Depois de todo aquele encontro cinematográfico com meu chefe/novo crush do pedaço, era meio estranho voltar pra agência aquela semana. E se eu encontrasse com Nathaniel pelos corredores? Ia acabar sorrindo pra ele sem perceber? Puxar conversa e perguntar o que ele achou de domingo, ou o contrário, com ele questionando isso pra mim? E se alguém da agência ouvisse? Ele me convidaria pra mais um cafezinho e tudo estaria certo? 

Provavelmente eu não encontraria essas respostas no Globo Repórter e talvez precisasse de alguns conselhos de Júlia. Minha amiga good vibes com certeza tinha essa aura de sabedoria. 

Infelizmente — ou felizmente, vai saber —, não encontrei Nathaniel na agência nem na segunda e nem naquela quarta. Ele também não foi ao Fulano depois do domingo, talvez trabalhando demais.

Por um milagre dos céus, não me atrasei pro casting daquela vez e ainda tive tempo de esperar dar a hora certa na recepção. Infelizmente não encontrei nenhum amigo, sequer sabia se iriam participar daquele casting ou não. Bem, Micalina estava doente e o Kentin eu não sabia que fim teve. Provavelmente passaria aquele, já que estava ocupado com outro trabalho. 

Sem querer falar com os modelos com cara azeda que estavam conversando e balançando os cabelos e roupas chiques pra lá e pra cá, decidi ir ao banheiro para retocar o batom e torcer que não tivesse nada nos meus dentes dessa vez.

Larguei as conversinhas pra trás e segui pelo corredor, virando-o na direção dos banheiros, quando ouvi uma voz familiar:

—… Esse sábado? — Lysandre fez alguma pergunta para Castiel — a qual eu não consegui ouvir completa —, que bebia um refrigerante com uma mão e mexia no celular com a outra. Será que nem falando com os outros ele largava aquele celular?

Em vez de fazer um estardalhaço e anunciar minha entrada no banheiro feminino, retrocedi para a virada do corredor e coloquei parte do rosto para poder observá-los. Torcia para que estivesse espionando certo e ninguém percebesse minha presença ou resolvesse passar por ali.

Certo, esclarecimentos: reduzi meu modo fangirl depois do esporro do Castiel? Já deixei claro que sim. Porém, ainda restava aquela dúvida, aquela mesma que se iniciou na festa da empresa: qual era o nível da relação daqueles dois? Boatos aqui, conversas ali e ninguém — repito, ninguém — naquela agência sabia ou queria falar. Logo, deixei minha curiosidade falar mais alto daquela vez. 

— Vamos ensaiar mais uma vez amanhã — Castiel respondeu, tirando os olhos da tela para o cabeleireiro, que estava ocupado bebendo um café lentamente em um copo. — Pietro tá aqui falando da última demo que mandei no grupo da banda. — Bebeu um gole do refrigerante e desligou a tela do celular, guardando-o no bolso da calça jeans. — Pelo menos essa manhã eles vão me dar sossego. 

Então era por isso que o Castiel ficava o tempo todo naquele celular? Conversando com esse tal Pietro e mais alguns no grupo da banda? E que banda?

— Fico feliz que a Storm Riders abrirá o show do… — Lysandre começou parabenizando o amigo, contudo, foi interrompido por um arroto de Castiel, que terminou de tomar o refrigerante.

Ele não estava brincando aquele dia quando disse sobre arrotar.

— Quarenta minutos de show só — o modelo reclamou, jogando a latinha no lixo.

— É algo a se comemorar. — Lysandre tentou soar positivo com um menear de cabeça e não vi qual era a expressão do outro, já que estava de costas pra mim. — Boa sorte no casting — o cabeleireiro desejou. — Agora preciso ir, tenho que preparar as crianças para o shooting.

— Aqueles pirralhos não conseguiram parar quieto pra gravar ontem? — Castiel questionou com uma risada. — Só você pra ter paciência com eles.

Lysandre apenas devolveu um sorriso para ele e começou a caminhar na minha direção com o copo de café na mão, logo, fiz o mais sensato e tentei disfarçar que estivera ali aquele tempo todo, caminhando normalmente na direção do banheiro. O cabeleireiro educadamente me deu um bom dia e, quando cheguei na porta do toalete feminino, só vi as costas de Castiel se afastarem no corredor para o estúdio. Apenas suspirei e empurrei a porta do banheiro. 

Acabei nem enrolando muito — já que estava quase na hora do início do casting — e me dirigi ao estúdio, recebendo de Chani um papel com o meu número. 

Olhei para as cadeiras e percebi que estavam praticamente todas vazias, exceto pela ocupada por Castiel e outra por um modelo aleatório que eu não sabia quem era. 

Eu podia sentar em qualquer uma? Poderia, mas, é óbvio que não deixaria passar a oportunidade de conversar com meu crush número 1.

Enquanto me encaminho para meu assento, vamos esclarecer algumas coisas deste momento e minha ansiedade, que só não estava mais forte porque passei a maior parte da manhã pensando em como seria encarar Nathaniel e, depois da cena na porta do banheiro, na conversa de Castiel e Lysandre.

Como modelo comercial, eu não fazia apenas fotos para catálogo, mas também comerciais. Sim, aqueles filmados, que poderiam passar na TV ou não. Já fui em vários castings desses quando modelava no Brasil e nunca fui aprovada em nenhum. Agora era minha chance de passar em um — de uma marca até que famosa na França, a River Street — e aparecer na TV francesa. Fim da explicação.

— Caiu da cama hoje? — Castiel questionou assim que percebeu que sentei ao seu lado. Franzi as sobrancelhas e ele escondeu um riso da minha cara. — Você sempre chega em cima da hora ou atrasada.

Minha reação se dividiu entre "que fofo, o crush me notou" e "até ele falando que eu me atraso?".

— Agora as coisas tão sérias, né? É arriscado eu viver chegando atrasada — respondi e cruzei os braços. Castiel encarava Nina e sua assistente montando o equipamento fotográfico e eu encarava ele. — E agora coloquei Baby Shark como despertador e sou obrigada a me levantar pra poder desligar essa música irritante. — Castiel riu, voltando os olhos para mim. Me elogiei mentalmente pelo feito. — Ou isso ou a Júlia vai sair do good vibes e me xingar.

O modelo voltou o sorriso de dentes brilhantes pra mim e meu coração parou uma batida no momento que vi seus olhos cinzentos em mim. E eu li tanto romance clichê ultimamente que estou começando a falar igual às S/N, mas relevemos.

— Conversei com ela antes de ontem. Apesar de ter encontrado vocês na festa mês passado, não sabia que eram próximas. — Então quer dizer que a Júlia tinha conversando com o Castiel por mais do que cinco minutos e ainda falado sobre nós duas? 

— Eu e ela nos conhecemos quando fazíamos um curso de inglês no Brasil e o resto é história — esclareci e ele apenas assentiu com a cabeça, apoiando as mãos atrás dela, totalmente relaxado enquanto esperava o casting começar. 

Mais alguns modelos entraram no estúdio. Mordi o lábio em um questionamento interior se puxava ou não o assunto que queria, já que estava em um tópico ótimo sobre isso, falando de amizades. Bem, custava nada arriscar, não é? O máximo que podia acontecer era levar outro esporro.

— Você e o Lysandre também se conhecem há bastante tempo? — Ele voltou o rosto pra mim, as sobrancelhas erguidas em surpresa. Que eu não tivesse estragado tudo, que eu não estivesse estragado tudo… — Ouvi dizer pela agência que vocês dois são bem próximos. — Me tirei da reta de uma forma que surpreendeu até a mim mesma. Ponto pra mim.

— Nos conhecemos no ensino médio e o resto é história — repetiu a minha frase de anteriormente e disfarcei minha cara de decepção pela falha na resposta à pergunta. 

Pelo menos ele não se invocou com nada e apenas retirou o celular do bolso, desbloqueando e começando a digitar algo. Olhei novamente para Nina e sua assistente finalizando a arrumação e fiz cara de paisagem para o modelo ao meu lado. Ou pelo menos tentei.

— Eu fiquei sabendo por aí que você tem uma banda, é verdade? — Marimar e discrição na mesma frase é algo que realmente não combinava. 

Castiel parou de digitar e olhou surpreso para mim. Que não se invocasse dessa vez…

— Como você descobriu? — perguntou apenas, voltando a digitar no celular.

Segurei um suspiro aliviado.

— Eu ouvi falar por aí… — Na verdade eu ouvi você e o Lysandre falar sobre, mas ele não precisava saber de quem eu obtive a informação.

— Não sabia que você vivia nas rodas de fofoca da agência… — comentou como se fosse alguma censura e arqueei as sobrancelhas, estranhando a reação. 

Considerando como a vida dele era exposta e ele parecia não gostar, não era de estranhar um pouco que Castiel detestasse esse tipo de conversa. Além de que, o modelo parecia não dar a mínima pra saber da vida dos outros.

Fato da vida: as pessoas podiam ser totalmente diferentes do que se vê delas nas redes sociais. Levem isso pra vida.

— Na verdade eu não ando, a maioria dos modelos dessa agência tem tudo cara de azedo. — Castiel riu novamente e sorri, mesmo quando ele mandou a mensagem no celular e voltou a olhar pra mim. Podia contar como uma pequena vitória todas essas risadas que consegui dele? — Mas é meio difícil não ouvir essas conversas, né? Você vai fazer cabelo e maquiagem e eles tão lá, batendo papo.

— Ossos do ofício — disse simplesmente, voltando a olhar pra frente, após ter guardado o celular. Podia contar como mais uma pequena vitória o fato dele estar conversando comigo sem estar com a cara no celular? — Mas eu tenho uma banda, sim — confirmou o que eu já sabia. — Storm Riders.

Fiz um "hummm", como se não tivesse ouvido aquela informação minutos antes.

— E você toca o que?

— Guitarra e vocal — respondeu e sequer precisei disfarçar minha cara de espanto, já que ele não estava olhando pra mim.

— Você canta?! — Consegui dizer depois de voltar o queixo pro lugar. — Eu preciso ver isso, sério! — Controlei meu lado fangirl antes que viesse à tona. — Vocês tocam o que? 

— A gente fala que é rock alternativo, mas não tem um gênero certo. Sabe como a mídia é, querendo rotular tudo — disse com uma certa acidez na voz. Mais uma coisa que Castiel não gostava. — Vamos fazer show em um bar nesse sábado, o Breeze. Vai lá — convidou e eu precisei me segurar na cadeira.

Ele não está te convidando pra um encontro, Marimar. Castiel está apenas falando pra você ir ver o show da banda dele. O lugar com certeza vai estar lotado — nem sei quão grande é esse bar — e as possibilidades de vocês se esbarrarem nem são tão grandes assim.

Exceto que, considerando como minha vida parecia ter virado um grande clichê, era bem capaz que a gente se encontrasse, sim.

— Mas essa banda de vocês é nova? Não ouvi falar na mídia.

— A banda é mais um hobby pra gente, todos temos outros empregos — explicou e o estúdio começou a ficar lotado de modelos, os burburinhos de conversa ao fundo. — Sem contar que pseudônimos tão aí pra isso.

Meu queixo caiu de novo e me perguntei como não tinha pensado nessa possibilidade ainda.

Observei o estúdio lotado, percebendo que eu conhecia os demais modelos apenas de vista ou nem isso. Nem Rosalya estava ali.

— Esse casting vai ser concorrido, né? — puxei o assunto, disfarçando o riso nervoso.

Agora que percebi novamente onde eu estava, e que Nina chamou aquele modelo que chegou antes da gente pra começar o casting, a aflição bateu. Eu podia não passar! 

— Eu provavelmente não vou passar — manifestei o último dos meus pensamentos em voz alta, mesmo sem perceber. Tinha que parar com essa mania.

— Por que não? — Castiel questionou, voltando os olhos pra mim, claramente curioso.

— Eu já fiz trocentos castings pra comerciais no Brasil e nunca passei em nenhum — choraminguei, quase colocando uma unha na boca para roer. Me contentei em apenas batucar os saltos no chão.

— Tá vendo aquele cara lá? — Apontou para o modelo que seguia as instruções de Nina e ficamos um pouco em silêncio, observando-o.

O rapaz loiro desfilou de perto da parede até uma pequena coluna posta no meio da sala. Ele fez pose para a câmera, que filmou cada um dos seus movimentos.

— Tá vendo como ele olha diretamente pra câmera? — Castiel pontuou, apontando para o modelo à frente. — Você tem que olhar pra lente, mas ao mesmo tempo não olhar.

— Isso é o que a gente faz o tempo todo quando está em frente à câmera — contestei. 

— Exato. A diferença é que, dessa vez, todos os seus movimentos são captados. É como se você estivesse sendo observado, mas ao mesmo tempo tem que agir como se não estivesse, entendeu? Presta atenção, ele vai repetir a sequência.

Era verdade, Nina pediu para que ele fizesse a mesma coisa de caminhar até a coluna mais uma vez. Reparei atentamente, como fui orientada. 

— Não parece muito natural — comentei e Castiel voltou a olhar para mim, deixando o outro modelo fazer a sequência dele. 

— Exatamente. Ele caminha como se uma câmera estivesse filmando o tempo todo. 

— O segredo é agir naturalmente, então. Fingir que a câmera não está te filmando — disse antes dele, que assentiu em resposta. Dei um respiro fundo, tentando me acalmar. Até que eu não estava tão aflita quando achei que fosse estar. — Obrigada — agradeci e apenas vi Castiel dar um sorriso de canto, virando o rosto para longe por algum motivo. — Parece que é a sua vez — comentei, vendo que o modelo loiro foi dispensando por Nina. — Boa sorte pra você.

— Boa sorte pra você também, Marimar.— Morri um pouco por dentro quando ele disse meu nome naquele sotaque francês. — Espero trabalhar com você nesse comercial — jogou na minha cara e se levantou, indo na direção da fotógrafa.

Respirei fundo de novo, e dessa vez não era pra me acalmar. 

O Castiel disse que queria trabalhar comigo? E eu conversei com esse mesmo Castiel por uma meia hora inteira? Certo, podia considerar pequena manhã como uma pequena vitória. Aquela semana estava boa demais pra ser verdade.