho uma crush nela há um tempão. Nunca falei com ela, porque ela sempre tava na dela ou com a cara fechada, e agora que ela parece mais de boa, vocês estão o tempo todo juntas, mas… enfim, é isso. Desculpa, às vezes eu falo demais... ─ ela riu baixo e balançou a cabeça. 

A confissão de Ana, em outra torrente ─ aparentemente, aquele era seu jeito de conversar ─, chegou de forma esquisita para Marina e fez seu coração disparar levemente. Isso porque, em primeiro lugar, quando a garota mencionou a palavra crush, tudo que ela conseguia pensar é que, sim, podia entender cada um dos motivos que poderiam levar alguém a gostar de Helena. E, em segundo, porque, quando ouviu Ana falar sobre a proximidade das duas, sentiu um frio na barriga que misturava, ao mesmo tempo, nervosismo e uma certa saudade.

─ Mas e aí, como tá o terceirão?

Mari ergueu as sobrancelhas com a nova pergunta de Ana e deixou escapar uma risada pelo nariz, meio aliviada com a mudança de assunto.

─ Cansativo ─ confessou, com um breve suspiro. ─ E o cursinho? O que você quer fazer no técnico?

Ana abriu um sorriso animado com o interesse de Marina; não faltava muito para chegarem ao portão do prédio do cursinho, mas ficou feliz com a ideia de poderem conversar até lá.

─ Pra ser sincera eu ainda não sei exatamente o que quero fazer da vida, mas tô muito interessada no curso de Mecânica, sabe? ─ ela riu pelo nariz ─ Sei que não é muito comum entre garotas, mas parece tão legal… 

Mari fez que sim com a cabeça e deixou escapar um sorriso de leve, admirada com a obstinação da garota.

─ Eu acho uma boa ideia.

─ ─ ─

Foi um alívio não ter ninguém em casa. Àquela hora da tarde, André estava trabalhando, Jordan estava no estágio, e Alícia, de plantão. Assim, após montar um sanduíche com o que tinha na geladeira, Marina pôde simplesmente se fechar em seu quarto e deitar na cama, sem se preocupar em como devia soar ou parecer diante de outras pessoas.

Conversar com Ana, contra todas as suas expectativas, havia sido divertido e deixado seu coração um pouco mais leve; era bom ter alguém para falar de outra coisa que não fosse tudo que estava acontecendo em sua vida ultimamente. No entanto, agora que chegara em casa, estava meio angustiada outra vez ─ porque, apesar de querer apenas ficar de boa ou sair com a sua câmera para fotografar qualquer coisa, seu cérebro insistia que não estudar era um desperdício de tempo.

Enquanto ainda se dividia entre as duas possibilidades, comendo o sanduíche, Mari ouviu seu celular vibrar. Soltou um suspiro meio preguiçoso e deixou o prato de lado, esticando-se na cama para alcançá-lo e torcendo para que não fosse Jordan lhe pedindo alguma coisa.

No entanto, bastou que ela ligasse o aparelho para sentir o coração disparar: o nome escrito na notificação, afinal, era o de Lena.

Ela soltou um suspiro, colocou o lanche pela metade na mesa de cabeceira e voltou a segurar o celular com as duas mãos, como se fosse digitar ─ mas ficou parada. Demorou ainda alguns instantes para abrir a mensagem, mas, quando o fez, soltou um levíssimo suspiro de frustração: era somente um “Oi”, que, por algum motivo, lhe soou meio receoso.

Já havia algumas semanas, afinal, que o fluxo de mensagens entre elas havia diminuído até quase chegar a zero; àquela altura, só trocavam, vez ou outra, perguntas sobre a escola e memes relacionados a alguma piada interna de antes. Com isso na cabeça, Marina mordeu levemente o lábio e respondeu com rapidez.

Ei, Lena, tudo bem?

Mari não saberia dizer se a resposta demorou ou se era ela que, encarando a tela do celular cerca de três vezes por segundo, fazia o tempo passar mais devagar. A questão é que, quando enfim seu celular vibrou outra vez, ela quase suspirou de alívio.

tudo sim, e com vc?
posso te fazer uma pergunta?

O estômago de Marina deu saltos, e ela percebeu que havia sido uma boa ideia colocar o sanduíche de lado ─ afinal, sabia que não conseguiria comer tão cedo, se dependesse do nervosismo que lhe invadia.

tudo tb
claro, algum problema?

Dessa vez, pelo menos, a mensagem chegou rápido; mas foi Marina que hesitou em abrir. Por alguns instantes, ela apenas mordeu a unha do polegar, descascando parte do esmalte preto e encarando seu reflexo escurecido na tela desligada do celular.

Até que, enfim, quando seu coração parecia prestes a explodir, devido à velocidade com que batia, ela soltou um suspiro e desbloqueou o aparelho.

tá tudo bem? eu fiz alguma merda, alguma coisa assim?
parece q vc tá chateada comigo, sei lá… 

Merda ─ Marina suspirou, largando o celular de uma vez só sobre a cama. Não porque estava irritada com Helena, longe disso, mas porque havia acabado de chegar ao ponto que mais temia: que sua hesitação fosse vista, na verdade, como chateação.

O fato era que nem mesmo Marina sabia do que, exatamente, estava fugindo. No entanto, sabia que, àquela altura, o que sentia por Helena não era um carinho simples entre amigas; e sabia também que, apesar de o assunto ainda não ter surgido, depois daquele dia, em seu quarto, sua mãe tinha certa noção do que vinha acontecendo. Não que Mari estivesse esperando algum tipo de aprovação de Alícia para ir em frente, mas, ao mesmo tempo, temia as consequências ─ não apenas para si, mas para sua relação com Lena ─ de esconder algo óbvio assim. Bom, fora o fato de que se apaixonar por uma garota era um pouco mais grave que escolher cursar jornalismo, pensando na forma de Alícia de ver a vida de seus filhos.

A bem da verdade, Marina não planejava que tudo aquilo se estendesse tanto assim. No entanto, ela ainda se sentia constantemente dentro do quarto bagunçado ─ e a tentativa de resolver todas as partes de uma vez acabava levando-lhe, invariavelmente, a não conseguir arrumar nenhuma.

Com um suspiro, ela voltou a pegar o celular com as duas mãos ─ que, agora, tremiam levemente ─ e expirou com calma, sentindo o ar esvaziar seus pulmões.

não é nada disso, Lena… desculpa se pareceu :/
eu só tô muito cheia com essas coisas de Enem, a escola, monitoria, agora o cursinho… 

Marina apertou enter e, logo depois, voltou a digitar, ainda mais rápido e nervosamente do que antes.

depois que essa merda toda passar as coisas vão ficar mais calmas…
mas não é nada pessoal, ok?
foi mal se pareceu :/

Após enviar a última mensagem, ela suspirou outra vez, largou o celular no colchão e se deixou cair sobre alguns travesseiros. No lugar de Lena, duvidava que acreditaria naquela conversa, mas, por hora, era o que tinha para oferecer.

Quando, enfim, seu olhar se abateu sobre o sanduíche, Mari perguntou-se o que faria com ele ─ uma vez que, naquele momento, comer estava fora de cogitação. Mas, antes mesmo que pudesse chegar a alguma conclusão, ouviu, lá embaixo, o som da porta de entrada se abrindo, e percebeu que seu curto momento de paz havia acabado.


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Notas finais do capítulo

E aí? O que tão achando da história?
Aceito qualquer tipo de feedback ;)



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