Ao Tempo escrita por Leticiaeverllark


Capítulo 2
A Perda




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POV KATNISS

—Eu preciso acordar.

Peeta volta a me encarar enquanto corta alguns legumes achados na cesta de palha tecida.
Ainda estranho olhar ao redor e ver comida farta. Estava quase indo a floresta conseguir carne fresca, mas dada as atuais surpresas, não sei o que encontraria lá fora.

Depois de dar um bom almoço a essas crianças irei procurar por Primrose, minha mãe e Gale.

—E se isso não for um sonho, Katniss?

Rio com ironia, ele só pode estar brincando com a minha cara.

—Isso é um sonho.

—Então como pode duas pessoas estarem sonhando a mesma coisa?
Que eu me lembre estávamos sobre um palco apertando as mãos.

—Eu sei, mas isso nunca será minha realidade.

O ambiente muda, assim como ele.
A faca corta uma camada da cebola e para fincada na táboa de madeira, seus pulsos ficam duros e seus dedos brancos. Uma força exagerada para segurar o cabo de uma faca tão bem afiada.

—Se você quer continuar brincando de casinha com essas criancas, é sozinho. O problema é todo seu agora.

Num lampejo o vejo virar o pescoço, seus olhos tornam-se sinistramente mais pretos.

—Peeta?

Ele respira fundo batendo as mãos na madeira da mesa bem polida, assusto afastando.
O que está havendo com ele?

Seus passos são certos, esta decidido a vir ate mim. Recuo todo o espaço que dá, fico presa num mínimo espaço entre o armário suspenso e o de chão.

Ergo as mãos apoiando em seu peito, a respiração ofegante mostra que ele não tem controle sobre seu corpo e consequentemente dos atos.

Seu corpo avança, tento resistir mas meus cotovelos fraquejam provocando um chocar de nossos corpos.
Prendo a respiração sentindo todo meu corpo mudar, meu estômago pula ficando cada vez mais gelado, a pele arrepia quando encostada a sua.

Nunca fiquei tão próxima a ele dessa maneira.
Como agir?

—Mamãe? 
O tio Haymitch chegou!

Não movimento um milímetro, sustendo meu queixo erguido e seu olhar desvendando o meu.

Preciso admitir, suas íris são bem mais bonitas do que eu achava. Mas não conta, o vi de longe na escola, diversas vezes.
No corredor, na sala de aula, no pátio.

Lembro que ele ganhava quase todos os campeonatos de luta, só perdia pro seu irmão mais velho.

E com todas essas informações chego a uma conclusão assustadora.
Tenho mantido uma enorme atenção sobre ele, seus atos, conquistas, fisionomia.

O nome Haymitch martela, já ouvi e sei quem é.
O único vitorioso vivo de nosso Distrito, um bêbado nato. Recordo de avaliá-lo no Prego enquanto comprava garrafas de bebida forte, cabelos desgrenhados e expressão sombria.
Parecia um cara bem pertubado.

O que ele esta fazendo na minha casa?

Peeta me cerca com seus braços, meu coração acelera um pouco mais quando suas mãos chapam na parede atrás de mim.

Com os dedos seguro a barra de sua camisa, querendo ter o azul harmônico de volta.

Sem querer toco sua pele, no espaço entre o cós da calça e a camiseta. Numa piscada seus olhos mudam, provocando confusão maior em nossas mentes. Coro extremamente envergonhada.

—Katniss?

Estreito o olhar, o medo deve estar claro em meu olhar.
Não sei como Peeta Mellark é, nunca sequer trocamos algo a mais que olhares.

—O que você tem?

—Eu não sei.
Tudo ficou turvo e imagens sua desfigurada bombardeavam minha mente.

Ficamos na mesma posição, o seu calor passando nas pontas de meus dedos e sendo transferido para todo meu ser.

—Ah, ai estão vocês!

Uma voz faz o que não conseguiamos, Peeta recua tirando meus dedos presos no tecido. 
Mudo o olhar pro homem recém chegado, é o Haymitch que me lembro, só que mais velho.

—Vocês sabem que seus filhos estão bem ali?- seu dedo indica o espaço que dá pra sala.

—Sim.- Peeta responde com a voz trêmula.

—Certo, está tudo bem?- ele coça o queixo antes de puxar uma cadeira e cair sobre o assento.

—Sim.

Ele move os olhos cinzas entre mim e Peeta, parece analisar e fazer alguma teoria.

—Vou fingir que acredito nisso. 
Effie logo chegará com Elisabeth, foram comprar vestidos novos.

Ficamos em silêncio, não sei quem é Elisabeth. Mas se essa Effie for a que estou pensando, não a quero por perto.
A mulher que sorteou o nome de Primrose e Peeta.

A aberração que iria nos acompanhar durante nossa curta passagem pela Capital antes de sermos enviados pra arena.

—Eu vou...

—Fazer o almoço?- Haymitch sorri rodando os olhos sem paciência.

—É, isso mesmo.

Grudo meu quadril na mesa, cortando tudo que vejo pela frente.
Peeta toca meu ombro, viro assustada por sentir seu corpo próximo ao meu.

—Me desculpa. Não sei o que aconteceu comigo.

—Tudo bem.

—Não, não esta. 
Katniss, nós...

—Peeta, esquece isso!- falo alto, fincando a faca na cebola sem paciência.

Não faço ideia de como agir, nesse momento eu queria estar na floresta empuleirada numa árvore comendo folhas de hortelã.

—Preciso achar Prim.

Deixo tudo sobre a mesa, sua mão me surpreende ao pegar a minha com tamanha determinação.

—Não pode sair agora.- sinto a agonia daqui, não conseguirei ficar aqui sem saber onde minha patinha está.

—Eu preciso.- abaixo o olhar desaprovando seu ato, ninguém me segura dessa maneira.- E me solte agora!

Seus dedos abrem, não há marcas, só a sensação.
Amaldiço-o por causar essas estranhesas em mim.

—Não tenho ideia de como fazer isso.- seus braços giram ao redor.

—Pense que essas criancas são seus irmãos, as alimente enquanto volto.

—Você não entendeu?
Temos que agir de outra maneira aqui!

—Não é porque não estamos na nossa vida que devemos mudar. 
Eu não sou mãe, crianças não gostam de mim e não somos casados!

—Aqui a situação muda ou não percebeu ainda esse anel dourado ai?

É como um tapa bem dado, ele só quer ajuda pra enfrentar essas bombas jogadas em nós.

—Vou encontrar minha irmã.

Ele bufa, coça a nuca subindo os dedos pros cabelos compridos.

Como ela é teimosa!— ouço seu murmuro, mas resolvo ignorar enquanto sigo até a pia, lavo as mãos indo procurar um pano limpo.

Abro as gavetas, encontrando talheres, utensílios e um livro.

A capa está tão bem decorada, com trepadeiras desenhadas junto a flores. Dentes de leão.
A frase: "Livro de memórias", me deixa intrigada.

—Peeta.

Seu corpo fica ao lado do meu, limpo a mesa antes de colocá-lo.

—Esses desenhos são meus.

—É tão bonito.- admito, permitindo que meus dedos passem por cada folha e pétala.

—Abra.

Assim que a primeira página é revelada sinto um descompassar em meus batimentos, é Primrose.
Tão bela, jovem e cheia de vida.

O olhar sereno, a boca fina curvada num sorriso singelo, os longos fios loiros embolados em duas tranças. É seu penteado favorito, assim como era o meu.

—Você também a desenhou?

—Possivelmente.
Mas, eu evoluí muito. Olhe esses traços, sombreados.

Espera, se anos se passaram para nós, Prim deve estar uma adulta.
A animação em vê-la casada com meus sobrinhos me deixa afoita.

Vou virar a página quando uma palavra salta aos meus olhos. Saudade.

Curvo chegando ainda mais perto, devoro as palavras em busca de respostas e não gosto nada do que encontro.

—É mentira.

Vou recuando até topar com uma cadeira, desequilibro e por sorte não caio com tudo.

—Katniss!- Peeta vem me acudir, mas para ao notar que nada aconteceu.
—O que...

Ele revista o conteúdo, a procura do que pode ter me desestabilizado tanto.

—Oh não.

—É mentira.- começo a rir de nervoso, levando as mãos a boca tentando segurar os soluços.
—Prim esta em casa, junto com a mãe e Buttercup.

Balanço a cabeça afirmando, tentando aceitar que tudo está bem.
Mas assim que Peeta aproxima, tenciono o corpo odiando o fato irreversível. Vou chorar.

—Prim está bem.

Estou tão tremula que quebro o copo que tento apanhar, todo o controle emocional que vinha tendo por todos esses anos, se foi.

—Katniss.

Nego, deixando minhas lágrimas rolarem. Já aguentei demais, a dor não para de crescer e tirar meu ar.

Odeio a sensação de sufocamento, a mesma que ocorre quando entro em elevadores desde a morte de meu pai.

—Primrose.

Num sussurro a chamo, dou um passo cedendo.
Meus joelhos dobram e não evito a queda, sou surpreendida por Peeta. Suas mãos tratam de aguentar meu peso, um ato gentil demais pra quem ele praticamente acabou de conhecer.

Igual ao ato do pão.

Uma generosidade inexplicável, rara.

Levo minhas mãos até sua blusa, amasso conforme aperto mais fortemente em busca de um apoio.

Aquele que não tenho a anos. 
Claro, há Gale.
Espero que esteja vivo, não aguentaria perder meu melhor amigo.

Peeta acompanha minha queda, mas não retira seus braços. Apoia minha cabeça em seu peito, prova que os pães não foram jogados sem querer.
Há algo por trás, está claro como seus olhos.

—O que houve?- Haymitch chega afobado, não entendo porque ele se preocupa tanto.
É mais algum mistério que preciso desvendar.

—Prim.- só o nome dela basta para Haymitch entender, não sei o que significa e não quero me importar com isso agora.

So quero que essa dor aguda passe, que essa realidade seja apenas imaginária.

—Cuide dela, garoto. Vou ficar com as crianças.

Sinto a ponta de seus dedos passarem por meus cabelos, permito mesmo que meu impulso seja repudiá-lo.

—Você ouviu, me deixe ajudar você.

Meu silêncio é sua resposta.
Eu permito.

 


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