Cactos & Girassóis escrita por Sali


Capítulo 12
Onze


Notas iniciais do capítulo

Ei, gente!
Espero que esteja tudo ok com os capítulos. Parece que as mensagens ficaram desconfiguradas, mas não consegui formatar.
Se ficar algo muito esquisito, me avisem!
Muito obrigada e aceito feedback hehe ♥



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Quinta-feira | 21 de Julho

Sob o sol frio e seco, as plantinhas brilhavam, refletindo as gotículas d’água da rega recente. Helena, sentada no chão da varanda ─ apesar do piso gelado e de ainda usar a calça cinza de moletom com a qual dormira ─, admirava as folhas gorduchas e os espinhos delicados. 

Seu carinho pelos cactos havia nascido apenas cerca de dois anos antes, quando seu pai, numa noite qualquer, lhe trouxera de presente um vasinho marrom, de plástico, com apenas um pequeno cacto redondo, verde-escuro, com espinhos brancos e macios que pareciam estrelas de várias pontas. Era uma semana de provas, e, nos quatro primeiros dias, a plantinha apenas ficou ali, na mesa então vazia da varanda, alimentando-se do sol ocasional e do fato de que era adaptada o suficiente para não demandar água com tanta frequência.

Até que, no fim de semana, jogada no sofazinho, Helena deixou seu olhar vagar até o cacto e percebeu que, dele, havia nascido um minúsculo broto, outra bolinha verde-escura coberta de espinhos macios. A partir daí, ela aprendeu a gostar de sujar os dedos de terra e passar parte de suas horas livres na companhia das plantinhas coloridas.

Naquela quinta-feira, porém, havia outro motivo, além do simples prazer da jardinagem, que levava Lena a estar tão focada em suas plantas em plena hora do almoço, pouco tempo após acordar e antes mesmo de ingerir qualquer coisa ─ que fosse uma xícara de café ou as sobras do jantar que o pai havia preparado no dia anterior e que dariam um almoço farto.

A garota soltou um breve suspiro e balançou a cabeça, no exato momento em que seu celular vibrou com uma mensagem.

inclusive, terminei de ler aquele livro que te falei
é infinitamente melhor que o filme...
dá até raiva

Helena riu pelo nariz. Praticamente conseguia ouvir a voz de Marina, as flexões de leve irritação enquanto ela começava um comentário que, provavelmente, terminaria com uma crítica ─ sensata ─ à indústria filmográfica norte-americana.

Pela sétima ou oitava vez na última meia hora, se perguntou se deveria contar à colega de sala que havia sonhado com ela.

─ ─ ─

Enquanto esquentava seu almoço, mergulhada nos próprios pensamentos, Helena concluiu que o sonho, a bem da verdade, não havia sido nada de mais. Foi como um flashback do passeio no museu, mas com tudo parecendo bem mais vivo, como as cores neon que a sala interativa projetava nas paredes. E havia o fato de que, na visão dela, Marina sempre parecia mais perto: o perfume dela constantemente invadindo seu olfato, os cachos muito próximos, as ondulações dos fios mais finos de cabelo na testa, os detalhes do esmalte azul-escuro descascado, os anéis prateados nos dedos longos e estreitos. Na verdade, a única diferença era como Lena se sentia: depois de acordar, naquele dia, o menor pensamento sobre a colega de sala parecia o suficiente para lhe deixar com o pulso meio disparado.

Bom, pelo menos aquilo tudo estava dentro do seu cérebro, e ela não tinha qualquer obrigação de externalizar todos os detalhes para ninguém. E lhe dava certo alívio pensar que nem Mari e muito menos Gabi saberiam disso, se dependesse dela.

Voltando à realidade, Helena sentia seu estômago reclamar enquanto, com certa preguiça, observava seu prato girando no micro-ondas. Uma parte dela tinha vontade de se enfiar num moletom e sair andando pelo bairro, só pelo prazer de fazê-lo. Outra, porém, só pensava nas vantagens de ficar de pijama o dia todo e cortar mais alguns títulos da lista da Netflix.

Ao mesmo tempo, então, o silêncio foi interrompido pelo apito do aparelho e pela vibração do celular da garota. Sua atenção se dispersou da comida.

seu muay thai é segunda, quarta e sexta, né?
vc tem algum plano pra hoje?

Ela sentiu gelo subir-lhe pela barriga; a possibilidade de que aquilo fosse o prenúncio de um convite agitava seus sentidos em uma empolgação silenciosa. Seu tom, ao digitar, porém, era descontraído.

na verdade, Netflix
talvez um torrent e chocolate quente pra harmonizar

Helena soltou uma risada pelo nariz e deixou o celular na bancada. Enquanto tirava do micro-ondas o prato quente de arroz e bife à parmegiana, subitamente se lembrou das conclusões de Gabriela, três dias antes, sobre seu humor. Escalou um dos bancos altos e deu a primeira garfada na comida, mas, quando o celular voltou a vibrar, seu estômago decidiu dar pulos outra vez.

hmm, programação difícil de superar
mas vou arriscar: meu irmão acabou de me dar um par de ingressos pro cinema
daquele shopping perto daqui de casa
ele ia com uns amigos, mas parece q desistiram… anima?
só não posso garantir o chocolate

Ela já estava com o garfo na mesa e o aparelho nas mãos, mas passou alguns instantes apenas batendo os polegares na tela, observando as unhas roídas, cheias de pelinhas puxadas e com os cantos avermelhados. Esperou que a sensação de pulso acelerado passasse.

Eu conheço um lugar que pode garantir essa parte pra gente

A primeira resposta de Marina foi uma risada.

Então vc pode me encontrar aqui em casa?
dá pra gente ir andando daqui

Enquanto terminava de comer, Lena pesquisava as melhores rotas de ônibus para o endereço da casa de Mari.

─ ─ ─

O restinho da tarde se arrastou e, ao mesmo tempo, passou tão rápido que, quando deu por si, Helena já estava no ponto de ônibus, alternando seu olhar entre os Vans pretos, de cano alto ─ seus preferidos ─, e a rua meio vazia. A linha que ela precisava pegar nem estava demorando tanto assim, mas a sensação era que a frequência acelerada de seu pulso era inversamente proporcional ao correr dos minutos.

 O combinado com Mari havia sido simples: elas se encontrariam na porta da casa dela e, de lá, terminariam o trajeto até o shopping andando. Por isso, qundo entrou no ônibus, Lena estava mais animada que nervosa; seria legal, de qualquer forma, apenas caminhar e conversar com a colega de sala, ainda que aquele sonho estivesse bem ressaltado em sua memória, e a ideia de vê-la novamente continuasse lhe causando certos arrepios.

chegando, Mari
já tá pronta?

Helena desceu no ônibus na rua de Marina e caminhou calmamente, procurando o número certo. Ela se lembrava de que o bairro ficava em uma região mais rica da cidade, mas, ainda assim, se surpreendeu com o tamanho das casas e a opulência das entradas dos prédios pelos quais passou: algumas construções pareciam antigas, mas bastante conservadas, com jardins e grades decoradas, e outras eram mais modernas, inclusive com paredes de vidro.

A de Marina estava entre os dois conceitos; tinha um muro baixo, bege-claro, com detalhes em baixo-relevo, mas a entrada da garagem e a mureta da área externa eram de vidro; além disso, do lado de fora, ainda era possível ver parte da casa em si: principalmente detalhes do segundo andar, que tinha três janelas ─ a do meio, com uma pequena sacada.

Helena olhou em volta e encostou-se no muro, torcendo para não parecer esquisita ali. Tirou o celular do bolso e viu as mensagens que haviam acabado de chegar.

tive um imprevisto com meu irmão demorando pra tomar banho :/
vou demorar um pouquinho ainda, foi mal
vc já chegou?
entra, melhor esperar aqui dentro

E então, antes que Lena pudesse raciocinar sobre o que havia lido, ouviu o som do interfone abrindo o portão de grades e viu o irmão de Marina atravessando a área externa.

─ Ei! Helena, né? Tudo bem? Entra, fica à vontade.

Ela abriu um sorriso leve e o cumprimentou ─ de certa forma, aliviada ao ver que ele parecia ser extrovertido o suficiente para compensar sua tensão com a ideia de estava prestes a conhecer a família de Marina.

─ Obrigada. É Jordan, né?

O rapaz sorriu, e Lena percebeu que ele tinha traços bem parecidos com os da irmã: o rosto arredondado, um sorriso largo e uma covinha do lado esquerdo; no entanto, seus olhos eram cor de mel ─ os dela eram totalmente pretos ─, ele era mais alto e magro, e sua pele, um pouco mais escura que a dela. Além disso, tinha várias tattoos espalhadas pela parte dos braços que estava exposta pelas mangas arregaçadas do moletom, e os cabelos, sob o boné roxo e amarelo, eram raspados nas laterais.

─ Isso. É coisa do meu pai ─ ele riu, enquanto fechava o portão da entrada e atravessava, ao lado da garota, a área externa; ela reparou brevemente nos dois carros na garagem, no pequeno e bem-decorado jardim e na estrutura bonita da parte de fora da casa. ─ Ele é tipo aqueles caras loucos com futebol, só que com basquete.

Lena também riu, pelo nariz; aparentemente, era de família a conversa fácil e bem-humorada.

Eles entraram na casa, passando pela antessala e, enfim, chegando à sala de TV, e Helena só conseguia perceber que tudo era madeira clara, vidro, móveis elegantes, sofás confortáveis e um cheiro muito leve e constante de lavanda, como se toda a casa estivesse envolvida em uma finíssima nuvem de aromatizador de ar.

Curiosamente, ela achava bom estar ali.

─ Pode ficar à vontade, Helena… a Nina já tá descendo. Eu só vou terminar de arrumar umas coisas lá em cima ─ Jordan voltou a sorrir e indicou as poltronas, e Lena sorriu de volta.

Ela deu um leve suspiro de alívio ao vê-lo subir a passos longos as escadas de madeira e vidro para o segundo andar, momentaneamente feliz com a ideia de ter pelo menos alguns minutos sozinha. Seria bom um tempo para poder se adaptar à situação relativamente nova em que havia se enfiado.

Sua esperança, no entanto, se provou totalmente em vão quando ela ouviu o som de uma porta ─ que parecia ser da cozinha ─ se abrindo. E a primeira coisa que apareceu em seu campo de visão foi um cachorro cor de caramelo, de grande porte e enormes olhos pretos que, como se já a conhecesse, correu até ela e pousou gentilmente o focinho sobre seu joelho.

Ela não conseguiu se impedir de sorrir.

─ Ah, oi! Então você é a Helena, né?

Lena já estava acariciando gentilmente as orelhas do cachorro ─ que, se ela se lembrava bem das conversas e fotos de Marina, se chamava justamente Caramelo ─ quando ergueu os olhos e viu uma mulher não muito alta, de cabelo bem curto, roupas de academia e um sorriso nos lábios. As fotos e as conversas também a haviam, de certa forma, preparado para isso: era Alícia, a mãe da garota.

Helena se ergueu quase automaticamente.

─ É, sim… oi, prazer. Eu só vim esperar a Marina ─ ela sorriu de leve e se perguntou qual deveria ser o protocolo ao cumprimentar a mãe de sua… amiga da escola.

Alícia, porém, parecia não ter dúvidas. Ainda com o sorriso no rosto, abraçou Lena docemente e se sentou na ponta do sofá mais próxima da poltrona em que a garota estava. E, após se desculpar pelas roupas ─ havia aproveitado a folga no hospital para passear com o Caramelo ─, começou uma conversa despretensiosa sobre o colégio e as férias.

Até que um novo barulho de porta interrompeu brevemente a conversa e abriu outro sorriso largo nos lábios da mãe de Marina.

─ Amor! Que bom que você chegou. Vem cá conhecer a Helena.

A garota se levantou outra vez e, com um leve sorriso, se viu diante de um homem bastante alto, de cabelos grisalhos bem curtos e um cavanhaque igualmente acinzentado, sobre o qual se abria um sorriso muito gentil.

André a cumprimentou com um aperto de mão firme, mas cálido.

─ Então é você a famosa Helena? Que bom conhecer a colega da escola que minha filha tanto fala… 

Aquela fala gerou, simultaneamente, duas reações em Lena: ela enrubesceu, torcendo para que não percebessem, e, quase ao mesmo tempo, sentiu um certo arrepio interno ao absorver a informação. Felizmente, tudo foi questão de segundos.

─ É um prazer conhecer você. Vocês dois, na verdade. E a casa é muito agradável ─ ela respondeu, aliviada ao encontrar as palavras que precisava dizer e, mais ainda, aliviada ao ver que a expressão suave no rosto de Alícia parecia subentender uma aprovação.

─ Obrigada. Foi um projeto do André ─ ela abriu um sorriso doce e orgulhoso.

E então a sala se encheu com o som de passos rápidos e, subitamente, Marina estava ao pé da escada, com seu habitual sorriso pequeno.

─ Ei, Lena! Desculpa a demora ─ ela arfou levemente enquanto enfiava uma camisa jeans clara sobre o conjunto de blusa e saia midi, e só passou pela cabeça de Helena que seu perfume combinava com o cheiro de lavanda da casa. ─ Agora podemos ir. Tchau, mãe, tchau, pai. Tchau, Caramelo. Até mais tarde.

E Lena foi meio que arrastada, de forma que já estavam na antessala, a meio caminho da porta de saída, quando ouviram as recomendações do pai de Marina ─ se agasalha bem, lembra do ar-condicionado, não chega muito tarde, avisa quando estiver no shopping ─, que respondeu um “ok, pode deixar” superficial e fechou a porta.

Em minutos, estavam na rua.

E Helena estava aliviada por sua escolha de roupas ─ os tênis de sola branca, os jeans escuros, a camiseta branca, a jaqueta de couro que era ao mesmo tempo bonita e muito confortável ─, porque, com aquela saia vaporosa, que voava levemente com o vento, a camiseta ajustada na cintura, a camisa jeans e os cabelos soltos, Marina estava tão bonita que parecia ter saído diretamente de um editorial de moda ou um feed muito bem trabalhado do Instagram.

─ Desculpa, Lena… eu achei que ia demorar menos. O Jordan é um enrolado às vezes. Pelo menos consegui te resgatar daqueles dois antes que fosse tarde demais.

Helena deu uma risada, mas balançou a cabeça.

─ Tá tudo bem. Na verdade, eu achei eles legais… Sua mãe é gente boa. E seu pai parece fofo.

Mari riu baixo, com um leve ar de crítica.

─ É, eles são legais… o problema é a convivência. Minha mãe é ótima em mudar de pessoa super simpática pra médica legal, mas séria, pra mãe que vai criticar sua roupa assim que possível e te matar se você tirar uma nota muito ruim na prova final.

Helena acabou rindo também. Conseguia imaginar essa possibilidade.

Enquanto caminhavam na direção do shopping, ela deu uma risada discreta pelo nariz. Por algum motivo, sentia-se como se tivesse acabado de sair da cena pré-festa de formatura de um filme clichê dos anos 90.


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