Will, Ben e todas as coisas que eles nunca tiveram escrita por Ash Albiorix


Capítulo 1
Sobre ele.




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Inglaterra.

28 de março, 2052

Sobre ele.

 

Minha psicóloga disse que eu deveria falar sobre William. 

—Benjamin, fazem dois anos e você mal consegue dizer o nome dele em voz alta.

Era fácil para ela falar, ela não entendia. Não tinha conhecido o garoto com olhos de mel e cachos loiros, e toque tão doce que poderia me fazer derreter. Se tivesse passado, pelo menos, um dia sequer com Will, entenderia o porquê, depois de todo esse tempo, ainda era difícil lembrar dele sem que o mundo começasse a desabar como se eu estivesse de volta na última vez que o vi. 

Eu não queria falar sobre ele. Não para ela, não para nenhuma outra pessoa. Falar sobre Will com algum outro ser humano só resultaria em olhares de pena, e eu não queria a pena de ninguém. Mas, embora não quisesse falar sobre ele, eu queria manter seus detalhes o mais vivos possíveis em minha memória. Foi por isso que decidi escrever nossas memórias juntos. O discurso do funeral que ele nunca teve.

Sobre ele:

William Adams era todas as coisas boas do mundo em um garoto falante de 1,80. Eu nunca conheci alguém tão bondoso quanto Will: ele ajudava todos a sua volta, sempre que podia, muitas vezes sacrificando seu tempo e sua felicidade para fazer os outros felizes. Queria ser médico. Fez dois cursos de primeiros socorros diferentes porque, segundo ele, tinha medo de não poder fazer algo se alguém precisasse de ajuda. Queria salvar vidas. E, em muitas formas, ele salvou a minha. 

Nos conhecemos num bar velho, com cheiro de mofo. Ninguém mais ia a bares, e foi esse o motivo pelo qual eu fui contratado para me apresentar lá. Eu nunca fui um músico ruim, mas ninguém quer saber de um garoto iniciante de 16 anos que compunha as próprias músicas e que não conseguia fazer sucesso. Eu não estava frustrado, tinha 17 anos, não pensava muito em formar uma carreira. Só queria cantar e aproveitar a vida. Naquela noite, em específico, minha apresentação contava com uma plateia de cinco pessoas. Três amigos que bebiam e jogavam em seus celulares, em uma mesa distante, falando alto e distraídos, minha irmã, que havia vindo me acompanhar, e um garoto mais ou menos da minha idade, que tinha na mão apenas um copo de coca—cola, e o bebia em silêncio, olhando para mim de longe. 

Eu estava feliz que alguém fora da minha família estivesse apreciando— ou, pelo menos, escutando— minha música, mas não esperava que ele fosse até mim no final da noite, quando guardei meu violão e fui até o bar pegar água. 

—Ei! – o garoto chamou. Eu me virei para trás, assustado, quase derramando água em nós dois. – Calma aí – ele disse, rindo. – Você canta muito bem – falou, por fim. 

Eu franzi a sobrancelha, não sabendo como reagir.

—Obrigado, eu acho. 

Voltei a prestar atenção na minha água, mas o garoto sentou na cadeira do meu lado. Dois adolescentes, no meio de um bar, um bebendo coca—cola e o outro bebendo água. Não poderíamos parecer mais desajustados. 

Aquele bar se tornou meu emprego fixo e eu sempre encontrava o garoto de cachos amarelos lá. Sempre que meu turno acabava, ficávamos um pouco mais, e, muitas vezes, ajudávamos o dono do lugar a fechar as coisas. Às vezes, conversávamos um pouco, outras, ficávamos em silêncio na companhia um do outro. Não nos conhecíamos bem, mas nossos silêncios funcionavam. Algo parecia certo.

—William? – chamei, um desses dias. 

—Benjamin? – ele respondeu, sorrindo. O garoto sorria para tudo o que eu falava e aquilo era, ao mesmo tempo, irritante e adorável.

—Cara, por que você tá sempre aqui? – perguntei, sem pensar duas vezes. – Eu tô preso a essa merda de trabalho porque não consigo arrumar mais nada. Mas e você? Por que tá sempre nesse bar velho que ninguém frequenta? 

Will pensou por uns segundos, apoiando o rosto na mão e se virando diretamente para mim.

—Posso ser sincero? – perguntou. Não era uma pergunta retórica, eu percebi, enquanto ele esperava pela minha resposta. Assenti com a cabeça e ele abriu um meio sorriso, tímido. – Eu não tenho muitos lugares para ir. Minha casa... – suspirou. – Não é muito boa. E aqui é perto. 

A dor que seus olhos mostraram por uma fração de segundos foi o que me fez perceber que tinha muito mais naquele garoto do que eu sabia. 

Eu descobri a idade de Will no dia de seu aniversário de 17 anos.

—A gente deveria beber – ele sussurrou, rindo. – Pra comemorar. Eu falo que é meu aniversário de 18.

Minha irmã já não me acompanhava mais até lá, e eu sempre tive uma certa curiosidade em saber como era beber. 

Will não tinha cara de mais velho. Seus cachos e suas feições simpáticas só o faziam parecer mais novo do que realmente era. Acho que o cara só nos vendeu bebida por pena. 

Não bebemos muito, não a ponto de ficarmos bêbados. William odiou de primeira. Eu gostei. Ríamos com as reações um do outro e nunca havíamos estado tão próximos. Éramos amigos, claro. Depois de ver a mesma pessoa quase todos os dias por meses, você cria uma certa afeição a ela. Mas, naquela noite, foi diferente. 

—Ben, eu tava querendo te falar uma coisa – Will disse, deitado com a cabeça na mesa. Eu não sabia que alguém poderia ficar bêbado com dois copos, mas ele parecia tudo, menos sóbrio. 

—Fala, Will – respondi, sorrindo. Ele geralmente era o sorridente, mas eu estava me sentindo particularmente feliz.

A expressão de Will, no entanto, estava séria.

—Você lembra quando me perguntou o porquê de eu estar sempre aqui?

—Aham – concordei.

—E eu disse que venho aqui porque não tenho muitos lugares para ir – ele relembrou. – Bom, isso é verdade. Em partes. 

Eu o encarei, confuso. Um cacho rebelde caía em seus olhos e eu tive o impulso de afastar com a mão, mas me contive. 

—Como assim?

—Bom, na primeira vez foi por isso. Mas depois, eu voltei porque gostei de te ouvir cantar. Eu gosto de te ouvir cantar. E gosto da sua presença. De conversar com você.

Eu abri um sorriso sincero. Will era a pessoa que mais me apoiava com a minha música. Possivelmente, a única pessoa.

—Obrigado – murmurei, tímido.

Ele levantou, ajeitando o cabelo. Tinha um olhar sonolento.

—Não é só isso – continuou. – A gente tende a não elogiar as pessoas, sabe? Eu tenho uma política pessoal de que, se você gosta de algo em alguém, deve falar para ela. E eu gosto de tudo em você. Gosto de você, se é que entende o que eu estou dizendo – ele parecia ter subitamente acordado, talvez com o nervosismo, mas começou a falar rápido. – Eu nem sei porque demorou tanto tempo para te falar isso e porquê estou falando agora, eu nem sei se você gosta de garotos e também não importa porquê...

O interrompi. Com um beijo. 

Aquela noite foi a primeira vez que bebi e a primeira vez que beijei um garoto. E a primeira noite do que seria o melhor ano da minha vida: o ano que estive junto com Will.

Saíamos juntos, conversávamos sobre a vida e o universo, e fazíamos planos para o futuro. Ele me contava sobre como queria poder ajudar pessoas e eu o dizia que não sabia o que queria fazer mas que estava feliz onde eu estava. Will gostava de filmes de romance e eu gostava de filmes de terror. Éramos opostos, Will era tão doce e gentil e eu era tão eu. Tão indeciso, bagunçado. Mas eu o amava. E amava tê—lo por perto. 

Will arrumou um emprego, queria sair de casa logo. E eu estive juntando dinheiro desde que comecei a trabalhar no bar. Estávamos juntos há um ano e, apesar de diferentes, nos entendíamos como ninguém. Decidimos morar juntos assim que ambos fizemos 18 anos.

Alugamos um pequeno apartamento, onde a cozinha e a sala se misturavam e o quarto era tão pequeno que mal cabia uma cama de casal e um guarda—roupa. Eu pintei um retrato de nós dois e penduramos na parede, junto com algumas plantas que nunca nos esquecíamos de regar. Eu dormia no canto da cama, encostado na parede, porque gostava de me sentir protegido, e Will gostava de me proteger. A casa era pequena, o dinheiro era contado, nós dois tínhamos sonhos grandes demais e nos amávamos o suficiente para confiar que tudo iria sempre dar certo.

E essa é a parte doce. Esse é o Will dos abraços apertados e palavras sinceras, que mudou meus planos e salvou minha vida. 

Essa é a melhor versão de nós dois, antes que a guerra chegasse para acabar com tudo. 

 


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam? Não se esqueçam de comentar, vejo vocês nos próximos!



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